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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.63 São Paulo out./dez 2022  Epub 12-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n63.22250 

Artigos

CONDIÇÕES EFETIVAS DE TRABALHO DE PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO DE ALAGOAS E PERNAMBUCO

EFFECTIVE WORK CONDITIONS FOR HIGH SCHOOL TEACHERS IN ALAGOAS AND PERNAMBUCO

CONDICIONES EFECTIVAS DE TRABAJO DE LOS PROFESORES DE SECUNDARIA EN ALAGOAS Y PERNAMBUCO

Gilvan Luiz Machado Costa, Doutor em Educação, Professor1 
http://orcid.org/0000-0003-4882-6824

Antônio Iatanilton Damasceno de França, Mestre em Educação, Professor2 
http://orcid.org/0000-0001-9973-1257

1Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, Professor do PPGE - Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL. Tubarão, Santa Catarina - Brasil.

2Mestre em Educação pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Professor do Instituto Federal de Alagoas - Campus Piranhas. Piranhas, Alagoas - Brasil.


Resumo

No presente artigo objetivou-se conhecer as condições efetivas de trabalho dos professores do Ensino Médio da rede pública estadual dos estados nordestinos de Pernambuco e Alagoas. Elencaram-se para essa discussão a carreira e remuneração dos professores, esforço docente e a infraestrutura das escolas de Ensino Médio. Para tanto, fez-se, metodologicamente, uso da abordagem dialética, pois se compreende que os aspectos quantitativos e a análise qualitativa devem caminhar conjuntamente. Para a coleta de dados, utilizou-se o software estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) a fim de se fazer a extração dos microdados do Censo Escolar de 2019. Analisaram-se indicadores educacionais dos professores e das escolas estaduais de Ensino Médio. A pesquisa apontou que o estado de Alagoas, com quase 60% de professores com contratos temporários e Pernambuco, com quase 40%, simbolizam bem a situação dos docentes e suas condições de trabalho. A dedicação exclusiva a uma única escola, com único vínculo empregatício e infraestrutura adequada são questões ainda distantes da realidade dos professores desses estados, o que significa também um distanciamento do cumprimento das metas presentes no Plano Nacional de Educação. O que se vê, por conseguinte, é a potencialização desses limites a partir da Reforma do Ensino Médio, além de um silenciamento na Lei nº 13.415/2017 na perspectiva da melhoria dessas condições de trabalho.

Palavras-chave: condições de trabalho docente; ensino médio; lei nº; 13.415/2017; política educacional.

Abstract

In the present article we aim to understand the effective working conditions of high school teachers in the public high school system of the Northeastern states of Pernambuco and Alagoas. For this discussion, we included the teachers' career and remuneration, teaching effort, and the infrastructure of the high schools. To do so, we used a dialectical approach, because we understand that quantitative aspects and qualitative analysis must go hand in hand. For data collection, we used the Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) statistical software in order to extract microdata from the 2019 School Census. We analyzed educational indicators of teachers and state high schools. The research pointed out that the state of Alagoas with almost 60% of teachers with temporary contracts, and Pernambuco with almost 40% symbolize well the situation of teachers and their working conditions. The exclusive dedication to a single school, with a single employment contract and adequate infrastructure are issues that are still far from the reality of teachers in these states, which also means a distance from the goals of the National Education Plan. What we see, therefore, is the potentialization of these limits from the High School Reform, in addition to a silencing in Law 13.415/2017 in the perspective of improving these working conditions.

Keywords: working conditions docente; high school; law 13.415/2017; educational policy.

Resumen

En el presente artículo nos proponemos conocer las condiciones efectivas de trabajo de los profesores de secundaria de la red pública de enseñanza media de los estados nordestinos de Pernambuco y Alagoas. Para este debate, hemos enumerado la carrera y la remuneración de los profesores, el esfuerzo docente y la infraestructura de los institutos. Para ello, hicimos, metodológicamente, uso del enfoque dialéctico, porque entendemos que los aspectos cuantitativos y el análisis cualitativo deben ir juntos. Para la recolección de los datos se utilizó el software estadístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para realizar la extracción de los microdatos del Censo Escolar 2019. Analizamos los indicadores educativos del profesorado y de los institutos estatales. La investigación señaló que el estado de Alagoas, con casi el 60% de los profesores con contratos temporales, y Pernambuco, con casi el 40%, simbolizan bien la situación de los profesores y sus condiciones de trabajo. La dedicación exclusiva a una sola escuela, con un único contrato de trabajo y una infraestructura adecuada son cuestiones que aún están lejos de la realidad de los maestros en estos estados, lo que también significa una distancia del cumplimiento de las metas del Plan Nacional de Educación. Lo que vemos, por tanto, es la potencialización de estos límites a partir de la Reforma del Bachillerato, además de un silenciamiento en la Ley 13.415/2017 en la perspectiva de mejorar estas condiciones laborales.

Palabras clave: condiciones de trabajo docente; escuela secundaria; ley 13.415/2017; política educativa.

