A organização do Dossiê Temático “Paulo Freire e a Educação Popular: cultura, metodologias, lugares e sujeitos”, pensada com o objetivo de colocar em diálogo produções inéditas de pesquisadores e pesquisadoras de várias regiões do Brasil e de diferentes filiações acadêmicas e institucionais, inspirou-se no IV Seminário Temático do GT 06 - Educação Popular da Anped, em setembro de 2020.

O referido seminário foi realizado remotamente na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, a partir de uma resiliente parceria entre a UNISINOS e outras universidades do Sul do Brasil, tais como a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, a Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, a Universidade de Caxias do Sul - UCS e a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, dentre outras. Todas com uma forte tradição política e acadêmica da presença da Educação Popular em seus trabalhos de Ensino, Pesquisa e Extensão. O IV Seminário Temático do GT 06 manteve de forma potente, a tradição da promoção de um intercâmbio anual no período que antecede a reunião nacional da Anped.

A partir dessas breves considerações, sinalizamos que o presente dossiê tem como eixo temático três dimensões fundamentais e constitutivas da Educação Popular: cultura, metodologias, lugares e sujeitos, assim como o Seminário do GT 06. Assim, complementam e definem o escopo do dossiê.

Do ponto de vista organizativo, o dossiê é composto por onze textos, sendo oito artigos oriundos de diferentes regiões do Brasil, um artigo internacional, uma entrevista e uma resenha biográfica. Os textos compreendem uma grande diversidade de abordagens temáticas, revelando o quanto é atual e frutífero o pensamento e a obra de Paulo Freire no campo social e educacional brasileiro. Por meio deles, sua obra é reinventada à luz do presente, proporcionando a reflexão crítica e o enfrentamento aos tantos desafios postos na contemporaneidade.

O primeiro artigo, Entre as origens e o agora: memórias e trajetos da Educação Popular é escrito por Carlos Rodrigues Brandão e Valéria Vasconcelos. Desenvolve uma análise histórica em torno da definição popular que complementa a educação: educação popular, concebendo-a como um processo de vir-a-ser, um tornar-se permanente.

O segundo texto, escrito por Orlandil Lima Moreira e Jaime José Zitkoski, é Educação Popular na Paraíba: memória e história do SEDUP. Nele, os autores investigam a “contribuição do Serviço de Educação Popular (SEDUP) para o movimento de educação popular na Paraíba, evidenciada pela sua história e memória em dois períodos, o de resistência ao autoritarismo militar e a transição democrática”.

Na sequência, Sobre diferentes e antagônicos: a Educação Popular em Saúde em tempos de negacionismo, artigo de Ana Paula Massadar Morel, desenvolve uma problematização instigante sobre o crescimento do negacionismo em meio à pandemia da Covid-19. Também reflete sobre a legitimidade dos saberes populares a partir da educação em saúde, colocando-se criticamente em relação à colonização do saber.

O quarto artigo, de autoria das Ana Maria Baldo e Elisete Enir Bernardi Garcia, aborda o tema da consciência em Paulo Freire. Trata-se de uma pesquisa de natureza em que as autoras buscam demosntrar a existências de uma relação direta entre a educação, a transição para o nível de consciência crítica e a transformação humana e da sociedade. O artigo está intitulado Intransitividade, transitividade ingênua e transitividade crítica da consciência em Paulo Freire.

Em Extensão Popular: bases teórico-metodológicas, artigo escrito por Pedro José Santos Carneiro Cruz, Renan Soares Araújo, Celâny Teixeira Mélo e Ane Flávia Souza Rodrigues, quinto artigo deste dossiê, encontramos uma abordagem teórica-metodológica sobre a Extensão Popular. Evidenciando a extensão em sua dimensão dialógica e popular como um ponto de partida da ação universitária, o texto apresenta questões voltadas para uma reflexão sobre as práticas extensionistas, em interface com o pensamento decolonial.

