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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.70 Natal out./dez 2023  Epub 06-Mar-2024

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n70id34627 

Artigo

Pesquisas com os cotidianos da Educação: problematizações e invenções de mundos

Investigaciones con la educación cotidiana: problematizaciones e invenciones de mundos

Carlos Eduardo Ferraço1  2 

Prof. Dr. Carlos Eduardo Ferraço, Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco (Caruaru, Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea, Grupo de Pesquisa Currículos, Cotidianos, Culturas e Redes de Conhecimentos, E-mail: ferraco@uol.com.br


http://orcid.org/0000-0002-4019-591X

1Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil)

2Universidade Federal de Pernambuco (Brasil)


Resumo

O artigo objetiva problematizar o modelo de pesquisa em Educação que, ao supor uma realidade preexistente, com seus dados aguardando para serem coletados, enfatiza a necessidade de práticas descritivas, explicativas e/ou analíticas, nas quais a escrita, assumida como atestado de veracidade do acontecido, institui-se por meio de um autor-autoria dotado de uma consciência plena e fundadora, capaz de criar formas de representação da realidade. De modo diferente, apostamos em uma dimensão de pesquisa como devir, com destaque para as cartografias de conversas, que nos lança em meio às experimentações com os cotidianos e nos incentiva a seguir fluxos, a acompanhar processos e a nos enredar em movimentos de diluição dos sujeitos-rostidades, interessados que estamos muito mais nas poéticas das forças do habitável e nas reverberações dos acontecimentos, do que na defesa do protagonismo das identidades conscientes. Desse modo, o artigo defende uma aposta ético-estético-política para as pesquisas com os cotidianos como possibilidade de invenção de mundos mais plurais e inclusivos na Educação.

Palavras-chave: Pesquisa; Devir; Cartografia; Conversa

Resumen

El artículo tiene como objetivo problematizar el modelo de investigación en Educación que, al asumir una realidad preexistente, con datos a la espera de ser recolectados, enfatiza la necesidad de prácticas descriptivas, explicativas y/o analíticas, en las que la escritura, asumida como atestación de la veracidad de lo sucedido, se instituye a través de un autor-autoría dotado de una conciencia plena y fundante, capaz de crear formas de representación de la realidad. De otra manera, apostamos por una dimensión investigativa como devenir, con énfasis en las cartografías de conversaciones, que nos lanza en medio a experimentaciones con la cotidianidad y nos incentivan a seguir flujos, a acompañar procesos y a enredarnos en movimientos de dilución de sujetos-facialidades, interesados como estamos mucho más en la poética de las fuerzas de lo habitable y en las reverberaciones de los acontecimientos, que en la defensa del protagonismo de las identidades conscientes. De esta manera, el artículo defiende un compromiso ético-estético-político con la investigación de la vida cotidiana como posibilidad de inventar mundos más plurales e inclusivos em la Educación.

Palabras clave: Investigación; Devenir; Cartografía; Conversación

Abstract

The article aims to problematize the research model in Education, which, by assuming a pre-existing reality with its data waiting to be collected, emphasizes the need for descriptive, explanatory, and/or analytical practices. Writing, assumed as a certificate of the veracity of past events, is instituted through an author-authorship endowed with a full and founding consciousness, capable of creating forms of representation of reality. Differently, we believe in a dimension of research as becomingness, with emphasis on the mapping of conversations, which launches us into the midst of experiments with everyday life, and encourages us to follow flows and processes and to become entangled in dilution movements of subject-facialities. We are, however, much more interested in the poetics of the forces of the livable and in the reverberations of events than in the defense of the protagonism of conscious identities. In this way, the article defends an ethical-aesthetic-political commitment to research into everyday life as a possibility of inventing more plural and inclusive worlds in Education.

Keywords Research; Becomingness; Cartography; Conversation

Não me leias se buscas flamante novidade ou sopro de Camões. Aquilo que revelo e o mais que segue oculto em vítreos alçapões são notícias humanas, simples estar-no-mundo, e brincos de palavra, um não-estar-estando, mas de tal jeito urdidos o jogo e a confissão que nem distingo eu mesmo o vivido e o inventado. Tudo vivido? Nada. Nada vivido? Tudo (Andrade, 2013, p.5).

Sobre pesquisa, escrita-ficção e o apagamento do autor

Para iniciar a discussão do tema proposto, decidimos exercitar, com inspiração em Carlos Drumond de Andrade (2013), uma escrita urdida entre o vivido e o inventado, como temos feito nas produções das pesquisas que desenvolvemos com os cotidianos escolares (Ferraço, 2003) quando, então, não há a pretensão de a escrita ser caracterizada ou justificada nem como atestado de veracidade do acontecido nem como uma hipertrofia do eu (Roudinesco, 2022)1.

