Introdução
A educação profissional no Brasil é historicamente marcada pela distinção social das forças de trabalho, entre as pessoas que detêm os meios de produção e as que possuem a mão de obra necessária para produzir. Nesse sentido, sempre se justificou a existência de duas redes de ensino, uma de educação geral, destinada para um grupo privilegiado da população, e outra profissional, voltada para os trabalhadores. A educação profissional tem sua origem histórica no âmbito de uma perspectiva assistencialista, na qual jovens em situação de mendicância eram levados para casas específicas onde recebiam instrução básica e algum tipo de ofício (Maciel, 2005; Moura, 2007). Já para a classe de proprietários dos meios de produção, no mesmo período, era ofertada uma educação de excelência pautada em atividades intelectuais ou artísticas, com exercícios lúdicos ou militares (Nóbrega; Souza, 2015). O termo dualidade é recorrente no campo educacional e é entendido como essa diferença na qualidade da educação oferecida aos filhos dos ricos e dos pobres (Ciavatta; Ramos, 2011). Do modelo de educação, cuja estrutura não possibilita a integração da educação de caráter geral, ou propedêutica, com a formação profissional, originaram-se propostas pedagógicas caracterizadas por um “academicismo vazio” e uma “profissionalização estreita” (Kuenzer, 1997).
Essa dualidade pautada por um conhecimento mais elaborado para alguns e por rudimentos da educação para a maioria foi reforçada pelo Decreto nº 2.208/1997 (Brasil, 1997), que estabeleceu a separação obrigatória entre a educação básica e a educação profissional, alterando a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Brasil, 1996), que recomendava a articulação da educação profissional com o ensino regular ou com diferentes estratégias de educação continuada. Nesse decreto, a linha de afastamento entre o ensino médio e o técnico fica muito destacada, com este último vinculado à pedagogia das competências apropriadas para a lógica do mercado, limitando-se ao ensino de conhecimentos tácitos necessários para o aprimoramento laboral, distanciando-se do chamado ensino regular (Frigotto, 2016). Essa política acompanhou as reformas neoliberais dos anos 90, que modificaram sensivelmente os planos organizacionais, de financiamento e pedagógicos da educação, dando voz à ideologia das competências, da “empregabilidade” e da “trabalhabilidade” (Frigotto, 2010). Entre tantos impactos gerados pelo Decreto nº 2.208/1997 na formação profissional do técnico de nível médio, podemos destacar a evasão e a reprovação acentuadas, a fragilidade na formação dos profissionais que chegavam ao mercado de trabalho e o descrédito da sociedade com a educação profissional (Brasil. Inep, 2008).
A possibilidade de integração entre o ensino médio e a educação profissional só ocorreu mediante a revogação desse instrumento legal, na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o Decreto nº 5.154/2004 (Brasil, 2004). Apesar da retomada das matrículas integradas, algumas ações paralelas do Ministério da Educação, como a fragmentação das secretarias do ensino médio e do ensino profissional e a criação de parcerias com o setor privado empresarial, reduziram o possível impacto dessa política (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2005). A integração entre o ensino médio regular e a educação profissional efetivou-se apenas em poucas instituições pelo País, resultando em poucas mudanças no acesso dos alunos a essas instituições de ensino. De acordo com o Censo da Educação Básica do ano de 2005, pouco mais de 700 mil estudantes fizeram a matrícula na educação profissional, contra nove milhões de matrículas no ensino médio regular (Brasil. Inep, 2005). De 2006 a 2008, o baixo número de matrículas na modalidade integrada se manteve e a oferta da educação profissional ficou concentrada na rede privada (Castioni; Andrade, 2010). Dessa forma, configurou-se como ação urgente e necessária a ampliação da oferta de vagas no setor público, com a garantia da qualidade de uma educação unitária, destinada à superação da dualidade entre cultura geral e técnica.
A partir desse contexto de tentativa de superação da dicotomia entre o ensino médio e a educação profissional e da necessidade pujante de aumentar o número de matrículas na rede profissional, é promulgada a Lei nº 11.892/2008 (Brasil, 2008), que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e cria os institutos federais de educação, ciência e tecnologia (IF’s). Como observado no art. 2º da referida lei, os institutos federais são
instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei. (Brasil, 2008, p. 1).
A estrutura curricular dos IF’s privilegia uma formação contextualizada, tratando, no mesmo patamar, os conhecimentos técnicos e científicos. Dessa forma, um dos objetivos basilares dos institutos é “derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana” (Pacheco, 2010, p. 14).
