Introdução
Na maior parte das vezes, os cargos de gestão nas universidades são desempenhados por docentes que são eleitos ou indicados para os cargos de reitoria, pró-reitorias, direções e coordenações. Esses professores, na maioria dos casos, assumem o papel de gestor adicionalmente às atribuições que já desenvolvem, acumulando, portanto, a atividade administrativa com as de ensino, pesquisa e extensão (PEREIRA, et al., 2015).
Com a expansão do ensino superior no Brasil, ocorrida nas últimas décadas, houve, consequentemente, o aumento do número de cargos administrativos nessas instituições, demandando mais participação de docentes, que antes apenas se ocupavam de suas atividades típicas, para desempenhar essa tarefa adicional, a qual requer conhecimentos administrativos, englobando habilidades técnicas e humanas, além de demandar tempo adicional para sua realização.
Merece destaque que o trabalho dos docentes ocupantes de cargos de gestão intermediária nas universidades é um dos fatores essenciais ao funcionamento destas instituições, tendo em vista serem eles que, diariamente, junto com o restante da equipe, tomam decisões e executam as atividades que permitem o seu funcionamento.
Cotidianamente os professores, que assumem cargo de gestão, enfrentam questões técnicas, necessidade de soluções dentro das limitações fáticas e formais de suas competências, devendo tomar decisões e resolver conflitos, adquirindo responsabilidades diversas diante da administração pública. Tudo isso somado à carga de trabalho já atribuída na instituição pela função da docência. Muitos dos cargos assumidos, pairando à totalidade, não oferecem capacitação ao docente que se depara com novas demandas de caráter administrativo, que lhe requerem habilidades das quais não tinha aproximação, seja de conhecimento legislativo, seja de sistemas burocráticos, seja de gerência de relações pessoais, entre tantas outras ações que acaba por se envolver ao avocar um cargo de gestão.
Diante da contextualização acima, sentindo a necessidade de um olhar sobre as implicações oriundas do trabalho dos docentes gestores, com vistas a ampliar o conhecimento sobre o tema em questão, pretende-se responder ao seguinte problema de pesquisa: quais as implicações pessoais do trabalho dos docentes designados para cargos de gestão intermediária no Centro de Formação de Professores (CFP) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)? A partir desse questionamento, pretende-se identificar as implicações pessoais do trabalho de docentes que ocupam cargos de gestão, tendo como população para a pesquisa os coordenadores de curso e administrativos do CFP da UFCG.
Trabalho do professor-gestor
O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) proporcionou a expansão do ensino superior no Brasil, acarretando a ampliação do acesso e a permanência na educação superior. Para isso algumas das ações propostas foram: aumento do número de vagas, ampliação ou abertura de cursos noturnos, aumento do número de alunos por professor, redução do custo por aluno, flexibilização de currículos e combate à evasão (BRASIL, [s. d.]). Decorrente dessa expansão, também houve um aumento no número de cargos de gestão nas universidades.
Some-se ao aumento do número de cargos administrativos nas universidades a crescente adoção de ferramentas gerenciais para avaliar o resultado alcançado pelos professores, aumentando o controle gerencial sobre o trabalho acadêmico e tornando cada vez mais forte a relação entre avaliação, desempenho e promoção nas instituições de ensino superior (MUSSELIN, 2013).
Ao assumirem um cargo administrativo de nível intermediário, como por exemplo, uma coordenação de curso, os professores universitários não podem, na maior parte das vezes, abandonar as atribuições que possuíam, logo, eles têm que encontrar formas de se adaptar à nova realidade e desenvolver estratégias para conciliar as exigências de todas as atividades que têm a desenvolver: ministrar aulas, participar de pesquisa e extensão, orientar alunos e, agora, atuar junto à administração.
Para cumprir tantas funções, os docentes aumentam o número de horas de trabalho, levam trabalho para casa, diminuem as atividades de pesquisa e de docência, e, algumas vezes, recorrem ao auxílio dos estudantes de pós-graduação, seus orientandos, para conciliar todas as atividades. Na carreira universitária, quando um professor assume um cargo na gestão, ele deixa de ser responsável apenas por seus alunos e pesquisas, e acaba por assumir outras responsabilidades: a coordenação de seus pares, o tratamento de conflitos, a supervisão de atividades diversas, em detrimento da realização direta de seus trabalhos técnicos (SILVA; CUNHA, 2012). No estudo realizado por Marra e Melo (2005) as principais estratégias de conciliação das atividades da docência com a função administrativa apontadas pelos docentes foram: o aumento do número de horas trabalhadas, diminuição das horas de pesquisa e redução do número de aulas.