Pensando com Foucault (2008), a escrita que pretende alcançar o estatuto de verdade possui um caráter normalizador-normativo que, equivocadamente, busca dar sentido e coerência aos acontecimentos-acasos cotidianos que, muitas vezes, são contraditórios e insurgem à nossa revelia, mesmo quando queremos ter o controle de nossa vida. Para Deleuze e Parnet (2004, p.16), “A escrita não tem a sua finalidade em si própria, precisamente porque a vida não é algo pessoal. A escrita tem por finalidade a vida, através das combinações com quem joga.”

Em Diferença e repetição, Deleuze (2006, p.18) questiona: “[…] como escrever senão sobre aquilo que não se sabe ou que se sabe mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer”. Com isso o autor estimula-nos a pensar que, de fato, a escrita não tem a ver com o já sabido, mas com aquilo que ainda não sabemos. Nas palavras do filósofo “Só escrevemos na extremidade do nosso próprio saber, nessa ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância” (Deleuze, 2006, p.18).

Essa aposta em uma escrita-devir no lugar de uma escrita-representação ou de uma escrita-descrição implica pensar a pesquisa não como atributo da verdade ou resgate do vivido, mas como ficção, como invenção de outros possíveis de mundo exigindo o apagamento do sujeito-autor-pesquisador que julga poder descrever a veracidade da realidade. É Meirelles quem melhor nos ajuda a explicar:

A antigos ventos dei as lágrimas que tinha. A estrela sobe, a estrela desce… espero a minha própria vinda. (Navego pela memória sem margens. Alguém conta a minha história e alguém mata os personagens) (Meirelles, 1958, p.192).

Valendo-nos, mais uma vez, de Foucault (2006) em sua conferência O que é um autor? encontramos o questionamento da ideia de autor-autoria quando, por exemplo, ele recusa a escrita biográfica e defende o anonimato, tendo em vista que a noção de autor implicaria uma individualização, ou seja, a possibilidade de se afirmar um sujeito-autor dotado de uma consciência plena e fundadora.

Na defesa de seu ponto de vista, Foucault (2006) afirmava que na escrita não se tratava nem da manifestação ou exaltação do gesto de escrever, nem da fixação de um sujeito em uma linguagem, mas da abertura de um espaço onde o sujeito está sempre a desaparecer, tornando-se a vítima fatal do próprio ato de escrever. Para o autor, “A escrita está ligada ao sacrifício da própria vida. “A obra que tinha o dever de conferir a imortalidade passou a ter o direito de matar, de ser assassina de seu autor” (Foucault, 2006, p.36), como na poesia de Meireles:

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.

Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias no vento.

Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, - não

sei, não sei. Não sei se fico ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo: - mais nada

(Meirelles, 1958, p.192).

Alves (2015) infere que a questão O que é um autor?, posta por Foucault, ainda permanece em aberto, sobretudo se consideramos as mudanças no exercício da autoria promovidas pela internet e pelos meios digitais. Ao perguntar Afinal, o que restará da figura moderna do autor?, Alves, com base em Foucault, conclui:

Em suma, o autor deve ser compreendido como um modo de existência do discurso, uma figura especificada e habilitada a formular certos enunciados. O autor não se confunde com o sujeito em geral, que não passa, aliás, de uma abstração. Ao invés de um sujeito constante e uma consciência fundadora, Foucault convida-nos a pensar em formas contingentes de subjetivação ou de se tornar sujeito. O autor, nesses termos, é apenas uma especificação da função-sujeito, uma posição que o indivíduo pode ocupar no discurso e, assim, tornar-se sujeito, tomar a palavra e desempenhar um papel determinado. Ser autor é uma forma de especificar o ser sujeito, de funcionar como sujeito do discurso (Alves, 2015, p.87).

Se Foucault (2006) é quem nos ajuda a colocar sob suspeita a ideia de autoria em uma pesquisa com os cotidianos da Educação é Certeau (2011) quem, no texto História: ciência e ficção, ao pensar a história como prática, isto é, como historiografia, nos ajuda na defesa da impossibilidade de se ter uma escrita que pretenda representar a realidade, indo em direção à nossa crítica em relação àqueles/as pesquisadores/as que consideram ser possível reproduzir, em suas “coletas” de dados, os fatos como acontecidos na vida cotidiana. Para Certeau (2011), toda narrativa que pretenda relatar o que se passa ou o que se passou vai produzir algo de real, na medida em que baseia seu poder de autoridade no fato de se fazer passar pela testemunha do que é, ou do que foi, impondo-se por meio dos acontecimentos cotidianos da Educação dos quais se diz intérprete.

