A ciência da Educação é um campo de saber fundamentalmente mestiço, em que se cruzam, se interpelam e, por vezes, se fecundam, de um lado, conhecimentos, conceitos e métodos originários de campos disciplinares múltiplos, e, de outro lado, saberes, práticas, fins éticos e políticos.
(CHARLOT, 2006, p. 9)
Introdução
As profundas mudanças pelas quais a área educacional vem passando nos últimos tempos, frente ao impacto das inovações tecnológicas e outros desafios da modernidade, têm posto em questão o modelo organizacional e de gestão dos educadores de Redes Confessionais. O primeiro fator a impactar a gestão das Redes Educacionais Confessionais é a falta de vocações - religiosos consagrados - disponíveis para gerir as escolas (ZANON, 2012, p. 46). Diante de tal escassez, as Redes Educacionais Confessionais se veem obrigadas a buscar um novo modelo de gestão configurado pela atuação de leigos, profissionais da área.
Balbinot (2015) afirma que tais mudanças acabam por confrontar as escolas confessionais com o olhar mercadológico, traduzido na cobrança dos pais e da sociedade em geral. Uma cobrança por resultados, geralmente associados ao bom desempenho nas avaliações oficiais e ao acesso a boas universidades. Originalmente, a escola confessional era vista como uma instituição religiosa e não como entidade educadora capitalista. Para contextualizar essa mudança, Balbinot cita Benincá (1987):
[...] O respeito que os pais dedicavam à escola confessional não se originava apenas da produção de uma boa qualidade de ensino. A religião, liderada pela Igreja Católica, detinha a hegemonia tanto educacional como cultural. Os pais, ao enviarem seus filhos para a escola confessional, esperavam que esta oportunizasse uma sadia formação religiosa. A escola era vista, portanto, como instituição religiosa, e não como entidade capitalista. Em tal contexto seria impossível levantar a mão contestatória contra os Religiosos-Educadores que atuavam na escola. [...] (BENINCÁ, 1987, p. 50 apudBALBINOT, 2015, p. 98).
Murad (2012) contribuiu com essa reflexão ao afirmar que as organizações sociais e religiosas desenvolveram pouco o profissionalismo no seu trabalho. Têm dificuldade em lidar com resultados. Por isso mesmo, muitas delas, hoje, buscam conhecer e introduzir a gestão sistematizada para garantir sua viabilidade, e por vezes não conseguem conciliar seus valores com a eficácia necessária.
Nota-se que fatores como a globalização do mercado, a disseminação da informação nas redes sociais, a competitividade, a interculturalidade, a reconfiguração de valores na modernidade, entre outros aspectos, têm impactado fortemente a configuração das Redes Confessionais. Além disso, “a escola confessional se laicizou. Aos olhos dos pais e da sociedade, passa a ser encarada como uma empresa que fornece serviços educacionais” (BALBINOT, 2015, p. 99).
Ressalta-se que os desafios enfrentados na educação na atualidade não se limitam apenas ao Brasil. O tema foi discutido na I Conferência Ibérica de Sociologia da Educação, em Lisboa, Portugal, “Mal-estar na Educação: o declínio do Humanismo. A Educação na Europa do Sul, constrangimentos e desafios em tempos incertos” (ALVES et al., 2018).
Com base no exposto, compreendemos que o desafio de conciliar valores com eficácia educacional e a necessidade de reinventar a forma de gestão e de ressignificar a confessionalidade na modernidade configuram o problema levantado por esta investigação acadêmica que teve como objetivo geral responder ao seguinte questionamento: Com os efeitos da modernidade e as exigências impostas pelo mercado educacional, como as redes confessionais conseguem preservar a sua identidade institucional, assegurar o desenvolvimento dos seus valores e a continuidade da missão?
No enfrentamento dessa questão atua a Rede Marista de Educação, objeto deste estudo. Pertencente ao Instituto dos Irmãos Maristas, uma congregação religiosa católica fundada por Marcelino Champagnat em 1817, atualmente os Maristas estão presentes em mais de 80 países com obras sociais, ações missionárias, Redes de Colégios de Educação Básica, Universidades e Editoras.
