SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número63UMA REFLEXÃO SOBRE O CONHECIMENTO JÁ ELABORADO: METACOGNIÇÃO E PENSAMENTO COMPUTACIONAL NA UTILIZAÇÃO DA ROBÓTICA índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.63 São Paulo out./dez 2022  Epub 12-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n63.22157 

Artigos

PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS E VIOLÊNCIA ESCOLAR: (DES)ENCONTROS DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM MUNICÍPIOS DO PARANÁ

POLITICAL- PEDAGOGICAL PROJECTS AND SCHOOL VIOLENCE: DISAGREEMENTS OF PHYSICAL EDUCATION IN CITIES OF PARANÁ

PROYECTOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS Y VIOLENCIA ESCOLAR: DISCREPANCIAS DE LA EDUCACIÓN FÍSICA EN MUNICIPIOS DE PARANÁ

Rodrigo Martins de Brito, Licenciado em Educação Física1 
http://orcid.org/0000-0003-1981-2685

Marcos Vinicius Francisco, Doutor em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-5410-2374

1Licenciado em Educação Física, Universidade Estadual de Maringá/Campus Regional do Vale do Ivaí - UEM/CRV. Ivaiporã, Paraná - Brasil.

2Doutor em Educação, Universidade Estadual de Maringá/Campus Regional do Vale do Ivaí - UEM/CRV. Ivaiporã, Paraná - Brasil.


Resumo

Nesta pesquisa assumiu-se o objetivo de analisar os Projetos Político-Pedagógicos de escolas situadas no Vale do Ivaí, a fim de avaliar a articulação entre o componente curricular de Educação Física e os programas de combate às manifestações de violência da e na escola. Por meio da análise documental e com base nos pressupostos epistemológicos e ontológicos do materialismo histórico-dialético, analisaram-se os Projetos Político-Pedagógicos (PPP) de escolas estaduais que ofertavam o Ensino Fundamental II e/ou Médio vinculadas aos municípios de Arapuã, Ivaiporã, Jardim Alegre, Lunardelli e São João do Ivaí, além dos programas/projetos assumidos pelas unidades escolares das respectivas cidades paranaenses. Explicitou-se por meio dos resultados que, por mais que os PPP das escolas revelem que foram construídos a partir dos princípios da gestão democrática, não foram identificados elementos que confirmem o envolvimento da comunidade escolar nas ações propostas. Apenas dois documentos trouxeram à tona, ainda que de forma incipiente, conexões do componente curricular de Educação Física com o enfrentamento da violência escolar. E, no que tange às distintas dimensões da violência, quando aludidas, são mencionadas estratégias generalistas, obliterando-se os fundamentos e desdobramentos para problematizá-las e combatê-las.

Palavras-chave educação física; projeto político-pedagógico; programas de enfrentamento; violência escolar.

Abstract

In this research, we assumed the objective of analyzing the Political-Pedagogical Projects of schools located in Vale do Ivaí, in order to evaluate the articulation between the Physical Education curricular component and the programs to combat manifestations of violence at school. Through document analysis and based on the epistemological and ontological assumptions of historical-dialectical materialism, were analyzed the Political-Pedagogical Projects (PPP) of state schools that offered Elementary School II and/or High School linked to the cities of Arapuã, Ivaiporã, Jardim Alegre, Lunardelli and São João do Ivaí, in addition to the programs/projects undertaken by the school units in the respective cities of Paraná. It was made clear through the results that, despite the fact that the schools' PPPs reveal that they were built from the principles of democratic management, no elements were identified that confirm the involvement of the school community in the proposed actions. Only two documents brought to light, albeit incipiently, connections between the Physical Education curriculum component and the confrontation of school violence. And, with regard to the different dimensions of violence, when alluded to, generalist strategies are mentioned, obliterating the foundations and developments to problematize and combat them.

Keywords: confrontation programs; pedagogical political project; physical education; school violence.

Resumen

En esta investigación, asumimos el objetivo de analizar los Proyectos Político-Pedagógicos de las escuelas ubicadas en Vale do Ivaí, con el fin de evaluar la articulación entre el componente curricular de Educación Física y los programas de combate a las manifestaciones de violencia en la escuela. A través del análisis de documentos y con base en los presupuestos epistemológicos y ontológicos del materialismo histórico-dialéctico, se analizaron los Proyectos Político-Pedagógicos (PPP) de las escuelas estatales que ofrecieron la Enseñanza Básica II y/o la Enseñanza Media vinculadas a los municipios de Arapuã, Ivaiporã. Jardim Alegre, Lunardelli y São João do Ivaí, además de los programas/proyectos realizados por las unidades escolares en las respectivas ciudades de Paraná. Quedó claro a través de los resultados que, a pesar de que los PPP de las escuelas revelan que fueron construidos a partir de los principios de la gestión democrática, no se identificaron elementos que confirmen el involucramiento de la comunidad escolar en las acciones propuestas. Solo dos documentos sacaron a la luz, aunque de forma incipiente, conexiones del componente curricular de Educación Física con el enfrentamiento a la violencia escolar. Y, en cuanto a las diferentes dimensiones de la violencia, cuando se alude a ellas se mencionan estrategias generalistas, borrando los fundamentos y desarrollos para problematizarlas y combatirlas.

Palabras Clave: educación física; projeto político pedagógico; programas de enfrentamento; violencia escolar.

Introdução

Esta investigação é um desdobramento de pesquisa que contou com o fomento da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Paraná (FA). Na ocasião, analisaram-se, por meio da revisão de teses e dissertações, os Programas de enfrentamento à violência escolar no estado do Paraná e a possível articulação com a área de Educação Física.

A pesquisa foi desenvolvida por meio da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Os seguintes descritores foram utilizados nas buscas avançadas: “Programa”, “Enfrentamento”, “Combate” e “Violência escolar”. Eles foram cruzados por meio do operador booleano “AND”. Como critérios de inclusão foram adotados: teses e dissertações defendidas em Programas de Pós-Graduação das áreas de Educação e Educação Física do estado do Paraná, no período de 2009 - 2019; que apresentaram como objeto de análise os Programas de Combate as diferentes manifestações da violência escolar no estado supracitado.