Introdução

Ao se discutir as condições efetivas de trabalho dos professores e a qualidade socialmente referenciada na educação, considerando a formação integral dos estudantes, apontam-se Dourado e Oliveira (2009, p. 207-208) quando tratam das dimensões intra e extra escolares. Os autores apresentam as dimensões intraescolares em quatro planos: o plano do sistema - condições de oferta do ensino; o plano da escola - gestão e organização do trabalho escolar; o plano do professor - formação, profissionalização e ação pedagógica; o plano do aluno - acesso, permanência e desempenho escolar (DOURADO; OLIVEIRA, 2009). Para este trabalho serão abordados aspectos dos planos do professor e do sistema, com destaque à carreira e condições de trabalho dos professores.

Para tanto, é fundamental focar aspectos da valorização dos professores da rede pública estadual a partir de dois estados da Região Nordeste: Pernambuco e Alagoas. Primeiramente, são dois estados nordestinos; Pernambuco tem seu destaque por figurar em vários anos seguidos entre os quatro estados brasileiros com melhores posições no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); Já Alagoas, por sua vez, figurou por muitos anos entre os estados com piores notas, mas que tem, nos últimos anos, melhorado em relação a esse índice. É importante afirmar que são estados vizinhos, porém com contextos econômicos muito diferentes. Especifica-se aqui que não é tarefa discutir o IDEB como processo de avaliação, mas como parâmetro para entender como essas condições de aprendizagem podem interferir no processo de ensino-aprendizagem e na formação integral dos estudantes à luz da proposta da Reforma do Ensino Médio.

Assim, delineia-se o problema que balizou este artigo: quais as condições efetivas de trabalho dos professores da rede pública estadual de ensino dos estados de Alagoas e Pernambuco? O questionamento acima se firma a partir da pressuposição de que essas condições ou sua ausência são agravadas pela Lei nº 13.415/2017, a chamada Reforma do Ensino Médio, constituindo, agora, legalmente, possíveis limites para a formação integral dos estudantes.

Em se observar as condições efetivas do trabalho do professor e compreendê-las, percebem-se as contradições existentes na sociedade; logo, metodologicamente, para que se atinjam os objetivos apontados, far-se-á uso da abordagem dialética, pois, com base em Lukács (2010), na referida abordagem é preciso compreender que os aspectos quantitativos e sua análise qualitativa devem caminhar conjuntamente, considerando que o “conhecimento será sempre uma aproximação mais ou menos ampla do objeto e, portanto, relativo, especialmente porque ele é verdadeiro na medida em que explica determinado ser num determinado contexto social e histórico” (p. 37). Busca-se superar as abordagens que limitam a própria pesquisa a tabelas e gráficos, como se fosse possível reduzir uma determinada realidade apenas a números e dados percentuais (WACHOWICZ, 2001). Os dados quantitativos referem-se aos professores das redes estaduais de ensino dos estados de Pernambuco e Alagoas, analisando indicadores educacionais específicos, relacionados à temática da pesquisa.

Como fato preponderante, buscou-se qualificar esses dados, examinando aspectos na perspectiva micro, mas numa relação dialética constante com a perspectiva macro, incorporando análises que considerem o contexto mais amplo, aqui, explicitamente, o contexto econômico, político, social e cultural (NOSELLA; BUFFA, 2004). Destaca-se a contribuição que a abordagem dialética revela; segundo Masson (2012, p. 9), “a contribuição essencial desta concepção é a compreensão da natureza das determinações sócio-ontológicas para delimitar os desafios sociais (e, neste contexto os educacionais) para a superação da autorreprodução do capital”.

Carreira do professor do Ensino Médio

A análise da valorização do professor inclui a adequada carreira. A atividade do magistério é organizada para atender ao ensino nas escolas; assim, faz-se necessário que sejam dadas ao professor condições de trabalho e formação por meio da carreira. Na concepção de Jacomini e Penna (2016, p. 179), a “valorização dos profissionais da educação, de acordo com o art. 206, inciso V da CF/88, deve contemplar os planos de carreira e o ingresso no magistério por meio de concurso público”. Embora a valorização dos profissionais de educação contemple planos de carreira e ingresso por concurso público, não significa que seja uma prática de gestores municipais e estaduais realizarem concursos periodicamente. Observa-se a contratação de professores por tempo determinado, chamados de contratos precários, sem as mesmas garantias daqueles que ingressam por concurso.

Assim, ao tratar de carreira dos professores nos estados de Pernambuco e Alagoas, é importante observar o tipo de contratação. Quando temporária, constitui-se importante aspecto para a desvalorização da carreira docente, precarização do trabalho e, por consequência, da baixa qualidade da educação. Os professores efetivos de ambos os estados possuem Plano de Cargos e Carreira (PCC). Em Pernambuco, a Lei nº 11.559, de 10 de junho 1998,

institui o Plano de Cargos e Carreiras - PCC do Sistema Público Estadual de Educação e Esportes e que consolida os princípios e normas a serem observados pela Secretaria Estadual de Educação e Esportes, em consonância com a política de pessoal do Poder Executivo Estadual.

Em específico, o PCC traz algumas questões a serem consideradas, como objetivos, conceitos e estrutura. Estabelece ainda que os cargos de provimento efetivo serão aqueles relacionados às atividades finalísticas da Secretaria de Educação.

Conforme o PCC, a investidura nos cargos se dará por meio de concurso público e, segundo o art. 11 da lei, os cargos públicos de provimento efetivo ficam distribuídos em classes, num total de 4 (quatro), identificadas pelos numerais romanos "I, II, III e IV", às quais estão associados critérios de habilitação ou qualificação profissional.