Considerando que em dezembro de 2018 se completam dez anos da publicação da Lei nº 11.892/08, no presente artigo temos o objetivo de analisar os efeitos dessa política pública na redução da distância entre o ensino médio tradicional e o ensino técnico. Para tanto, utilizamos diferentes fontes de dados disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), como os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Censo da Educação Básica, além de trabalhos encontrados na literatura da área de ensino que tiveram como objeto de estudo os institutos federais. Dos microdados do Enem, utilizamos como elemento analítico central o desempenho dos estudantes no exame, constituído pela média nas quatro provas objetivas - Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e Matemática. Nossa hipótese central é a de que se o ensino técnico conseguiu realmente se aproximar de uma educação formal regular, com a qualidade desejada, um dos indicadores que permite inferir tal fato é justamente o desempenho dos estudantes nessa prova. Esclarecemos que, a despeito de utilizarmos em nossas investigações as médias nas provas do Enem, não nos alinhamos à concepção ingênua de que esse seria por si só o indicador da qualidade do ensino nessas instituições federais. De maneira contrária, interpretamos as diferenças nas médias apenas como um dos indicadores da complexa rede de elementos que constituem o campo educacional. Entendemos que resultados diferentes se concretizam a partir de uma interação entre aspectos sociais e individuais característicos do contexto daquela instituição em particular (Bourdieu, 1986). Neste trabalho, será investigado basicamente como o conjunto de variáveis contextuais - formação e condições de trabalho do professor e o nível socioeconômico - influi no desempenho dos estudantes.
O Brasil é marcado por importantes desigualdades sociais e assimetrias entre os entes da federação, o que torna ao mesmo tempo necessária e complexa a elaboração de políticas públicas de âmbito nacional, especialmente aquelas voltadas à educação. A definição dessas políticas precisa, nesse sentido, levar em consideração os anseios da sociedade civil, com o objetivo de diminuir o distanciamento entre o que é essencial e o que é proposto de fato. Para Aguiar e Dourado (2018), é preciso construir coletivamente com a sociedade um marco de referência, que represente as utopias, os sonhos, as necessidades, as concepções e os princípios educacionais, por meio do qual as políticas públicas poderiam ser formuladas. Além disso, toda política pública voltada para a educação movimenta vultosas quantidades de recursos financeiros, sejam eles provenientes da esfera pública ou privada. A análise da efetividade dessas políticas, bem como de seus desdobramentos para a realidade brasileira, pode ser limitada pela ausência de indicadores confiáveis ou de transparência na apresentação das informações (Kuenzer, 2010). Nesse sentido, o presente trabalho se justifica na medida em que pretende defender, com base nos resultados empíricos, o importante papel social desempenhado pelos institutos federais, considerando que o cenário atual de extinção, revisão ou diminuição dos programas sociais e educacionais mediante cortes orçamentários revela uma política nacional de desmonte do setor público da educação.
Procedimentos metodológicos
Para fazer considerações a respeito do trabalho pedagógico desempenhado dentro dos institutos federais, utilizamos como principal fonte de dados os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio de 2016. Do interior desse banco de informações, extraímos a média dos candidatos nas provas objetivas, a distribuição de estudantes para cada dependência administrativa - municipal, estadual, privada e federal -, a distribuição étnico-racial dos candidatos e as informações para a construção de um índice socioeconômico dos alunos e das escolas. Assim, a discussão será fundamentada basicamente nas seguintes variáveis:
Índice Socioeconômico (ISE) do Candidato - calculado por candidato com base no questionário socioeconômico.
Adequação da Formação Docente (AFD) - índice definido por escola, criado pelo Inep a partir dos microdados do Censo da Educação Básica de 2016.
Condições de Trabalho Docente (CTD) - remodelado a partir do Índice de Esforço Docente, definido por escola e criado pelo Inep considerando os microdados do Censo da Educação Básica de 2016.
Desempenho no Enem na área de Ciências da Natureza - a nota de cada candidato na prova objetiva dessa área.
Todas essas variáveis serão explicadas a seguir. Esse detalhamento é baseado em texto similar de um estudo anterior (Cavalcanti; Nascimento; Ostermann, 2018), sendo parcialmente reproduzido aqui apenas por motivos de clareza, não exigindo que o leitor se remeta ao trabalho original para compreender as análises decorrentes. Contudo, recomenda-se a leitura do texto citado para maior detalhamento das análises realizadas.
Índice Socioeconômico (ISE) do Candidato
Esse índice é calculado para cada candidato do Enem, com uso da Teoria da Resposta ao Item (TRI) na análise do questionário socioeconômico mediante o emprego de um modelo próprio para respostas categóricas ordinais, o Modelo de Respostas Graduadas (Samejima, 1969), adotando um procedimento muito parecido com o que foi feito no trabalho de Alves, Soares e Xavier (2014), com a diferença que nos restringimos apenas aos microdados de 2016 do Enem. Foram considerados somente candidatos com as seguintes características: (1) vinculados a escolas; (2) que preencheram completamente o questionário socioeconômico sem responder “não sei” ou “sem informação” em nenhum item; (3) que compareceram a todas as provas objetivas. Dessa filtragem inicial, sobraram 1.155.310 candidatos.
