Introdução
Historicamente, o uso e a aplicação de testes, avaliações e exames têm sido difundidos como mecanismos privilegiados de aferição da aprendizagem, medição, selecção e certificação, quer de alunos, quer de professores e, em última análise, de sistemas educativos, transmitindo a percepção de qualidade prévia, exigida para a prossecução e continuação de estudos, mas também para o ingresso no mercado de trabalho.
O presente estudo pretende explorar a percepção existente, na comunidade discente da Universidade Eduardo Mondlane1, do grau de importância que é atribuído ao exame de admissão, como indicador de qualidade do ensino superior. De modo específico, pretende-se (i) discutir sobre o conceito e modelos de avaliação aplicáveis ao contexto da admissão ao ensino superior; (ii) inventariar os modelos de admissão usados pelos vários países do Mundo; (iii) explorar o enquadramento teórico do actual mecanismo de ingresso à Universidade Eduardo Mondlane e, por último, (iv) aferir a percepção existente sobre o grau de importância que é atribuído ao exame de admissão como indicador de qualidade para o ensino superior.
Metodologia
Para a prossecução do estudo, além da revisão de literatura, recorreu-se à abordagem qualitativa, exactamente porque, como bem refere Creswell (2007), o foco deste tipo de pesquisa (qualitativa) está nas percepções dos participantes, que constitui a base de interesse deste estudo, conforme referido nos seus objectivos. Este estudo segue uma linha indutiva (MARCONI; LAKATOS, 2010) e é essencialmente uma pesquisa descritiva, pois tem por objectivo efectuar o levantamento de opiniões sobre um determinado fenómeno social, diferenciando-se da exploratória, por exemplo, pelo facto de usar técnicas padronizadas de colecta de dados (GIL, 2008). Para o presente estudo a colecta de dados foi feita a partir de um inquérito por questionário padronizado (usando o GoogleForm2), oferecido a uma amostra por acessibilidade, não representativa, de trinta e três estudantes da Universidade Eduardo Mondlane, de níveis que variam desde o 1º ao 4º ano, de sete faculdades, das dezasseis existentes. O critério de selecção dos inquiridos obedeceu a uma proximidade e acesso ao universo amostral para inquirição, combinada à técnica de bola de neve (LUNDIN, 2016), pelo facto de se ter acesso à rede de estudantes, através dos Núcleos de Estudantes das Faculdades e Escolas Superiores inquiridas.
Conceito de Avaliação
A avaliação educacional, enquanto campo de estudos das ciências da educação, tem sido debatida por vários autores (TYLER, 1949; MIRANDA, 1982; GUBA; LINCOLN, 1989; DIAS SOBRINHO, 2003; DÍAZ, 2010; FIGARI, 2007 apud NOGUEIRA, 2013; LUCKESI, 2013), tendo estes também proposto periodizações, com o intuito de clarificar sobre o conceito de avaliação adoptado num determinado momento histórico e, mais do que isso, para melhor poder associar o conceito ao uso e respectiva aplicação. Com efeito, a “avaliação é parte inevitável de todo o empreendimento humano”, conforme conclui Rodrigues (1999, p. 18), uma vez que está sempre presente nas escolhas da vida humana (CHUERI, 2008). Para Miranda (1982), avaliar significa essencialmente julgar em referência a um critério que, a partir da década de 50, passou a ser os objectivos educacionais. Na realidade, Lesne (1984 apud RODRIGUES, 1999), suporta esta definição ao detalhar que avaliar é pôr em relação um referido, entendido como o objectivo, a norma, o modelo (por exemplo, os conteúdos de uma disciplina), com um referente, percebido como sendo o apreendido (ou seja, resultado ou fruto da avaliação), produzindo, no final, um juízo de valor sobre esse resultado (PÉCHENART, 1977 apud RODRIGUES, 1999). Os demais autores, na tentativa de sugerir uma definição alinhada à dimensão funcional da avaliação, propuseram que a avaliação fosse interpretada