1 Introdução
A pós-graduação é considerada uma das experiências mais bem-sucedidas do setor de ensino superior e de ciência e tecnologia no Brasil, desde o final dos anos 1960 (Balbachevsky, 2005). Segundo revisão de literatura nacional sobre os estudantes de pós-graduação stricto sensu, de 1995 a 2015, realizada por Silva e Bardagi (2015), menos de 10% dos estudos dedicam-se à análise acerca do perfil dos discentes de pós-graduação. Esta também aparece como uma lacuna de investigação da pesquisa internacional quanto à pós-graduação (Posselt; Grodsky, 2017).
Poucos estudos (Guerin; Jayatilaka; Ranasinghe, 2015; Lamas; Rezende; Mendonça, 2021) tratam das motivações dos estudantes de pós-graduação. O estudo de Elatia et al. (2020), por exemplo, se debruça na avaliação dos atributos dos estudantes de pós-graduação, contribuindo para uma avaliação longitudinal.
Este artigo tem por objetivo analisar as motivações e perfis de estudantes de um programa de pós-graduação com cursos de mestrado e doutorado e seus desdobramentos para a gestão do programa. O trabalho deriva de um projeto de pesquisa mais abrangente que realiza o acompanhamento da trajetória dos estudantes na pós-graduação de um curso de administração de uma universidade pública no estado de São Paulo, Brasil. A experiência dos estudantes é seguida desde a inscrição no processo seletivo até o período pós-defesa.
O foco na área de administração justifica-se em termos do grande número de programas no Brasil (trata-se da quinta área com maior número de programas) e da rápida mudança nos programas em função do crescimento do grau de mestrado profissional nos últimos anos. De acordo com os dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, órgão do Ministério da Educação do Brasil, o Estado de São Paulo possui 45 cursos de pós-graduação (incluindo mestrado e/ou doutorado e/ou mestrado profissional e/ou doutorado profissional) avaliados e reconhecidos na área de Administração Pública e de Empresas,
Ciências Contábeis e Turismo (categoria definida pela Capes). Destes, apenas dez estão fora da região metropolitana de São Paulo e apenas quatro na região em que se localiza o programa aqui analisado (interior de São Paulo).
O Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) foi aberto em 2017. Até 2022, teve 123 ingressantes (69 mestrandos e 54 doutorandos), sendo que 27 defenderam (20 mestres e sete doutores) e dois evadiram. A análise desenvolvida neste artigo foi derivada da percepção sobre diferenças nos perfis e nas motivações para buscar o PPGA, entre os estudantes de mestrado e doutorado, desde o início do oferecimento do programa.
Essa diferença aparece nos estudos de Balbachevsky (2005) e Festinalli (2005), que apontaram que o destino dos mestres em todas as áreas do conhecimento é mais frequente para mercados não acadêmicos. Por outro lado, dados mais recentes do Painel do Emprego do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE (2021) mostram uma situação diversa. Em 2017, do total de mestres e doutores em administração com emprego formal, 51% dos mestres e 86% dos doutores atuavam no setor de educação. Entretanto, essa análise não capta os mestres e doutores sem emprego formal, situação mais comum entre mestres (33%) do que entre doutores (19%) e que pode significar uma trajetória empreendedora, vínculos acadêmicos não formais por meio de participação em projetos de pesquisa, continuidade dos estudos (dos mestres no doutorado), atuação em outro país ou mesmo o desemprego.
Dessa forma, a contribuição original deste trabalho está na discussão sobre os perfis e as motivações dos estudantes de pós-graduação, com ênfase para os programas na área de Administração. Tal discussão reflete aspectos relacionados ao acesso dos estudantes à pós-graduação e à contribuição da pós-graduação para o desenvolvimento dos estudantes tanto em termos de competências quanto em termos de sua inserção profissional. O artigo também tem o mérito de mostrar e avaliar as diferenças internas dentro de um mesmo programa, abordagem que não é comum na
literatura, e os desafios que essas diferenças colocam para a gestão do programa. A análise sobre as motivações também se justifica pelo recente fenômeno de queda de estudantes matriculados na pós-graduação no Brasil (Marques, 2022).
O artigo está estruturado da seguinte forma. Após a revisão da literatura acerca do assunto, são apresentados o PPGA e, na sequência, a metodologia utilizada. O desenho da pesquisa é longitudinal para acompanhar as coortes formadas pelas turmas de inscritos e matriculados por ano de ingresso no programa e utiliza dados primários (via questionários) e secundários. Em seguida, são apresentados os resultados e discussões. Os resultados foram obtidos a partir de tratamento de dados com Análise de Correspondência Múltipla (ACM), associada à técnica hierárquica de clusterização (Hierarchical Clustering on Principal Components). A última seção apresenta as considerações finais e as limitações da pesquisa.
2 Revisão da literatura
Os estudos sobre ensino superior são considerados uma área já bastante consolidada do conhecimento. Muitas são as vertentes de estudos nessa área, com destaque para:
Igualdade de oportunidades, desigualdades sociais, estratificação e diversidade, investimentos em políticas sociais, decisões estratégicas em relação à formação de quadros profissionais e ao desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação no mundo globalizado (Neves; Sampaio; Heringer, 2018, p. 33).
Entretanto, no que se refere aos estudantes, as pesquisas são muito mais desenvolvidas no nível da graduação que da pós-graduação (Posselt; Grodsky, 2017).
As pesquisas sobre os estudantes de pós-graduação disponíveis são recentes e estão concentradas em determinadas áreas do conhecimento, como Saúde (Ferreira et al. 2015; Ferreira; Morrayre, 2013; Louzada; Silva Filho, 2005; Mendes et al. 2011; Teixeira et al. 2017; Viniegra et al. 2019); Ciências Exatas, Tecnologia, Engenharia e
Matemática (STEM) (Crede, 2011; Head et al. 2021; Maclachlan, 2006; Mendes, 2017; Moreira; Velho, 2012); Educação (Abramowicz et al. 2009); Direito (Marks; Moss, 2016); E Administração (Mccray; Joseph-Richard, 2021; Meurer; Costa, 2020; Oliveira; Tenorio, 2020; Stewart; Williamson; King Junior, 2017).