Em Alagoas, o Plano de Cargo e Carreira do Magistério Público Estadual (PCC), assim chamado, é regulamentado pela Lei nº 6.197, de 26 de setembro de 2000. Além do PCC, o estado dispõe do Estatuto do Magistério do Estado de Alagoas, Lei nº 6.196, de 26 de setembro de 2000. Assim como o do estado de Pernambuco, o PCC alagoano segue uma estrutura padrão, com aspectos como conceitos, estrutura, princípios, estágio probatório, desenvolvimento da carreira, dentre outros.

Nesse sentido, faz-se necessário analisar aspectos da carreira a partir da Meta 18 do Plano Nacional de Educação (PNE) cujo objetivo é

assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os (as) profissionais da educação básica e superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de carreira dos profissionais da educação básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal (BRASIL, 2014a).

Destaca-se a estratégia 18.1:

Estruturar as redes públicas de educação básica de modo que, até o início do terceiro ano de vigência deste PNE, 90% (noventa por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais do magistério e 50% (cinquenta por cento), no mínimo, dos respectivos profissionais da educação não docentes sejam ocupantes de cargos de provimento efetivo e estejam em exercício nas redes escolares a que se encontrem vinculados (BRASIL, 2014a).

Em Pernambuco, o Plano Estadual de Educação (PEE) determina, por meio da seguinte estratégia: “18.1. Estruturar os sistemas de ensino, buscando atingir, em seu quadro de profissionais do magistério, no mínimo, 90% (noventa por cento) de servidores efetivos em exercício na rede pública de educação básica”. Em específico, têm-se alguns apontamentos: 1) a mudança de “rede pública de educação básica” para “sistemas de ensino”. Essa ampliação, de certa forma, desresponsabiliza o poder público em relação à escola pública por ampliar a estratégia; 2) não há um prazo definido para atingir a meta; 3) a assunção da metade da meta, isto é, não há o compromisso de que 50% dos profissionais da educação não docentes sejam ocupantes de cargo de provimento efetivo.

Em Alagoas, há assunção total da meta, com quase a mesma redação, considerando que explica que os profissionais de educação não docentes são funcionários da escola.

Levando em conta as estratégias assumidas pelos estados em seus respectivos PEEs, a análise a seguir aponta para um distanciamento muito grande para atingir os objetivos propostos até o final da vigência dos respectivos planos. Analisam-se, por conseguinte, os tipos de contratação de professores para as redes públicas estaduais dos estados de Pernambuco e de Alagoas, notadamente, no Ensino Médio.

Observa-se que o estado de Pernambuco tem um percentual maior de professores efetivos, os chamados “estatutários”, 59,3%; Alagoas tem um percentual que não chega à metade da força de trabalho, 41,2%. Logo, a porcentagem de professores com contratos precários é maior no estado de Alagoas. Em ambos os estados, verifica-se que ainda se está longe de atingir o objetivo da estratégia 18.1 da Meta 18 dos respectivos PEEs. Destaca-se o compromisso do estado de Alagoas em fazê-lo até o terceiro ano de vigência do Plano, que seria o ano de 2019. O estado não conseguiu ainda ter nem 50% de seus docentes ocupando cargos efetivos. O que chama ainda a atenção é a contratação de professores terceirizados ou pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no estado de Pernambuco.

Tabela 1 Tipo de contratação de professores 

Estados Efetivos % Contratados temporários % Contratados terceirizados % Contratados CLT %
Alagoas 1.930 41,2 2.741 58,6 10 0,2 00 00
Pernambuco 6.987 59,3 4.703 39,9 81 0,7 17 0,1

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Censo Escolar 2019.

De forma geral, têm-se duas situações. A primeira são professores efetivos, que possuem uma carreira, que estão sujeitos ao Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), com aposentadoria definida. Claro que com todas as ressalvas quanto à carreira, a situação contrária é muito pior. São professores com contratos precários, sem carreira com base no PSPN, sem aposentadoria definida, com carga horária mais elevada, sem perspectiva alguma, só à espera do próximo edital de seleção. Seki et al. (2017, p. 4) descrevem essa tragédia do professor temporário na educação brasileira:

Compõem sua tragédia o pequeno ou excessivo número de aulas; salários baixos e mesmo menores que os dos efetivos; aulas em várias escolas; disciplinas diferentes para o mesmo professor; conjugação de trabalho efetivo e temporário; outros trabalhos para complementar a renda, entre múltiplos desdobramentos pedagógicos e políticos.

Seki et al. (2017) observaram que, entre 2011 e 2015, houve um aumento de professores contratados no país e que a presença desses profissionais era muito maior nas redes municipais e nas escolas da zona rural. O estudo dos autores destaca o estado de Alagoas figurando na primeira colocação entre os estados com o maior número de profissionais temporários, na ordem de 60%. O que chama a atenção ainda no estudo é que a Rede Pública Estadual, em 2015, contava com 83% de profissionais temporários. Ainda, segundo Costa (2020, p. 37), “não pertencer ao quadro de efetivos tem consequências para a ação pedagógica, pois impede vínculos com a equipe da escola, com os alunos e com as relações familiares e comunitárias”.

