1 Introdução
Na oferta de Educação Infantil (EI), focalizamos a docência em articulação com a formação e atuação de professores, no contexto das Instituições de Educação Infantil Conveniadas (IEIC) (ALVES, 2018). Estudos vem assinalando que a EI tem se constituído como a etapa que mais é privatizada (SALVADOR et al., 2017), no quadro da expansão dos interesses privatistas sobre a educação, com destaque para as parcerias público privadas (BONAMINO, 2003; SCAFF, 2017; LAMARE, 2018). Considerando a complexidade envolvida na oferta da EI, realizamos mapeamento das IEICs no Brasil e, recortando o contexto de um estado brasileiro da região sudeste, exploramos os indicadores sobre o perfil dos docentes que trabalham em IEICs.
Nesse propósito, evidenciando a base legal (BRASIL, 1996, 2016), assinalamos que as IEICs são instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas que, por meio de elaboração de termos de convênio com o setor público, atendem as crianças em espaços de EI. Podem ser classificadas como sem fins ou com fins lucrativos. A partir dessa definição, indagamos como se materializa o convênio na EI, considerando especialmente, o perfil dos docentes atuantes neste contexto.
Em articulação com o desenvolvimento de pesquisa de doutorado concluída, neste artigo, objetiva-se primeiramente mapear as IEICs do Brasil, incluindo as instituições com fins lucrativos e as sem fins lucrativos. Desse contexto mais geral da IEICs, recortando um estado (integrante da região sudeste, onde a pesquisa foi sendo desenvolvida), focaliza-se o perfil dos docentes. Assim, nesta proposta, temos como objetivo analisar os indicativos evidenciados neste mapeamento, com atenção ao contexto de fortes ataques aos direitos sociais, também vividos na EI (CÔCO; SALGADO; 2018, OLIVEIRA, et al., 2018), considerando implicações a formação e ao docente.
Nesse sentido, compomos o texto com dois tópicos, que tematizam um conjunto de dados, apurados na lista do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da plataforma CultivEduca1. No tópico que segue, abordamos os indicadores relativos às IEICs no Brasil. Posteriormente, recortando o estado selecionado, exploramos indicadores referentes ao perfil dos docentes atuantes nas IEICs.
Esta proposta constitui-se a partir de uma perspectiva bakhtiniana (BAKHTIN, 2010, 2011) que considera a produção de textos como propulsora da vida, reconhecendo a dialogia com o contexto social, para refletir sobre os eventos vividos no cenário educacional. Com essa sustentação teórica, destacamos que a teia discursiva que se desenvolve no campo da oferta de vagas na EI é uma pauta complexa, que envolve diferentes sujeitos na sua efetivação.
Junto a isso, marcamos a perspectiva de que os desafios vividos na afirmação do direito à EI carregam marcas históricas que fazem ressoar intensas lutas. Nas disputas entre as forças sociais, temos vivido no Brasil constantes ataques aos direitos sociais. Portanto, defendemos a luta dos movimentos sociais na afirmação dos direitos, em especial, do direito à educação, e reconhecemos a importância das resistências aos desmontes que vem se encaminhando nas políticas públicas (também por meio de processos de convênio entre os setores públicos e privados). Assim, este artigo se constitui como uma aposta na resistência a partir da produção de conhecimento, sensível às causas das crianças pequenas, envolvendo a discussão (e a defesa) dos direitos de profissionais que atuam na EI. Desse modo, com vistas a avançar na abordagem da temática do convênio na EI passamos ao próximo tópico, traçando as primeiras aproximações de mapeamento das IEICs.