como (i) medida, pois o foco da avaliação era a medição da aprendizagem dos estudantes (GUBA; LINCOLN, 1989; LUCKESI, 2003 apud CHUERI, 2008; STUFFLEBEAM; SHINKFIELD, 1987 apud DIAS SOBRINHO, 2003; DÍAZ, 2010; FIGARI, 2007 apud NOGUEIRA, 2013 ); (ii) descrição, uma vez que o foco passou a ser a avaliação do programa de ensino, estratégias e escolas (GASPAR; ROLDÃO, 2007); (iii) juízo de valor, pois que a avaliação deverá formular juízos de valor e de mérito acerca dos objectivos da avaliação (NOGUEIRA, 2013; DIAS SOBRINHO, 2003); (iv) avaliação como negociação e construção, pois a informação colectada deverá ser negociada pelos actores do processo educativo, permitindo uma construção consensual (GASPAR; ROLDÃO, 2007); (v) avaliação como examinação, permitindo também a classificação, certificação de conhecimentos (LUCKESI, 2003 apud CHUERI, 2008); (vi) avaliação como instrumento de classificação do desempenho do aluno (SCRIVEN; STUFFLEBEAM, 1978 apud MESQUITA, 2004); (vii) a avaliação como instrumento qualitativo, atribuindo valor aos processos educativos (SAUL, 1988 apud MILESKI; BORTOLI, 2013; SCHUWIRTH; VAN DER VLEUTEN, 2006); (viii) instrumento de regulação, na medida em que regula o conhecimento e o seu impacto no comportamento (DIAS SOBRINHO, 2003); (ix) a avaliação é vista como instrumento de diagnóstico quantitativo da rentabilidade e eficiência da escola e dos seus processos pedagógicos e administrativos (DIAS SOBRINHO, 2003); (x) a avaliação serve à prestação de contas e sua relação com o financiamento público (DIAS SOBRINHO, 2003); (xi) o conceito de avaliação dá um salto qualitativo, na medida em que adopta a função de controlo de qualidade do sistema educativo (ALMEIDA, 1997 apud DIAS SOBRINHO, 2003).
Importância e função da avaliação
A avaliação, ao longo dos tempos, assumiu papéis importantes na vida em sociedade, muito para além do domínio físico da escola, permitindo, no seu sentido social mais amplo, a mobilidade social dos cidadãos, a partir de uma base meritocrática proporcionada pelos exames escolares (HILL, 2013). No contexto específico do ambiente escolar, a avaliação produz conhecimento (RODRIGUES, 1999), na medida em que adopta uma função diagnóstica (formativa), portanto, de aferição prévia de conhecimentos dos alunos, embora também possa ter uma função reguladora, aferindo ao longo do processo, com subsequente correcção e, finalmente, a função certificativa (sumativa), de natureza mais administrativa e pública (ZABALZA, 1992 apud GASPAR; ROLDÃO, 2007). Importa referir que a tipologia da avaliação em discussão na actualidade terá tido início com os trabalhos de Scriven (1967 apud STUFFLEBEAM, 2001), tendo cunhado duas teorias, designadamente, a da avaliação formativa e da avaliação sumativa.
Com efeito, a avaliação formativa será aquela em que se diagnostica onde, em que conteúdo, unidade curricular ou matéria, um aluno (ou estudante) tem dificuldades, ou seja, é, na realidade, um exercício de retroinformação quer para o aluno, quer para o professor, seguindo-se uma acção correctiva correspondente (LANDSHEERE, 1976). Em síntese, tal como Black e William (1998) referem, a avaliação formativa é interpretada como todas as actividades desenvolvidas por professor e alunos, nas quais proveem informações que são usadas como retorno para modificar o ensino e aprendizagem, ou seja, informações para a melhoria do processo (SCRIVEN, 1967 apud BENNETT, 2011). Por outro lado, a avaliação sumativa é aquela que se traduz por uma nota classificatória, partindo da verificação da aquisição de conhecimento (LANDSHEERE, 1976; CHUERI, 2008). O autor Díaz (2010), sugere outra função, designadamente, a selectiva, embora associada ao conceito de avaliação como medida, permitindo a hierarquização dos alunos mediante os resultados obtidos a partir duma determinada avaliação.