A partir de Certeau (2011), temos, então, que toda autoridade se alicerça no real de que, supostamente, ela é a declaração; é sempre em nome de um fato do real que se cria a adesão dos crentes. A historiografia adquire esse poder ao mesmo tempo em que apresenta e interpreta os fatos. Posto isso, pensando com o autor: o que o leitor poderia contrapor ao discurso que lhe diz o que é ou o que foi? Certeau (2011). Como responde Certeau, o leitor terá que aceitar a lei que se enuncia em termos de acontecimentos.

No entanto, o ‘real’ representado não corresponde ao real que determina sua produção. Ele esconde, por trás da figuração de um passado, o presente que o organiza […]. A operação em causa parece ser empreendida com bastante astúcia: o discurso torna-se crível em nome da realidade que, supostamente, ele representa, mas esta aparência autorizada serve, precisamente, para camuflar a prática que a determina. A representação disfarça a práxis que a organiza (Certeau, 2011, p.49).

Ainda confabulando com Certeau (1996), é possível perceber, sobretudo na escrita Caminhadas pela cidade, sua aposta tanto no que diz respeito ao apagamento da autoria quanto no que se refere aos limites da representação, sendo necessário que possamos desaprender a olhar. Ou seja, no lugar de um olhar que generaliza, porque olhado do alto, o autor propõe um olhar interessado no ínfimo, nos encontros e nos detalhes dos acontecimentos, à revelia com as surpresas da vida.

Nessa dimensão temporal de uma pesquisa acontecer em meio às redes da vida cotidiana, tornamo-nos amantes do acaso, fascinados pela vida cotidiana com suas linhas molares, moleculares e de fuga, com seus fluxos e suas formas, com suas experimentações, suas sutilezas, intimidades e acasos fazendo, de cada pesquisa, uma aventura do inusitado, como na poesia de Barros:

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

  • a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

  • b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer

  • c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

  • d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação

  • e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre 2 lagartos

  • f) Como pegar na voz de um peixe

  • g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.

etc.

etc.

etc.

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

Repetir repetir – até ficar diferente.

Repetir é um dom do estilo.

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis:

Elas desejam ser olhadas de azul –

Que nem uma criança que você olha de ave.

Lembro um menino repetindo as tardes naquele quintal (Barros, 1993, p.15).

Sobre devir e a busca por uma metodologia efêmera

Na produção de dados com os campos problemáticos que temos vivenciado em nossas pesquisas, tem sido necessário um exercício nada fácil de superar as práticas já consagradas nas pesquisas em Educação de tentar explicar, interpretar, representar, descrever, descortinar, elucidar, desvelar, decifrar, esclarecer, desocultar, desvendar entre outros verbos que denotam a possibilidade de uma realidade preexistente, preestabelecida, que existe de antemão com seus dados aguardando para serem coletados2.

Diferentemente das práticas meramente explicativas e/ou descritivas, apostamos em cartografias de conversas (Ferraço, 2018) que nos lançam em meio às aventuras com os cotidianos e nos incentivam a conversar, acompanhar processos, seguir fluxos e nos enredar e nos deixar levar e nos (des)assujeitar e nos(des)personificar e… e…, como tentativas de apagamento, de diluição dos sujeitos em suas identidades-rostidades-formas, interessados que estamos muito mais nas poéticas das forças do vivível e nas reverberações das experimentações e dos acontecimentos, do que na frágil defesa do protagonismo das identidades conscientes.

Deleuze e Parnet (2004, p.22) escreveram lindamente sobre a força da multiplicidade de uma vida: “Somos desertos, mas povoados de tribos, de faunas e de floras […]. O deserto, a experimentação sobre si próprio, é a nossa única identidade”. Fontes (2019), com sensibilidade e emoção, poetisa sobre essa condição de nos experienciarmos em busca de outros sentidos de vida, sem nunca pretender chegar ao fim:

Eu fui astronauta até ontem, até que me bateu esse medo de distância.

Hoje eu sou jardineiro, pés na terra em segurança.

Estou pensando em amanhã ser outra coisa, pois não quero jardinar no outono.

Quero ser férias, abraçar a preguiça e namorar o sono.

Fecha a janela e deixa eu dormir, até às doze eu sou criança.

Mês que vem eu sou bagunça – misturo meias, brinquedos, romance e esperança.

Queria mesmo era ser seu, e deixar de ser poeta, pois andei amando demais, e amar demais também cansa.

Não sou bom em esperar, troco o dia pela noite.

Vivi de sonhos muito tempo, fui astronauta até ontem (Fontes, 2019, p.28).

Também Certeau (1994), em sua escrita sobre a invenção do cotidiano, dedica-se a problematizar a lógica de análise que prioriza o sujeito-indivíduo tomado em sua identidade-rostidade, ou seja, o sujeito entendido como protagonista-consciente-de-seus-atos ou, ainda, o sujeito autocentrado dotado de uma consciência plena e fundadora ao dar ênfase ao anonimato das criações. Nas palavras do autor, “[…] é necessário voltar-se para a proliferação disseminada de criações anônimas e perecíveis que irrompem com vivacidade e não capitalizam” (Certeau, 1994, p.13).