2 Mapeamento das Instituições de Educação Infantil Conveniadas no Brasil
Conforme informado no tópico anterior, recorremos a dois bancos de dados, com vistas ao mapeamento das IEICs no Brasil. Nessas primeiras aproximações com os dados relativos à realidade brasileira, mapeamos as informações disponibilizadas no site do FNDE, consultando a lista de instituições conveniadas, conforme os segmentos de ensino. No segmento da EI, apuramos, em 2017, o quantitativo de 8.397 IEICs, localizadas em 26 estados brasileiros, atendendo ao total de 586.470 crianças (sendo 442.839 na faixa da creche e 143.631 na pré-escola). Já em 2018, esse quantitativo aumentou, passando a 8.785 IEICs, mantendo a presença em 26 estados brasileiros, atendendo a 673.433 crianças (sendo 518.929 na faixa da creche e 154.504 na pré-escola).
Na busca de compor uma síntese analítica desses dados, organizamos quatro grupos, considerando os indicadores do quantitativo de instituições por estados, em associação a observação das regiões brasileiras. O primeiro grupo reunimos os estados de maior quantitativo (acima de 500 IEICs), evidenciando o destaque para a região sudeste (com três estados), seguida da região sul e nordeste (cada uma com um estado), conforme quadro a seguir:
Estado | Quantitativo 2017 | Quantitativo 2018 | Região |
---|---|---|---|
São Paulo | 2.988 | 3.296 | Sudeste |
Minas Gerais | 1.301 | 1.250 | Sudeste |
Rio Grande do Sul | 784 | 835 | Sul |
Maranhão | 644 | 686 | Nordeste |
Rio de Janeiro | 533 | 507 | Sudeste |
Fonte: Das autoras.
O segundo grupo (no intervalo de 200 a 500 IEICs) evidencia a presença de estados pertencentes as regiões sul, nordeste e centro-oeste, conforme quadro a seguir:
Estado | Quantitativo 2017 | Quantitativo 2018 | Região |
---|---|---|---|
Paraná | 430 | 477 | Sul |
Bahia | 344 | 346 | Nordeste |
Pernambuco | 296 | 251 | Nordeste |
Goiás | 248 | 264 | Centro-Oeste |
Santa Catarina | 207 | 280 | Sul |
Fonte: Das autoras.
O terceiro grupo (no intervalo de 20 a 199) reúne todas as regiões brasileiras, conforme quadro a seguir:
Estado | Quantitativo 2017 | Quantitativo 2018 | Região |
---|---|---|---|
Distrito Federal | 164 | 171 | Centro-Oeste |
Ceará | 81 | 79 | Nordeste |
Mato Grosso do Sul | 74 | 72 | Centro-Oeste |
Mato Grosso | 57 | 53 | Centro-Oeste |
Piauí | 42 | 34 | Nordeste |
Espírito Santo | 38 | 31 | Sudeste |
Sergipe | 36 | 26 | Nordeste |
Alagoas | 28 | 24 | Nordeste |
Paraíba | 25 | 21 | Nordeste |
Fonte: Das autoras.
Por fim, o quarto grupo (inferior a 20 instituições) reúne um grupo de estados das regiões norte e nordeste, conforme quadro a seguir:
Estado | Quantitativo 2017 | Quantitativo 2018 | Região |
---|---|---|---|
Rondônia | 18 | 18 | Norte |
Pará | 17 | 18 | Norte |
Tocantins | 15 | 17 | Norte |
Amapá | 8 | 7 | Norte |
Rio Grande do Norte | 8 | 10 | Nordeste |
Roraima | 7 | 3 | Norte |
Fonte: Das autoras.
O conjunto dos grupos pode ser retratado no seguinte gráfico, reunindo o panorama brasileiro apresentado.
Esses números se dão de maneira distinta em cada localidade, demonstrando o quadro embaçado em que está situado o convênio na EI (ou a EI no convênio). Os indicadores apontam que o ritmo de crescimento das IEICs não é o mesmo para o panorama dos estados (11 estados apresentam acréscimo de IEICs, 13 registram decréscimo de IEICs e um estado mostrou-se inalterado no período observado). Ainda assim, atentas aos dados, observamos que o número total de IEICs no Brasil aumentou timidamente (com mais 380 IEICs).