Analisando os dados atuais e comparando com os dados do estudo, houve um avanço com relação a concurso público e, consequentemente, no aumento do número de professores efetivos no estado, mas ainda muito distante dos 90% presentes como objetivo na estratégia 18.1 da Meta 18 do PEE de Alagoas. Seki et al. (2017, p. 947) esclarecem que o “desdém quanto à escolarização juvenil, posto que a rotatividade de docentes e as distorções relativas às disciplinas - como o caso de professores que atuam em disciplinas distintas de seu campo de formação - colaboram para o processo de evasão”.

[...] os alunos da rede pública sofrem os efeitos do trabalho intermitente; por outro, os jovens professores enfrentam problemas sérios não apenas para encontrar emprego, como encontrar empregos condizentes com sua formação e exigências vitais mínimas. Uma larga faixa da juventude brasileira submete-se às condições precárias do trabalho docente, que começam no contrato e continuam dentro da escola. (SEKI et al., 2017, p. 07)

É importante, primeiramente, apontar a porcentagem de professores temporários nos estados em relação aos efetivos e à forma de contratação, em sua maioria, realizada por área ou por haver algum tipo de relação em sua formação, como engenheiros com aula de Física ou mesmo professores de História ministrando aulas de Artes. Outro aspecto a se analisar é que, para efeito de complementação da carga horária mínima em uma única escola, muitos professores acabam assumindo disciplinas para a qual não têm formação, o que precariza ainda mais as condições de trabalho e a formação dos estudantes.

Ainda, embora exista o PCC dos servidores dos estados de Pernambuco e Alagoas, é perceptível, pelos dados, a situação de precarização da atividade docente. A princípio, porque há um número expressivo de professores com contratos precários, sem direitos que o professor efetivo possui, com a possibilidade de contratação até 60 horas semanais, o que significa um maior número de alunos, escolas e turnos. Segundo, para os efetivos, o salário-base é o PSPN, com a progressão da carreira por tempo de serviço ou por titulação, esse último com percentuais mínimos sobre o salário-base, o que, muitas vezes, não incentiva os profissionais a irem em busca de qualificação. Terceiro, para os professores temporários, nem o Piso do Magistério é garantido, como ocorre no estado de Pernambuco. Sem falar que muitos desses professores são contratados sem a qualificação adequada. É importante ressaltar a necessidade da educação de qualidade no Ensino Médio, com o olhar na formação integral dos estudantes.

Como se vê, todas essas questões concorrem para a precarização do ensino e para a negação de uma educação socialmente referenciada e a formação integral dos estudantes. Sobre essas questões, Almeida (2004, p. 173) diz que a carreira docente inadequada, longe da realidade de trabalho, acaba por desestimular o investimento dos professores na própria trajetória profissional. A progressão é feita de maneira burocrática, voltada exclusivamente para a dimensão individual, premiando o tempo de serviço e a realização de cursos de extensão ou aperfeiçoamento. Ignora-se o envolvimento real com o trabalho e a dedicação às ações coletivas, bem como a qualidade do que foi realizado.

Como tratado anteriormente, o PNE possui como estratégias buscar atingir, em seu quadro de profissionais do magistério, no mínimo, 90% (noventa por cento) de servidores efetivos em exercício na rede pública de educação básica; concurso público para efetivação na carreira; licença remunerada para qualificação; implementação dos planos de carreira para os trabalhadores da educação das redes pública e privada de educação básica, dentre outras ações. Observa-se que, em menor e em maior grau em algumas ações, os PEEs contemplam as estratégias do PNE. Em relação à progressão na carreira, nos planos de carreiras e cargos desses estados, há traços muito definidos, embora, como já dito, com problemas na perspectiva da valorização do professor. Essa retomada permite compreender o compromisso dos estados com uma educação de qualidade à medida que não conseguem cumprir nem mesmo as metas que se comprometeram em documento.

Essa situação se evidencia no quantitativo de professores temporários nos estados, em que figuram as mais diversas nomenclaturas para caracterizar esse profissional contratado. Seki et al. (2017) apontam algumas, inclusive a do professor temporário voluntário, auxiliar ou assistente educacional, monitor de atividade complementar. Os autores trazem outra reflexão bastante pertinente na direção de compreender que a permanência dos temporários é a evidência maior de seu caráter não acidental e não “temporário”, mas de uma política que visa a manter grande parte dos professores sob o regime da instabilidade. Nessa perspectiva, a Lei nº 13.415/2017 não aponta caminhos para melhorar a remuneração e a carreira dos professores. Há uma ausência dessa discussão, porque para os propositores o problema é tão somente o currículo (KRAWCZYK; FERRETI, 2017). E para ampliar a precarização do processo de ensino-aprendizagem, apresenta uma nova categoria de professores: os profissionais de notório saber, o que permite a qualquer cidadão, formado ou não, se comprovar o domínio técnico da profissão a que se destina a habilitação profissional, lecionar em cursos técnicos de nível médio.

Esforço docente no Ensino Médio

As condições de trabalho dizem respeito, também, ao número de alunos, turmas, turnos e escolas em que o docente trabalha, o que, de fato, precariza e intensifica a atividade docente. Para tanto, com o intuito de mensurar o esforço dos professores da educação básica, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) criou o indicador “Esforço Docente”.