A Problematização do ProblemaUma vez definidos o problema e o objeto de estudo, coube-nos problematizar o problema, em concordância com Guba (1990) que afirma ser “através da investigação que se refletem e problematizam os problemas nascidos na prática, que se suscita o debate e se edificam as ideias inovadoras” (GUBA, 1990, apudCOUTINHO, 2015, p. 7). Nesse sentido, elaboramos três questões que confrontam o problema com os desafios que o compõem, buscando evidenciar a origem, os processos e as relações internas contidas no objeto de estudo.
De que maneira o Instituto mantém e dissemina a Identidade e os Valores Maristas para as Províncias?
De que forma as Províncias transformam os Valores Maristas em diretrizes educacionais para os Colégios?
Como a liderança dos colégios apreende e dissemina o conhecimento da Identidade e dos Valores na rotina escolar?
Considerando a abrangência do tema, procuramos aprofundar conceitos das áreas de Educação e Valores e Gestão e Liderança, situando-os nas especificidades da Educação Confessional, contemplados nos objetivos específicos da tese:
Apresentar conceitos e teorias sobre a Educação Confessional, Identidade Institucional Confessional, Educação em Valores e Liderança nas Redes Educacionais Confessionais.
Conhecer a História da Educação Confessional, com especial atenção à sua configuração em Portugal e no Brasil, dos primórdios à atualidade.
Por meio do estudo de caso, buscamos conhecer a Identidade Institucional da Rede Marista de Educação e, a partir do diagnóstico, formular proposições de inovações na Liderança Educacional, contribuindo para a Visão de Futuro da Instituição e de outras Redes Confessionais. Daremos a conhecer esses resultados nesta publicação.
O Estado da Arte
De acordo com Coutinho (2015), o investigador nunca parte do zero, devendo acessar o vasto conhecimento elaborado por outros investigadores, posto que “a literatura publicada constitui um importante recurso para o investigador no processo de planificação, implementação e interpretação dos resultados” (COUTINHO, 2015, p. 59).
Nesse sentido, em todo o percurso investigativo estabelecemos um diálogo constante com as fontes acessadas, buscando a apropriação do conhecimento já edificado sobre o tema, colocando-lhe uma nova lente e aspirando gerar novos conhecimentos. Sobre processos dessa natureza, Soares (1987) sugere que, uma vez compreendido o estado de conhecimento sobre o tema, se ordenem os resultados obtidos visando “a indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas, aparentemente autônomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a determinação de lacunas e vieses (SOARES, 1987, p. 3, apudFERREIRA, 2002, p. 259). Assim procedemos.
Para assegurarmos o conhecimento do nosso objeto de estudo, a Educação Confessional Marista, procuramos acessar fontes primárias, registros da origem da Instituição, estudos e releituras dos documentos históricos, princípios pedagógicos e valores, destacando aqui as publicações: A Vida de José Bento Marcelino Champagnat (1856) e Ensinamentos do Bem-Aventurado Champagnat (1868), ambas por um dos primeiros discípulos do Fundador, João Batista Furet; as Regras do Instituto (1852) e o Guia das Escolas (1853). Acessamos também importantes estudos sobre o fazer educacional do Fundador: Marcelino Champagnat e os Irmãos Maristas: Professores congregacionistas no século XIX (2013), pelo Ir. André Lanfrey, atualmente o maior historiador especialista na vida e obra de Champagnat.
O tom de atualidade de estudos acadêmicos teve grandes contribuições do artigo Valores Maristas: uma possibilidade de interpretação contemporânea, de Bonhemberger e Fischer (2016).
Material e Método
Esta investigação situa-se no campo da Ciência da Educação, aspecto que confere ao trabalho uma postura dialógica em relação às diversas outras ciências e saberes. Nesse sentido, chamamos à mesa métodos, recursos, instrumentos e processos que abarquem o arcabouço teórico das Ciências Humanas, apropriando-se dos diversos saberes da Filosofia, Sociologia, História, Teologia, Ciência da Religião, entre outros.