Pode-se elencar pelo menos três temas predominantes nessas pesquisas. O primeiro trata dos fatores que influenciam a conclusão do curso, como a orientação (Bryson, Kowalske, 2022; Costa; Sousa; Silva, 2014; Denis; Colet; Lison, 2019; Duke; Denicolo, 2017; Ismail; Majid; Ismail, 2013; Leite Filho; Martins, 2006; Pyhältö; Vekkaila; Keskinen, 2015), as características sociodemográficas dos estudantes (escolaridade dos pais, raça/cor/etnia, gênero, nacionalidade) (Posselt; Grodsky, 2017) e a integração dos estudantes ao curso (Castelló et al. 2017; Devos et al. 2017; Hay; Samra-Fredericks, 2016). O segundo tema reúne estudos que analisam conjuntamente o perfil dos estudantes egressos com a colocação profissional posterior (Louzada; Silva Filho, 2005; Mendes et al. 2010; Oliveira; Tenorio, 2020; Viniegra et al. 2019). Por fim, há um bom conjunto de pesquisas sobre qualidade de vida e saúde mental dos estudantes da pós-graduação (Imeri et al. 2021; Levecque et al. 2017; Malagris et al. 2009; Mccray; JosephRichard, 2021; Teixeira et al. 2017; Radons; Cunha; Lucca, 2017).
Especificamente, há poucas pesquisas que analisam os perfis e as motivações que os levam a se inscrever para a pós-graduação (Artes, 2013; Posselt, Grodsky, 2017; Stewart; Williamson; King Junior, 2017), já que maior atenção é dada aos egressos em detrimento dos ingressantes. A seguir, resgatamos os temas do perfil dos estudantes e as motivações para o ingresso no pós-graduação.
2.1 Perfil dos estudantes de pós-graduação.
No Brasil, a informação acerca do perfil sociodemográfico dos estudantes de pós-graduação é escassa, pois os dados não fazem parte do censo da educação superior e as bases de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) (agência de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações). Além disso, os dados da Capes apresentam poucas informações sobre as principais características sociodemográficas. Gonçalves et al. (2019, p. 194), comparando os dados das PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)), de 2004 e 2014, observaram que, “embora tenha havido aumento da taxa de negros com pós-graduação, passando de 0,12% (2004) para 0,24% (2013), o crescimento foi ainda maior na taxa de pessoas brancas”. Já os que frequentavam cursos de mestrado e doutorado, em 2013, representavam 1,09% do total da população branca e 0,36% da negra. Em São Paulo, esses percentuais são 1,37% e 0,39%, respectivamente.
Em relação ao gênero, Santos (2020), analisando os dados da PNAD Contínua 2018, constatou que “o número de indivíduos de ambos os gêneros que decidem cursar a pós-graduação é muito baixa” (Santos, 2020, p. 28). No entanto, houve um aumento da participação das mulheres que passaram de 3,2%, em 2016, para 5,3%, em 2018 (Santos, 2020). Para tentar compreender os fatores que levam à decisão de realizar a pós-graduação, a autora comparou os perfis das pós-graduandas com as graduadas em termos das variáveis sociodemográficas da PNAD 2015. Em primeiro lugar, Santos (2020) mostrou que o perfil dos dois grupos é bastante semelhante, sendo que
a mulher com pós-graduação é, na maioria, branca, não mora com a mãe nem com um cônjuge ou com companheiro, não é casada, não nasceu na unidade da federação que habitava, não tem filho, recebe mais de cinco salários-mínimos e tem entre 25 a 30 anos (Santos, 2020, p. 31).
Após o uso da análise de regressão Probit, as variáveis estatisticamente significantes foram a renda (aumento da renda aumenta 23% a probabilidade de fazer pós) e se autodeclarar branca (redução de 12% na probabilidade). Esse último resultado poderia ser explicado pela ação das ações afirmativas no ensino superior ou por falhas na autodenominação de cor.
Segundo Venturini e Feres Júnior (2020), ações afirmativas têm sido estabelecidas pelo menos desde 2002, no sentido de combater as desigualdades no acesso à pós-graduação. Artes (2018), utilizando dados do Censo Demográfico de 2010, discute a desigualdade de gênero e de raça por meio dos índices de paridade de gênero (IPG) – razão mulher/homem – e de raça (IPR) – razão negros/brancos. Entre os estudantes de graduação, o IPG era de 1,33; o IPR, 0,40, mostrando o predomínio de mulheres e o de pessoas brancas. Já entre os estudantes de pós-graduação, o IPG era de 1,05 (situação de paridade dentro da margem de erro); o IPR, 0,34, este último mostrando uma maior desigualdade racial.
No Brasil, há alguns estudos acerca do perfil do estudante de pós-graduação em administração com foco nos egressos sobre desigualdade de gênero e/ou de raça, mas não há uma convergência, devido provavelmente à diferença nas amostras. Oliveira e Tenório (2020), em pesquisa com 629 egressos de instituição de ensino superior privada do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, constatou que o perfil era majoritariamente masculino (70%), com idade média de 37 anos e, entre os mestres, 57% tinham feito especialização anteriormente. Meurer e Costa (2020) realizaram estudo com 1.816 estudantes da área de negócios de todo o país, sendo 51% do gênero feminino, 70% brancos e 52% com idade até 33 anos.
Dessa forma, apesar do crescimento do acesso de negros e mulheres à pós-graduação no Brasil, há preocupações se tomamos a literatura internacional com a falta de diversidade em determinadas áreas (Head et al. 2021), como a de negócios (Stewart; Williamson; King Junior, 2017), na qual está inserida a administração, e com os seus efeitos na estratificação social (Posselt; Grodsky, 2017), na socialização, satisfação e conclusão dos estudos (Ellis, 2001).