Para dialogar com essa questão, apresenta-se a estratégia 17.3 da Meta 17 do PNE, que trata da jornada de trabalho:

17.3) implementar, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, planos de Carreira para os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica, observados os critérios estabelecidos na Lei no 11.738, de 16 de julho de 2008 , com implantação gradual do cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar. (BRASIL, 2014a)

Mas o que dizem os PEEs dos estados de Alagoas e Pernambuco? Em Alagoas, há uma repetição da estratégia do PNE na estratégia estadual 17.4. No entanto, não há especificação de prazos para atingir a meta. Em Pernambuco, a mesma estratégia está presente, com termos semanticamente mais distintos do que os utilizados na estratégia nacional: “17.4. Garantir a efetiva aplicação da Lei Federal nº 11.738, de 16 de julho de 2008 (Lei do Piso) e dos pareceres CNE/CEB nº 09/2012 e nº 18/2012 que tratam da implementação do piso e da hora atividade” (ALAGOAS, 2000a). Contudo, o que se percebe é que não há prazos nem estratégias para essa aplicação. Ver-se-á a seguir que esse contexto está evidenciado nos números do indicador Esforço Docente dos estados. Para tanto, são considerados o número de escolas em que o professor atua, a quantidade de turnos de trabalho, número de alunos que atende e número de etapas em que leciona. Na tabela 2 apresenta-se o Esforço Docente nos estados de Alagoas e Pernambuco.

Tabela 2 Esforço Docente - estados de Pernambuco e Alagoas 

PERNAMBUCO
Nível 01 Nível 02 Nível 03 Nível 04 Nível 05 Nível 06
Total 0,8 6,2 37,8 36,1 11,7 7,4
Urbana 0,8 6,2 39,3 34,9 11,2 7,6
ALAGOAS
Nível 01 Nível 02 Nível 03 Nível 04 Nível 05 Nível 06
Total 0,2 4,8 20,1 36,4 21,4 17,1
Urbana 0,2 4,8 20,2 36,4 21,3 17,1

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Censo Escolar 2019.

Em Pernambuco, chama a atenção o nível 04, com 36,1% dos docentes que, em geral, têm entre 50 e 400 alunos e atuam em dois turnos, em uma ou duas escolas e em duas etapas. Destacam-se, também, os níveis 05 e 06 com 19,1% dos docentes com mais de 300 alunos, atuando nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas. Em Alagoas, 38,5% dos professores se encontram nos níveis 05 e 06. Trata-se de uma situação extremamente adversa e representa, em relação ao estado de Pernambuco, mais que o dobro da soma dos dois últimos níveis. É algo a se questionar tão elevada porcentagem de professores nos níveis 05 e 06, o que significa um esforço extremo para os professores alagoanos, pois se trata de um docente, como já referido, que tem mais de 300 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas etapas ou três etapas. Razões possíveis a se considerarem são: 1) quase 60% dos docentes que lecionam no Ensino Médio no estado são contratados temporariamente; 2) a possibilidade desse profissional ser contratado com até 60 horas semanais, o que configuraria estar exatamente nesses níveis. Ressalta-se que o acúmulo de cargos ou de carga horária de trabalho somente se explica pela baixa remuneração, o que constitui um problema profissional devido ao grande número de horas trabalhadas, o que inevitavelmente prejudica a qualidade do trabalho docente.

De acordo com Monlevade (2000), o rápido processo de desvalorização salarial dos professores a partir, principalmente, da década de 1970, levou à multiplicação da jornada de trabalho. Para compensar os baixos salários, os professores passaram a trabalhar em duas ou três jornadas, na mesma rede ou em redes diferentes de ensino. Ainda, conforme Faria e Rachid (2015, p. 166), “a atuação do docente em mais de uma escola não é um fenômeno novo [...] o que implica na necessidade de o professor dedicar um tempo ao deslocamento, pois precisa se deslocar muitas vezes rapidamente de uma escola para a outra, sem receber o apoio necessário”. Cada vez mais se faz necessário, considerando os normativos legais, o cumprimento da jornada de trabalho integral (40 horas semanais) e o respeito às especificidades da atividade docente em consonância com a Lei do Piso Salarial do magistério da educação básica. A manutenção dessa situação descrita contribui para a precarização das condições de trabalho do professor, considerando a ausência da jornada de tempo integral e as múltiplas jornadas a que o docente se submete, comprometendo a qualidade do processo de ensino-aprendizagem e, principalmente, a qualidade de vida desse profissional, que, para além do número de horas nas escolas, trabalhará em casa para preparar aulas, corrigir trabalhos e provas, organizar diários de classe, etc.

A Lei nº 13.415/2017 contribui para essa precarização, quando dá nova redação ao art. 318 da CLT, que dizia: “Num mesmo estabelecimento de ensino não poderá o professor dar, por dia, mais de 4 (quatro) aulas consecutivas, nem mais de 6 (seis), intercaladas” (BRASIL, 2017b). A nova redação passa a ser: “O professor poderá lecionar em um mesmo estabelecimento por mais de um turno, desde que não ultrapasse a jornada de trabalho semanal estabelecida legalmente, assegurado e não computado o intervalo para refeição”. Essa nova redação permite que as instituições de ensino instituam jornadas de trabalho estressantes, o que precariza ainda mais as condições de trabalho. O professor, diante da necessidade, submeter-se-á a essa situação, como se trabalhasse na linha de montagem em uma fábrica. Essa condição se materializará, principalmente, por meio da privatização do ensino. Segundo Krawczyk e Ferreti (2017, p. 38), “a reforma educativa concebida através da Lei nº 13.415/2017 propõe, explicitamente, para efeitos de ‘cumprimento das exigências curriculares de ensino médio’, que as propostas estaduais de itinerários formativos contemplem a privatização de parte do serviço educativo”.