Das quarenta e quatro (44) obras, inicialmente identificadas, dez (10) estavam duplicadas, sendo trinta e quatro (34) o quantitativo utilizado no processo de análise flutuante (títulos e resumos). Por conseguinte, apenas seis (06) textos foram selecionados (cinco dissertações e uma tese). Após evidenciar a escassez de investigações, constatou-se, ainda, que a área de Educação Física não produziu nenhuma dissertação ou tese sobre o tema.

Nesse sentido, surgiram os seguintes questionamentos: Como os conhecimentos produzidos sobre Programas de Combate à Violência na escola, ainda que escassos, estão materializados nos PPP das escolas públicas? Como o componente curricular da Educação Física é contemplado nesses projetos?1

Dentre as diversas manifestações de violência, a escolar ganhou notoriedade, nas últimas décadas do século XX, no contexto brasileiro, quando investigadores/as se debruçaram sobre o tema, acrescido da difusão de estratégias e ações para problematiza-las ou combatê-las, tendo em vista suas implicações para o processo de ensino e aprendizagem na educação escolar (TOMBINI 2018). Ao assumir o materialismo histórico-dialético, compreende-se que a violência escolar, em suas distintas tipificações, não deve ser percebida como encargo exclusivo de um sujeito particular, já quer essa seria uma interpretação individualizante do fenômeno em tela (FRANCISCO; LIBÓRIO, 2015; POUJOL GALVÁN, 2016).

Francisco (2013) pondera que a formulação dos programas de intervenção necessita de um posicionamento mais crítico, por parte de quem se debruça sobre a temática, de tal forma que estes estejam conectados a uma concepção que almeje a superação das relações instauradas e fetichizadas. Com relação às aulas de Educação Física escolar, ao compreender que as diferentes formas de violência também se manifestam nessa prática social, sobretudo diante das manifestações da cultura corporal (OLIVEIRA; VOTRE, 2006; VIANNA; SOUZA; REIS, 2015), defende-se que os/as professores/as do componente curricular deverão problematizá-las em sua práxis-pedagógica (TAFFAREL, 2016).

Além disso, há que se reforçar o papel da Educação Física nos PPP das escolas, de tal forma que se assegure o seu papel nas discussões e proposições feitas pela comunidade escolar. Defende-se a perspectiva de que tais documentos sejam produzidos coletivamente e discutidos a partir dos pressupostos da gestão democrática, tendo em vista a dimensão emancipatória e o envolvimento da comunidade escolar nesse processo, sobretudo ao se reconhecer a educação como um direito social (VEIGA, 2003; CABRAL NETO; CASTRO, 2011). De forma oposta, a partir da perspectiva do modelo gerencial de gestão, os PPP são concebidos sob a ótica regulatória (VEIGA, 2003), ou seja, prevalece a preocupação com o produto em detrimento dos processos; ganham ênfase os discursos de redução do papel do Estado no setor educacional, sendo que a gestão escolar além de gerenciar os serviços escolares, deverá captar recursos, estabelecer parcerias e se responsabilizar pelo sucesso ou fracasso da escola (CABRAL NETO, 2011).

Diante de tais aspectos, assumiu-se como objetivo geral deste estudo: analisar os Projetos Político-Pedagógicos de escolas situadas no Vale do Ivaí, a fim de avaliar a articulação entre o componente curricular de Educação Física e os programas de combate às manifestações de violência da e na escola.

Delineamento metodológico

A pesquisa foi estruturada a partir da análise documental, tendo como base os pressupostos epistemológicos e ontológicos do materialismo histórico-dialético (MHD). Para Paulo Netto (2011) e Tonet (2013) na perspectiva do MHD o/a pesquisador/a ao analisar um fenômeno deverá ultrapassar a aparência fenomênica e extrair as múltiplas determinações presentes em sua constituição.

De acordo com Evangelista e Shiroma (2019), nessa perspectiva, todo ser humano é histórico, por sua vez, escritos, documentos e leis, por exemplo, possuem significados que apontam aspectos que permeiam o/a locutor/a e como se materializam em tais documentos. Ao analisar os documentos decorrentes de políticas educacionais, deve-se observar o contexto de sua produção, para que não ocorra uma separação entre o momento histórico no qual foram redigidos, das questões políticas que os influenciam.

Há que se compreender a materialidade da documentação e aquilo que está camuflado, ou seja, aos fins que se destina sua produção. Salientam, Evangelista e Shiroma (2019, p. 89) “[...] não vemos o mundo como ele é; assim também a política em sua concretude não pode ser apreendida imediatamente na documentação”.

Local e unidades escolares

O Vale do Ivaí, no estado do Paraná, é composto por 26 municípios (BRASIL, 2015), sendo que para esta investigação foram selecionadas as 16 escolas estaduais de Ensino Fundamental II e Médio, vinculadas aos municípios de Arapuã (duas escolas), Ivaiporã (sete escolas), Jardim Alegre (quatro escolas), Lunardelli (uma escola) e São João do Ivaí (duas escolas), ou seja, municípios vinculados à microrregião de Ivaiporã.

Seleção dos documentos

No processo de busca pelos PPP, disponíveis nas páginas das escolas (acesso aberto), o seguinte cenário foi identificado: das duas unidades do município de Arapuã, ambas apresentavam o PPP no site; das sete escolas de Ivaiporã, apenas uma apresentava o PPP; em Jardim Alegre, das quatro unidades, apenas uma continha o documento no site, porém estava corrompido; identificou-se o PPP referente à escola de Lunardelli; e no que tange às escolas de São João do Ivaí, apenas um PPP estava disponível.

Após o levantamento inicial dos PPP nas páginas das escolas, foi encaminhado e-mail para todas as unidades escolares, sendo esclarecidos os objetivos da pesquisa e a confidencialidade do nome das escolas. Tal procedimento foi realizado, inclusive, com as escolas que apresentavam o PPP no site, a fim de constatar se os documentos estavam atualizados. Todavia, apenas algumas retornaram aos e-mails (uma escola de Jardim Alegre, uma escola de Lunardelli, duas escolas de Ivaiporã e duas de São João do Ivaí).

Sendo assim, procedeu-se pelo contato telefônico junto às demais escolas, sendo que três de Ivaiporã disponibilizaram os arquivos para fotografá-los e/ou retirá-los na própria unidade. As demais não disponibilizaram os arquivos, ao alegar que estavam reformulando os PPP ou não atenderam aos pesquisadores. Dessa forma, foram obtidos os projetos de 12 das 16 unidades escolares.