O questionário socioeconômico encontra-se reproduzido e brevemente explicado no trabalho de Cavalcanti, Nascimento e Ostermann (2018). Após o ajuste do referido modelo da TRI, calculamos um escore numérico (contínuo) para cada candidato, que quantifica seu nível socioeconômico. O índice obtido pode ser considerado fidedigno, conforme critérios já estabelecidos e testes realizados em trabalho anterior (Cavalcanti; Nascimento; Ostermann, 2018), o qual mostra também o questionário socioeconômico que serviu de ponto de partida para sua obtenção. Para a validação do ISE, esse índice foi agregado por município, sendo após comparado com a média aritmética do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal na dimensão de renda (IDHM Renda) e do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal na dimensão educacional (IDHM Educação)1, já que o ISE é retirado de um questionário que possui itens relativos a esses dois aspectos. Foi atingida uma estimativa para a correlação de Pearson (Verzani, 2014) igual a 0,9242 entre o ISE e a média geométrica do IDHM Renda e do IDHM Educação. Adicionalmente, nosso ISE foi agregado por escola e comparado com o nível socioeconômico escolar criado pelo Inep em 2013 por meio de procedimentos metodológicos similares, porém considerando uma base de dados mais ampliada (Brasil. Inep, 2014c). A estimativa da correlação entre o nosso ISE médio das escolas e o do Inep foi de 0,9543, ou seja, uma associação bastante forte.
A Adequação da Formação Docente (AFD)
Esse índice, calculado pelo Inep, indica o percentual de professores em atividade na escola e que atuam em disciplinas para as quais eles têm formação (Brasil. Inep, 2014a). Na escala original, há 5 níveis, em que o nível 1 é a melhor adequação e o nível 5, a pior. Neste trabalho, seguimos uma remodelagem que propusemos nessa escala, tornando-a crescente ao invés de decrescente (Cavalcanti; Nascimento; Ostermann, 2018). Isso permite elaborar visualizações cuja interpretação é mais intuitiva. Os níveis remodelados são os seguintes:
Nível 1: Docente que não possui curso superior completo.
Nível 2: Docente com outra formação superior não considerada nas categorias posteriores.
Nível 3: Docente com licenciatura em área diferente da que leciona ou com bacharelado nas disciplinas da base curricular comum e complementação pedagógica concluída em área diferente da que leciona.
Nível 4: Docente com formação superior de bacharelado na disciplina correspondente, mas sem licenciatura ou complementação pedagógica.
Nível 5: Docente com formação superior de licenciatura na mesma disciplina que leciona ou bacharelado na mesma disciplina com curso de complementação pedagógica concluído.
Essa escala evidencia a adequação da formação docente e não a qualidade desta. Para isso, seria necessário conhecer a instituição em que cada professor concluiu seu curso. Porém, é razoável supor que uma escola cujo índice de formação docente é alto se encontra em uma situação mais favorável do que uma escola em que esse índice é mais baixo. Nos dados compilados pelo Inep, é fornecido para cada escola o percentual de docentes em cada nível e por modalidade de ensino (usaremos aqui o ensino médio). Com isso, é possível calcular o perfil médio da escola utilizando cada um desses valores percentuais. Por exemplo, considere uma escola hipotética com o seguinte perfil na AFD: nível 1: 0,75%; nível 2: 32,50%; nível 3: 50,31%; nível 4: 10,24%; nível 5: 6,20%. A soma das percentagens resulta em 100. Para calcular o perfil médio da adequação da formação docente
Assim, essa escola teria o perfil médio quase no nível 3 quanto à AFD. Algumas escolas não continham informação sobre esse índice - foram consideradas neste trabalho apenas as escolas em que esse perfil pôde ser calculado.
As Condições de Trabalho Docente (CTD)
Esse indicador foi obtido por meio de uma remodelagem do construto originalmente definido pelo Inep como Indicador de Esforço Docente (IED), calculado por escola (Brasil. Inep, 2014b). Para obter o IED, foram extraídas do Censo Educacional as seguintes informações, por docente: (1) número de escolas em que o docente atua; (2) número de turnos de trabalho; (3) número de alunos atendidos; e (4) número de etapas de ensino nas quais ele leciona. Com esses dados, foi usado o modelo de Samejima, da TRI, para obter um escore de esforço para cada docente. Ao final, foram criados seis níveis de esforço docente, procedimento similar ao realizado com a AFD. Neste trabalho, optamos por simplesmente inverter os níveis da escala de esforço docente e definir a variável Condições de Trabalho Docente (CTD), de modo que quanto menor for o IED maior será as CTD. Os níveis para as CTD são caracterizados como segue:
Nível 1: Docente que tem mais de 400 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas ou três etapas.
Nível 2: Docente que tem mais de 300 alunos e atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas ou três etapas.
Nível 3: Docente que tem entre 50 e 400 alunos e atua em dois turnos, em uma ou duas escolas e em duas etapas.