A Reforma do Ensino Médio, por meio da Lei nº 13.415/2017 e todos os documentos construídos a partir dela, com o silenciamento dos atores que fazem parte desses processos, como professores e estudantes, fecharam os olhos às condições de trabalho do professor. São deixados de lado aspectos preponderantes para a formação integral e, por consequência, colocam ainda mais obstáculos para uma educação de qualidade no Ensino Médio. Centrada no currículo como o “salvador” de todos os problemas nessa etapa de ensino, não apontam nenhuma estratégia para valorização dos professores quanto à carreira, remuneração, jornada de trabalho e condições efetivas de trabalho. No entender de Frigotto (2016), uma “reforma” que negligencia essa condição docente vai de encontro à conquista de escola média de qualidade social.

Tanto em Alagoas quanto em Pernambuco, as principais metas do PNE e dos PEEs estão longe de serem atingidas. Mais uma vez, parece que se caminha para uma “nova carta de intenções”. Um exemplo claro de que nada da Reforma do Ensino Médio “conversa” com o PNE.

Infraestrutura das escolas de Ensino Médio

Aspecto importante de discussão com relação às condições de trabalho dos professores da rede pública no Ensino Médio nos estados de Alagoas e Pernambuco é a infraestrutura das escolas, espaço pedagógico onde se concretiza o processo de ensino-aprendizagem e que é de preponderante importância para a oferta de educação de qualidade.

Significa compreender a existência de espaços, como banheiros, cozinha, refeitórios, salas de professores, quadras poliesportivas cobertas, bem como espaços pedagógicos, como laboratórios, salas de arte, bibliotecas, além de equipamentos, livros, etc. São componentes fundamentais no âmbito escolar, pois o funcionamento da escola e o bom desempenho dos alunos dependem também dos recursos disponíveis. Entende-se que o professor organiza e media o processo de ensino-aprendizagem, no entanto as escolas devem prover as condições para que essa aprendizagem ocorra de forma efetiva. Libâneo (2008) afirma que as construções, os mobiliários e o material didático sejam adequados e suficientes para assegurar o desenvolvimento do trabalho pedagógico e favorecer a aprendizagem.

Considerando que o PNE estabelece estratégias para melhoria da infraestrutura das escolas, destaca-se a estratégia 6.3: institucionalizar e manter, em regime de colaboração, programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como da produção de material didático e da formação de recursos humanos para a educação em tempo integral (BRASIL, 2014a). Ao analisar os PEEs dos estados de Alagoas e Pernambuco, o que se vê é apenas uma repetição das estratégias do Plano Nacional. Não há uma só iniciativa local, objetiva, a respeito da infraestrutura das escolas de Ensino Médio dos estados.

A seguir, a tabela 3 demonstra a situação da infraestrutura escolar no estado de Pernambuco, onde 756 escolas estaduais ofertam o Ensino Médio.

Tabela 3 Infraestrutura das escolas públicas estaduais de Ensino Médio de Pernambuco 

Espaços Total Não possui % Possui %
Sala de professores 756 60 7,9% 696 92,1%
Banheiros para servidores 756 434 57,4% 322 42,6%
Cozinha 756 38 5,0% 718 95%
Refeitório 756 572 75,7% 184 24,3%
Biblioteca 756 82 10,8% 674 89,2%
Laboratório de informática 756 143 18,9% 613 81,1%
Laboratório de ciências 756 459 60,7% 297 39,3%
Sala de artes 756 752 99,5% 4 0,5%
Sala de leitura 756 661 87,4% 95 12,6%
Pátio coberto 756 515 68,1% 241 31,9%
Quadra de esportes coberta 756 527 69,7% 229 30,3%
Auditório 756 585 77,4% 171 22,6%
Internet 756 15 2,0% 741 98%
Internet para alunos 756 315 41,7% 441 58,3%

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Censo Escolar 2019.

A partir dos dados, problematizam-se, inicialmente, alguns aspectos. Considerando a estrutura básica, observa-se que há ainda escolas sem salas de professores, embora em percentual pequeno, são 60 escolas, o que se traduz num número expressivo. Ainda mais grave é a quantidade de escolas sem banheiros para servidores, o que corresponde a mais da metade das escolas. São dois espaços essenciais para o bem-estar dos professores, que já têm uma jornada de trabalho excessiva, sem um lugar para descanso e de convivência.

Aspecto ainda que reflete a grave situação das condições estruturais das escolas é a inexistência de cozinha em 38 escolas, o que pode significar um número expressivo de estudantes sem direito à merenda escolar. Note-se que mais de 75% das escolas não possuem refeitório, espaço importante para as refeições dos estudantes.