Ainda no âmbito da natureza do trabalho, trata-se de uma investigação aplicada, uma vez que temos como objetivo “descobrir fatos novos (dados empíricos) para testar deduções feitas a partir de uma teoria que pode ter aplicações práticas a médio prazo” (HILL; HILL, 2012, p. 20); afinal, “a justificativa de uma pesquisa é sempre a construção do conhecimento” (CHARLOT, 2006, p. 9).
Em concordância com Coutinho (2015, p. 35), que afirma que “o que deve determinar a opção metodológica do investigador não será a adesão a uma ou outra metodologia, a um ou outro paradigma, mas o problema a analisar”, adotamos a metodologia mista aplicada por meio da recolha e análise quantitativa e qualitativa dos dados. Além da configuração do problema, outro fator determinante para a escolha da metodoloiga foi a diversidade da natureza das fontes utilizadas: pesquisa historiográfica e documental, análises de obras teóricas e recolhimento de dados.
Partindo dessa perspectiva, a partir da fundamentação teórica de Zanon (2012), Murad (2012) e Balbinot (2015), apresentada na introdução deste artigo, passamos a identificar as variáveis que incidem sobre o problema, entendendo-as como desafios ou barreiras que definem o seu nível de complexidade.
Dessa forma, identificamos como principais desafios que afetam a atuação das Redes Confessionais na atualidade: a Confessionalidade, a Liderança e o Contexto. Definidos os desafios, tratamos de identificar os temas que configuram cada um deles, assim definidos:
CONFESSIONALIDADE | LIDERANÇA | CONTEXTO |
---|---|---|
Origem Carisma Missão |
Gestão Modelo Organizacional Inter-relações |
• Alcance da Missão Contextualização e Interculturalidade Relação com a Modernidade |
Fonte: Autores (2020).
Instrumentos e procedimentos de recolha de dados
A investigação teve como universo a Rede Marista de Educação de Portugal e do Brasil, tendo como amostragem dois colégios de um total de 36, um Colégio Marista de Lisboa, sob administração da Província de Compostela, e um Colégio Marista de São Paulo, sob administração da Província Centro Sul do Brasil. Os participantes do estudo, que totalizaram 37 pessoas, foram divididos em dois grupos, sendo um de líderes e gestores, representantes dos três principais níveis hierárquicos da instituição (Governo Geral, Províncias e Colégios) e outro grupo de docentes.
Para a Liderança: Entrevistas Semiestruturadas
A opção pela realização de entrevistas semiestruturadas decorreu da intenção de captarmos informações e aspirações mais aprofundadas e espontâneas. De acordo com Bogdan e Biklen (1994), tal método é indicado “para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 134, apudJORGE, 2005, p. 172). Yin (2006) acrescenta que respondentes bem-informados “podem dar interpretações importantes para uma determinada situação. Também podem apresentar atalhos para se chegar à história anterior da situação, ajudando-os a identificar outras fontes relevantes de evidências” (YIN, 2006, p. 118 apudJORGE, 2005, p. 172). Desta forma, por meio das entrevistas, conseguimos acessar importantes informações sobre o histórico do modelo organizacional e de liderança em todas as instâncias da gestão. As entrevistas foram previamente agendadas e realizadas pessoalmente pela pesquisadora. O conteúdo foi gravado na íntegra e posteriormente transcrito, para análise e conclusões.
Para os Professores: Inquérito por Questionário
De acordo com Coutinho (2015, p. 107-108), comparativamente com as entrevistas, o inquérito por questionário assegura mais amplo alcance e é um instrumento mais impessoal em natureza, posto que dispensa a presença do entrevistador e é autoadministrado. A autora acrescenta ainda que o questionário “pode incidir sobre atitudes, sentimentos, valores, opiniões ou informação factual, dependendo do seu objetivo” (p. 139). Com esse intuito, foi elaborado o inquérito constituído por questões abertas, fechadas e compostas. Os envelopes contendo o inquérito e etiquetas para o lacre foram encaminhados ao gestor, que os distribuiu aos professores participantes, sendo estes posteriormente recolhidos e encaminhados à pesquisadora. Para avaliação das diferenças de proporções das respostas entre Brasil e Portugal utilizou-se o teste exato de Fisher. Considerou-se p<0,05 como significante (SHANNON; WEAVER, 1949). Para as questões abertas e híbridas definiu-se a porcentagem de 60% para a assertividade nas respostas.