Nível 4: Docente que tem entre 25 e 300 alunos e atua em um ou dois turnos em uma única escola e etapa.
Nível 5: Docente que tem entre 25 e 150 alunos e atua em um único turno, escola e etapa.
Nível 6: Docente que tem até 25 alunos e atua em um único turno, escola e etapa.
Assim como no caso da AFD, o Inep fornece para as escolas o percentual de docentes em cada um dos seis níveis, por modalidade de ensino (consideraremos aqui também o ensino médio), sendo possível calcular o perfil médio
A distribuição das escolas para os índices ISE, AFD e CTD é demonstrada em Cavalcanti, Nascimento e Ostermann (2018), por dependência administrativa. Em posse desses índices, podemos usá-los nas discussões que seguem.
Resultados
Retomando o objetivo central deste estudo, queremos analisar se os institutos federais conseguiram contribuir, ao longo desse decênio, para a redução da brecha entre educação formal e educação profissional. Nossa hipótese é a de que um bom desempenho no Enem seria indicativo de que o ensino propedêutico vem sendo trabalhado de forma qualificada em instituições de ensino médio e técnico integrado, como é o caso dos IF’s.
Além disso, queremos examinar qual o perfil dos alunos dessas instituições. Para tanto, inicialmente investigamos a média geral dos discentes no Enem por dependência administrativa das escolas. Após os filtros realizados e detalhados na seção anterior, nossa amostra contou com 1.155.181 alunos, distribuídos entre 31.537 escolas.
Para identificação mais clara, a rede federal foi separada em institutos federais (Fed_IF), colégios de aplicação (Fed_CAp), colégios militares (Fed_CM), centros federais de educação tecnológica - Cefet’s (Fed_Cefet) e outras (Fed_Outras). Assim, construímos o gráfico de violino, apresentado na Figura 1, da distribuição das médias no exame para as diferentes dependências administrativas. Os gráficos de violino permitem visualizar a distribuição de candidatos em torno da média geral na prova do Enem de 2016. Quanto mais espesso é o envelope no gráfico, mais candidatos se concentram naquela faixa de valor da média.
Os gráficos foram classificados de acordo com cada dependência administrativa, sendo que os pontos brancos representam a pontuação média, mínima e máxima do grupo na prova. No gráfico exposto na Figura 1 o escore obtido na prova foi padronizado, transformado em uma escala em que a média é zero e o desvio padrão é 1, ou seja, aplicando-se a transformação
Podemos perceber na Figura 1 que os grupos que correspondem às dependências administrativas estadual e municipal se colocam em posições abaixo da média geral do exame, enquanto aqueles que correspondem às dependências privada e federal, acima. Nota-se ainda que o perfil de desempenho das escolas privadas e dos IF’s na prova em questão é bastante similar, com médias próximas e distribuições bastante semelhantes em torno dessas médias. Esse primeiro resultado já revela um dos efeitos das políticas públicas de valorização do ensino integrado: a qualificação da educação profissional quanto à aproximação com o ensino propedêutico, historicamente destinado para grupos restritos da sociedade.
A partir de reflexões sobre esse resultado, dois questionamentos podem ser suscitados. O primeiro é que na dependência administrativa federal os IF’s têm o menor desempenho médio, por isso, precisamos entender qual o perfil dos estudantes e das instituições que constituem cada um desses grupos. O segundo vai no sentido de tentar construir argumentos, considerando os resultados empíricos, para justificar esse bom desempenho d1as instituições federais, em especial, dos IF’s (que compõem a grande maioria delas). Para Pacheco (2010), a diferença está na organização pedagógica verticalizada dos IF’s, que permite que os docentes atuem em diferentes níveis de ensino e que os discentes vivenciem espaços de aprendizagem variados, que possibilitam o planejamento da sua própria trajetória acadêmica, desde a formação técnica até o doutorado. Assim, nos IF’s os estudantes usualmente vivenciam ações pedagógicas que ampliam seu espectro de possibilidades formativas, com menos ênfase na formação para ofícios e mais no entendimento da relação entre trabalho, ciência e cultura. Essa nova perspectiva de formação possivelmente influi no bom desempenho desses estudantes nas provas do Enem, uma vez que os itens desse exame exigem um importante domínio de conhecimentos específicos, muito característico do ensino regular (Kleinke, 2017; Nascimento, Cavalcanti, Ostermann, 2018).
Para entender as diferenças no perfil dos estudantes e das escolas que constituem os grupos da Figura 1, começamos pela análise do ISE desses grupos. Criamos o ISE de cada escola a partir da média aritmética do ISE de todos os candidatos dessas instituições, considerando apenas escolas com mais de 19.344 candidatos. Dessa filtragem, resultaram 15 escolas.