Os resultados da investigação realizada por Barbosa et al. (2017) - cujo objetivo foi analisar como professores de ensino superior que atuam ou atuaram na gestão de uma universidade federal percebem o papel de professor-gestor - mostraram a gama de papéis que os docentes-gestores percebiam desempenhar: mediador de conflitos, interlocutor de interesses, representante da instituição no ambiente externo e representante de grupos intraorganizacionais, líder, político, estrategista, executor de planos, gerente de projetos, alocador de recursos, tomador de decisões, solucionador de problemas, formador de pessoas, educador, formador e gerente de equipe, empreendedor e servidor público.
Pereira et al. (2015) fazem uma crítica à falta de capacitação dos docentes que assumem cargos de gestão, considerando que na maioria das vezes eles são formados em áreas que não proporcionam aos mesmos uma habilitação em gestão. Esse fato pode acarretar a subutilização do profissional, pois a universidade perde a atuação de um bom professor para adquirir um gestor que não possui preparo para assumir o cargo.
O preparo para o cargo pode influenciar no desempenho da função gerencial, positivamente, pois proporciona-lhes melhor desempenho na resolução das demandas administrativas. Porém esse preparo, na maioria das vezes, não contempla a esfera das relações interpessoais, que possui grande importância na realização do trabalho de gestão, uma vez que envolve o relacionamento do docente gestor com a equipe em que trabalha, tanto com os técnicos-administrativos, quanto com seus pares. Marra e Mello (2005) afirmam que é na gestão de pessoas que se encontra a principal fonte de conflitos e pressões do gestor universitário. Administrar grupos, principalmente seus pares docentes, com interesses divergentes, e fazer com que eles trabalhem em equipe é, além de fonte de conflito, um desafio.
Esse desafio, atrelado ao aumento da carga de trabalho decorrente da função gerencial agregada às suas atribuições docentes, pode acarretar prejuízos em sua saúde física e mental. Rodrigues e Villardi (2017) corroboram com essa ideia quando afirmam que devido à sobrecarga e dificuldades de trabalho, os docentes gestores sentem medo e ansiedade, prejudicando sua saúde física e psicológica.
Silva e Sousa (2014) realizaram estudo buscando identificar a repercussão do trabalho na saúde do professor universitário, tendo sido apontados pelos docentes como negativos para a saúde, entre outros fatores, problemas da infraestrutura da instituição, sobrecarga de trabalho e atividades burocrático/administrativas que requer conhecimento especializado.
Procedimentos metodológicos
O presente estudo partiu do método de investigação indutivo, que segundo Lakatos e Marconi (2003) é um processo mental por meio do qual, a partir de dados particulares, suficientemente apurados, infere-se uma verdade geral não contida nas partes examinadas. Nesse estudo os dados particulares em questão foram as respostas dadas pelos ocupantes e ex-ocupantes de cargos de gestão intermediária do CFP/UFCG, e acredita-se que, o que lá foi observado, pode ser considerado para casos gerais. Fez-se a opção por uma pesquisa descritiva, que segundo Oliveira (2008) é aquela que visa descobrir e observar fenômenos, procurando descrevê-los e classificá-los.
No tocante aos procedimentos, para se apropriar dos conhecimentos produzidos sobre a temática e fundamentar com referencial teórico, realizou-se uma busca literária, caracterizando uma pesquisa bibliográfica, que segundo Prodanov e Freitas (2013) é aquela elaborada a partir de material já publicado, constituído principalmente de: livros, revistas, artigos científicos, monografias, dissertações, teses, entre outros, com o objetivo de colocar o pesquisador em contato direto com todo material já escrito sobre o assunto da pesquisa.
A presente pesquisa é ainda do tipo levantamento ou survey, a qual de acordo com Souza (2015) é feita através da interrogação direta de pessoas para coletar informações sobre a questão de pesquisa com avaliação quantitativa, conclusões e inferências. Os integrantes da amostra foram interrogados através de questionário e com base nas informações coletadas foi feita uma avaliação quantitativa para discussão junto ao que já havia sido observado nos estudos encontrados na fase de revisão narrativa.