Quadro 1 Projetos Político-Pedagógicos 

Municípios Escolas Ano de atualização do PPP
Arapuã Escola 12
Escola 2
● 2010
2008
Ivaiporã Escola 3
Escola 4
Escola 5
Escola 6
Escola 7
Escola 8
Escola 9
● 2018
2008
2017
2012
2017
2017
Não disponibilizado
Jardim Alegre Escola 10
Escola 11
Escola12
Escola 13
● 2019
Não disponibilizado
Não disponibilizado
Não disponibilizado
Lunardelli Escola 14 ● 2007
São João do Ivaí Escola 15
Escola 16
● 2011
2019

Fonte: Os autores (2021).

Análise dos documentos

Na análise dos documentos, conforme Evangelista e Shiroma (2019), é de suma importância entender que não se analisa se o documento é bom ou ruim, prima-se pela compreensão das intencionalidades mais amplas, ou seja, se o que propõem resolver coaduna ou afronta o poder vigente, tendo clareza que o capitalismo é o sistema econômico consolidado neste nosso momento histórico. Tais pressupostos foram adotados na análise de cada um dos PPP.

Posto isso, reforça-se a necessidade de se abarcar a síntese das múltiplas determinações dos documentos, ou seja, quem os escreveu, qual o seu intuito e lógica embutida. Para tanto, é fundamental analisar a linguagem utilizada nos documentos, sobretudo quando no âmbito da aparência apresentam soluções imediatas diante de determinada problemática, todavia no plano da essência é que se revelam as intencionalidades mais amplas (EVANGELISTA; SHIROMA, 2019).

Os dados coletados foram categorizados e confrontados com a literatura da área, de tal forma que se elaboraram as seguintes categorias de análise: 1 - Modelos de gestão democrática e gerencial no processo de elaboração e implementação dos Projetos Político-Pedagógicos; 2- Abordagem conferida à violência escolar e o papel da disciplina de Educação Física no seu combate.

Análise e discussão

1 - Modelos de gestão democrática e gerencial no processo de elaboração e implementação dos Projetos Político-Pedagógicos

Ao analisar o processo de construção dos PPP das escolas pesquisadas, há a menção, em todos os documentos, de que eles foram construídos a partir dos princípios da gestão democrática, ao envolverem a comunidade escolar, a exemplo das instâncias colegiadas, tais como a Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF), o Conselho de Classe, o Grêmio Estudantil, o Conselho Escolar e alunos/as representantes de Turma. Na sequência, apresentam-se alguns exemplos de fragmentos identificados em diferentes PPP, a fim de ilustrar como os fundamentos da gestão democrática são anunciados:

Art.4º. O estabelecimento de ensino objetiva a implementação e acompanhamento do seu Projeto Político-Pedagógico, elaborado coletivamente, com observância aos princípios democráticos, e submetido à aprovação do Conselho Escolar (ESCOLA 02, 2008, p. 09).

Esse elo constante entre pais, professores e funcionários com a comunidade, prima também pela busca de soluções equilibradas para os problemas coletivos do cotidiano escolar, dando suporte à direção e à equipe, visando o bem-estar e formação integral dos estudantes (ESCOLA 03, 2018, p. 15).

[...] envolvimento da comunidade escolar em suas decisões, é fazer com que esta seja participativa, pois em conformidade com o diretor, esta oferece a possibilidade dos professores, equipe pedagógica, funcionários, pais e alunos participarem de decisões (ESCOLA 05, 2017, p. 20).

Todas as ações no PPP foram planejadas, diagnosticadas e prevista previamente, em conjunto com todos os envolvidos da comunidade escolar. (ESCOLA 10, 2019, p. 56).

A partir dos excertos corrobora-se com Veiga (2003), Drabach e Souza (2014) e Lima (2016), tendo em vista que a gestão democrática coaduna com processos de emancipação pedagógica, ou seja, as decisões não ficam centradas nas mãos dos/as gestores/as. Há um envolvimento com a comunidade escolar e representatividade de todos os segmentos.

Adrião e Camargo (2007) salientam que foi apenas com a Constituição Federal de 1988 que os princípios da gestão democrática foram incorporados ao ideário educacional brasileiro. Todo esse processo se deu a partir da pressão e articulação de movimentos sociais voltados à redemocratização do país, isso porque a população vivenciou um período ditatorial e autoritário que se estendeu de 1964 a 1985 (ADRIÃO; CAMARGO, 2007; LIMA, 2016).

Todavia, esse não foi um processo linear, até mesmo porque embates “ocorreram nas comissões e subcomissões encarregadas de discutir a educação no processo constituinte (1987-1988) entre diferentes setores diante da questão da gestão democrática do ensino” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p. 66). Em síntese, de um lado, havia aqueles/as que se identificavam com as posições do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (composta por várias entidades nacionais), ou seja, a gestão da educação e da escola deveriam refletir os posicionamentos da população beneficiária (alunos/as, pais/responsáveis e comunidade local).

Para esse setor, formar cidadãos para uma sociedade participativa e igualitária pressuporia vivências democráticas no cotidiano escolar, traduzidas na presença de mecanismos participativos de gestão na própria escola e nos sistemas de ensino. Esta proposição englobava tanto os estabelecimentos oficiais quanto os da rede privada de ensino, em todos os níveis. Em vista disso, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública apresentou à Comissão Constituinte encarregada das discussões sobre o capítulo da educação a seguinte redação para a formulação do texto constitucional: “gestão democrática do ensino, com participação de docentes, alunos, funcionários e comunidade.” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p. 66).

De forma oposta, ainda de acordo com Adrião e Camargo (2007, p. 66), havia um setor composto por representantes do empresariado educacional e das escolas confessionais que se opunham a essa concepção. “Aqui, o grau “aceitável” de participação resumia-se à possibilidade de famílias e educadores colaborarem com direções e/ou mantenedoras dos estabelecimentos de ensino”.

No anteprojeto de Constituição, a comissão responsável por sua elaboração assumiu a concepção defendida pelo primeiro grupo. Todavia, “sua formulação foi alterada em plenário, por meio de uma emenda coletiva apoiada pelos setores conservadores” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p. 67). Assim, na redação final da Constituição Federal de 1988 é possível identificar que essa conquista foi parcial, pois se por um lado predominou a defesa de que o ensino será assegurado a partir dos princípios “da gestão democrática e do ensino público, na forma de lei” (BRASIL, 1988, p.123), por outro lado, a extensão da gestão democrática não abarcou o ensino privado.