Portanto, considerando a transição de mandatos no contexto em que foi procedido o mapeamento, cruzamos os dados apurados com o mapeamento dos partidos atuantes no governo local em 2018 e observamos que, dos onze estados que apresentam avanço no quantitativo de IEIC, sete são governados por representantes filiados ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), ou ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tanto no âmbito estadual quanto no federal, sugerindo o avanço dos mecanismos de parcerias previstos pelo planos de governo dos partidos citados2 e alimentados pela análise das estratégias encontradas pelos municípios para ampliação das ofertas de vagas, via elaboração de termos de convênio, de colaboração, de privatização ou de acordos com a parceria privada.
Além disso, destacamos mudanças também ocorridas quanto à constituição das instituições, variando o índice por tipo de atendimento, tendo essa variável mantido a oferta em maior parte do atendimento em instituições filantrópicas (5.712 instituições em 2017 e 6.139 em 2018), seguidas das comunitárias (2.588 instituições em 2017 e 2.095 em 2018) e confessionais (97 instituições em 2017 e 551 em 2018). O atendimento maior encontra-se na faixa de creche (com 3.812 instituições filantrópicas em 2017 e 4.217 em 2018, com 1.295 instituições comunitárias em 2017 e 1.578 em 2018 e 53 instituições confessionais em 2017 e 405 em 2018) em detrimento da faixa da pré-escola (com 1.900 instituições filantrópicas em 2017 e 1.922 em 2018, com 1.010 instituições comunitárias em 2017 e 800 em 2018 e 44 instituições confessionais em 2017 e 146 em 2018).
Considerando a diversidade de sentidos provocada com a nomeação das instituições mapeadas (ALVES; CÔCO, 2016), observamos as distintas formas de nomeação que se constituem do seguinte modo: fazem menção à religião, organizações religiosas e a igrejas (2.600 IEICs em 2017 e 2.789 em 2018); carregam o nome de pessoas, como pessoas públicas tais como, políticos, médicos e outros (1.496 IEICs em 2017 e 1.312 em 2018), fazem referências a sonho, vida, paz, renovação, transformação e à ideia de um mundo melhor (785 IEICs em 2017 e 778 IEICs em 2018); reportam-se a personagens de desenho ou história infantil como também a algo pequeno, inocente, puro, frágil, delicado, doce (695 em 2017 e 726 em 2018); abordam temas ligados à assistência social (539 em 2017 e 434 IEICs em 2018), com nomes de bairros, localidades ou datas (430 em 2017 e 524 IEICs em 2018); focalizam elementos da natureza, como nome de plantas, animais, fenômenos (420 em 2017 e 423 IEICs em 2018); nomes de professores, educadores e temas relacionados com a escola, com o aprender a ler e escrever (293 em 2017 e 295 IEICs em 2018); fazem referência à felicidade e à alegria (287 em 2017 e 297 IEICs 2018); apresenta questões ligadas a empresas privadas, maçonaria, rede de escolas particulares (278 em 2017 e 518 IEICs em 2018); reportam-se à maternidade, ao feminino ou familiar (234 em 2017 e 236 IEICs em 2018); fazem referências a organizações comunitárias e de bairros (192 em 2017 e 190 em 2018), à pobreza e à caridade (69 em 2017 e 92 IEICs em 2018), ao amor, ao afeto e ao carinho (66 em 2017 e 161 em 2018); vinculam-se à associação Pestalozzi ou que mencionam o atendimento à criança com deficiência (13 em 2017 e 10 IEICs em 2018).
Com os dados apresentados, observamos a diversidade de vinculações e de articulações no convênio na EI. Pudemos constatar a presença forte de movimentos confessionais, bem como as ressonâncias no quantitativo de instituições ligadas à assistência social, indicando as marcas históricas do processo de constituição da EI. Destacamos, ainda, o avanço das parcerias com programas e empresas e a diminuição das instituições ligadas a movimentos comunitários. A observação deste cenário indica uma mudança e assinala o fortalecimento das parcerias público-privadas em detrimento do apoio do Estado aos movimentos sociais ligados à infância.