O estudo teve abordagem quantitativa, a qual segundo Triviños (1994), envolve toda investigação baseada na estatística que pretende obter resultados objetivos, proporcionando maior experiência em relação a determinados problemas, obtendo assim, quando em contato com determinada população, os resultados desejados.
A pesquisa foi desenvolvida no CFP/UFCG, localizado no município de Cajazeiras - Paraíba. A opção por este ambiente de pesquisa foi motivada pelo considerável número de cursos ofertados por este Centro e devido ao conhecimento prévio do referido centro, facilitando o avanço da pesquisa sobre o tema proposto.
A população foi constituída pelos docentes do quadro efetivo do CFP/UFCG, que ocupam atualmente ou já ocuparam o cargo de coordenação de curso ou coordenação administrativa, não sendo possível quantificá-los precisamente, pois não há registro de todos os coordenadores desde a fundação do CFP. Já a amostra foi composta pelos docentes que desempenham esses cargos atualmente e pelos que desempenharam esses cargos nos últimos três anos, esses últimos foram incluídos com o intuito de prover maior representatividade às informações levantadas. Para a seleção da amostra o método aplicado foi a amostragem por julgamento ou intencional, que de acordo com Zikmund (2006) é uma técnica de amostragem não probabilística na qual a amostra é selecionada pelo pesquisador com base em seu julgamento pessoal sobre as características apropriadas dos membros da amostra.
Os critérios de exclusão para esta pesquisa foram: não ser ocupante atual ou nos últimos três anos de cargo de coordenação administrativa ou de curso no CFP/UFCG, e não estar em efetivo exercício. Para a participação na pesquisa foram necessárias ainda a aceitação voluntária e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A seleção dos professores que iriam compor a amostra foi realizada junto à Direção do CFP, através da consulta às listas do Conselho Administrativo, do qual fazem parte os coordenadores administrativos, e do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão, do qual fazem parte os coordenadores de curso, do período de junho de 2014 a junho de 2017.
A coleta de dados foi realizada por meio de questionário estruturado - aplicado entre os meses de julho e agosto de 2017- construído a partir do embasamento teórico feito por meio da revisão narrativa, a qual ocorreu entre os meses de fevereiro e julho do mesmo ano. Segundo Gerhardt e Silveira (2009), o questionário é um instrumento de coleta de dados que tem por objetivo levantar opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas e/ou situações vivenciadas, através de uma série ordenada de perguntas que devem ser respondidas por escrito pelo pesquisado, sem a presença do pesquisador.
A participação dos coordenadores no estudo foi iniciada após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFCG, campus Cajazeiras. O recrutamento foi de forma individual, em seus locais de trabalho, considerando os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para a pesquisa.
Assim, ao processo de levantamento de dados, inicialmente foi encaminhado um correio eletrônico de apresentação da pesquisa, no qual os docentes foram convidados a colaborar. Em seguida eles foram procurados nas coordenações de curso e administrativas. Quando encontrados, foi confirmada sua participação na pesquisa e receberam o questionário para responderem e o TCLE para assinarem. Para os docentes que não foram encontrados nas coordenações, geralmente os ex-coordenadores, o questionário e o TCLE foram colocados no escaninho do professor, localizado na unidade acadêmica, e em seguida um novo correio eletrônico foi encaminhado avisando-os. Alguns docentes também foram avisados pessoalmente em suas salas no ambiente de professores.
No correio eletrônico enviado foi estabelecido o prazo de dez dias para devolução dos questionários, porém esse tempo variou de um a vinte e dois dias. Ao final desse período foram devolvidos trinta e seis questionários devidamente preenchidos, ou seja, dos trinta e nove questionários distribuídos, três tiveram que ser desconsiderados em virtude de os docentes não terem manifestado interesse em participar da pesquisa.
Os dados coletados foram agrupados de forma sistematizada e posteriormente tabulados. Em seguida analisados através da estatística descritiva pela frequência numérica e percentual, com o auxílio do programa Microsoft Excel 2010, e os resultados apresentados em forma de quadros, gráficos e/ou tabelas, sendo posteriormente interpretados à luz de literaturas pertinentes ao tema. Segundo Milone (2004), através da estatística descritiva é possível sintetizar uma série de valores de mesma natureza, obtendo dessa forma uma visão global da variação deles.