A Gestão Democrática, mesmo estando assegurada na Constituição Federal de 1988 e na LDB não reverbera que as escolas realmente sejam democráticas, haja vista que muitas adotam os pressupostos da gestão gerencial (LIMA, 2016).

Tal consideração é importante de ser feita, sobretudo porque por mais que os PPP das escolas pesquisadas assumam tais princípios em sua formulação, e que os/as diretores/as sejam eleitos/as pela comunidade escolar, em nenhum dos documentos foi possível identificar de forma efetiva como ocorreu à participação da comunidade escolar na proposição de ações e projetos relacionados às instituições (aquilo que propõem e as estratégias para atingi-las). Sobre a escolha dos/as gestores/as por meio de consultas à comunidade escolar, no estado do Paraná, até o ano de 2020 vigorou a Resolução da SEED 797, de 06 de março de 2018, a qual estabelecia no Art. 1º “normas [...] para completar o mandato de 2016 até o início do ano letivo de 2020, conforme o contido no § 3.°, do art. 64, da Resolução n. 3.373/2015 - GS/SEED, de 19 de outubro de 2015, e no § 3°, do art. 3.°, da Resolução n. 5.547, de 2017” (PARANÁ, 2018). Todavia, esse processo sofreu um ataque, após a aprovação na Assembleia Legislativa do Paraná da Lei n. 20.358 de 26 de outubro de 2020 (PARANÁ, 2020), esta que promove alterações nas eleições para diretor/a das unidades escolares da rede pública estadual, favorecendo, por conseguinte, à intervenção do Estado na escolha efetuada pela comunidade escolar (BASEI, 2021).

Nos documentos analisados há o predomínio de um discurso generalista e quando da menção/presença da comunidade, sobretudo na figura dos/as pais, mães e responsáveis, há o anúncio de ações pontuais que pouco ou nada corroboram com o processo de construção do PPP. Na sequência, são apresentados alguns exemplos, com a intenção de ilustrar tal constatação:

Art.6º. A organização democrática no âmbito escolar fundamenta-se no processo de participação e co-responsabilidade da comunidade escolar na tomada de decisões coletivas, para a elaboração, implementação e acompanhamento do Projeto Político-Pedagógico (ESCOLA 02, 2008, p. 10).

Para tanto são organizadas reuniões com as famílias no início do ano letivo e ao término de cada bimestre, e atendimentos individualizados, agendado pela equipe pedagógica ou pelas famílias. Acontecem também durante o ano letivo momentos de integração entre família e escola quando se busca apresentar as atividades desenvolvidas pelos alunos através de mostra cultural, científica, artística e esportiva (ESCOLA 05, 2017, p. 29).

[...] organiza reuniões trimestrais, ou em ocasiões especiais com os pais, como Show de Talentos, eventos culturais semana “integração escola e família, e campeonatos interclasses, buscando uma maior integração entre família e escola, para se colocarem em par do desenvolvimento dos filhos [...] (ESCOLA 08, 2017, p. 10).

São informados das conquistas e do andamento da vida escolar do estudante com reuniões bimestrais e convocações individuais. Portanto, o relacionamento entre a instituição e os pais é intensificado de acordo com as necessidades especiais, tendo como objetivo o pleno desenvolvimento pessoal e acadêmico do educando (ESCOLA 10, 2019, p. 29).

Foram feitas diversas reuniões e dinâmicas com professores, funcionários, alunos, pais e comunidade sendo recebidas manifestações, sugestões e críticas (sobre a escola que temos e a escola que queremos). Após uma sistematização de cada encontro, foi feito um novo estudo do material pela equipe pedagógica [...]. O empenho em contemplar, na medida mais ampla possível, todos os envolvidos em suas ações, tendo como resultado o presente documento (ESCOLA 15, 2011, p. 01).

Nesse sentido, válidas são as contribuições de Peroni (2012), pois nas últimas décadas foi possível constatar a inserção da lógica privada nas escolas públicas, como reflexo das mudanças decorrentes da redefinição do papel do Estado. Calcado em pressupostos neoliberais, reafirmados em documentos produzidos pelas agências regulatórias internacionais (Banco Mundial - BM; Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE e Fundo Monetário Internacional - FMI, dentre outras) e direcionadas aos países em desenvolvimento, bem como pelas proposições da Terceira Via3, o modelo gerencial é adotado como parâmetro para a gestão pública. Nessa perspectiva, a sociedade civil, comumente, é chamada a executar tarefas ao invés de participar da tomada de decisões e planejamento.

Na gestão gerencial, o/a diretor/a e os/as agentes administrativos/as das escolas atuam na implementação de ações e na cobrança de resultados para se chegar aos resultados esperados pelo Estado (LIMA, 2016). “Portanto, embora esse modelo de gestão busque que a equipe escolar trabalhe em prol da elevação do desempenho discente, na prática, as orientações normativas se encarregam de invisibilizar ou diluir a heterogeneidade e a diversidade que marcam o sistema educacional” (LIMA, 2016, p.171).

Aprofundando a análise acerca dos documentos, por mais que os PPP assumam os princípios da gestão democrática e mencionem algumas ações pontuais com os pais/mães ou responsáveis, a exemplo das mostras de trabalhos e reuniões, contraditoriamente apontam as dificuldades e ausência de envolvimento das famílias nas atividades realizadas pelas instituições escolares. Ganha relevo expressões que revelam o desinteresse ou ausência de tempo para se envolverem com a vida escolar dos/as filhos/as.

Para além dos aspectos já mencionados, seja por meio de palestras ou reuniões esporádicas, os documentos não traçam ações e estratégias coletivas a fim de envolver efetivamente a comunidade escolar em debates que contemplem aspectos relacionados ao processo de ensino e aprendizagem ou na dinâmica de funcionamento das escolas ou até mesmo na construção dos PPP. Diante disso, reforça-se que a gestão democrática é imprescindível, sobretudo porque ela descentraliza o poder dos/as gestores/as, ao abarcar possibilidades para se envolver a comunidade escolar como um todo, além de favorecer a apropriação de conhecimentos atinentes a uma visão que anseia a transformação das relações sociais e, consequentemente, da própria educação escolar (GUEDES; BARBALHO, 2016). Ou seja, a gestão democrática favorece a compreensão do contexto social onde a escola se encontra inserida, com vistas à emancipação de estudantes, professores/as, funcionários/as e agentes escolares e pais/mães/responsáveis (OLIVEIRA; VIEIRA; AUGUSTO, 2014; GUEDES; BARBALHO, 2016).