Com isso, compreendemos que, de distintas formas, os municípios, pela via de igrejas, de empresas, de pessoas físicas ou jurídicas e de associações de bairro, operacionalizam suas formas de atendimento à EI, compondo um movimento em que essa forma de operacionalização sofre transformações. Então, como síntese, destacamos nossa defesa pela educação pública e gratuita, operada pela gestão pública. Ainda assim, nos envolvemos no estudo das IEICs por entender a importância de conhecer e observar as distintas estratégias mobilizadas no atendimento às crianças. Nesse contexto, voltamos nossa atenção para o trabalho dos profissionais que atuam nas IEICs, com dados referentes a um estado brasileiro situado na região sudeste.
3 Nas IEICs de um estado da região sudeste: perfil dos profissionais
Antes de adentramos a abordagem do perfil dos profissionais atuantes nas IEICS, cabe assinalar que a tradição da realização de parcerias do setor público com o setor privado é de longa data. Essas parcerias se consolidam atualmente como modelos utilizados pelos estados e municípios brasileiros, via termo de colaboração, na institucionalização da Lei nº 13.019/2014 (BRASIL, 2014). Considerando que recortamos um estado Região Sudeste para abordagem do perfil profissional, começamos por mapear as IEICs deste estado. Para isso, recorremos ao banco de dados da plataforma CultvEduca, que nos possibilitou captar a presença de 41 instituições. Conforme resolução do Conselho Estadual de Educação, entendemos essas instituições como privadas de EI, enquadradas nas categorias de particulares, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, nos termos do art. 20 da Lei nº 9.394/96 (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1999).
No que se refere ao atendimento geral da EI (reunindo o conjunto de instituições do contexto local), apuramos o seguinte quantitativo de matrículas (Tabela 1).
Rede escolar | Educação infantil | ||
---|---|---|---|
Creche | Pré-escola | Total | |
Federal | 88 | 53 | 141 |
Municipal | 61.804 | 86.138 | 147.942 |
Privada | 7.098 | 11.723 | 18.821 |
Total | 68.990 | 97.914 | 166.904 |
Fonte: Censo escolar - secretaria estadual de educação (2015).
Ao cruzar esses dados de matrícula em creche e pré-escola com indicadores referentes a expectativa de vida da população, taxa de natalidade, crescimento populacional e perspectiva de fecundidade (IBGE, 2016),3 assinalamos desafios para o atendimento à demanda, na necessidade de observância das metas estabelecidas (BRASIL, 2014). Desafios que abarcam a pressão por maior oferta de EI, impactando as condições de trabalho oferecidas nesse campo, requerendo investimentos em infraestrutura, provimento de pessoal, desenvolvimento de processos formativos, entre outros.
De todo modo, é reconhecida necessidade de atender a demanda pela EI, no reconhecimento do direito à educação (ALVES; CÔCO, 2014a ; 2014b e ALVES, 2018). Nesse quadro, observamos a aumento nos indicadores referentes as estratégias de estabelecimento de parcerias público-privadas, sustentadas na Lei nº 13.019/2017. Nesse panorama, interessadas no perfil dos profissionais que atuam nessas instituições, recortamos o atendimento nas IEICs de um estado com vistas a abordar, com maior aprofundamento, os indicadores do perfil dos docentes, que passamos a explorar neste tópico. Neste propósito, para este texto trabalharemos com dados originados do banco CultivEduca.
No estado focalizado, os dados se referem a IEICs localizadas em 19 municípios, reunindo 365 docentes. Selecionamos este estado pela particularidade dos processos de parcerias, com destaque para parcerias sem instituições sem fins lucrativos. Recortando esse escopo, junto aos indicadores de perfil agregamos informações referentes a formação inicial e a formação continuada. A título de síntese, adiantamos que a literaturas da área (ALVES; CÔCO, 2016; NASCIMENTO, 2010; TRINDADE, 2014; BALBÉ, 2011; BREJO, 2011; FLORES, 2007) informam desencontros marcantes entre as condições de trabalho presentes nas IEICs e o direito a formação dos profissionais.