A pesquisa foi realizada considerando as disposições éticas trazidas na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, respeitando os princípios da autonomia, não maleficência, justiça e equidade (BRASIL, 2012a).
A coleta de dados foi realizada mediante leitura e compreensão do TCLE, que foi elaborado em linguagem clara, trazendo uma breve descrição da pesquisa e os demais esclarecimentos necessários, referentes à: participação voluntária, confidencialidade dos dados, anonimato, desistência a qualquer momento da pesquisa e permissão para publicação.
Análise e discussão dos resultados
A Tabela 1 traz a caracterização do perfil dos trinta e seis professores participantes do estudo, com as seguintes variáveis: idade, sexo, nível de formação, tempo de atividade docente e tempo de docência no CFP/UFCG.
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
A faixa etária mais prevalente entre os professores foi de trinta e nove a quarenta e três anos (44,44 %) e a menos frequente foi de quarenta e quatro a quarenta e oito anos. A média das idades foi de 43,7 anos. Ao observar as idades encontradas, percebeu-se a existência tanto de gestores jovens, como também de alguns mais próximos da aposentadoria, visto que as idades variaram de 29 a 62 anos. Acredita-se que os mais jovens possam ser mais inexperientes, porém espera-se que possuam mais disposição em contribuir e mais facilidade de aprendizado.
O sexo masculino foi o mais prevalente (63,88%). Segundo Lima e Lima-Filho (2009), que também encontraram em seu estudo um maior percentual de professores do sexo masculino, no nível superior de ensino o sexo masculino lidera, ao contrário de outros níveis, levando-se a crer que quanto mais prestígio social mais presente o sexo masculino.
Foi verificado um elevado nível de qualificação entre os professores, na medida em que 63,88% são doutores, 19,44% mestres e 16,66% pós-doutores. Nenhum deles relatou ter apenas Especialização ou Graduação. Considerando aspectos didáticos e avaliativos, as titulações dos docentes são importantes, porém, retomando a ideia de Pereira et al. (2015), o fato de possuírem titulações não garante que esses docentes estejam preparados para serem gestores universitários, tendo em vista que esses sujeitos são egressos de cursos de mestrado e doutorado, nos quais é priorizada a formação para a pesquisa, o que resulta em alunos com perfil de pesquisador e de especialista em seus temas específicos de estudo (SILVA; COSTA, 2014).
Em relação ao tempo total de docência verificou-se que a maioria leciona de cinco a nove anos (27,77%), com média de 16,7 anos e o desvio padrão 8,4. Em relação ao tempo total de docência no CFP/UFCG a média foi 10,1 anos e o desvio padrão 6,8, sendo maior o percentual dos que são professores da Instituição de seis a dez anos (41,66%), o que revela maiores índices de docentes não tão antigos na profissão e na instituição. Esses dados possivelmente estão refletindo as novas contratações de docentes ocorridas após a adesão da UFCG ao REUNI, o programa de reestruturação e expansão das universidades, que foi instituído pelo Decreto Nº 6.096, no ano de 2007. Segundo Brasil (2012b) no período de implementação do REUNI, ou seja, entre 2008 e 2012, houve um grande salto no número de docentes efetivos, com a autorização de 21.786 novas vagas docentes e a consequente redução de 64% de docentes substitutos.
As questões norteadoras revelaram as implicações apontadas. Entre os docentes que assumem um cargo sem o adequado preparo, é comum o aparecimento de dificuldades, ou até mesmo a percepção de desvantagens. Neste estudo, como exposto no Gráfico 1, os entrevistados apontaram como dificuldade mais prevalente a responsabilidade na resposta a processos (47,22%), seguido de relação com subordinados (33,33%). Nessa questão alguns respondentes assinalaram mais de uma alternativa. Os outros motivos citados podem ser visualizados no Gráfico 1.
A partir desses dados, percebe-se que as dificuldades encontradas estão tanto no âmbito das habilidades técnicas, como a dificuldade em responder processos e presidir reuniões, como também no âmbito das habilidades humanas, como a relação com os subordinados e com a Pró-Reitoria de Ensino.