2.2 Motivações dos estudantes de pós-graduação.
Em relação à motivação, Guerin, Jayatilaka e Ranasinghe (2015) fizeram uma revisão ampla de estudos, separando os resultados por área do conhecimento. Na área de negócios, os principais motivos para ingressar na pós-graduação foram:
ingresso na academia, desenvolvimento e avanço profissional, entrar em uma nova carreira, enriquecimento pessoal, preparação para docência, promoção para consultoria, obter conhecimentos avançados para empreendedorismo, progresso dentro da organização atual e segurança no emprego (Guerin; Jayatilaka; Ranasinghe, 2015, p. 6).
Já na análise que Lamas, Rezende e Mendonça (2021) desenvolveram com base em questionários aplicados em estudantes de várias áreas e no uso de análise fatorial exploratória, emergiram cinco fatores: apoio da família e dos amigos; motivação intrínseca em busca do conhecimento; influência de professores; experiência prévia em pesquisa e progressão na carreira. Uma das motivações recorrentes em todas as áreas é a expectativa de maior remuneração associada ao título de mestre ou doutor.
Em relação ao mestrado profissional, segundo o estudo de Lamas, Rezende e Mendonça (2021), as maiores expectativas dos estudantes do mestrado profissional em administração estão na formação profissional e dos desdobramentos profissionais esperados (obter maiores salários, aperfeiçoar práticas administrativas no trabalho) e as menores estão relacionadas com o desenvolvimento de pesquisas e ingresso na carreira docente. Já no estudo de Giuliani (2010), também com estudantes de um programa de mestrado profissional em administração, o resultado foi o contrário. As motivações dos estudantes foram sobretudo para a realização de atividades acadêmicas de docência e pesquisa e não para atuar no mercado empresarial.
Raman e Pramod (2021) examinam a empregabilidade de pós-graduados em Administração. Os autores examinam os programas de MBA em Administração nas universidades mais bem ranqueadas na Índia. Argumentam que um aspecto principal da educação em Administração é criar líderes para o mundo corporativo. Os MBA
representam a pós-graduação lato sensu, no Brasil, voltadas para a área profissional, enquanto os programas de mestrado e doutorado são denominados de stricto sensu.
De forma complementar, Andrade, D´Ávila e Oliveira (2004) e Ribeiro (2005) abordam a discussão sobre as motivações para a pós-graduação no Brasil sob a perspectiva das competências exigidas dos pós-graduados para a inserção no mercado de trabalho. Segundo os autores, existe uma demanda social de mestres e doutores para fora e além da academia. Isso significa que, embora haja uma concentração histórica de mestres e doutores com vínculos no setor de educação (CGEE, 2016), assim como um modelo de pós-graduação que estimula fortemente essa trajetória, há um espaço para atuação em outras áreas, sejam com vínculos associados à pesquisa ou não.
Essa discussão remete à própria institucionalização da pós-graduação no Brasil, na década de 1960. Inicialmente, o Parecer 977 de 1965, do Conselho de Educação Superior, conhecido como parecer Sucupira, regulamentou que a pós-graduação deveria formar dois tipos de profissionais, quais sejam, o pesquisador e o especialista altamente qualificados (Festinalli, 2005; Mattos, 2020). O primeiro tipo seria o idealmente oferecido pelo doutorado e, o segundo, pelo mestrado. Entretanto, como aponta Neves (2020), o mestrado não adquiriu um caráter mais profissional e de etapa final da formação, passando a estar associado a uma qualificação da carreira docente e a um pré-requisito para o doutorado. Os principais fatores que contribuíram para essa adaptação foram, por um lado, o desenho da carreira e o processo de recrutamento docente nas universidades públicas, que demandava mestres para o início da carreira e doutores para as posições mais elevadas. Por outro lado, isso foi reforçado pelo processo de avaliação centralizada da Capes. Segundo Baeta Neves (2020, p. 25):
na prática o debate sobre as peculiaridades da formação e da pesquisa na pós-graduação das distintas áreas e sobre a distinção entre mestrado e doutorado cedeu espaço ao debate formal sobre a carreira docente. O ingresso na carreira mudou nas universidades públicas que passaram a exigir o doutorado e experiência de pesquisa. As implicações desta nova situação para a compreensão do mestrado, no entanto, ainda não se fazem sentir.
Nesse sentido, há um entendimento amplo de que a pós-graduação deve ter um duplo papel, que envolve formar pesquisadores e docentes para instituições públicas e privadas de ensino superior, mas também o de formar profissionais qualificados para atuação em outros setores e tipos de instituições (Balbachevsky, 2005). É esse segundo papel sobre a atuação profissional que, embora possa ser explorado também dentro de programas com orientação acadêmica, justificou a criação e ainda justifica a existência dos cursos de mestrado profissional no Brasil na década de 1990 e, mais recentemente, de doutorado profissional (Festinalli, 2005; Giuliani, 2010; Machado; Santos; Quaresma, 2014; Ribeiro, 2005).
No entanto, como discutido por Machado, Santos e Quaresma (2014, p. 957), há países em que tal divisão não existe e é comum compreender o mestrado a partir de sua natureza profissionalizante com uma vertente para a pesquisa, sem que haja fragilização do aspecto profissional em detrimento do de pesquisa, de forma que o mestrado reúne as vias profissional e de pesquisa em um mesmo percurso”. Neste mesmo sentido, segundo Mattos (2020), os dois tipos de programas deveriam ser integrados num único tipo que combinasse a excelência da formação acadêmica e em pesquisa com orientação profissional mais explícita. Moreira e Velho (2012) também argumentam nesta linha, reforçando que, desde os anos 1990, países cientificamente centrais já orientavam sua formação de pós-graduação para variados tipos de atuação profissional, buscando o atendimento de demandas mais amplas da sociedade para além da academia. Por outro lado, há experiências interessantes de mestrado profissional, por exemplo, a apresentada por Gomes e Elizalde (2014) para o caso da Costa Rica, em que esta modalidade enfatiza a pesquisa aplicada, orientada para a
solução de problemas em áreas específicas, com diferenças significativas em relação ao mestrado acadêmico.