Na sequência, confere-se ênfase à abordagem da violência escolar e ao componente curricular de Educação Física nos PPP das instituições investigadas, a fim de analisar temática tão explicitada, na atual conjuntura, e que requer o envolvimento da comunidade escolar no seu enfrentamento, ao ser compreendida como um fenômeno produzido socialmente e difundido culturalmente (IAROCZINSKI, 2009; NUNES, 2013; TIGRE 2013; ARAUJO FILHO, 2017; GALDONI, 2017; TOMBINI, 2018).

2- Abordagens conferidas à violência escolar e o papel da disciplina de Educação Física no seu combate

O Quadro 2 foi elaborado com a intenção de ilustrar se os PPP contemplam a questão da violência na escola e se propõem algo para o seu enfrentamento e/ou problematização junto aos espaços e respectivas comunidades escolares.

Quadro 2 Projetos Políticos Pedagógicos, violência na escola e enfrentamento 

Escolas com PPP analisados Violência escolar Proposições de enfrentamento
Escola 1 Não há menção. Os termos correlatos referem-se ao preconceito e a drogadição. Envolver os pais em palestras que contemplem os temas.
Escola 2 Há menção da violência contra crianças e adolescentes; Discriminação, agressões físicas, verbais e simbólicas. Não há menção de estratégias para a prevenção e/ou combate.
Escola 3 Se faz presente na realidade dos/as alunos/as. Há exemplos sobre o consumo de álcool, drogas, violência familiar, prostituição infanto-juvenil, gravidez na adolescência e casamento precoce. Para o enfrentamento os/as professores/as deverão planejar suas aulas considerando o contexto social da comunidade, e valer-se do Programa de Saúde na Escola (PSE), sem um maior detalhamento.
Escola 4 A violência aparece como conteúdo específico do componente curricular de Filosofia, sendo contemplada nos temas de política e ética. Não há menção de estratégias.
Escola 5 A violência se faz presente na realidade da instituição: drogadição, o uso do álcool, a violência contra crianças e adolescentes, a violência sexual, a violência étnico-racial e a homofobia. “Tudo isto pode ser trabalhado por meio de textos que oportunizem debates e reflexão sobre os assuntos relacionados”. Mencionam-se os componentes curriculares de História e Língua Portuguesa como potenciais para gerar discussões acerca do tema, além das possibilidades de se estabelecer parcerias com o PSE, todavia sem detalhar como.
Escola 6 A violência se apresenta como um desafio da contemporaneidade, sendo necessária à prevenção para coibir o uso de drogas e preconceitos ligados às relações étnico-raciais, além de contemplar temas como a sexualidade. Há a menção genérica de que é necessário desenvolver ações pedagógicas planejadas dentro da escola com foco para as distintas disciplinas.
Escola 7 O uso de drogas, as violências, a prostituição, o racismo e a gravidez precoce são decorrentes das questões econômicas, culturais e sociais. Não há menção de estratégias para a prevenção e/ou combate dos aspectos destacados dentro da escola, porque, de acordo com o PPP, a instituição atuou anteriormente nessas questões eliminando-as. Nesse sentido, os/as alunos/as são orientados/as para buscar auxílio de instituições e órgãos responsáveis, caso identifiquem tais problemáticas no entorno.
Escola 8 Há uma menção de que a violência está presente na realidade, em situações que perpassam o uso de drogas, consumo de álcool e distintas formas de violência. É necessário promover atividades em grupo; pesquisas; estabelecer parcerias com a Patrulha Escolar, médicos, psicólogos e outros profissionais a fim de promover debates com os/as alunos/as.
Escola 10 Há menção do uso de entorpecentes como uma forma de violência do indivíduo contra si mesmo. A discriminação, a violência de gênero, a violência moral e o bullying precisam ser combatidos. Há um acompanhamento dos/as alunos/as por meio do controle de faltas; conversas com os/as alunos envolvidos em situações de violência, bem como a organização de palestras em parceria com o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD).
Escola 14 A violência se manifesta por meio da exclusão de alunos/as com dificuldades de aprendizagem, nos preconceitos étnico-racial e de gênero, bem como em situações de violência moral. Os jogos escolares colocam-se como uma das possibilidades para envolver a comunidade escolar. Ainda, é necessário incentivar ações coletivas, para combater “signos sociais que expressam preconceitos raciais e/ou étnicos, discriminação entre gêneros e violência moral decorrente de singularidades entre o grupo.”
Escola 15 No Ensino Fundamental a violência contra crianças e adolescentes, o uso indevido de drogas e a sexualidade humana são aspectos que carecem de atenção. Apenas há menção de que as temáticas contemporâneas e outras que possam fazer parte da organização curricular deverão ser trabalhadas, ao longo do ano letivo, em todas as disciplinas.
Escola 16 São temas que emergem da convivência entre os pares: a violência, o abuso sexual, a intimidação e a punição corporal. É necessário “propor ações fundamentadas em princípios de convivência, para que se construa uma escola livre” das ações violentas. Desta forma, o Projeto Regras de Convivência oferece ações que visam “incentivar os alunos a valorizarem regras e leis para convivência social”, contribuindo para a redução de situações de violência.

Fonte: Análise documental (2022).

Os dados sintetizados, a partir dos PPP, revelam que não há um aprofundamento acerca das violências da escola. Quando de sua menção, comumente, são descritas estratégias pontuais e generalistas, sem apontar os desdobramentos ou ações efetivas para problematizá-las e combatê-las.

O único projeto acerca da temática refere-se ao desenvolvido na Escola 16 (Projeto Regras de Convivência). Todavia, ainda que o referido tenha como foco as relações interpessoais, suas estratégias são vagas, além de apresentarem fins questionáveis. Explicitam-se como principais metas a exigência do uso de uniformes e “roupas adequadas” por parte dos/as estudantes; o rigor com o horário de chegada dos/as estudantes; a proibição do uso de celulares; e o controle da entrega de trabalhos e/ou atividades avaliativas, sendo que aqueles/as que se recusarem de fazê-las ficarão com a nota zero (0,0).