Exames de admissão para o ensino superior
A importância da avaliação, mais concretamente dos exames e respectiva funções, já descritas anteriormente, abre espaço para a reflexão sobre o uso e aplicação de exames no espaço escolar, em especial, os exames de admissão. Com efeito, os exames de admissão, de modo particular no contexto educativo, têm uma inspiração curiosamente fora do ambiente escolar: a admissão ao exército imperial chinês, aproximadamente no ano 3.000 a.C. (LUCKESI, 2003 apud CHUERI, 2008), mas também à administração pública, enquanto instrumento para a selecção de candidatos para os serviços burocráticos e civis das dinastias Han (206 A.D.) e Ming (1368 - 1912 A.D.), segundo Hill (2013). Na Europa, mesmo antes da adopção pelos jesuítas, como se verá mais adiante, Earl (2013) afirma que a prática de exame também foi usada anteriormente por Aristóteles para as apresentações públicas dos seus estudantes. No ambiente escolar, Luckesi (2003 apud CHUERI, 2008) afirma que os exames foram adoptados pelos jesuítas nos colégios católicos, durante o séc. XVI, e no séc. XVII pelas escolas protestantes, sendo caracterizadas pelo ritual de solenidade e rigor durante todo o processo de organização dos exames. Contudo, terá sido a partir do séc. XIX que o conceito de exame no ambiente escolar foi amplamente difundido e adoptado na Europa, no contexto da sociedade burguesa que, uma vez desprovida dos direitos de nascença que os aristocratas tinham, via também nos exames um mecanismo de ascensão social (CHUERI, 2008; LUCKESI, 2003 apud CHUERI, 2008).
Na Idade Média, a admissão ao ensino superior, portanto, às primeiras universidades europeias, concretamente, na Itália, França e Inglaterra, com a Escola de Medicina de Salerno, a Universidade de Bologna, a Universidade de Paris, a Universidade de Oxford e a Universidade de Cambridge, era o resultado de um processo cumulativo no qual o candidato frequentava cursos básicos necessários para as profissões liberais, nomeadamente, gramática, retórica e dialéctica (o Trivium), em mosteiros que não tinham o estatuto de universidade. Após a conclusão destas, o candidato poderia frequentar quatro artes liberais, designadamente, música, aritmética, geometria e astronomia (o Quadrivium), completando o ciclo das sete artes liberais que serviam de requisito para a frequência de cursos superiores, nomeadamente, Teologia, Direito ou Medicina (GOODCHILD; WECHSLER, 1997).
No início do séc. XX, a admissão ao ensino superior passou a recorrer ao exame de admissão, inicialmente aplicado a um número reduzido de jovens previamente seleccionados para se submeterem a avaliações de ciências e letras, para, caso aprovados, frequentarem cursos superiores, sendo que este processo de selecção social foi substituído pelo sucesso nos exames, embora houvesse excepções, como, por exemplo, a admissão automática à universidade que o Abitur oferecia aos seus graduados na França e Alemanha (HALSEY, 2011). No ensino superior, o exame de admissão tem um carácter exclusivamente selectivo, na perspectiva de Díaz Alcaraz, já referido antes, uma vez que é o instrumento privilegiado para a selecção de candidatos para a admissão a um curso ou programa do ensino superior, embora limitado, como bem discutem Perrenoud (1999) e Luckesi (2003 apud CHUERI, 2008), e destinado a interceptar os propósitos da “avaliação da aprendizagem”, como já visto anteriormente. O exame de admissão ao ensino superior permite, assim, a optimização da equidade e impacto gerado pelo ensino superior, conforme advogam Coates, Edwards e Friedman (2010). O presente documento inventariou os modelos de admissão ao ensino superior, tendo culminado com duas propostas, designadamente, de (i) Coates, Edwards e Friedman e de (ii) Helms.