Segundo dados do Geocapes, os cursos de mestrado e doutorado profissional correspondem hoje, respectivamente, a 12% e 1% do total de cursos de pós-graduação stricto sensu reconhecidos no país. A área de Administração, por sua natureza aplicada, ocupa a terceira posição no número de cursos profissionais, ficando atrás das áreas de ensino e saúde coletiva: são 29% do total de cursos de mestrado profissional e 2% dos cursos de doutorado profissional, com grande concentração no Estado de São Paulo. Trata-se do resultado de uma trajetória que se delineia desde a década de 1990, como apresentado por Cirani, Campanario e Silva (2015), que destaca a alta taxa de crescimento do número de cursos de mestrado profissional na pós-graduação na área de administração, em comparação com o mestrado e doutorado acadêmico, entre 1998 e 2011.
É possível discutir que, apesar do crescimento e consolidação dos mestrados profissionais na área de administração, as fronteiras entre eles e os cursos acadêmicos ainda é muito tênue. Apesar de o mestrado profissional ter surgido com uma proposta de diversificação pela CAPES (Balbachevsky, 2005), segundo Festinalli (2005), não houve diferenciação suficiente do título acadêmico, dado que alguns critérios continuaram semelhantes, como o perfil esperado dos egressos, voltado tanto para o mercado quanto para a academia, e os indicadores de avaliação da CAPES. Isso acaba acarretando dubiedade nas expectativas dos estudantes. Em seguida, focamos o programa acadêmico em Administração objeto do estudo deste artigo.
3 O Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Estadual de Campinas
A missão do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da Universidade Estadual de Campinas é formar mestres e doutores para contribuir em alto nível com a produção científica nacional e internacional, com o desenvolvimento da pesquisa e com o ensino superior. Para tanto, estrutura-se para oferecer sólida base teórica, capacidade crítica e inovadora, de forma comprometida com o desenvolvimento científico e tecnológico, mirando as demandas da sociedade.
O PPGA tem como objetivos específicos: (a) contribuir para o avanço do conhecimento de fronteira na área da Administração; (b) desenvolver métodos e ferramentas aplicáveis às práticas de gestão, ao empreendedorismo e à sustentabilidade; (c) formar pesquisadores com conhecimento científico avançado em Administração; (d) capacitar os estudantes com diferentes abordagens organizacionais e visão integrada de negócios em ambientes competitivos e cooperativos; (e) contribuir com o desenvolvimento do entorno regional e integrado nos debates nacionais e internacionais relevantes.
Em relação ao perfil do egresso, o programa se propõe a formar mestres e doutores capacitados para: (a) a atuação acadêmica em ensino, pesquisa e extensão em Administração e áreas correlatas; (b) a realização de atividades aplicadas de pesquisa organizacional, processo decisório, sustentabilidade e empreendedorismo; (c) a ação em áreas estratégicas, que envolvam a solução de problemas de alta complexidade.
O curso de mestrado prevê o oferecimento de 15 disciplinas com quatro créditos cada uma; destas, três disciplinas são obrigatórias e 12 são eletivas, seis delas em cada uma das duas linhas de pesquisa. São necessários 26 créditos para a conclusão do mestrado, além da dissertação defendida em banca examinadora. O curso de doutorado compartilha o mesmo catálogo de disciplinas eletivas do mestrado, acrescidas a elas três disciplinas específicas. As aulas ocorrem nos períodos matutino, vespertino e/ou noturno, de acordo com o oferecimento das disciplinas em determinado semestre. São necessários 38 créditos para a conclusão do doutorado, além da tese defendida em banca examinadora.
Em 2022, o PPGA contava com 24 docentes permanentes e três colaboradores. Quatro docentes compõem a comissão do programa, sendo um deles o coordenador. O processo seletivo ocorre todos os anos e é organizado em duas etapas para os candidatos habilitados. A primeira etapa, de caráter eliminatório e classificatório, consiste na avaliação do desempenho do candidato no Teste ANPAD. Trata-se de um teste de proficiência aplicado em âmbito nacional desde 1987 pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, com 220 cursos de pós-graduação em Administração e Ciências Contábeis em seus processos seletivos. Tendo alcançado a pontuação mínima exigida no teste, os candidatos são convocados para a segunda etapa, na proporção de dois candidatos por vagas. A segunda e última etapa do processo seletivo, de caráter classificatório, consiste na arguição oral do candidato. Após a arguição, os candidatos recebem uma nota com pontuação de 0,0 a 10,0, considerando uma média ponderada dos valores atribuídos aos seguintes critérios: nota geral teste ANPAD; análise curricular; desempenho na arguição e relevância, alinhamento do pré-projeto e projeto de pesquisa com as linhas de pesquisa do PPGA.
4 Metodologia
Trata-se de um desenho da pesquisa longitudinal para acompanhar os estudantes do programa a partir de quatro tipos de questionários: questionário de inscrição (orientado aos inscritos e habilitados no processo seletivo); questionário de acompanhamento (a ser preenchido pelos estudantes dos cursos durante seu desenvolvimento); questionário de saída (a ser preenchido no momento da evasão ou desligamento por outro motivo); e questionário para alumni (a ser preenchido pelos egressos periodicamente). Os dados analisados neste artigo foram obtidos a partir da aplicação do questionário de inscrição, orientado aos inscritos e habilitados no processo seletivo do PPGA. O questionário foi elaborado por meio de uma revisão sistemática da literatura e de outros questionários internacionais para finalidades semelhantes como exposto em Carneiro et al. (2019). O pré-teste foi feito com a equipe de pesquisadores e estudantes selecionados. O questionário, aprovado pelo comitê de ética, foi desenvolvido e aplicado em língua portuguesa.A Tabela 1 apresenta o número de discentes de mestrado e doutorado que responderam ao questionário, excluindo as respostas incompletas. Esses discentes são ingressantes do programa entre 2017 e o ano de 2022.