Ao observar os espaços pedagógicos, tem-se um número acima de 80% de escolas que possuem biblioteca e laboratórios de informática. A questão a se verificar é em que condições estão esses espaços para as atividades, como quantidade e qualidade do acervo, número de computadores por estudante e, principalmente, que atividades pedagógicas são desenvolvidas nesses espaços. Para compreender essa situação, quase 100% das escolas possuem acesso à internet; no entanto, pouco mais de 50% das escolas possuem internet para os alunos.

Quando se trata de espaços de convivência, a situação ainda é pior. Considerando o clima do Nordeste, quase 70% das escolas não possuem pátio coberto e quadra poliesportiva coberta. Levando em conta a situação de auditórios, espaço de convivência, de apresentações artísticas e culturais, de reuniões, de eventos acadêmicos, este percentual é de quase 80%.

Com relação ao estado de Alagoas, onde 222 escolas estaduais ofertam o Ensino Médio, a tabela 4 demonstra a situação:

Tabela 4 Infraestrutura das escolas públicas estaduais de Ensino Médio de Alagoas 

Espaços Total Não possui % Possui %
Banheiros para servidores 222 101 45,5% 121 54,5%
Sala de professores 222 24 10,8% 198 89,2%
Cozinha 222 00 00 222 100%
Refeitório 222 119 53,6% 103 46,4%
Biblioteca 222 93 41,9% 129 58,1%
Laboratório de informática 222 59 26,6% 163 73,4%
Laboratório de ciências 222 111 50% 111 50%
Sala de artes 222 221 99,5% 01 0,5%
Sala de leitura 222 112 50,5% 110 49,5%
Pátio coberto 222 32 14,4% 190 85,6%
Quadra de esportes coberta 222 162 73% 60 27%
Auditório 222 155 69,8% 67 30,2%
Internet 222 00 0 222 100%
Internet para alunos 222 52 23,4% 170 76,6%

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Censo Escolar 2019.

Em Alagoas, embora menos que em Pernambuco, 45,5% das escolas não possuem banheiros para professores; 10,8% não possuem salas de professores, o que corresponde a 24 escolas. Todas as escolas possuem cozinha e mais da metade delas não possui refeitório. Essa falta de espaço para professores e estudantes revela a ausência de aspectos básicos de conforto para os docentes e estudantes.

Quando se trata de ambientes pedagógicos, um pouco mais da metade das escolas possui biblioteca; metade, laboratórios de ciência e um pouco menos da metade, sala de leitura. Mais de 70% das escolas possuem laboratório de informática; no entanto, menos de 1% delas possui salas de arte. Os questionamentos que surgem são: por que tantos estudantes e docentes não têm acesso a esses espaços? Como propor uma melhoria no processo de formação dos alunos com a negação de uma infraestrutura básica para uma escola, como biblioteca ou laboratório de ciências, por exemplo?

Referente aos espaços coletivos de convivência, em Alagoas há um número maior de escolas com pátio coberto em relação a Pernambuco e se assemelham à porcentagem de escolas com quadras poliesportivas cobertas, 27% e 30% respectivamente. Quanto à existência de auditório, em Alagoas a situação é um pouco melhor, com 30% das escolas, enquanto em Pernambuco, 22,6%.

Com relação à internet, a situação das escolas alagoanas é melhor. Todas as escolas estaduais de Ensino Médio do estado de Alagoas têm acesso à internet e, em 76,6% delas, os estudantes têm acesso. Nesse último quesito, uma situação bem melhor que de Pernambuco, onde pouco mais da metade dos estudantes têm acesso.

Importante ressaltar que, embora um estado tenha uma situação melhor que o outro em um e outro item, é preciso considerar os milhares de estudantes e professores que não têm acesso a nada ou a uma parte dessa infraestrutura. O que se observa é que, nos dois estados, não há uma política efetiva de melhoria das condições de infraestrutura das escolas, com construção e compra de equipamentos, mesmo que, todos os anos, os dados do Censo da Educação Básica apontem essa necessidade. Na verdade, as políticas de educação nos estados ficam a reboque dos programas instituídos pelo Ministério da Educação (MEC).

Observando essa situação, em que faltam espaços pedagógicos e de convivência, como bibliotecas, laboratórios, quadras poliesportivas, pátios, bem como equipamentos e insumos que se fazem necessários para um trabalho qualificado de docentes e profissionais de educação, percebe-se que são o esforço e a criatividade desses profissionais que fazem a diferença. No entanto, em se tratando de educação, não se pode viver sempre de criatividade, esforço e boa vontade. Como explica Kuenzer (2011, p. 677), “ao mesmo tempo que torna o trabalho do docente no Ensino Médio qualificador e prazeroso, torna-o desqualificador, explorador e causador de sofrimento”. Ainda, segundo a autora, afasta jovens que buscam a docência como carreira.

Nesse contexto, a Lei nº 13.415/2017, nas palavras de Krawczyk e Ferreti (2017, p. 38), “ignora que as escolas não possuem as condições básicas de funcionamento institucional nem do exercício do trabalho dos professores, oferecendo aos estudantes condições dignas de aprendizagem”. Não se pode, ainda, deixar de destacar a Emenda Constitucional nº 95/2016, que estipula o teto dos gastos públicos e o congelamento das despesas do governo federal. É perceptível, portanto, que esse silenciamento da chamada Reforma do Ensino Médio centraliza os problemas por que passa essa etapa da educação básica ao currículo, objetivando, ainda segundo os autores (2017, p. 38), colocar “o ensino médio a serviço da produção de sujeitos técnica e subjetivamente preparados do ponto de vista instrumental, tendo em vista os interesses do capital”.