Modelos de admissão ao ensino superior, segundo Coates, Edwards e Friedman
Assim, e segundo Coates, Edwards e Friedman (2010), os países da OCDE adoptam individualmente cada um dos três modelos, nomeadamente, (i) exame de admissão como requisito único de admissão ao ensino superior; (ii) exame de admissão como requisito-chave para a admissão ao ensino superior, mas não o único; e (iii) testes diversos, produzidos institucionalmente, complementares ao processo de selecção ao ensino superior. Do ponto de vista prático, e embora os modelos possam diferir, ainda assim, os testes de admissão tendem a ser (i) de aptidão; (ii) de desempenho ou ainda (iii) de aptidão e desempenho. O primeiro visa medir o potencial que o candidato tem para ingressar no curso e aprender, enquanto que o segundo, afere somente o grau de assimilação de conteúdos do ensino secundário.
I. Exame como Requisito Único
1. O exame de admissão é usado como requisito único de admissão ao ensino superior em vários países, designadamente, Portugal, China, Coreia do Sul e Grécia.
País | Exame | Entidade Responsável | Descrição |
---|---|---|---|
China | GaoKao | Ministério da Educação | Engloba várias disciplinas Realiza-se num período de 2 a 3 dias Os testes não incorporam questões e problemas práticos, portanto, não têm o componente aptidão |
Coreia do Sul | Suneung ou CSAT3 | Instituto Coreano para o Currículo e Avaliação (Governo) | O enfoque do exame é o desempenho, baseado no currículo nacional |
País | Exame | Entidade Responsável | Descrição |
Grécia | Exame Nacional de Ingresso ao Ensino Superior | Governo | Exame multidisciplinar |
Portugal | Concurso Nacional (Públicas) Concurso Local (Privadas) |
Ministério da Educação | Os exames cobrem os conteúdos do currículo do secundário e conteúdos de aptidão |
Fonte: Adaptado de Coates, Edwards e Friedman (2010).
II. Exame como Requisito-Chave Complementar
O exame de admissão é usado como requisito complementar no processo de admissão ao ensino superior em países como a Turquia, Japão, Suécia, Estados Unidos e África do Sul.
País | Exame | Entidade Responsável | Descrição |
---|---|---|---|
Estados Unidos | Não possui um sistema métrico comum entre Estados e Instituições, mas destacam-se o SAT e ACT; o GRE é usado especificamente para candidatos maiores de idade. | ETS e Estados (ex. THEA do Texas) | Combinam o enfoque sobre a aptidão dos candidatos, o desempenho em exames de áreas (disciplinas) e a avaliação das próprias instituições (College Boards) |
Japão | Sistema NCUEE | Centro Nacional de Testes para Admissão à Universidade (NCUEE) | Os exames avaliam conteúdos do ensino médio (desempenho) e a aptidão dos candidatos. Alguns testes são complementados com cartas de recomendação de professores |
África do Sul | NBT | Governo (Higher Education South Africa - HESA) | Conjuga o desempenho do ensino médio e a nota dos testes de admissão |
País | Exame | Entidade Responsável | Descrição |
Suécia | SweSAT e GAP | Conselho Sueco para o Ensino Superior | O SweSAT é um exame de aptidão (não obrigatório). O GAP, que é a média do ensino médio (desempenho), é conjugado à entrevista/experiência/conhecimento prévio sobre uma determinada área |
Turquia | Ögrenci Seçme Sinavi (ÖSS) | Órgão que superintende o ensino superior (ÖSYM) | Os candidatos são submetidos a dois tipos de exames (verbal e quantitativo) Privilegia a análise ao desempenho e aptidão do candidato |
Fonte: Adaptado de Coates, Edwards e Friedman (2010).
III. Outros Testes
Em muitos outros países, o uso de exames de admissão para o processo de selecção ao ensino superior é esporadicamente usado (ver Quadro 3.).