Para ambos os grupos estudados, gestores e professores, foram elaborados roteiros para os respectivos instrumentos de recolha, com esclarecimentos necessários, pautados em três blocos temáticos, a saber: confessionalidade, liderança e contexto, contendo cinco questões cada um, totalizando 15 questões.
Resultados e discussão de dados
Apresentaremos a seguir alinhamentos e divergências denotados na análise das entrevistas e dos inquéritos, considerando o cruzamento dos dados a partir das variáveis que compõem o problema: a confessionalidade, a liderança e a relação com o contexto.
Variável 1 - Confessionalidade
Não havendo distinção entre Portugal e Brasil, os dados recolhidos por meio das entrevistas aplicadas às lideranças denotam haver grande alinhamento no entendimento da importância do conhecimento da origem, missão e valores da instituição, com vistas a assegurar a transmissão desse conhecimento aos outros agentes, a dar sentido especial ao fazer educacional e assegurar maior comprometimento com a Missão da instituição. Destaca-se também a concordância entre os entrevistados no que diz respeito à necessidade de adaptação dos valores ao contexto local. Foi praticamente unânime a afirmação de que os valores fundantes do Instituto permanecem, sendo acrescidos de outros de acordo com o seu tempo e contextos. Praticamente todos os entrevistados citaram o acréscimo da Solidariedade e, no caso da Província do Brasil, foi acrescentada também a Interculturalidade.
O resultado do inquérito aplicado aos professores confirma o posicionamento dos líderes. Quando perguntados sobre o conhecimento dos valores Maristas na atualidade, a grande totalidade de respondentes dos dois colégios (92,3% em Portugal e 71,4% no Brasil) afirmou que os valores “não sofreram alterações”. Isso nos leva a concluir que a padronização dos valores não é um aspecto que denote preocupação ao Instituto no tocante à configuração da sua Identidade. A fala do gestor da Província brasileira parece resumir isso: “mais que falar de valores, o importante é experimentá-los, é uma experiência forte e convincente”.
Contudo, nota-se haver certa diluição de alguns aspectos considerados importantes para a Identidade Confessional da Instituição à medida que descemos para o nível de coordenação pedagógica dos colégios. Lembramos que, sendo líderes diretos dos professores, fica, em grande parte, a cabo desses profissionais a transmissão da carga indentitária da Instituição.
Esse aspecto é confirmado ao confrontarmos os dados das entrevistas com os resultados dos inquéritos aplicados aos professores. Embora a grande maioria dos respondentes afirme conhecer bem e muito bem a história do Instituto dos Irmãos Maristas, no Brasil 78,6% dos respondentes e em Portugal 69,3%, resultado considerado bastante satisfatório, ao perguntarmos qual foi o marco da origem do Instituto, a grande maioria dos respondentes, tanto em Portugal (69,2%) quanto no Brasil (92,9%) não soube responder. Foram também constatadas outras fragilidades nas respostas dos professores sobre o conhecimento dos Valores e da Missão do Instituto.
Por outro lado, tanto a coordenação de Pastoral do colégio do Brasil quanto de Portugal demostraram nas entrevistas grande conhecimento dos aspectos associados à Identidade Confessional, o que é natural, posto que são encarregados das práticas religiosas nos Colégios. Sobre a integração entre as áreas pedagógica e de pastoral, os líderes das Províncias e a direção dos dois colégios afirmam haver grande integração. O resultado do inquérito aplicado aos professores confirma essa tendência ao constatar que a maioria, nas duas populações estudadas, respondeu haver boa ou haver ótima integração.
NÍVEL | BRASIL | PORTUGAL |
---|---|---|
1. Ótima | 14,3% | 38,5% |
2. Boa | 57,1% | 53,8% |
3. Pouca | 28,6% | 0% |
4. Não há integração | 0% | 0% |
5. Não responderam | 0% | 7,7% |
Fonte: Autores (2020).