Ano de ingresso | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Questionário de inscrição | Mestrado | 5 | 5 | 10 | 10 | 12 | 5 |
% respostas | 100% | 100% | 92% | 62% | 70% | 100% | |
Doutorado | 5 | 6 | 6 | 6 | 8 | 11 | |
% respostas | 100% | 88% | 100% | 86% | 100% | 100% |
Fonte: elaboração própria.
Foram analisadas as respostas quanto às expectativas e motivações em relação ao programa, sendo elas: continuar estudos para seguir na carreira acadêmica; melhorar a inserção profissional na área de administração no setor privado; melhorar a inserção profissional na área de administração no setor público; buscar contatos profissionais na área de administração; ampliar os conhecimentos sobre um ramo específico da Administração; migrar profissionalmente para a área de administração; conquistar melhores salários e promoções de trabalho; abrir o próprio negócio e conseguir uma bolsa de estudos.
Cabe destacar que quanto ao motivo da escolha do programa, o questionário se baseou e reforçou aspectos positivos das variáveis. Não foram utilizados aspectos negativos, por exemplo, “optou pelo programa porque não tinha outra escolha”; “porque estava desempregado”. Além disso, foram empregadas variáveis referentes à realização de curso de especialização, de iniciação científica, experiência com empreendedorismo (aqui compreendido como a sociedade em empresas) e tipo de atuação profissional no momento da inscrição. Também foram analisadas respostas sobre características sociodemográficas: cor/raça, identidade de gênero, idade, renda per capita familiar e maior grau de instrução dos pais. A Tabela 2 apresenta a lista de variáveis empregadas e suas respectivas siglas.
Variável | Sigla |
---|---|
Nível: mestrado ou doutorado | Nivel |
Realização anterior de curso de especialização com, pelo menos, 360 horas | Especialização |
Participação anterior em sociedade de empresas | SociodeEmpresa |
Idade ao ingressar no programa | IdadeIngr |
Trabalho atual desempenhado na administração pública, empresas, órgãos internacionais, entidades sem fins lucrativos ou pessoa física | TrabalhoAtual |
Expectativa em relação ao Programa: Continuar estudos para seguir na carreira acadêmica | CarreiraAcad |
Expectativa em relação ao Programa: Melhorar a inserção profissional na área de administração no setor privado | AdmPrivado |
Expectativa em relação ao Programa: Melhorar a inserção profissional na área de administração no setor público | AdmPubl |
Expectativa em relação ao Programa: Buscar contatos profissionais na área de administração | ContatosAdm |
Expectativa em relação ao Programa: Ampliar os conhecimentos sobre um ramo específico da Administração | RamoAdm |
Expectativa em relação ao Programa: Migrar profissionalmente para a área de administração | MigrarAdm |
Expectativa em relação ao Programa: Conquistar melhores salários e promoções de trabalho | Promoções |
Expectativa em relação ao Programa: Abrir meu próprio negócio | AbrirNegócio |
Expectativa em relação ao Programa: Conseguir uma bolsa de estudos | BolsaEstudos |
Cor/Raça | CorRaca |
Identidade de gênero | IdGenero |
Número de salários-mínimos por pessoa na família | SMporpessoa |
Maior grau de instrução dos pais | MaiorInstrPais |
Realização anterior de iniciação científica | IniCient |
Fonte: elaboração própria.
Para analisar o perfil e as expectativas dos pós-graduando, utilizou-se a Análise de Correspondência Múltipla (ACM) em associação com a Hierarchical Clustering on Principal Components (HCPC). Essa associação pode ser utilizada na área das ciências humanas e sociais para estudar um grupo de indivíduos com diversas características qualitativas (Hjellbrekke, 2018). Na ACM é possível descrever e visualizar variáveis categóricas de um conjunto de indivíduos I e variáveis K, representado como uma nuvem de indivíduos em um subespaço euclidiano de baixa dimensão (Husson; Josse; Pagès, 2010; Di Franco, 2016). Após a visualização e descrição da diversidade dos indivíduos, a ACM foi utilizada como pré-processamento, antes do agrupamento hierárquico e particionário.
Por meio do método Ward da ascendant hierarchical clustering (Greenacre; Blasius, 2006; Ward, 1963), construiu-se uma árvore hierárquica nas primeiras componentes principais da ACM, a fim de preservar as principais informações, eliminar o ruído e tornar a clusterização robusta (Husson; Josse; Pagès, 2010). Aplicou-se, então, um particionamento k-means nos resultados da ascendant hierarchical clustering, conforme proposto por Husson, Josse e Mazet (2016), por meio da utilização da função HCPC do pacote R FactoMineR. O efeito dessa implementação é validado pela razão entre between inertia e total inertia (Greenacre, Blasius, 2006; Husson; Josse; Pagès, 2010). Por fim, os clusters são representados no mapa fatorial da ACM (Di Franco, 2016; Kassambara, 2017), utilizando o software R/RStudio.
Como o número de elementos na amostra é de 74 discentes (considerando as respostas completas), não é possível extrapolar os resultados obtidos para quando novos discentes ingressarem no programa a partir de 2023. Todavia, os clusters resultantes caracterizam essa amostra de estudantes entre 2017 e 2022, e são válidos para a análise exploratória por meio da análise de correspondência múltipla dos dados das turmas analisadas ao longo dos cinco anos. Na próxima seção, os resultados são apresentados.