País | Exame | Entidade Responsável | Descrição |
---|---|---|---|
Austrália | UniTeste | ACER | Teste de aptidão |
Canadá | Não tem um exame nacional, mas cada instituição de ensino superior estipula os requisitos de ingresso | Cada Estado (Província) | Teste de desempenho no ensino médio |
México | Não tem um exame nacional | Existe um Centro Nacional de Avaliação da Educação Superior, mas não tem um exame nacional; Individualmente, as instituições vão desenvolvendo testes de admissão (EXHCOBA, EXANI-I). |
Teste de desempenho |
Reino Unido | Não tem um sistema geral para informar a admissão ao ensino superior; Algumas usam o UniTest; Oxford e Cambridge usam o TSA como complementar ao processo de admissão. |
Instituições de ensino superior | Teste de aptidão |
Fonte: Adaptado de Coates, Edwards e Friedman (2010).
Modelos de Admissão ao Ensino Superior, segundo Helms
A partir do inventário elaborado por Helms (2008), foram listados modelos de exames de admissão pelo mundo inteiro e, como complemento ao levantamento anterior, revela que as tendências mundiais, mesmo fora dos países membros da OCDE, variam em cinco principais tipos, nomeadamente, (i) exames de finais do secundário; (ii) exames de admissão, (iii) exames padronizados de aptidão; (iv) exames múltiplos; (v) admissão sem exame.
Tipologia de Exames de Admissão | Países |
---|---|
Tipo I: Exames finais do secundário | |
Somente nota do exame nacional | Áustria, França, Irlanda e Egipto |
Nota do exame, conjugado ao desempenho do ensino secundário | Tanzânia |
Nota do exame, conjugado à candidatura documental | Reino Unido |
Exames regionais, conjugados ao desempenho do ensino secundário | Austrália |
Tipo II: Exames de admissão | |
Somente a nota do exame | China, Irã e Geórgia |
Nota do exame, conjugado ao desempenho do ensino secundário | Turquia e Espanha |
Somente notas dos exames institucionais | Argentina e Paraguai |
Somente notas dos exames institucionais, conjugadas ao desempenho do ensino secundário | Bulgária e Sérvia |
Tipo III: Exames padronizados de aptidão | |
Notas dos exames padronizados de aptidão ou desempenho do ensino secundário | Suécia |
Notas dos exames padronizados de aptidão, conjugadas à candidatura documental | Estados Unidos |
Tipo IV: Exames múltiplos | |
Notas dos exames nacionais (ensino secundário), conjugadas aos exames institucionais de admissão | Japão, Rússia, França |
Notas dos exames nacionais (ensino secundário), conjugadas aos exames institucionais de admissão e/ou desempenho no ensino secundário | Finlândia |
Notas dos exames finais do secundário, conjugadas aos exames padronizados de aptidão | Israel |
Múltiplos exames administrados por múltiplas entidades | Índia |
Tipo V: Admissão sem exame | |
Desempenho do ensino secundário | Noruega e Canadá |
Candidatura documental sem necessidade de notas de exames | Algumas IES nos Estados Unidos |
Fonte: Adaptado de Helms (2008).
De forma particular, vários países do mundo têm também exames específicos para determinadas áreas do ensino superior, como Medicina e Ciências da Saúde, Engenharia, História, Veterinária, Educação, Psicologia, Matemática, entre outros, como a seguir se demonstra (COATES; EDWARDS; FRIEDMAN, 2010).
Área | País | Nome do Exame | Amplitude de Uso no País |
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Medicina e Ciências da Saúde | Austrália | Undergraduate Medical Admissions Test - UMAT | Todo o país |
Bélgica | Toelatingsexamen | Todo o país | |
Canadá | Dental Admissions Test - DAT | Todo o país | |
Irlanda | Health Professions Admission Teste - HPAT | Todo o país | |
Coreia do Sul | Medical Education Eligibility Test - MEET | Todo o país | |
Nova Zelândia | Undergraduate Medical Admissions Test - UMAT | Todo o país | |
Irlanda do Norte | Health Professions Admission Test - HPAT-Ulster | Todo o país | |
Reino Unido | Medical School Admissions Test - MSAT | Algumas IES | |
Biomedical Admissions Test - BMAT | Algumas IES | ||
Dental Admissions Test - DAT | Todo o país | ||
Pharmacy College Assessment Test - PCAT | Todo o país | ||
Medical College Assessment Test - MCAT | Todo o país | ||
Optometry Assessment Test - OAT | Todo o país | ||
Veterinary College Assessment Test - VCAT | Todo o país | ||
Direito | Austrália | Australian Law Schools Entrance Test - ALSET | Algumas IES |
Coreia do Sul | - | Todo o país | |
Reino Unido | National Admissions Test for Law - LNAT | Algumas IES | |
Cambridge Law Test | Algumas IES | ||
Estados Unidos | Law School Admissions Test - LSAT | Algumas IES | |
Educação | Finlândia | - | Todo o país |
Engenharia | Austrália | ATN Engineering Selection Test - ATNEST | Algumas IES |
Aptitude for Engineering Assessment - AEA | Algumas IES | ||
Bélgica | - | Algumas IES | |
Psicologia | Finlândia | - | Todo o país |
História | Reino Unido | History Aptitude Test - HAT | Algumas IES |
Matemática | Reino Unido | Sixth Term Examination Paper - STEP | Algumas IES |
Fonte: Adaptado de Coates, Edwards e Friedman (2010).