Intitulado Pesquisa com o cotidiano: ação, participação e transformação na educação pública, o sexto artigo é de autoria de Fabiana Eckhardt, Fabiano Soares Silva e Renato Simões. A pesquisa com o cotidiano é apresentada como metodologia participativa, que encontra no diálogo o princípio metodológico e epistemológico capaz de conceber o cotidiano como instância de “reivindicação, contestação, reflexão, elaboração da realidade concreta e produção de conhecimento”. Reforçando, portanto, o papel emancipatório de pesquisas sobre/com o cotidiano.

No sétimo artigo, Desafios de uma Educação Infantil Pública e Popular: diálogos necessários as autoras Carolina Silva de Alencar, Nayara Alves Macedo e Fabiana Nery de Lima Pessanha abordam, a partir da educação popular, alguns desafios da Educação Infantil na contemporaneidade. Ancorando-se em Paulo Freire e seus escritos, convidam à reflexão sobre tensões e os conflitos envolvidos “no acolhimento das infâncias e famílias das classes populares na Educação Infantil pública”.

Um canto para Ser Mais: música e resistência no Vale do Jequitinhonha corresponde ao oitavo artigo do dossiê. Nele, Pedro Augusto Dutra de Oliveira e Maria Waldenez de Oliveira, em diálogos com Enrique Dussel, Paulo Freire e Aníbal Quijano apresentam e analisam o coral Trovadores do Vale, em atividade há 50 anos no Vale do Jequitinhonha-MG, com o objetivo de identificar processos educativos desencadeados pelas suas ações, envolvendo cantos de roda e religiosos, além de danças.

O último artigo trata-se de um texto internacional, de autoria de Marco Raúl Mejía, educador popular colombiano, intitulado Paradojas de las educaciones populares y sus actores en tiempos de gobiernos progresistas y coronavirus. O autor apresenta uma compreensão paradigmática sobre a educação popular, analisando seus antecedentes históricos e fundamentos práticos e conceituais, além de outros aspectos que a constituem, salientando seus paradoxos, assim como de seus sujeitos, “en tiempos de gobiernos progresistas y coronavirus”.

Em Uma vida em defesa da educação popular: entrevista com Danilo R. Streck, os organizadores dialogaram com o professor Danilo Streck sobre a sua história de educador e pesquisador junto à educação popular. Ao longo da entrevista, analisa e desenvolve com profundidade temas como: as múltiplas educações populares, movimento plural de uma concepção educativa que não se fixa, se recria diante dos desafios da realidade; o papel da educação popular e da ciência no atual momento histórico; seu encontro com Paulo Freire e a influência freiriana no cenário internacional; a importância da educação popular e de Paulo Freire para a emergência de uma matriz epistêmica do Sul; bem como seus projetos de trabalho, em meio às “lições da pandemia”.

Por fim, a resenha Paulo Freire e eu: aprendizagens, transformações e um encontro com a Pedagogia da Esperança, na qual Nize Maria Campos Pellanda resgata “memórias afetivas misturadas com aprendizagens significativas” resultantes de seus encontros com Paulo Freire. Encontros como os da “grande aventura” que fora “a viagem a Bagé (RS) para visitar o acampamento do MST em Hulha Negra”, narrados em meio a sentimentos como perplexidade e esperança diante dos acontecimentos presenciados. Em sua afirmação conclusiva, a autora destaca que “Paulo Freire nunca foi tão necessário como nos dias sombrios que vivemos. Por isso, lembremos a utopia e o sonho do grande mestre para que nos acompanhe na luta por uma Educação Libertadora”.

É assim que, revigorados na esperança possibilista, radicalmente sustentada por Paulo Freire, convidamos à leitura deste dossiê, publicado em meio às inúmeras e merecidas comemorações pelo seu centenário de nascimento (1921-2021). Reinventar o pensamento de Freire e a educação popular são tarefas que nos desafiam, cotidianamente, em nossa leitura de mundo, lutando por torná-lo mais justo, solidário e acolhedor da diversidade que nos define, como seres humanos.

Boa Leitura!