5 Resultados
Os resultados da análise associada à HCPC mostram a existência de três clusters (Figura A-2 e Figura A-3 do Apêndice). O cluster 1 corresponde a 49% dos respondentes e é caracterizado por ter em sua maioria estudantes de mestrado (63,6%); a maioria não fez iniciação científica (68,2%); fez especialização (68,2%) e trabalhava em atividades empresariais (45,5%). Inclui indivíduos que já foram sócios de empresas (45,5%), o maior percentual dentre os três clusters. Em termos de características sociodemográficas, o cluster 1 é composto sobretudo por brancos (95,5%); maioria de homens (61,4%) e, quanto ao grau de instrução dos pais, os mais frequentes são nível superior (29,5%) ou pós-graduação (29,5%). A idade no ingresso é a maior dentre os três clusters com mediana de 37 anos. A comparação entre os clusters 1, 2 e 3 para essas variáveis é apresentada na Tabela 3 (motivações para escolha do programa; instituição e experiência do aluno) e na Tabela 4 (variáveis sociodemográficas).
Variáveis | Categorias | Cluster 1 | Cluster 2 | Cluster 3 |
---|---|---|---|---|
Nível | Mestrado | 63,3% | 48,0% | 40,0% |
Doutorado | 36,0% | 52,0% | 60,0% | |
Carreira Acadêmica – expectativa | Alta/Muito Alta | 84,1% | 100,0% | 95,0% |
Muito Baixa/Baixa | 15,9% | 0,0% | 0,0% | |
Não tinha essa expectativa | 5,0% | |||
Administração Privada – expectativa | Alta/Muito Alta | 68,2% | 80,0% | 45,0% |
Muito Baixa/Baixa | 29,5% | 20,0% | 20,0% | |
Não tinha essa expectativa | 2,3% | 35,0% | ||
Administração Pública – expectativa | Alta/Muito Alta | 40,9% | 64,0% | 35,0% |
Muito Baixa/Baixa | 52,3% | 12,0% | 20,0% | |
Não tinha essa expectativa | 6,8% | 24,0% | 45,0% | |
Contatos Administração – expectativa | Alta/Muito Alta | 52,3% | 92,0% | 55,0% |
Muito Baixa/Baixa | 45,5% | 4,0% | 30,0% | |
Não tinha essa expectativa | 2,3% | 4,0% | 15,0% | |
Ramo Administração – expectativa | Alta/Muito Alta | 93,2% | 96,0% | 80,0% |
Muito Baixa/Baixa | 6,8% | 4,0% | 15,0% | |
Não tinha essa expectativa | 5,0% | |||
Migrar Administração – expectativa | Alta/Muito Alta | 34,1% | 40,0% | |
Muito Baixa/Baixa | 52,3% | 16,0% | ||
Não tinha essa expectativa | 13,6% | 44,0% | 100,0% | |
Promoções – expectativa | Alta/Muito Alta | 54,5% | 88,0% | 70,0% |
Muito Baixa/Baixa | 40,9% | 8,0% | 30,0% | |
Não tinha essa expectativa | 4,5% | 4,0% | ||
Abrir negócio – expectativa | Alta/Muito Alta | 20,5% | 36,0% | 5,0% |
Muito Baixa/Baixa | 72,7% | 28,0% | 5,0% | |
Não tinha essa expectativa | 6,8% | 36,0% | 90,0% | |
Bolsa de Estudo – expectativa | Alta/Muito Alta | 18,2% | 76,0% | |
Muito Baixa/Baixa | 75,0% | 16,0% | 20,0% | |
Não tinha essa expectativa | 6,8% | 8,0% | 80,0% | |
Especialização | Não realizada | 31,8% | 64,0% | 45,0% |
Realizada | 68,2% | 36,0% | 55,0% | |
Iniciação Científica | Realizada | 31,8% | 32,0% | 25,0% |
Não realizada | 68,2% | 68,0% | 75,0% | |
Sociedade em Empresas | Nunca foi sócio | 54,5% | 96,0% | 60,0% |
Já foi sócio | 45,5% | 4,0% | 40,0% | |
Trabalho Atual | Administração Pública | 18,2% | 8,0% | 40,0% |
Não trabalha | 20,5% | 56,0% | 25,0% | |
Atividades Empresariais | 45,5% | 28,0% | 15,0% | |
Organizações sem fins lucrativos | 15,9% | 8,0% | 20,0% |
Fonte: elaboração própria.
Variável | Categoria | Cluster 1 | Cluster 2 | Cluster 3 |
---|---|---|---|---|
Cor/Raça | Branca | 95,5% | 64,0% | 90,0% |
Não informou cor/raça | 0,0% | 0,0% | 10,0% | |
Preta/Parda | 4,5% | 36,0% | 0,0% | |
Identidade de Gênero | Homem | 61,4% | 36,0% | 75,0% |
Mulher | 38,6 % | 64,0% | 25,0% | |
Renda per capita (salários-mínimos) | Média | 4,7 | 3,9 | 5,7 |
mediana | 4,5 | 3,0 | 4,5 | |
Idade no ingresso | Média | 36 | 29 | 35 |
Mediana | 37 | 28 | 32 | |
Maior Grau de Instrução dos Pais | Pós-graduação | 29,5% | 8,0% | 25,0% |
Superior | 29,5% | 48,0% | 40,0% | |
Médio | 20,0% | 40,0% | 35,0% | |
Fundamental | 20,5% | 0,0% | 0,0% | |
Outro | 0,0% | 4,0% | 0,0% |
Fonte: elaboração própria.
O cluster 2, que corresponde a 28% dos respondentes, é caracterizado por ter em sua maioria estudantes de doutorado (52,0%); a maioria não fez iniciação científica (68,0%), tampouco cursou especialização de 360 horas (64,0%); não foram sócios de empresas (96,0%) e a maioria não trabalhava no momento do ingresso no Programa (56,0%). Em termos sociodemográficos, o cluster 2 é composto por majoritariamente por brancos (64,0%), mas é o cluster com maior percentual de pretos/pardos (36,0%); maioria de mulheres (64,0%); e, quanto ao grau de instrução dos pais, os mais frequentes são nível médio (40,0%) ou superior (48,0%). A idade no ingresso é a menor dentre os três clusters com mediana de 28 anos.