Nos indicadores gerais de perfil, quanto ao gênero destaca-se indicadores de gênero feminino (351 mulheres), com minoria do gênero masculino (14 homens). Sobre a faixa etária, incide a presença de uma maioria na faixa etária de 30 a 39 anos (157 docentes), seguida das faixas etárias de 20 a 29 anos (88 docentes), de 40 a 49 anos (84 docentes), de 50 a 59 anos (30 docentes), de 60 a 69 (3 docentes), de menos de 20 anos (2 docentes) e, por fim, com mais de 70 anos (1 docente). Quanto à informações de cor (dos 306 educadores), os dados estão distribuídos em brancos (170), não respondentes (59), pardos (127) e negros (9). Sobre pessoas com deficiências, os dados informam apenas uma ocorrência (de baixa visão). Numa síntese de perfil, os dados indicam um quadro com a permanência da presença do gênero feminino, em fases mais iniciais da carreira (pessoas de até 40 anos).
No que se refere aos locais atuação, destaca-se a zona urbana (342 docentes), em detrimento da zona rural (23 docentes), aproximando-se dos indicadores gerais do campo da EI que assinalam uma desigualdade consistente na oferta da EI, evidenciando os desafios para configurar uma EI do campo (VIEIRA; CÔCO, 2017).
Nos indicadores de formação, os dados relativos a formação inicial indicam curso superior completo (285), superior incompleto (38), ensino médio na modalidade magistério (23) e ensino médio (19). Sobre a pós-graduação, destacam-se dados de cursos de especialização (179), com uma ocorrência pequena de mestrado (3).
No que diz respeito à formação continuada, os dados informam carência de oferta com indicadores consistentes de não participação de formação continuada (138). Na incipiência das ocorrências destaca a estratégia de abordagem de temas específico, sob a responsabilidade de instituições privadas. Então, cabe problematizar que, nas nessas parcerias, os setores públicos também têm repassado os processos formativos dos profissionais. Uma análise mais detalhada da oferta indica a possibilidade de abordagem do conjunto da EI (191), podendo se reportar a particularidade da pré-escola (131) ou da creche (90). No que se refere a outras tematizações, foi possível captar: ensino fundamental anos iniciais (64), necessidades educacionais especiais (60), temas transversais (36), Educação de Jovens e Adultos (24), ensino fundamental anos finais (11), educação ambiental (9), ensino médio (6), educação do campo (5), direitos da criança e adolescente (3), direitos humanos (2), diversidade sexual (1) e educação afrodescendente (1).
Nessa conjuntura, cabe retomar os dados da pesquisa nacional do Trabalho Docente4, observando que as instituições conveniadas são unidades privadas, “[...] mas que recebem recursos advindos de esfera pública (estadual ou municipal)” (GESTRADO, 2010, p. 16). Com isso, na busca pela afirmação de uma EI de qualidade, importante não desconsiderar os desafios que continuam a dificultar as conquistas na educação pública. Assim sendo, cabe também lembrar os dados apresentados por Fleuri (2005) referentes a trabalho e formação docente no cenário brasileiro, que informam uma distribuição desigual, concentrando melhores indicadores no Sudeste, com forte incidência de professores sem formação superior e com contratos mais precários nas Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste (FLEURI, 2015).