Tem-se clareza que as ações apresentadas não corroboram à emancipação dos/as alunos/as, são ações heterônomas e rígidas, que visam apenas o controle dos corpos. Ou seja, obliteram a diversidade humana, acrescido ao fato de não considerar a heterogeneidade dos/as alunos/as, esses/as que precisam ser compreendidos/as como sujeitos histórico-culturais. Mediante tais aspectos, questiona-se, o que são roupas adequadas? Qual o seu propósito? Os/As estudantes têm compreensão desse processo? Nessa ótica estarão sendo consideradas as diferenças sociais, culturais e econômicas da comunidade estudantil?

Sobre a diversidade humana, Sebastião (2013, p. 4) salienta que com o crescente processo de universalização e massificação da educação básica, estudantes oriundos de distintos “grupos sociais e étnicos” passaram a adentrar esses espaços, o que gerou uma incompreensão acerca dos valores culturais. Muitos/as são associados/as como incivilizados/as e excluídos/as, favorecendo, inclusive, outras formas de violência que, muitas vezes, ainda se apresentam como naturalizadas.

Retomando os projetos de combate às formas de violências na escola, válidas são as ponderações de Francisco e Libório (2017), tendo em vista que se deve evitar o reducionismo do conceito de violência associado às suas múltiplas determinações. Muitos projetos culminam apenas com a manutenção do instituído, sem atuar na raiz do problema. Almeja-se que os/as estudantes compreendam, inclusive, como as distintas formas de violência foram construídas historicamente e como se materializaram nos espaços de socialização humana, a exemplo das escolas. Gomes e Francisco (2019, p. 117) reiteram que:

[...] as ações de combate aos conflitos e às violências escolares devem ser pensadas coletivamente, de tal forma que os membros de uma comunidade educativa consigam correlacioná-las com os determinantes sociais e culturais. Por meio de intencionalidades mais amplas poderão ser propostas reflexões e vivências de caráter permanente, as quais deverão assumir a necessidade premente de transformação das relações sociais.

Outro aspecto a destacar, a partir da análise dos PPP, refere-se ao fato de que, em alguns documentos, as pessoas capacitadas para discutir temas como as violências nas escolas estão externas às instituições. Ou seja, as escolas, nessa visão, deverão recorrer aos/às profissionais e programas governamentais caso queiram problematizar o tema. Não se está negando que possa haver diálogos com diferentes segmentos da sociedade e nem responsabilizar os/as professores/as e gestão escolar por essa empreitada (GOMES; FRANCISCO, 2019), mas os/as agentes escolares não podem se eximir de tais dimensões no trabalho educativo. Há que se destacar, ainda, cada instituição tem problemáticas que as diferenciam umas das outras, o que requer intervenções e problematizações coletivas mediante as suas especificidades.

No que tange ao componente curricular de Educação Física, primou-se pela análise dos PPP, a fim de averiguar as concepções acerca do referido e como ele comparece nas proposituras relacionadas às ações específicas e coletivas de combate à violência nas escolas. Assim, foi possível constatar que as abordagens proferidas nos documentos não contribuem sistematicamente e, consequentemente, de forma efetiva. Nos PPP não foram identificadas propostas com foco no papel da Educação Física, tendo em vista o combate e/ou problematização das distintas formas de violência na escola, exceção à Escola 14 que trouxe alguns indícios de como a Educação Física, por meio de uma das manifestações da cultura corporal, no caso o esporte, pode auxiliar no combate à violência escolar.

O esporte é capaz de, além de descontrair, estreitar ainda mais a união e a amizade entre os alunos, despertando entre eles a interação, proporcionando a descontração e o lazer. [...] forma que envolva toda a comunidade escolar, incentivando os alunos à prática de esportes e promovendo uma ação coletiva, onde estará buscando combater signos sociais que expressam preconceitos raciais e/ou étnicos, discriminação entre gêneros e violência moral decorrente de singularidades entre o grupo. (ESCOLA 14, 2007, p. 66).

Se a pesquisa de Brito e Francisco (2021b) já havia revelado uma lacuna em termos de produção do conhecimento na área de Educação Física, esta investigação, ainda que circunscrita a um contexto reduzido (uma região do estado do Paraná) explicita que as escolas pouco têm abarcado discussões acerca das violências e menos, ainda, acerca do papel da Educação Física nesse processo. Quando a disciplina foi mencionada, o foco esteve na elaboração de campeonatos e gincanas e/ou de atividades como possíveis promotoras de saúde e qualidade de vida da população, ainda que de forma difusa, bem como em aulas especializadas de treinamento esportivo, direcionadas à modalidade de futsal. Na sequência ilustram-se alguns exemplos:

[...] justifica-se por estimular a prática de esporte por meio de uma atividade física que proporciona melhor qualidade de vida, contribuindo com a formação integral do sujeito. O futsal contribui para o desenvolvimento das capacidades técnicas e táticas, onde o aluno será estimulado a desenvolver as capacidades cognitivas de percepção, antecipação e tomada de decisões, através de movimentos básicos como correr, saltar e rolar, além do aprimoramento do equilíbrio, ritmo, coordenação e noções de espaço e tempo. (ESCOLA 03, 2018, p. 45).

[...] desenvolver e identificar talentos esportivos no contexto da escola, formar e organizar equipes esportivas e participar dos Jogos Escolares do Paraná e eventos similares [...]. (ESCOLA 07,2017, p. 33).

Recupera-se que todas as disciplinas escolares deverão se preocupar com as dimensões ligadas à violência na escola, até mesmo porque essas ações poderão ocorrer em qualquer espaço/prática educativa de uma instituição escolar, inclusive nas aulas de Educação Física. Menciona-se, no caso da Educação Física, a necessidade de se discutir e/ou problematizar cientificamente com os/as estudantes acerca dos padrões de beleza/desempenho construídos historicamente/culturalmente; às expectativas corporais, físicas, técnicas, de gênero e sexualidade que perpassam às vivências das diferentes manifestações da cultura corporal; bem como outros marcadores, a exemplo da desigualdade social instaurada na realidade brasileira, a qual impacta nas dificuldades de apropriação das manifestações da cultura corporal na escola e para além dela. Todos esses aspectos, dentre muitos outros poderão favorecer para que haja a passagem de uma compreensão sincrética à sintética da realidade, superando a consciência alienada.