A associação entre desempenho escolar e nível socioeconômico é tema de pesquisa na sociologia da educação desde meados dos anos 60 (Coleman, 1966; Bourdieu; Passeron, 2008). Esses estudos mostram que existe uma correlação acentuada entre os bons resultados escolares e a quantidade de bens econômicos e culturais a que o estudante tem acesso. Associações como essa são observadas em investigações que consideram um número muito grande de indivíduos, exatamente como estamos fazendo no presente trabalho. É importante deixar claro que existem diferentes envolvimentos com a escola e, se fosse possível olhar para a história de vida de cada sujeito, perceberíamos múltiplas dimensões na relação entre contexto e desempenho escolar (Lahire, 2003).
Com isso, representamos a associação entre o ISE das escolas e a média geral da escola na prova do Enem na Figura 2. Cada ponto no gráfico indica uma escola diferente, classificada por dependência administrativa. A legenda traz entre parênteses a quantidade e o percentual de escolas em cada dependência administrativa. Tanto a média do ISE como a média geral na prova foram transformadas em escores-z, com as variações de uma unidade representando a variação de um desvio padrão.
É fácil notar a distinção entre as escolas estaduais e as privadas. As instituições públicas estaduais, na sua maioria, estão concentradas no quadrante inferior esquerdo, que indica valores abaixo da média na prova e na média do ISE, ao passo que as instituições privadas, em sua maioria, concentram-se no quadrante superior direito, que indica valores acima da média nas duas variáveis. Analisando as instituições federais, contudo, percebemos que elas se concentram, majoritariamente, acima da média geral do exame e estão posicionadas próximas à média do ISE. Esse resultado sugere que essas escolas reúnem estudantes com nível socioeconômico, em média, mais baixo do que a maioria das privadas, porém, apesar disso, obtêm um desempenho no Enem muito parecido com os candidatos destas (ver Figura 1).
Para maior detalhamento do grupo de escolas federais, construímos um gráfico de violino semelhante ao da Figura 1, no entanto, colocando o ISE na escala vertical, considerando as diferentes dependências administrativas.
No gráfico da Figura 3, percebe-se que os IF’s possuem, em média, um ISE mais baixo do que todas as outras escolas federais. O ISE médio dos IF’s é próximo da média global (zero na escala adotada) e há uma distribuição relativamente simétrica em torno dessa média, ou seja, há um número aproximadamente similar de candidatos de ISE mais alto e mais baixo do que a média global - assim, a diversidade de níveis socioeconômicos nos IF’s é sensivelmente maior do que para as outras escolas. Os colégios militares, pelo contrário, são as instituições com maior valor médio de ISE, superando inclusive o das escolas privadas, apresentando pouquíssimos candidatos com ISE mais baixo do que a média global. Os colégios militares, dessa forma, são as instituições mais elitizadas do País, em média, quando comparamos as diferentes dependências administrativas. Não estamos colocando, sob hipótese alguma, o termo elitizadas de maneira pejorativa, apenas oncluindo, com base nos resultados empíricos, que essas instituições reúnem, em média, estudantes com maior volume de bens econômicos e culturais.
O fato de os IF’s terem uma média de ISE significativamente mais baixa do que todas as outras escolas federais e as privadas e, ainda assim, um desempenho na prova muito similar ao das escolas privadas evidencia um elemento de sucesso dessa política pública. Podemos inferir que estudantes de baixo índice socioeconômico, ao ingressarem em instituições com características como as dos IF’s, conseguem subverter a tendência de baixo desempenho escolar indicada historicamente pela literatura. Esse resultado está em consonância com a própria constituição da política dos IF’s, que privilegia o desenvolvimento local e regional a partir da locação de seus campi em regiões de menor IDHM. Assim, os institutos se revelam espaços privilegiados de aprendizagem, capazes de melhorar a qualidade de vida de estudantes neles formados (Pacheco, 2010).
Para avançar no entendimento sobre a constituição do perfil dos estudantes dos IF’s, investigamos também a distribuição étnico-racial dentro das diferentes dependências administrativas. Essa análise é indispensável, uma vez que consideramos que a democratização do ensino passa pela maior diversidade étnico-racial dentro dos espaços educacionais que originalmente foram ocupados por estudantes brancos. No Brasil, apesar da heterogeneidade étnico-racial, notamos que o sistema de ensino ainda se revela perverso para alguns grupos (Nascimento; Cavalcanti; Ostermann, 2017), mantendo uma desigualdade social historicamente reconhecida pela literatura (Verrangia; Gonçalves, 2010). As políticas de ações afirmativas, sem dúvida, são importantes nesse processo de democratização. Em nossa visão, no entanto, além do ensino superior, é necessário democratizar a educação básica. Nesse sentido, as políticas públicas devem se voltar para este nível de ensino a fim de auxiliar nesse processo.