O cluster 3 corresponde a 23% dos respondentes, sendo o menor dos três clusters e é caracterizado por ter em sua maioria estudantes de doutorado (60,0%); a maioria não fez iniciação científica (75,0%), mas fez especialização de 360 horas (55,0%); alguns foram sócios de empresas (40,0%) e o trabalho mais frequente é na administração pública (40,0%). Em termos sociodemográficos, o cluster 3 é composto, em sua maioria, por brancos (90,0%); homens (75,0%) e, quanto ao grau de instrução dos pais, o mais frequente é o nível superior (40,0%). A idade no ingresso é intermediária dentre os três clusters com mediana de 32 anos.
Quanto à expectativa em relação ao Programa, no cluster 1 se destaca a expectativa alta para ampliar os conhecimentos sobre um ramo específico da Administração (93% expectativa alta); as expectativas mais baixas para migrar profissionalmente para a área de administração (52% expectativa baixa); abrir o próprio negócio (73% expectativa baixa) e conseguir uma bolsa de estudos (75% expectativa baixa).
No cluster 2, destacam-se as maiores expectativas para continuar estudos para seguir na carreira acadêmica (100% expectativa alta); melhorar a inserção profissional na área de administração no setor privado (80% expectativa alta); melhorar a inserção profissional na área de administração no setor público (64% expectativa alta); buscar contatos profissionais na área de administração (92% expectativa alta); ampliar os conhecimentos sobre um ramo específico da Administração (96% expectativa alta); conquistar melhores salários; obter promoções (88% expectativa alta) e conseguir uma bolsa de estudos (76% expectativa alta).
No cluster 3, destacam-se as ausências de expectativa para migrar profissionalmente para a área de administração (100% não tinham essa expectativa) e para conseguir uma bolsa de estudos (80% não tinham essa expectativa).
É possível perceber que os estudantes do cluster 1, mais característico dos estudantes do mestrado do PPGA, têm uma orientação mais profissional, enquanto os estudantes dos clusters 2 e 3 têm uma orientação mais acadêmica. Essa orientação mais profissional revela-se justamente na busca pelo programa após um período de inserção profissional dos estudantes (média de cerca de oito anos), que veem no PPGA uma oportunidade para ampliar sua capacitação e para obter uma melhor inserção no mercado, inclusive em termos dos ganhos associados. Essa orientação profissional revela-se também pela não realização prévia de iniciação científica, mais comum para aqueles que já possuem durante a graduação uma perspectiva acadêmica. A iniciação científica no Brasil é uma etapa de entrada do estudante, ainda de graduação, na atividade de pesquisa.
Não há, na região do PPGA, universidades públicas que ofereçam mestrados profissionais. Essas modalidades têm sido oferecidas em faculdades ou universidades privadas, nas quais o ensino é pago. Desse modo, pode-se perceber que, ainda que haja uma orientação mais profissional dos estudantes, o mestrado acadêmico em universidade pública responde aos anseios dos pertencentes ao cluster 1. É relevante mencionar que o mestrado profissional no Brasil também não avançou claramente rumo a um papel diferenciador em relação ao mestrado acadêmico, conforme discutido anteriormente.
Por outro lado, os clusters 2 e 3 revelam um interesse e trajetória mais acadêmica. A diferença é que, no cluster 3, esse interesse ocorre mais tardiamente nos indivíduos, após um período de inserção profissional. Ou seja, são estudantes que se graduaram, trabalharam e foram realizar o mestrado ou doutorado depois dessa primeira etapa profissional, buscando complementar sua formação e, se possível, seguir a carreira acadêmica. Como se pode observar, são muitos neste cluster que realizaram especialização. O vínculo empregatício predominante na administração pública sugere uma trajetória diferente dos demais clusters.
Por fim, o cluster 2 representa um grupo minoritário de indivíduos que buscaram um caminho mais linear entre graduação, mestrado e, em alguns casos, doutorado. Uma parte importante não fez especialização, nunca foram sócios em empresas e não estavam trabalhando no momento da inscrição no PPGA. São naturalmente estudantes mais jovens que os dos outros dois clusters e com menor renda per capita. Um ponto que merece destaque é o perfil sociodemográfico distinto do cluster, já que possui 36% de indivíduos que se declaram pretos e pardos (em contraposição aos 95,5% de indivíduos autodeclarados brancos no cluster 1 e dos 90% de brancos no cluster 1) e 64% de mulheres.
As variáveis qualitativas consideradas na análise estão na Figura A-1 do Apêndice, que apresenta a contribuição relativa de cada uma delas para a composição dos clusters.
5 Considerações finais
Este artigo analisou perfis e motivações de estudantes de um programa de pós-graduação com cursos de mestrado e doutorado, trazendo contribuições conceituais, metodológicas e empíricas. Sob a perspectiva conceitual, o texto revisa trabalhos que se debruçaram sobre motivações de estudantes de pós-graduação, com ênfase para a área de negócios. Metodologicamente, as contribuições dizem respeito ao acompanhamento longitudinal dos ingressantes, o que é raro de ser encontrado. São procedimentos que permitem uma melhor análise dos discentes ao longo do tempo, o que é particularmente relevante para um programa que completou seu primeiro ciclo de avaliação em 2020 e que ainda tem o desafio de consolidar seu perfil e vocação. No entanto, trata-se de uma contribuição pertinente também para programas já consolidados, seja na área de administração, seja em outras áreas.
Por fim, os achados do artigo permitem discutir as motivações e os próprios efeitos esperados da pós-graduação, trazendo insumos para a gestão do programa. Conforme discutido anteriormente, os resultados da análise mostram a existência de três clusters: o cluster 1, com orientação mais profissional, menor diversidade de gênero e raça e idade de ingresso mais elevada; o cluster 2, formado por indivíduos com uma trajetória acadêmica entre graduação, mestrado e doutorado mais linear e contínua, maior diversidade de gênero e raça, e idade de ingresso mais baixa; e, por fim, o cluster 3, também com uma orientação mais acadêmica, ainda que tardia, dada a experiência profissional prévia dos estudantes e com baixa diversidade de gênero e raça.