Merecem especial destaque os respondentes de Portugal, onde 92,3% afirmam haver ótima ou boa integração entre as áreas analisadas, não havendo incidência de resposta nos índices “pouca” ou “não há integração”. Cabe, porém, ressaltar que no Brasil houve incidência de quase um terço (28,6%) dos respondentes que afirmou haver pouca integração, enquanto apenas 14,3% afirmaram haver ótima integração. Analisando a percepção da liderança e a dos professores, consideramos ainda haver uma oportunidade de melhoria na integração entre as áreas, principalmente no Brasil.
Variável 2 - Liderança
Na variável Liderança, constatamos haver alguns alinhamentos e muitas oportunidades de melhorias entre as diversas instâncias atingidas por este estudo, tanto no Governo Geral quanto nas Províncias (Portugal e Brasil).
Primeiramente, cabe destacar o alinhamento dos entrevistados na percepção de um modelo de liderança realmente comprometido com a Missão e com o serviço e por dar-se pela presença e pelo acompanhamento constante.
Em relação ao conhecimento do modelo organizacional e de gestão do Governo Geral, constatamos que esse é mais conhecido pelas lideranças das Províncias, havendo diluição desse entendimento por parte da liderança dos colégios, diretores e coordenadores. Ao serem abordados sobre o tema, os níveis de coordenação dos dois colégios declaram abertamente não conhecerem.
Os resultados aferidos no inquérito por questionário aplicado aos professores confirmam essa tendência. Ao serem inquiridos sobre o nível de conhecimento do modelo organizacional e de liderança do Governo Geral do Instituto Marista, chamou-nos a atenção o fato de nenhum respondente, de ambos países estudados, responder que conhece muito bem. Todavia, há diferenças no nível de conhecimento dos dois países. No caso de Portugal, nenhum respondente afirmou não conhecer, enquanto no Brasil, 35,7% admitem não conhecer. Cabe ressaltar também que a totalidade dos respondentes em Portugal se dividiu entre conhece (46,2%) e conhece um pouco (53,8%). No caso do Brasil, apenas um (7,1%) afirma que conhece e 57,1% afirmam que conhecem apenas um pouco.
NÍVEL | BRASIL | PORTUGAL |
---|---|---|
1. Conhece muito bem | 0% | 0% |
2. Conhece | 7,1% | 46,2% |
3. Conhece um pouco | 57,1% | 53,8% |
4. Não conhece | 35,7% | 0% |
Fonte: Autores (2020).
Os dados aferidos evidenciam haver ainda algumas oportunidades de aproximação entre os níveis de gestão do Governo Geral, Províncias e Escolas, com vistas a um maior entendimento por parte dos líderes educacionais e professores quanto ao contexto organizacional no qual estão inseridos, destacando o fato de que no Brasil esse nível de entendimento é inferior ao de Portugal.
Variável 3 - Contexto
O estudo sobre a relação da Instituição com o contexto também demonstrou haver alinhamentos e oportunidades entre as instâncias dos dois países. Como exemplo de alinhamento, a grande maioria das lideranças da Instituição considera a identidade confessional um diferencial positivo diante da competitividade do mercado educacional. Entretanto, esse fato desdobra-se na percepção também igualitária de que a confessionalidade, ao mesmo tempo em que agrega um diferencial positivo, impõe à Instituição desafios também igualmente elencados pelos dois países: a dificuldade de aliar a formação humana e integral aos bons resultados acadêmicos, aliar a formação em valores à qualidade educacional, e as tensões entre a Identidade reconhecida como tradicional e as inovações no âmbito das tecnologias. A discussão dos dados do inquérito aplicado aos professores confirma essa conclusão.
DESAFIOS | BRASIL | PORTUGAL |
---|---|---|
1. Manter os valores fundantes; Conciliar Tradição x Inovação e Atualização tecnológica. | 21,4% | 30,8% |
2. Maior suporte aos professores; Modernização do espaço e inserção de novas tecnologias. | 14,3% | 15,4% |
3. Motivação aos jovens; Adequar a missão à atualidade; ressignificar o Ensino Religioso. | 21,4% | 0% |
4. Atender a expectativas dos pais; Atender resultados satisfatórios em exames e adequar a pedagogia à atualidade. | 28,6% | 15,4% |
Fonte: Autores (2020).