Nessa complexidade, cabe ainda retomar as problematizações referentes aos avanços de uma política de enfraquecimento da profissão docente, por meio de aquisição de modelos empresariais (SCAFF, 2017), protagonizados pela tentativa de mercantilização da educação (SALVADOR, 2017). Ainda que nossa opção de recorte focalize um contexto de parcerias com instituições sem fins lucrativos - aventando uma particularidade nesse processo de parceria - é importante considerar a aproximação com observação da intensificação da precarização do trabalho docente na EI, sobretudo, no contexto das IEICs. Os dados referentes à oferta de formação continuada expressam sobremaneira essa condição, com um conjunto consistente de profissionais sem oportunidade de avançar no desenvolvimento de sua profissionalização docente.
Encaminhando para a conclusão desse tópico, assinalamos que, na abordagem ao perfil docente atuante nas IEICs, com atenção aos processos formativos, esses indicadores integram um contexto de ataque à educação pública, expresso na escassez de investimentos que qualificam as condições de trabalho, nas agressões a professores que exercem o direito de greve, na aniquilação do tempo de planejamento, na terceirização da formação continuada e no ataque à autonomia docente, referindo-nos às tentativas de aprovação dos projetos da lei da mordaça e escola sem partido, que retiram do docente os direitos sobre o exercício da profissão (FRIGOTTO, 2017).
Nesse quadro, a opção pelo convênio vem agregando novas nuances à complexidade educacional. Ainda que não seja possível avançar nesses elementos nos limites desse artigo, cabe não desprezar que o mapeamento das IEICS sem fins lucrativos também permite a observação das condições de infraestrutura (com espaços não apropriados ao atendimento), das formas de captação de recursos (com limites de financiamento, fortalecendo uma cultura de doação) e das formas de gestão (com vinculação a instituições religiosas, seja no papel de mantenedoras, seja de gestoras) e da presença de profissionais não habilitados.
Com isso, passamos às considerações, compreendendo que o panorama da EI expressa inúmeros desafios. Dentre eles, reiteramos o direito dos trabalhadores à formação. Reiteramos também a necessidade de melhores condições de trabalho e valorização social, problematizando a desigualdade. Desigualdade esta, observada entre o atendimento em IEICs e em instituições públicas geridas pelos municípios, ainda que (des)integradas às redes de ensino.
Essa desigualdade impacta o exercício do trabalho docente e, consequentemente, a vida das crianças. Nessa perspectiva, acenamos para as expectativas de um futuro melhor, em que as pautas sobre a formação de professores possam habitar as arenas das decisões políticas, tanto nacionais, quanto locais, no sentido positivo da garantida do direito à educação, ressoando em legislações que contribuam para a afirmação da educação de qualidade, prevista em nossa base legal (BRASIL, 1996, 2009).
4 Considerações
Retomando o referencial bakhtiniano, destaque-se que buscamos, neste artigo, dialogar com distintas vozes que vêm atuando no campo da educação, em especial, na EI. Integrando esse movimento, abordamos a particularidade do convênio observando a composição de um lócus de trabalho com demandas cada vez mais intensas, que crescem tanto em função das especificidades locais (pressionadas pela demanda), quanto em decorrência das repercussões do cenário político mais ampliado (que vem impondo novas normativas à EI, tais como a implementação da Base Nacional Comum Curricular).
Assim sendo, nas assertivas correntes na luta por pautar a educação, vemos contrastar cortes de investimentos5 com metas de expansão, em meio a imposição de processos de privatização e mercantilização da educação. Nesse quadro, sem invisibilizar as diferentes formas de desenvolvimento do trabalho docente nas distintas instituições, importante não sucumbir à precariedade que enfraquece a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade.
Situados em um contexto brasileiro que golpeia os direitos à educação, os dados apresentados indicam a necessidade de resistir e persistir na composição de um futuro em que se respeitem os direitos sociais e se perspective a justiça social. No acabamento provisório deste texto, enfatizamos a necessidade de aproximação as IEICs, visibilizando as distintas estratégias de oferta que, não sem consequências, impactam o desenvolvimento da profissionalização docente e a busca pelo fortalecimento da EI, no horizonte de assegurar o direito das crianças e dos profissionais a processos formativos de qualidade.