Nesta pesquisa, portanto, analisamos qual a distribuição étnico-racial dentro das diferentes dependências administrativas. Essa análise está representada no gráfico de barras ilustrado na Figura 4. Para cada dependência administrativa, foi calculado o índice Gini na distribuição de etnias, sendo consideradas para esse cálculo apenas as etnias branco, pardo e negro (as etnias amarelo e indígena ocorrem pouco e em proporções semelhantes em cada dependência administrativa). O índice Gini varia de 0 (igualdade perfeita) até 1 (desigualdade perfeita). A distribuição étnica mais desigual entre brancos, negros e pardos ocorre na escola privada (G = 0,39), em que 63,28 por cento dos alunos são brancos. Os Cefet’s (G = 0,23), as escolas estaduais e os IF’s (ambas com G = 0, 24) são os menos desiguais na referida distribuição étnica. Podemos destacar, a partir desse gráfico, que o perfil étnico-racial dos estudantes dos IF’s é muito semelhante ao daqueles das escolas estaduais, sendo estas e os Cefet’s os únicos tipos de escola nos quais os candidatos brancos não são maioria. Assim, o perfil socioeconômico e étnico dos estudantes dos IF’s se assemelha ao daqueles das escolas públicas estaduais. No entanto, o perfil de desempenho dos IF’s na prova do Enem é bem melhor e se assemelha muito ao das escolas privadas.
Com esses resultados, temos um perfil dos estudantes dos IF’s que realizaram o Enem em 2016. O cruzamento desse perfil com o desempenho desses mesmos candidatos na prova nos permite inferir que essa política pública tem, ao longo desses dez anos, contribuído sensivelmente para a qualificação da educação pública do País. Os estudantes dos IF’s têm acesso, mediante o ensino integrado, a uma educação que extrapola os limites do tecnicismo. Essas instituições fornecem subsídios para que seus alunos consigam seguir diferentes caminhos formativos, do profissional técnico ao acadêmico graduado, sem privilegiar nenhum tipo de percurso.
É interessante investigar alguns motivos pelos quais os IF’s se diferenciam das escolas estaduais e municipais, em termos de desempenho, e das outras escolas federais e das privadas, em termos de uma maior equidade social.
A rede de motivos certamente é muito complexa. Envolve questões estruturais, políticas, pedagógicas, entre outras. Para este trabalho, no entanto, analisamos duas variáveis relativas às escolas: a Adequação de Formação Docente (AFD_ESC) e as Condições de Trabalho Docente (CTD_ESC) dos profissionais que atuam nessas instituições, já explicadas anteriormente. Essas duas dimensões foram relacionadas com outras variáveis que caracterizam as escolas: o índice socioeconômico (ISE_ESC) e a nota da média geral na prova (MEDIA_GERAL_ESC). A investigação da relação entre essas variáveis foi efetuada por meio de análise de componente principal (ACP), um procedimento matemático que permite reduzir um certo número de variáveis em um número menor de dimensões, chamadas de componentes principais (Wold; Esbensen; Geladi, 1987), com a menor perda de informação possível. O objetivo maior da ACP aqui é produzir uma visualização que permita inferir aspectos importantes sobre as escolas sem recorrer a visualizações parciais usando todas as quatro dimensões (quatro variáveis combinadas duas a duas resultariam em seis gráficos bidimensionais). A Figura 5 mostra a visualização obtida após realizada a ACP, que reduz as quatro dimensões (quatro variáveis consideradas) em duas, chamadas componentes principais. A primeira componente principal (dimensão 1) explica 51,44 por cento da variância contida originalmente nos dados e a segunda (dimensão 2) explica 26,45 por cento, resultando em uma variância explicada em torno de 77,89 por cento da total (quanto mais próximo de 100 por cento de variância explicada, melhor). Portanto, essa projeção de quatro dimensões no plano tem boa qualidade, sendo uma boa aproximação.
As quatro variáveis consideradas são representadas como escores-z, ou seja, as suas médias coincidem com a origem do gráfico, cujas coordenadas são (0,0). Essas variáveis aparecem como eixos, sendo indicadas por setas (no sentido crescente dos respectivos eixos). Esse tipo de visualização se chama biplot e nele cada ponto representa uma escola. Foram consideradas as mesmas 19.344 escolas da Figura 2.
A associação (correlação) entre duas variáveis quaisquer pode ser qualitativamente inferida ao observar o ângulo entre as setas que as representam: ângulos menores do que 90 graus indicam correlação positiva, ângulos maiores do que 90 graus indicam correlação negativa (anticorrelação) e quando o ângulo é exatamente 90 graus a correlação é nula. Quanto mais próximo de zero (180) grau for esse ângulo, mais próximo de 1 (-1) será a correlação.