Questões relacionadas às desvantagens e dificuldades inerentes ao cargo de gestão emergiram em muitos dos estudos analisados. Segundo Marra e Melo (2003), enquanto eram apenas docentes, eles participavam de muitas reuniões, uma vez que a administração da universidade é colegiada. Contudo, ao se transformarem gestores, tiveram incluídas em sua rotina outras reuniões próprias da função gerencial, além de passarem a presidir as de seu respectivo departamento/curso. Em estudo realizado dois anos depois, essas autoras identificaram que a participação e coordenação de reuniões estão entre as atividades que o gestor menos gosta de fazer, por motivos variados, que vão desde a sua falta de objetividade até motivos políticos (MARRA; MELO, 2005).
No tocante à participação dos coordenadores em reuniões na UFCG, ao assumirem as coordenações administrativas e de curso, os docentes passam a compor os conselhos de centro: administrativo e de ensino, pesquisa e extensão, respectivamente, sendo que esses conselhos realizam reuniões com periodicidade, no mínimo, mensal. Já as assembleias das Unidades Acadêmicas também são realizadas geralmente uma vez por mês e são presididas pelos coordenadores que compõem a administração executiva colegiada.
No estudo de Kanan e Zanelli (2011) os gestores pesquisados associaram negativamente as suas atividades situações de: falta de autonomia, falta de planejamento, falta de tempo para o desenvolvimento das atividades de sala de aula e deficiência de conhecimento relacionado às novas ferramentas de gestão implantadas na instituição. Porém, mesmo assim, manifestaram encontrar satisfação no trabalho que realizavam e apresentavam um estado psicológico crítico motivacional para executá-lo.
No estudo de Melo, Lopes e Ribeiro (2013) a maioria dos gestores entrevistados afirmou, direta ou indiretamente, que os desafios enfrentados no exercício da função advêm de problemas de ordem financeira, de infraestrutura, de falta de mão de obra, dentre outras. Ainda sobre as dificuldades presentes em suas atividades de trabalho rotineiras, os docentes gestores desse estudo mencionaram como fator principal, a relação humana, referindo-se aos servidores que querem ter mais direitos do que deveres.
Elencadas as desvantagens/dificuldades, é importante levantar as vantagens/facilidades relacionadas ao cargo de Coordenação. Como pode ser visto no Gráfico 2, a mais citada foi a possibilidade de ajudar na gestão (66,66%). Os demais motivos citados podem ser visualizados no Gráfico 2. Motivos relacionados às vantagens pessoais, tais como: status e possibilidade de redução de carga horária em sala de aula não foram citados por nenhum deles, pelo contrário, a maior parte citou motivos que remetem à colaboração com a instituição, o que pode ser considerado um ponto positivo.
Os facilitadores e as vantagens relacionadas ao cargo de gestão também foram investigados em alguns outros estudos e merecem destaque. Para Marra e Melo (2003), o principal fator facilitador da função gerencial é o gestor poder contar com recursos humanos competentes, estando inclusos nessa categoria os docentes com alta qualificação, grande parte com doutorado ou pós-doutorado, e alguns técnicos-administrativos que são muito eficientes naquilo que fazem. No estudo de Campos et al. (2008), também foi relatado pelos gestores entrevistados a importância atribuída aos técnicos-administrativos, pois eles acreditam que os que são permanentes em determinado setor, possuem experiência acumulada em anos de trabalho e com ela podem auxiliar os “novos dirigentes”.
Os participantes da pesquisa de Barbosa et al. (2017) deixaram transparecer um sentimento ambíguo em relação a estar no papel de professor-gestor, pois ao mesmo tempo em que desfrutam de oportunidades de aprendizado, também sofrem implicações em sua vida pessoal - diminuição do contato com a família e amigos, e da vida social.
Em qualquer instituição, não apenas no âmbito das universidades, a existência de boas relações interpessoais é fator crucial para o êxito dos trabalhos. Para Marra e Melo (2005), o gestor universitário tem na gestão de pessoas sua principal fonte de conflitos e pressões. Administrar grupos, principalmente seus pares docentes, que muitas vezes possuem interesses divergentes e fazer com que eles trabalhem em equipe é, além de fonte de conflito, um desafio para o gestor.