Concepção dos Exames
Admitindo a função que os exames têm, e a expetactiva social que lhe é associada, é pertinente referir sobre a concepção deste instrumento. Assim, segundo Landsheere (1974), os exames deverão ser preparados seguindo as fases previamente estabelecidas, nomeadamente, (i) definição do objecto e objectivos; (ii) reacção de perguntas; (iii) padronização da apresentação, execução e correcção; (iv) aferição; (v) verificação da fidelidade do exame; (vi) estabelecimento da validade. Para além de se definir o porquê do exame (prognóstico, inventário ou diagnóstico - LANDSHEERE, 1974), é necessário que os objectivos que se pretendem atingir com o exame sejam definidos com precisão, reconhecendo os seus vários domínios, nomeadamente, cognitivos (aprendizagem relacionada ao conhecimento - Bloom, Gagne, Guilford), afectivos (relacionada às atitudes, sentimentos e emoções - Krathwohl) e psicomotores (relacionada às acções e competências motoras - Harrow, Simpson, Thomas), como Landsheere refere ao citar Benjamim Bloom, considerado o pioneiro e promotor da relação entre a avaliação e a verificação dos objectivos educacionais (LANDSHEERE, 1974; THOMAS, 2004). De forma específica, Ferraz e Belhot (2010) afirmam que esta taxonomia, aplicável ao contexto da educação, é importante pois tem as vantagens de (i) “oferecer a base para o desenvolvimento de instrumentos de avaliação e utilização de estratégias diferenciadas para facilitar, avaliar e estimular o desempenho dos alunos” e (ii) “estimular os educadores a auxiliarem os seus discentes, de forma estruturada e consciente, a adquirirem competências específicas a partir da percepção da necessidade de dominar habilidades mais simples [e posteriormente] as mais complexas”. Para o contexto dos exames escolares, o domínio cognitivo tem sido escolhido com regularidade, exactamente pela sua característica específica (SAETTLER, 1990) e, portanto, quantificável, proveniente da visão behavorista de Skinner (ERTMER; NEWBY, 2013). O domínio cognitivo, por conseguinte, é relacionado ao conhecimento, segundo Ferraz e Belhot (2010) e corresponde “à aquisição de um novo conhecimento, do desenvolvimento intelectual, de habilidade e de atitudes, [de] reconhecimento de factos, [...] procedimentos padrões e conceitos que estimulam o desenvolvimento intelectual”.