É possível observar nesse gráfico que a variável que mais se correlaciona positivamente com o desempenho na prova é o Índice Socioeconômico Escolar (ISE_ESC). As variáveis CTD_ESC e AFD_ESC também apresentam correlação positiva com o desempenho da escola na prova, porém mais baixa. Essas duas variáveis se correlacionam negativamente entre si (o ângulo entre elas é maior do que 90 graus) - quando uma aumenta a outra diminui. Isso permite inferir que professores com formação adequada tendem a piorar suas condições de trabalho (assumindo mais turmas e/ou escolas). O valor entre parênteses nos rótulos das variáveis indica a previsibilidade, que basicamente é a qualidade da representação de cada variável (tanto melhor quanto mais próximo de 1 for o valor). Os eixos estão calibrados, como proposto em Gower, Lubbe e Leroux (2011), com os valores reais das variáveis, o que facilita a interpretação. Nessa perspectiva de visualização, com os eixos calibrados, pode-se abrir mão de interpretar as dimensões 1 e 2, concentrando-se as análises nos eixos que configuram as variáveis originais.
A linha horizontal representa a média geral de todas as escolas no Enem (contém o texto “Desempenho médio: 509.48”). Pontos que estão acima (abaixo) dessa linha horizontal representam escolas cujo desempenho nessa prova foi acima (abaixo) do desempenho médio. Linhas tracejadas representam os valores médios das respectivas variáveis. Por exemplo, a linha que representa o ISE médio é perpendicular ao eixo que representa a variável ISE_ESC, passando pela origem (que, como já dito, é o valor médio do ISE_ESC), resultando em uma linha inclinada. Essa linha é tracejada com o texto “ISE Médio: 510.82” sobre ela. Todas as escolas acima (sentido para onde aponta a seta que representa ISE_ESC) dessa linha possuem ISE_ESC acima da média. No caso da variável AFD_ESC, a seta que a representa aponta para o lado esquerdo. Assim, escolas que estão no lado esquerdo da linha tracejada que indica o valor médio dessa variável são as que possuem AFD_ESC acima da média. Essas linhas são essenciais para a delimitação de regiões, o que é importante para discussão que segue. Por exemplo, escolas na região do lado direito (região R2) têm ISE abaixo do ISE médio, mas atingiram desempenho acima do desempenho médio. A região do lado esquerdo (região R4) é o inverso, ou seja, escolas com ISE acima do ISE médio e o desempenho abaixo do desempenho médio.
Concentremo-nos na região R1, na qual se situam as escolas com melhor desempenho no Enem (nessa região, todas alcançaram desempenho acima do desempenho médio na prova). Essa região é delimitada por duas retas tracejadas: a esquerda corresponde ao valor médio de CTD_ESC (3,02); a direita, ao valor médio de AFD_ESC (4,07). Nessa região, três atributos são conjuntamente favoráveis: (1) são escolas cujo nível socioeconômico está acima da média; (2) escolas com perfis de adequação de formação docente superior à média; e (3) escolas que apresentam condições de trabalho docente melhores do que a média. Esses três fatores conjuntamente ajudam a levar aos melhores desempenhos das escolas, como se pode ver claramente na região R1.
A região R3 é o inverso da região R1: (1) são escolas que têm nível socioeconômico abaixo da média; (2) escolas com adequação de formação docente inferior à média; e (3) escolas com condições de trabalho docente piores do que a média. Não por coincidência, é nessa região que se encontram as escolas com piores desempenhos.
Em resumo, os três fatores nível socioeconômico, adequação de formação docente e condições de trabalho docente conjuntamente influem no bom ou mau desempenho das escolas. A boa formação dos professores e as condições mais ideais de trabalho se revelam como um elemento central dessa política pública, uma vez que as escolas federais aparecem em grande parte na região R1. Pode-se inferir, portanto, que docentes dessas escolas, incluindo os IF’s, conseguem realizar um trabalho diferenciado com seus alunos. Esses docentes se caracterizam por uma formação que provê subsídios para pensar esse ensino aliado a condições de trabalho mais adequadas do que aquelas observadas, por exemplo, em escolas estaduais típicas, situadas em grande maioria na região R3. Sabemos que nessas instituições, especialmente pelos baixos salários, os professores comumente precisam assumir uma expressiva carga horária (atuando em duas ou mais instituições). Nesse sentido, nosso trabalho pode contribuir no contexto das lutas de valorização da educação básica pública do País. Nossos resultados indicam que os IF’s exercem um papel social importante e seu modelo de estrutura e gestão pode ser pensado para outros espaços da educação pública.