No estudo de Gonçalves (2010), na percepção dos entrevistados, apreende-se que todos priorizam as habilidades interpessoais para a definição do que é ser um bom gestor, em detrimento, para a maioria, de sua titulação acadêmica, pois afirmam que títulos não fazem bons gestores. Ainda segundo esses autores, a autoridade exercida pelos professores-gestores na universidade deve ser legitimada pela capacidade desse gestor de envolver os demais professores e funcionários, direcionando seu comportamento para a consecução dos objetivos da IES.
No que se refere ao segmento mais problemático no tocante as relações interpessoais, o Gráfico 3 revela que os próprios colegas docentes foram apontados como o segmento de mais difícil relacionamento (80,55%). Pesquisa realizada por Marra e Melo (2003), corrobora com esse achado, pois quando convidados a falar sobre seus relacionamentos, 50% dos entrevistados consideraram os docentes, ou seja, seus pares, como o grupo de mais difícil relacionamento na universidade. O fato de o gestor ser também um docente e, muitas vezes, administrar seus ex-chefes e, no caso dos mais novos, até ex-professores, pode vir a interferir nessas relações.
No Quadro 1 estão elencados os motivos citados pelos entrevistados para a dificuldade de relacionamento com cada um dos três segmentos: docentes, discentes e técnicos-administrativos. De modo geral, os motivos citados para o conflito com os pares, grupo mais citado, foram da ordem de comportamentos individualistas e falta de compromisso com o trabalho desempenhado. Tais motivos são preocupantes, tendo em vista que, um dos fatores contribuintes para o alcance dos objetivos da instituição é o comprometimento de seus funcionários, nesse caso a falta de compromisso/comprometimento dos docentes poderá incidir diretamente nos resultados do tripé da universidade: ensino, pesquisa e extensão.
DOCENTES | DISCENTES | TÉCNICOS-ADMINISTRATIVOS |
---|---|---|
· Falta de compromisso com seu papel e da melhoria do curso; • Muitos se consideram autossuficientes; • Todos com suas individualidades; • Priorização das necessidades pessoais; • Professores do magistério superior são arrogantes; • Vontades distintas e muito direito (acham-se); • São as relações interpessoais; • Resistência; • Dificuldade de conciliar horários; • Falta de diálogo; • Individualismos e vaidades; • Alguns não conhecem as funções do coordenador; • Cumprimento da carga horária; • Falta de colaboração e compromisso com o desempenho das atividades de ensino pesquisa e extensão; • Na unidade “X” a maioria tem regime de trabalho T-20, se fosse T-40DE seria ideal; • Administrar egos. |
Não conhecem as limitações da gestão; • Consideram que a coordenação deve oferecer tudo conforme suas vontades; • Falta de compreensão dos trâmites da universidade. • |
· Diferentes tipos de técnicos-administrativos; • Alguns técnicos muitas das vezes querem trabalhar o mínimo possível. |
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018.
No que se refere a como os docentes viam o desempenho da atividade de gestão, foi encontrado o seguinte resultado: 11,11% viam como uma tarefa desempenhada através da reprodução de rotinas e cumprimento de normas, 25% como uma tarefa desempenhada através de reflexão e planejamento estratégico, e 63,88% como uma tarefa que demanda tanto a reprodução de rotinas e cumprimento de normas, como reflexão e planejamento estratégico.
De forma geral, podem-se considerar positivas as respostas a essa pergunta, pois quase 90% deles afirmaram serem necessárias para o desempenho da gestão atividades como reflexão e planejamento estratégico, atividades essas que são determinantes para o sucesso da gestão, conforme as funções administrativas propostas por Fayol: planejamento, organização, comando, coordenação e controle (FAYOL, 1975).
O cargo de gestão intermediária acarreta acúmulo de atividades necessitando para desenvolvê-las aumento na carga de trabalho e nas horas trabalhadas, retirando do sujeito tempo para se dedicar a outras atividades. Neste estudo (Gráfico 4) todos os entrevistados, em algum grau, afirmaram ter a carga de trabalho aumentada.
A questão da sobrecarga de trabalho a que o docente gestor está submetido é presente em quase todos os estudos encontrados. A própria atividade docente já é repleta de atribuições que geralmente extrapolam a carga horária do professor na universidade, tendo esse que levar trabalho para casa. Acrescente-se a isso a função administrativa assumida.