Os passos para a concepção de uma avaliação, propostos por Downing e Haladyna (2006), conferem-lhe validade (FIVES; DIDONATO-BARNES, 2013), sendo de destacar as especificações ou Blueprint, Tabela de Especificações, Matriz dos Testes ou ainda Plano de Teste (SUSKIE, 2009; COOMBE et al., 2012 apud SINGUN, 2016) que, segundo Guskey (2005) apresentam vantagens a todos os actores no processo de elaboração, como (i) ajuda os professores a relacionarem actividades instrucionais significantes aos padrões; (ii) clarifica quais os componentes individuais que os estudantes devem dominar a fim de demonstrar a sua proficiência; (iii) confere precisão ao ensino; (iv) os professores conseguem identificar as subcompetências cuja aprendizagem é requerida aos estudantes; (v) mais importante que todas as vantagens é que confere validade aos testes. É importante referir a validade, pois é vista como um dos indicadores de qualidade, no contexto educacional (ALIAS, 2005), entendida como o grau no qual as avaliações ou juízos sobre os estudantes (ou alunos) podem ser confiáveis, baseados na qualidade da evidência agregada através dos testes (WOLNRING; WILKSTRON, 2010 apud ALADE; OMORUYI, 2014). A questão da qualidade aqui invocada, remete à complexidade do conceito de qualidade e dos seus atributos multifacetados (UNICEF, 2000; DIAZ, 2003; SCHINDLER et al., 2015), condensando em si vários entendimentos, em particular para o ensino superior, designadamente, valor, conformação com as especificações ou exigências, adequação para uso, perfeição, adequação para o propósito, valor para o dinheiro, transformação e avaliação, entre outras (AVILA, 2009). A autora Diaz (2003) afirma que há três dimensões de significados da qualidade, designadamente, (i) relacionado à definição de eficácia - portanto “aquela” educação em que se consegue que os alunos aprendam o que deviam aprender no fim de programa de estudos ou nível; (ii) referida à relevância - a educação de qualidade seria aquela em que os conteúdos necessários ao desenvolvimento intelectual, afectivo e social do indivíduo; (iii) relacionada aos processos e meios, ou seja, a educação de qualidade será aquela que oferece aos estudantes um ambiente adequado à aprendizagem, um corpo docente qualificado, estratégias didácticas adequadas, entre outros. Entretanto, entendendo a complexidade da definição de qualidade da educação, pela sua variação em função da extensão do conceito, dos actores invocados, dos indicadores usados, os autores Schindler et al. (2015) agruparam as várias definições de qualidade, propondo um modelo conceptual classificatório das várias correntes interpretativas do conceito de qualidade, que se baseia fundamentalmente na agregação de cada uma dessas visões.
Classificação | Definição |
---|---|
Intencional | Conjunto de produtos e serviços institucionais conformados à missão e visão ou a um conjunto de especificações, requisitos, padrões, definidos pelas entidades de acreditação ou reguladoras [...] |
Excepcional | Produtos e serviços institucionais que atingem distinção e exclusividade através do preenchimento de padrões elevados [...] |
Transformativa | Produtos e serviços institucionais que produzem mudanças positivas na aprendizagem dos alunos, nos vários domínios de aprendizagem, afectivo, cognitivo e psicomotor [...] |
Responsável | As instituições são responsáveis perante as partes interessadas, pelo uso optimizado dos recursos e a entrega de produtos e serviços educacionais precisos, com zero defeitos. [...] |
Fonte: adaptado de SCHINDLER et al., 2015.
Para o propósito deste trabalho, percebe-se que o conceito de qualidade que melhor se relaciona com a avaliação, no contexto em que o debate é aqui colocado, é a transformativa. De qualquer forma, e mais importante ainda, é a percepção de qualidade que é atribuída à avaliação, ao teste, ao exame. Entretanto, se, por um lado, a literatura permite estabelecer essa conclusão (avaliação como indicador de qualidade), as percepções de estudantes do ensino superior sobre o grau de importância conferida ao exame são igualmente importantes.
Apresentação e discussão de resultados do inquérito
A fim de relacionar a matriz teórica até agora apresentada e a percepção dos estudantes, são apresentados os resultados de um inquérito aplicado com o propósito de aferir o grau de percepção do exame de admissão e sua possível relação com a qualidade. Estes revelam que 42,4% dos inquiridos consideram que o exame é também determinante para a qualidade do futuro graduado, permitindo igualmente uma melhor selecção [prévia] dos “melhores” para o ensino. Por outro lado, 39,4% consideram que os exames têm alguma relação com a qualidade do futuro graduado (ainda que pouca). Conjugando estes dois dados, poder-se-á afirmar que 81,8% consideram que o exame é total ou parcialmente determinante para a qualidade do graduado, fazendo valer a base teórica que fundamenta esta relação (exame como indicador de qualidade).