Outra razão para o sucesso dos estudantes dos IF’s, recorrentemente apontada pela literatura, é a prova de seleção para ingresso nessas instituições (Castioni; Andrade, 2010). Uma análise mais aprofundada dessa questão será realizada em estudo futuro, já que essa investigação é bastante complexa. Por ora, cabe apontar alguns caminhos para essa discussão. Para isso, usando dados do Censo da Educação Básica de 2016, fizemos uma sondagem do desempenho de institutos em que a maior parte dos seus alunos ingressaram por sorteio ou sem seleção alguma e uma diminuta fração, por prova de seleção sem nenhum tipo de reserva de vaga (cota), a forma mais elitizada de ingresso (representada pela variável sel_exame, que dá a proporção dos alunos da instituição que entram por essa via). Em especial, fizemos o seguinte recorte: institutos com pelo menos 50 por cento de estudantes ingressando via sorteio e no máximo 10 por cento via prova de seleção sem reserva de vaga. Encontramos sete escolas nessa situação e as chamamos de institutos federais de acesso “mais democrático”. Reproduzimos novamente o gráfico da Figura 2, porém destacando apenas as sete escolas com acesso “mais democrático”. Podemos notar na Figura 6 que o desempenho médio de seis das sete escolas é maior do que a média. Em especial, duas delas com pelo menos dois desvios padrão acima da média. Esse resultado sugere que a seleção pode não ser tão fundamental para explicar o bom desempenho dos institutos federais.
Além disso, realizamos uma regressão linear, considerando apenas os institutos federais, para estimar a influência da proporção de alunos que ingressam por exame de seleção sem reserva de vaga na média geral da escola (variável independente) no Enem. Testamos as influências das variáveis ISE_ESC, AFD_ESC, CTD_ESC e sel_exame (variáveis dependentes). Os resultados estão sintetizados na Tabela 1. Os dados foram padronizados em escores-z, para melhor comparar o efeito de cada variável na média geral.
É evidente que o maior efeito na média geral é do índice socioeconômico (o aumento em um desvio padrão na variável ISE_ESC causa um acréscimo de 0,788 desvios padrão na média geral da escola), sendo altamente significativa (
Coeficientes | Erro Padronizado | T | p | |
---|---|---|---|---|
(Intersecção) | 0,000 | 0,036 | 0,000 | 1,000 |
ISE_ESC | 0,788 | 0,037 | 21,212 | 0,000 |
AFD_ESC | -0,084 | 0,036 | -2,320 | 0,021 |
CTD_ESC | -0,098 | 0,037 | -2,654 | 0,008 |
sel_exame | -0,015 | 0,037 | -0,405 | 0,686 |
Fonte: Elaboração própria.
Nota: - R² = 0, 601 resíduos cumprem critério de normalidade.
Assim, posicionamo-nos contra recentes movimentos políticos de desmonte da educação pública, ao apontarmos o sucesso de uma política educacional elaborada de forma articulada às necessidades da sociedade e com foco na valorização docente e discente. Não desconhecemos ou desconsideramos as críticas proferidas a essa política, especialmente as que relacionam a Lei nº 11.892/08 com intenções ou necessidades neoliberais (Oliveira; Carneiro, 2012). A despeito dessas considerações, o que mostramos foi que os IF’s desempenham um papel social relevante ante o cenário educacional atual, contribuindo para a qualificação profissional dos seus alunos com base em uma concepção de ensino que extrapola a compreensão de educação profissional como mera preparação para a ocupação de cargos no mercado de trabalho.
Considerações finais
Neste trabalho, investigamos se a política de criação dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia, que já completou um decênio, conseguiu reduzir o distanciamento entre o ensino médio tradicional e a educação profissional. Essa dualidade é historicamente reconhecida e suas consequências são o esvaziamento de sentido do ensino tradicional e a vulgarização do ensino técnico (Kuenzer, 1997; Brasil. Inep, 2008). Para a realização desta investigação, analisamos o desempenho dos estudantes nas provas objetivas do Enem, articulado com algumas variáveis contextuais (o índice socioeconômico, a adequação de formação docente e as condições de trabalho docente).
Os resultados revelam que os alunos oriundos dos IF’s têm um desempenho muito semelhante ao dos estudantes das escolas privadas, porém com menor índice socioeconômico médio. Além disso, os IF’s são instituições com maior diversidade étnico-racial, especialmente em comparação às escolas privadas. Na tentativa de explicar o bom desempenho dos estudantes dos IF’s, apesar de o perfil socioeconômico dos seus discentes ser similar ao das instituições estaduais, constatamos que os docentes dos IF’s, em média, são mais bem formados e atuam em locais com melhores condições de trabalho. Considerando o fator prova de seleção, notamos que ele aparentemente não é o mais explicativo do sucesso dos estudantes dos IF’s no Enem.
Por fim, gostaríamos de destacar que outros trabalhos empíricos sobre o impacto dos IF’s na educação básica precisam ser desenvolvidos, especialmente analisando com mais aprofundamento a questão das provas de seleção. Apenas dessa forma, com expressivo número de investigações que apresentem o sucesso ou os avanços necessários, seremos capazes de enfrentar os movimentos de retrocesso causados por políticas pensadas a partir de interesses que não são o da qualidade e o da valorização da educação básica. Em relação especificamente a esta pesquisa, seria importante avançar no sentido de analisar casos mais particulares, em uma escala microssocial, a fim de encontrar elementos que promovam a redução do distanciamento entre o ensino técnico e o científico.