Nesse ínterim, embora as Escolas 8 e 14 também não tenham apresentado elementos mais robustos acerca de sua inserção na temática em tela, válidos são os apontamentos identificados em seu PPP, tendo em vista que há a menção de que o componente curricular de Educação Física não deverá funcionar como “[...] apêndice das demais disciplinas e atividades escolares, nem um momento subordinado e compensatório [...] das aulas em sala” (ESCOLA 08, 2017, p. 47).

Essa visão corrobora a desconstrução da visão de que a disciplina tem apenas um caráter prático ou que as reflexões teóricas ficariam a cargo de outros componentes curriculares, dimensão essa que dicotomiza a relação teoria e prática (BRACHT; ALMEIDA, 2013). O referido discurso deverá ser combatido junto aos/às estudantes da educação básica e, inclusive, junto aos cursos de formação inicial de professores/as ou que tenham como foco a dimensão continuada. Enfim, há um longo caminho a se percorrer, sendo oportunos e muito bem-vindos os conhecimentos científicos, filosóficos e artísticos que tenham correlação com a área de Educação Física.

Considerações finais

A pesquisa teve como o objetivo analisar os Projetos Político-Pedagógicos de escolas localizadas no Vale do Ivaí, a fim de identificar se há articulação entre o componente curricular de Educação Física e os Programas de Combate às manifestações de violência na escola.

Um aspecto identificado refere-se à constatação de que por mais que os PPP das instituições investigadas anunciem que foram elaborados conforme os princípios da gestão democrática, bem como que os/as diretores/as sejam eleitos/as pela comunidade escolar, não foi possível averiguar de forma efetiva como ocorreu à participação da comunidade escolar na proposição de ações/estratégias e projetos relacionados às instituições. Há a preponderância de um discurso generalista e quando da menção/presença da comunidade, sobretudo, na figura dos/as responsáveis pelas crianças e adolescentes, são anunciadas algumas ações pontuais que pouco ou nada corroboraram a elaboração dos PPP.

No que tange às distintas dimensões da violência na escola, elas são obliteradas ou inexistentes. Quando de sua menção, comumente, são descritas estratégias genéricas, sem apontar os desdobramentos ou ações efetivas para problematizá-las e combatê-las, exceção de uma instituição que apresentou um Projeto com foco nas relações interpessoais, porém com conteúdo questionável do ponto de vista científico e filosófico, sobretudo ao delegar o papel de problematizar a violência em suas ramificações para pessoas externas à comunidade escolar, tirando o potencial educativo de o tema ser problematizado com toda a comunidade escolar.

Ao focar nos PPP a fim de verificar as correlações do componente curricular de Educação Física em articulação com o processo de combate e/ou enfrentamento da violência escolar, em apenas dois dos documentos tal dimensão se fez presente. Quando de sua menção perante o coletivo, o foco esteve centrado, quase que exclusivamente (exceção de uma instituição, que embora tenha apresentado um posicionamento crítico acerca do componente curricular não apresentou a materialização de ações), na elaboração de campeonatos e gincanas e/ou de atividades com foco numa possível promoção de saúde e qualidade de vida da população, ainda que de forma difusa, sem estabelecer conexões com os determinantes históricos, sociais e culturais.

Por fim, esta investigação, ainda que circunscrita à dimensão documental revela a necessidade de que pesquisas empíricas sejam realizadas futuramente, acrescido da necessidade de trazer o tema para o debate acadêmico-científico e adentrar os espaços escolares, sobretudo se houver a intenção de discutir temáticas que não podem ficar alheias aos processos formativos, a exemplo das diferentes manifestações da violência na educação escolar.

1Este artigo foi ampliado a partir de resumo expandido publicado no 30º Encontro de Iniciação Científica da Universidade Estadual de Maringá - UEM (BRITO; FRANCISCO, 2021b).

2A fim de preservar o nome das escolas elas foram identificadas como escolas de 1 a 16.

3A “Terceira Via propõe reformar o Estado, argumentando que este é ineficiente; assim, a reforma do Estado terá como parâmetro de qualidade o mercado, por intermédio da administração gerencial, fortalecendo a lógica de mercado dentro da administração pública” (PERONI, 2012, p. 22).

Referências

ARAUJO FILHO, Ismael Kalil Saffe de. Violência nas escolas públicas de cascavel/PR e a judicialização: constatações e apontamentos. 2017. 66 f. Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Educação) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2017. [ Links ]

BASEI, Andréia Paula. O tensionamento da gestão democrática e as mudanças nas eleições para diretor escolar no estado do Paraná. Revista Pedagógica, Chapecó, v. 23, p. 1-26, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.22196/rp.v22i0.5969. Acesso em: 05 mai. 2022. [ Links ]

BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Senado Federal, 1988. [ Links ]

BRASIL. Perfil Territorial. Secretaria de Desenvolvimento Territorial.2015. Disponível em: caderno_territorial_225_Vale do Ivaí - PR.pdf (mda.gov.br). Acesso em: 06 dez. 2021. [ Links ]

BRACHT, Valter; ALMEIDA, Felipe. Esporte, escola e a tensão que os megaeventos esportivos trazem para a Educação Física Escolar. Em Aberto, Brasília, v. 26, n. 89, p. 131-143, jan./jun. 2013. Disponível em: https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.26i89.2736. Acesso em: 02 fev. 2022. [ Links ]

BRITO, Rodrigo Martins de; FRANCISCO, Marcos Vinicius. Uma análise dos projetos políticos pedagógicos de escolas do Vale do Ivaí e a possível articulação do componente curricular de Educação Física com os programas de combate às manifestações de violência na escola. In: ENCONTRO ANUAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, 30, 2021, Maringá-PR. Anais... Maringá: PPG/UEM, 2021a, p. 01-04. [ Links ]

BRITO, Rodrigo Martins de; FRANCISCO, Marcos Vinicius. Programas de combate à violência escolar no Paraná: um estudo de revisão. Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 26, n. 1, p. 1-16, 2021b. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/edufoco/article/view/35703. Acesso em: 8 dez. 2022 [ Links ]

CABRAL NETO, Antônio; CASTRO, Alda Maria Duarte Araújo. Gestão escolar em instituições de ensino médio: entre a gestão democrática e a gerencial. Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 116, p. 745-770, jul.-set. 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/es/a/35zWgbwzyNc8dddjmJdsGhF/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 04 abr. 2022. [ Links ]

CASTELO, Rodrigo. Supremacia rentista no Brasil neoliberal: e a violência como potência econômica. Universidade e Sociedade, Brasília, v. 27, n. 60, p. 58-71, jul. 2017. [ Links ]