Os entrevistados do estudo realizado por Melo, Lopes e Ribeiro (2013) ao serem questionados sobre como é seu cotidiano laboral, deram respostas que remeteram à sobrecarga de trabalho a que estão expostos, tais como: “ser pesado” e “ter sobrecarga de trabalho”. Ao mencionarem que o cotidiano de trabalho é pesado, os gestores referem-se às exaustivas reuniões diárias, atendimentos ao público interno e externo, representações fora do local de trabalho, além do excesso de assinaturas de documentos, o que torna o serviço burocrático.
Marra e Melo (2003) relatam que no cotidiano de vários gestores de uma universidade federal, muitos se queixam da queda da qualidade de suas atividades técnicas ao assumirem a função gerencial na IES e que para realizarem todas as atividades sob sua responsabilidade estes profissionais tendem a aumentar o número de horas de trabalho, implicando prejuízos em suas vidas pessoais (família, saúde e lazer) e profissionais (não realizar pesquisas, não participar de eventos científicos e perder qualidade de ensino). Essas autoras fazem ainda um alerta: é importante ressaltar a diferença entre as atividades prescritas no regimento e as atividades que são realmente realizadas pelos gestores intermediários na Universidade, pois na maioria das vezes o real vai além do prescrito e acaba por aumentar ainda mais a complexidade e a carga da função gerencial. Na UFCG, por exemplo, o Regimento Geral dispõe sobre as competências dos gestores na Universidade, porém, na prática outras demandas acabam sendo postas sob a responsabilidade deles.
Em relação a sua saúde, os docentes foram indagados se consideravam que seus problemas de saúde ficaram mais frequentes desde que (ou quando) assumiram o cargo de coordenação. Na Tabela 2 encontram-se as respostas a essa pergunta.
OPINIÃO | f | % |
---|---|---|
Sim | 14 | 38,88 |
Não | 15 | 41,66 |
Parcialmente | 07 | 19,44 |
TOTAL | 36 | 100 |
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Conforme já citado anteriormente, algumas vezes a sobrecarga de trabalho também acaba por afetar a saúde dos docentes. Alguns participantes do estudo de Kanan e Zanelli (2011) associaram o trabalho a eventos negativos em suas vidas, tais como: ameaça à saúde e bem-estar, percepção de prejuízo em eventos importantes de suas vidas em função do tempo excessivo dedicado ao trabalho e a grande responsabilidade assumida inerente ao cargo. Em estudo realizado por Silva e Sousa (2014) questões burocráticas e administrativas foram apontadas como interferentes na saúde pelos docentes pesquisados.
A sobrecarga de trabalho acaba por comprometer o dia a dia dos docentes. Wilhelm e Zanelli (2013) alertam que além de os docentes gestores estarem inseridos em um contexto de muito trabalho, ainda possuem pouco tempo disponível para lazer e prática de atividades físicas, o que acaba por aumentar os índices de estresse, com consequências negativas sobre a saúde, como episódios de taquicardia, gastrite, hemorroida e dores agudas.
A saúde dos docentes gestores é uma questão que merece atenção, no tocante a ações que visem preservá-la, pois quando estiverem doentes e vierem a necessitar de afastamento, um novo docente terá que assumir aquele cargo, muitas vezes de forma abrupta, o que pode gerar uma descontinuidade no andamento dos trabalhos do setor.
Considerando o exposto até aqui, pode-se perceber que a atividade de gestão é uma tarefa complexa e que demanda dedicação por parte do docente, o que desperta a curiosidade no tocante aos motivos que levam esses docentes a aceitar tais cargos.
A contribuição com a gestão foi apontada por 88,88% (Gráfico 5), seja por necessidade ou vontade. A retribuição financeira foi elencada por 5,55%. Entre os outros motivos citados estão: adquirir experiência na gestão; estar a par do cotidiano burocrático em que está inserido; inicialmente o desafio, depois passou a gostar; a princípio por imposição; necessidade de revezamento no cargo de coordenação pelo fato de o curso ter poucos docentes; colaborar com colega em afastamento.
Enquanto nos resultados desse estudo o status não foi citado e a gratificação financeira foi a menos citada, resultado um pouco diverso foi encontrado no estudo de Pereira et al. (2015), no qual esses motivos figuram entre os principais motivos para o aceite da coordenação.