Com base nos resultados desta questão, constatamos haver diferenças na percepção dos desafios por parte dos professores dos dois países. No Brasil, é dada maior relevância a assegurar o bom desempenho do aluno e a satisfação das expectativas dos pais nos resultados dos exames oficiais. Aos respondentes de Portugal, foi dada maior relevância à manutenção dos valores fundantes e a conciliar tradição e inovação. Chamou-nos a atenção a grande incidência nos resultados para as opções “não souberam responder” (23,1%) e “não responderam” (15,4%), totalizando mais de um terço (38,5%) dos respondentes de Portugal. No Brasil, esse índice foi de 14,2%. Esses dados podem denotar certo distanciamento ou descomprometimento do corpo docente com os desafios de âmbito institucional.
Conclusões
Os resultados apresentados no estudo demonstram que a Rede Marista de Educação, tanto em Portugal como no Brasil, mostra-se alinhada com a Missão e os Valores da Instituição, cabendo-nos ressaltar haver ainda alguns desafios, tanto no âmbito da gestão e liderança confessional quanto no âmbito pedagógico. A partir da análise desses desafios, elencamos algumas oportunidades e recomendações.
Oportunidades e Recomendações
Explicitar os diferenciais da Educação Confessional respaldada em Valores para a comunidade escolar. Oferecer um modelo de educação humana e integral pode ser uma resposta muito contributiva por parte das Redes Confessionais no enfrentamento dos desafios da modernidade.
Assegurar a excelência acadêmica, para além de uma educação em valores, valendo-se de processos de avaliação pedagógica e planos de adequação, com vistas a melhorar o desempenho dos alunos nos exames oficiais e favorecer o acesso à Educação superior e ao mundo do trabalho.
Promover a formação de novas lideranças com foco no conhecimento da Identidade Institucional (origem, carisma, missão e valores), em resposta à falta de vocações, para assegurar maior capacidade de reação aos movimentos do mercado educacional, a sustentabilidade e a perenidade da instituição.
Evangelizar em tempos de radicalismos. A escola confessional tem o papel primordial de educar e criar um ambiente favorável à evangelização, todavia, evangelizar é um papel primordial da Igreja. Uma instância pode fortalecer a outra sem que esta assuma o papel daquela. As novas diretrizes da Igreja Católica propõem maior abertura ao diálogo inter-religioso e intercultural.
Investir em tecnologias educacionais com o objetivo de romper com a predominância da imagem mais associada à tradição em detrimento de uma abordagem inovadora. Abranger a formação dos professores e a disponibilização de recursos digitais para os alunos (plataformas, adaptive learning, ensino híbrido), entre outras tendências da atualidade.
Envolver a família no processo formativo como um todo, não apenas no acompanhamento do desempenho dos alunos. Sugere-se elaborar um projeto de Educação para a Família, respaldado nos valores da Instituição.
Atuar em Rede fortalecendo os vínculos das diversas instâncias da Instituição. Sugere-se criação de uma Plataforma Global da Rede de Educação, um espaço de Intercâmbio e partilha de práticas pedagógicas, de gestão e de pastoral, documentos, conteúdos e referências para gestores e educadores.
Concluímos o presente artigo visando contribuir para a melhor compreensão das especificidades da Educação Confessional, para o melhor entendimento da prática educativa enquanto missão e seu comprometimento com o desenvolvimento de valores. Ademais, consideramos que a metodologia adotada nesta investigação poderá ser aplicada a outras Redes Confessionais que desejarem refletir sobre a sua Identidade Institucional, a fim de consolidarem a sua atuação e para se fortalecerem no enfrentamento das questões da modernidade.
Por fim, almejamos que esta compreensão corrobore com a implementação de ações efetivas, posto que “a natureza da ação corresponde à natureza da compreensão”, conforme Paulo Freire:
Toda compreensão de algo corresponde, cedo ou tarde, uma ação. Captado um desafio, compreendido, admitidas as hipóteses de resposta, o homem age. A natureza da ação corresponde à natureza da compreensão. Se a compreensão é crítica ou preponderantemente crítica, a ação também o será (FREIRE, 2013, p. 141).