DRABACH, Nadia Pedrotti; SOUZA, Ângelo Ricardo de. Leituras sobre a gestão democrática e o “gerencialismo” na/da educação no Brasil. Revista Pedagógica, Chapecó - SC, v. 16, n. 33, p. 221-248, jul./dez. 2014. Disponível em: https://bell.unochapeco.edu.br/revistas/index.php/pedagogica/article/view/2851. Acesso em: 02 abr. 2022. [ Links ]

EVANGELISTA, Olinda; SHIROMA, Eneida Oto. Subsídios teórico-Metodológicos para o trabalho com documentos de política educacional: Contribuições do marxismo. In: CÊA, Georgia; RUMMERT, Sonia Maria; GONÇALVES, Leonardo (orgs.). Trabalho e educação: interlocuções marxistas. Rio Grande: Ed. da FURG, 2019, p. 83-120. [ Links ]

FRANCISCO, Marcos Vinicius; LIBÓRIO, Renata Maria Coimbra. Notas sobre alguns desdobramentos necessários nos programas de combate ao Bullying escolar: uma análise sócio-cultural. Interacções, Lisboa-PT, v.11, n. 38, p. 7-27, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.25755/int.8472. Acesso em: 03 fev. 2022. [ Links ]

GOLDONI, Jakeline. Mutação da violência escolar na sociedade pós-moderna: a efervescência do ciberbullying. 2017. 90 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel-PR, 2017. [ Links ]

GUEDES, Gilmar Barbosa; BARBALHO, Maria Goretti Cabral. Planejamento educacional e gestão democrática: dimensões política e instrumental no PAR. RBPAE, Brasília, v. 32, n. 1, p. 131-149, jan./abr. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.21573/vol32n012016.62679. Acesso em: 02 abr. 2022. [ Links ]

IAROCZINSKI, Adriane. A relação entre o espaço escolar e a violência infanto-juvenil no contexto de ação do programa da Patrulha Escolar em Ponta Grossa-PR. 2009. 108 f. Dissertação (Mestrado em Gestão de Território) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa-PR, 2009. [ Links ]

LIMA, Carla da Conceição de. Gestão democrática ou gerencial: qual é o papel dos gestores escolares? Pesquisa e Debate em Educação, Juiz de Fora, v. 6, n. 1, p. 168-175, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/RPDE/article/view/31949. Acesso em: 27 jul. 2021. [ Links ]

OLIVEIRA, Dalila Andrade; VIEIRA, Lívia Fraga; AUGUSTO, Maria Helena. Políticas de responsabilização e gestão escolar na educação básica brasileira. Linhas Críticas, Brasília, DF, v. 20, n. 43, p. 529-548, set./dez. 2014. Disponível em: https://doi.org/10.26512/lc.v20i43.4367. Acesso em: 03 jan. 2022. [ Links ]

OLIVEIRA, Flávia Fernandes de; VOTRE, Sebastião José. Bullying nas aulas de Educação Física. Movimento, Porto Alegre, v. 12, n. 02, p. 173-197, mai./ago. 2006. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8918.2900. Acesso em: 10 dez. 2021. [ Links ]

PARANÁ (Estado). Resolução SEED 797, de 06 de março de 2018. Diário Oficial n. 10147, 13 Mar. 2018. Disponível em: https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=194080&codTipoAto=&tipoVisualizacao=alterado. Acesso: 20 jul. 2021. [ Links ]

PARANÁ (Estado). Lei n. 20.358 de 26 de outubro de 2020. Altera dispositivos da Lei nº 18.590, de 13 de outubro de 2015 e dá outras providências. Diário Oficial, n. 10.798 de 26 de outubro de 2020. Disponível em: http://portal.assembleia.pr.leg.br/modules/mod_legislativo_arquivo/mod_legislativo_arquivo.php?leiCod=53924&tipo=L&tplei=0. Acesso em: 05 mai. 2022. [ Links ]

PERONI, Vera Maria Vidal. A gestão democrática da educação em tempos de parceria entre o público e o privado. Pro-Posições, Campinas, v. 23, n. 2, p. 19-31, maio/ago 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/tpC76cg8bvZGYZJW5BwSfkR/abstract/?lang=pt. Acesso em: 01 abr. 2022. [ Links ]

POUJOL GALVÁN, Guadalupe. Puntos de articulación entre violencia social, exclusión y violencia escolar. Revista latinoamericana de estudios educativos, Distrito Federal- MX, v. 46, n. 2, p. 123-144, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.48102/rlee.2016.46.2.183. Acesso em: 03 jan. 2022. [ Links ]

SEBASTIÃO, João. Violência na escola, processos de socialização e formas de regulação. Sociologia: Problemas e Práticas, Lisboa, n. 71, p. 23-37, 2013. Disponível em: http://journals.openedition.org/spp/933. Acesso em: 24 mar. 2022. [ Links ]

TAFFAREL, Celi Zulke. Pedagogia histórico-crítica e metodologia de ensino crítico-superadora da educação física: nexos e determinações. Nuances: estudos sobre educação, Presidente Prudente-SP, v. 27, n. 1, p. 5-23, jan./abr. 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.14572/nuances.v27i1.3962. Acesso em: 02 jan. 2022. [ Links ]

TIGRE, Maria das Graças do Espirito Santo. Escola juventude e violência: um estudo no ensino médio. 2013. 242f. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/2313. Acesso em: 8 jan. 2022. [ Links ]

TOMBINI, Leila. Os dispositivos da violência escolar: o caso da escola municipal Higino Antunes Pires Neto. 2018. 158f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Francisco Beltrão, PR, 2018. [ Links ]

TONET, Ivo. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. [ Links ]

VEIGA, Ilma Passos. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou emancipatória? Caderno Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 267-281, dez. 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/cH67BM9yWB8tPfXjVz6cKSH/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 01 abr. 2022. [ Links ]

VIANNA, José Antônio; SOUZA, Silvana Marcia de; REIS, Katarina Pereira dos. Bullying nas aulas de Educação Física: a percepção dos alunos no Ensino Médio. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 23, n. 86, p. 73-93, fev. 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-40362015000100003. Acesso em: 05 fev. 2022. [ Links ]

Recebido: 05 de Maio de 2022; Aceito: 07 de Dezembro de 2022

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editor Científico: Profa. Dra. Adriana Aparecida de Lima Terçariol

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.