Nessa perspectiva, ratifica-se o que diz Kuenzer (2011, p. 675), apontando “a necessidade de efetivo investimento em políticas que integrem formação, carreira, remuneração e condições dignas de trabalho, para enfrentar uma histórica realidade de escassez, inadequação e desprofissionalização, com seus severos impactos sobre a qualidade do ensino médio”.

Considerações finais

O artigo se propôs contribuir com o debate acadêmico em diálogo com a política educacional, possibilitando que essa reflexão possa avançar a discussão e o conhecimento na área de pesquisa em educação, considerando a valorização do professor a partir de suas condições efetivas de trabalho, ampliando o olhar, diante da chamada Reforma do Ensino Médio, com base na Lei nº 13.415/2017.

Apesar dos avanços quanto à carreira, com a implantação dos planos de cargos e carreiras nos estados e municípios, e à remuneração, por meio do PSPN dos professores da educação básica, vê-se que se está bem distante da Meta 18 do PNE e de ter, no quadro de professores dos estados, 90% de efetivos. O estado de Alagoas, com quase 60% de professores com contratos temporários e Pernambuco, com quase 40%, refletem bem a situação dos docentes e suas condições de trabalho. São contratos que criam grupos distintos de professores numa mesma rede e que precarizam o trabalho e o processo de ensino-aprendizagem, quando não se cria uma relação de pertencimento do professor à escola e aos estudantes.

Além disso, precariza-se ainda mais quando analisado o esforço docente nesses estados: professores que lecionam a mais de 300 estudantes, trabalham em mais de duas escolas, em três turnos e em mais de duas etapas. Está-se distante do que estabelece a Lei no 11.738, de 16 de julho de 2008: implantação gradual do cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar. Trabalhar somente no Ensino Médio, em uma única escola, em dois turnos e com um número adequado de alunos não faz parte da jornada de um número expressivo de professores do Ensino Médio público estadual nesses dois estados. Destaca-se a pior situação no estado de Alagoas, em que quase 40% dos docentes que se encontram nos níveis 05 e 06 deste indicador, acima da média do país, da Região Nordeste e do estado de Pernambuco, o que significa um esforço extremo para os professores. Nessa perspectiva, as estratégias presentes no PNE e nos PEEs estão longe de serem concretizadas até 2024.

Outro aspecto a ser observado é quanto à melhoria da infraestrutura física e pedagógica das escolas de Ensino Médio. A Lei nº 13.415/2017 estabelece a ampliação da carga horária para 1.400 horas anuais a partir da implantação da Reforma nas redes estaduais. Para dar conta dessa situação, é preciso um grande investimento na melhoria das condições de infraestrutura física e pedagógica das escolas, o que significa mais salas de aulas, bibliotecas, quadras poliesportivas cobertas, auditórios, laboratórios de ciências e de informática, refeitório. Mas o que vê é mais um silenciamento da situação, o que pode ampliar a condição de precariedade em que se encontram milhares de professores e jovens em escolas em que, muitas vezes, não há nem banheiros. Essa situação é bastante visível quando se está diante dos números dos estados de Alagoas e Pernambuco. Acrescente-se ainda a Emenda Constitucional nº 95/2016, que congela os gastos públicos. Como resolver essa equação?

É um silenciamento proposital, a partir do discurso da Reforma do Ensino Médio, de atores importantes nesse processo, como os professores e os estudantes, das políticas públicas educacionais de sucesso, como a Rede Federal de Educação, o Ensino Médio Inovador e, principalmente, dos reais motivos que levam o jovem a abandonar a escola; silenciamento, sobretudo, quando acredita ser tão somente o currículo o principal responsável pelo insucesso das escolas públicas de Ensino Médio no país, sem observar questões importantes para a qualidade na educação, como a valorização dos professores e as suas condições efetivas de trabalho.

Não estão presentes na Reforma a preocupação de fato com a formação inicial e continuada centrada no professor, a melhoria de sua carreira e de sua remuneração, a condição para que o docente trabalhe de forma integral em uma única escola e com uma relação aluno/professor estabelecida no PNE, a melhoria da infraestrutura física e pedagógica das escolas. A questão da qualidade social do Ensino Médio, proposta pela Lei nº 13.415/2017, não acontecerá com a flexibilização curricular, como se tão somente o currículo fosse capaz de realizar essa mudança, embora necessário. É simplista, é estéril!

É preciso resistir para que se tenha o Ensino Médio com qualidade social, desenvolvendo um currículo amplo, articulado, voltado para a formação integral dos estudantes, integrando as dimensões da ciência, da tecnologia, da cultura e do trabalho, com professores qualificados e desenvolvendo suas atividades em condições adequadas de trabalho.

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Recebido: 23 de Maio de 2022; Aceito: 07 de Dezembro de 2022

Editor Chefe: Prof. Dr. José Eustáquio Romão

Editor Científico: Profa. Dra. Adriana Aparecida de Lima Terçariol

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