Estes dados, embora não suficientemente representativos pela amostra usada (33 estudantes), ainda assim reflectem uma diversidade de respondentes, o que permitiu reduzir a possível influência em cadeia, adicionado ao facto de 93,9% dos inquiridos terem ingressado exactamente por via do exame de admissão, para além da transferência interuniversitária.
Outro dado importante a notar, relativamente às características dos inquiridos e à sua percepção da importância do exame de admissão como indicador de qualidade, é o facto de, dentro do universo de estudantes com médias de admissão abaixo de 10,00 valores, portanto, negativa, ainda assim, 90,91% consideram que o exame de admissão é total ou parcialmente determinante para a qualidade do graduado. No universo dos estudantes com médias de admissão igual ou superior a 10,00 valores, 71,43% consideram que o exame de admissão é total ou parcialmente determinante para a qualidade do graduado e outros 4,76% considera que é mesmo importante para a selecção [prévia] dos “melhores” para o ensino.
Conclusão
A importância da avaliação, de forma geral, é reconhecida, mesmo considerando as limitações mais objectivas que acompanham o processo avaliativo, de forma mais geral. Contudo, os esforços para que os instrumentos sejam cada vez mais aperfeiçoados, reduzindo ao máximo a sua subjectividade, de modo a garantir, por fim, qualidade da avaliação aplicada, remetem a um compromisso permanente com a qualidade. O presente estudo procurou destacar a importância da avaliação, em especial do exame de admissão realizado pela Universidade Eduardo Mondlane, explorando o seu enquadramento nas matrizes teóricas sobre o conceito e modelo de avaliação, enquanto, simultaneamente, o relaciona à qualidade, assumindo que a qualidade do instrumento (do teste, da avaliação) está associada ao processo de concepção do mesmo.
Com efeito, e de modo muito específico, o ensino superior em Moçambique em geral adopta vários modelos de admissão, sendo que as instituições públicas do ensino superior, em particular, a Universidade Eduardo Mondlane, usam o exame de admissão como mecanismo de selecção de candidatos aos cursos de licenciatura, conforme explicitam os vários Relatórios de Admissão à Universidade (2017, 2016, 2015, 2014 e 2013), explicitando que o conceito de avaliação adoptado é o da avaliação como instrumento de classificação do desempenho do aluno de Scriven & Stufflebeam, 1978 (apud MESQUITA, 2004), perspectivando a selectividade de candidatos, referida por Díaz (2010), por via da sua hierarquização, com recurso aos resultados obtidos nos exames de admissão. Com efeito, o modelo de admissão, segundo Helms (2008), é o Tipo II. Portanto, aquele que tem o exame de admissão como instrumento único de admissão e, segundo Coates, Edwards e Friedman (2010), é o modelo no qual o exame é requisito único para admissão.
Este instrumento (o exame de admissão) de algum modo é referência de melhor selecção e, portanto, visa à qualidade, conforme sustentam os dados colectados a partir do inquérito realizado. Por via deste exercício, demonstrou-se a percepção por parte dos estudantes do ensino superior, concretamente da Universidade Eduardo Mondlane, de diferentes níveis e áreas de formação, têm em relação à importância do exame de admissão como indicador de qualidade. Embora carecendo de estudos mais aprofundados sobre a matéria, especialmente para problematizar as limitações de testes padronizados (standardizados), ainda assim, os resultados demonstram que existe de facto uma relação entre o exame de admissão e a percepção de qualidade. Na realidade, o protesto de estudantes na França às reformas no ensino superior tem como um dos focos exactamente a suspensão do exame de admissão, para uso exclusivo dos resultados do ensino médio4. De qualquer forma, este dado conclusivo, para este estudo, poderá também servir para problematizar os vários mecanismos utilizados para a admissão ao ensino superior e seu respectivo grau de importância, quer a partir do nível de utilização, a partir do número de instituições e países que os utilizam, quer a partir da percepção dos estudantes do ensino superior.