Não é possível saber se a existência desses perfis diversos é fruto de uma história relativamente recente do próprio PPGA, se é característica de um programa de pós-graduação em uma área bastante aplicada – que atrai tanto indivíduos em busca de formação mais profissional quanto acadêmica –, ou mesmo um misto entre essas perspectivas. No entanto, em termos de implicações para a gestão e operação do
PPGA, estas são indagações que podem ajudar a repensar o processo seletivo do programa, assim como suas práticas pedagógicas e estrutura curricular.
Se a opção do PPGA for, em médio prazo, acolher perfis diversos, será necessário ponderar o uso do teste da ANPAD como fator eliminatório e classificatório do processo seletivo, uma vez que o teste tende a privilegiar aqueles que possuem um conhecimento mais formal de administração, seja pela proximidade temporal e/ou temática com a área da graduação e/ou mestrado. Ademais, é importante considerar achados que indicam que o uso de testes dessa natureza não prediz o desempenho dos estudantes durante os programas de pós-graduação (POSSELT; GRODSKY, 2017). É preciso também ponderar o peso de elementos considerados na análise curricular, uma vez que iniciação científica e publicações prévias podem privilegiar um perfil mais acadêmico, enquanto experiências de trabalho privilegiam um perfil mais profissional.
Outro elemento relevante sobre o processo seletivo diz respeito à diversidade. A baixa diversidade de gênero e raça no programa, observada nos clusters 1 e 3, pode estar relacionada com vieses do próprio processo seletivo ou com o próprio perfil de indivíduos que buscam o programa. Esse resultado condiz com os estudos de Rosemberg (2013), que afirma existir uma desigualdade de acesso, permanência e sucesso na educação de pessoas com perfis de menor acesso a recursos econômicos, pais com escolaridade reduzida, originárias de área rural, negras e indígenas ou provenientes da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nesse sentido, como agenda de pesquisa, vale comparar o perfil dos candidatos inscritos que não foram selecionados nos processos seletivos com o perfil dos matriculados traçado aqui.
Ainda sobre esse tema, vale ressaltar que não só é importante ampliar os esforços de igualdade de gênero na seleção e admissão dos candidatos, mas também garantir que as instituições educacionais permitam que as experiências e tratamento dados às mulheres seja similar ao dado aos homens.
Além de afetar o processo seletivo, a discussão acerca da identidade do PPGA rebate também sobre a sua estrutura curricular e práticas pedagógicas. Embora a expectativa de seguimento de carreira acadêmica seja evidente em todos os três clusters, também há significativa motivação dos estudantes para a atuação na administração privada e pública, na busca de contatos profissionais na área de administração e na ampliação de conhecimentos sobre um ramo específico da Administração.
Nesse sentido, considerando os resultados da pesquisa e a revisão da literatura, algumas possibilidades se abrem para o programa. Uma possível transição do atual mestrado acadêmico do PPGA para um mestrado profissional pode entrar em pauta. Dado os perfis e as motivações de parte importante dos mestrandos, que mesclam o interesse acadêmico com o profissional e que optam por conciliar os estudos de pós-graduação com um trabalho em tempo integral ou parcial, o mestrado profissional poderia ser uma escolha mais atrativa. No entanto, isso depende da própria consolidação desse modelo como uma opção diferenciada em relação ao mestrado acadêmico, de forma que o mestrado possa significar uma etapa final de formação e não apenas um meio para alcançar o estágio do doutorado (Balbachevsky, 2005; Cirani; Campanario; Silva, 2015; Festinalli, 2005; Giuliani, 2010).
Como alternativa, o programa poderia continuar sendo acadêmico, combinando a excelência da formação acadêmica e em pesquisa com orientação profissional mais explícita como sugerido por Mattos (2020), Moreira e Velho (2012) e Giuliani (2010). Isso traz implicações para a grade curricular e também para o próprio produto final. Por exemplo, é importante mesclar conteúdos mais teóricos com conteúdos mais práticos nas disciplinas, assim como estimular trabalhos mais acadêmicos (como produção de artigos), trabalhos mais transversais (menos conteúdos e mais resolução de problemas) e trabalhos mais aplicados às práticas da administração pública e privada, ressaltando o caráter profissional. Nessa mesma linha, a opção de doutorado direto pode se mostrar relevante para os interessados na carreira acadêmica.
Nesse contexto, a agenda de pesquisa para a qual este trabalho aponta é de ampliação de estudos similares, considerando outros cursos e instituições. Isso porque o levantamento e seguimento dos dados dos estudantes, desde o momento da escolha do curso e ao longo de sua trajetória, traz insumos importantes para a atração, o recrutamento e a retenção dos estudantes, garantindo sua satisfação e contribuindo, em certa medida, para a conclusão do mestrado e doutorado, além do sucesso do programa (Posselt; Grodsky, 2017).
De forma complementar, esse tipo de esforço permite uma compreensão mais ampla sobre os diferentes fatores que influenciam a aplicação, seleção, matrícula e conclusão da pós-graduação, incluindo idade, formação anterior, perfil socioeconômico, sexo, raça, entre outros aspectos (Posselt; Grodsky, 2017). Como colocado por Guerin, Jayatilaka e Ranasinghe (2015), todos esses elementos podem ajudar os programas de pós-graduação a consolidarem ou mesmo reformularem sua identidade ao longo do tempo em um processo de coevolução entre perfis e motivações dos estudantes, mercado de trabalho e as próprias instituições educacionais.
Em termos de limitações da pesquisa é importante reforçar a impossibilidade de generalização dos resultados encontrados até o momento para as próximas turmas do PPGA. Estudo retrospectivo de Hortale et al. (2014) mostrou, por exemplo, diferenças na motivação para buscar os programas de Pós-Graduação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entre as diferentes coortes de egressos entre 1984 e 2007, devido à especialização das linhas de pesquisa que o programa foi adquirindo. Outra limitação refere-se à opção por construir um questionário destacando aspectos positivos da escolha do estudante.