Para os participantes do estudo de Campos et al. (2008) um dirigente precisa ter muita vontade de contribuir com a Universidade para assumir uma função de gestão, pois dedicar-se a administração na Universidade é um sacrifício profissional, tendo em vista que o tempo para os estudantes diminui, além das inúmeras outras implicações na vida profissional e pessoal.
Mesmo diante das dificuldades apresentadas pelos docentes gestores, há aqueles que, já tendo passado pela experiência, optaram por reassumir o cargo, seja para ampliar/aprimorar a experiência, seja para colaborar outra vez com a IES. Neste estudo, dos 21 ex-coordenadores entrevistados, 42,85% afirmaram que, caso haja oportunidade, reassumiria o cargo e 47,61% não adotaria nova postura (Tabela 3).
VARIÁVEL | SIM | NÃO | TALVEZ |
---|---|---|---|
f % | f % | f % | |
Assumiria de novo | 09 42,85 | 06 28,57 | 06 28,57 |
Adotaria postura diferente | 09 42,85 | 10 47,61 | 02 9,52 |
TOTAL | 21 | 100 |
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
A ocupação de cargos por docentes que já têm experiências prévias na gestão pode ser considerada benéfica, tendo em vista que com a ausência de oferta de treinamento, a forma que eles têm para aprender como desempenhar a gestão é exercendo-a.
O interstício compreendido entre o exercício de um cargo de gestão e outro, pode ser um bom momento para reflexão sobre os erros e acertos cometidos à frente do cargo, pois nesse momento, mesmo que não estejam à frente de uma coordenação, eles já tiveram oportunidade de conhecer o “outro lado da moeda” e, assim, conseguem compreender melhor as atitudes e cobranças da atual gestão.
Conclusão
O presente estudo avaliou que os gestores nas universidades, em sua grande maioria, são docentes que acumulam o exercício da atividade de gestão com as atividades típicas do professor, quais sejam: ensino, pesquisa e extensão, o que leva muitas das vezes à sobrecarga de trabalho e ao estresse, acarretando implicações na vida pessoal desses sujeitos. Além disso, vislumbrou-se também como fator interferente o fato de, muitas vezes, eles não conseguirem estabelecer relações harmônicas com os demais membros da equipe.
O principal objetivo desta pesquisa foi a identificação das implicações pessoais do trabalho de docentes que ocupam cargos de gestão, mais especificamente as coordenações de curso e administrativas do CFP da UFCG. Para que esse objetivo pudesse ser alcançado, delineou-se o traçado metodológico partindo, inicialmente de uma revisão narrativa e, posteriormente de levantamento realizado por meio de questionário aplicado junto aos coordenadores de curso e administrativos atuais e que exerceram esses cargos nos últimos três anos. Constatou-se que, a maior parcela dos docentes que assumem cargos de gestão é de docentes com pouco tempo de trabalho no CFP/UFCG; mais da metade dos docentes pesquisados afirmou ter, em algum grau, tido aumento nos problemas de saúde.
A pesquisa apresentou limitação no tocante ao não alcance de toda a amostra delimitada inicialmente: trinta e nove docentes, em virtude da não demonstração de interesse de três dos docentes em participar do estudo, pois mesmo tendo sido adotado para eles o mesmo procedimento adotado para os demais participantes - contato semanal por e-mail - eles não enviaram nenhum feedback ao longo de três semanas e acabaram, portanto, sendo ignorados na amostra final.
Sugere-se para estudos futuros a realização de investigações semelhantes: nos demais centros da UFCG; com ocupantes de cargos de outros níveis da gestão (pró-reitores, diretores de centro); com ocupantes de cargos de similares em instituições privadas, considerando que esses profissionais estão submetidos a uma rotina de trabalho com uma maior carga de cobranças, tendo em vista que nas IES privadas o lucro também é fator determinante para a gestão.
É imprescindível que as IES tenham um olhar atento para as implicações pessoais oriundas do trabalho dos gestores universitários, buscando assim preservar o bem-estar desses sujeitos, para que assim eles possam desempenhar seus papéis de gestores universitários com qualidade, esta que será o eixo estruturante na viabilização do tripé ensino, pesquisa e extensão em níveis cada vez mais elevados.