Assim, no lugar de priorizar o sujeito-indivíduo-protagonista, Certeau (1994) dedica especial atenção aos modos de operação, às maneiras de fazer, aos esquemas de ação, às diferentes formas de marcar socialmente os desvios, às táticas-estratégias dos usuários, às redes de antidisciplina, às artes de dizer-fazer, entre outras dimensões da vida cotidiana, interessado que sempre esteve na busca por uma teoria das práticas cotidianas. Como pensava Certeau:

O exame das práticas não implica um regresso aos indivíduos. O atomismo social que, durante três séculos, serviu de postulado histórico para uma análise da sociedade supõe uma unidade elementar, o indivíduo, a partir da qual seriam compostos os grupos e à qual sempre seria possível reduzi-los […]. De um lado, a análise mostra antes que a relação (sempre social) determina seus termos, e não o inverso, e que, cada individualidade é o lugar onde atua uma pluralidade incoerente (e muitas vezes contraditória) de suas determinações relacionais. De outro lado, e sobretudo, a questão tratada se refere a modos de operação ou esquemas de ação e não e não diretamente ao sujeito que é o seu autor ou seu veículo (Certeau, 1994, p.37-38).

Ao trazerem o conceito de devir3, Deleuze e Guattari (2008, p.33) corroboram a discussão em tela ao afirmarem que “[...] devir e multiplicidade são uma e só coisa [...]” e, com isso, atribuem uma especial atenção aos fluxos e aos modos de composição, de expansão, de propagação, de ocupação e de contágio entre os sujeitos, assumidos como um emaranhado de linhas, em contraposição à visão que os toma a partir de suas individualidades-identidades. Nas palavras dos autores:

Uma multiplicidade não se define por seus elementos, nem por um centro de unificação ou de compreensão. Ela se define pelo número de suas dimensões; ela não se divide, não perde nem ganha dimensão alguma sem mudar de natureza […]. Se imaginamos a posição de um Eu fascinado, é porque a multiplicidade em direção à qual ele se inclina, acaloradamente, é a continuação de uma outra multiplicidade que o trabalha e o distende a partir de dentro. Tanto que o Eu é apenas um limiar, uma porta, um devir entre duas multiplicidades (Deleuze; Guattari, 2008, p.33).

Seguindo os rastros de Deleuze e Guattari (2008) em suas tentativas de pensar o Eu como um limiar, um devir de multiplicidades, encontramos, na beleza da poesia de Pessoa (1973), um alento para essa nossa condição de indeterminação e de uma busca incessante por tentar entender quem somos:

Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.

Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem achei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem,

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: Fui eu?

Deus sabe, porque o escreveu

(Pessoa, 1973, p.48).

Metodologias efêmeras e invenções de mundos

Coerente com o capítulo do discurso hegemônico da modernidade que celebra a afirmação do sujeito autocentrado e dotado de uma consciência plena, a pesquisa, que visa a representar a realidade, compartilha de um gênero discursivo que, pretensamente, busca dar coerência e linearidade às experimentações que acontecem com os cotidianos escolares que são descontínuos, fragmentados, múltiplos, rizomáticos e difusos. Sendo assim, diferentemente da perspectiva hegemônica moderna de se pensar-fazer pesquisa em Educação, temos apostado em uma atitude ético-estético-política com os cotidianos, a partir do que temos chamado de metodologia efêmera:

Desse modo, as pesquisas com os cotidianos se instituem como metodologias centradas fortemente nas vidas cotidianas e na valorização das ações de resistência e de sobre-vivência dos seus praticantes. Metodologias que se interessam pelas práticas, pelas artimanhas, pelas artes de dizer e de fazer. Metodologias que problematizam o que é feito, como é feito e por quem é feito.Nessas metodologias efêmeras com os cotidianos, assumimos que não existe um único, mas diferentes caminhos. Caminhos percorridos pelos praticantes com suas artes de fazer-dizer, que se mostram complexos, acidentais, plurais, multidimensionais, heterárquicos, imprevisíveis e fluidos. Que se abrem e se deixam contaminar, permanentemente, pelo mundo contemporâneo. Uma complexidade que não se esgota nunca e que, apesar de estar em todo lugar, não se deixa capturar. No máximo, ser vivida e com alguma dose de sorte, ser experienciada (Ferraço, 2003, p.103).

Com isso os processos experimentados nas metodologias efêmeras por ocasião de nossas pesquisas com os cotidianos das escolas forçaram-nos a pensar4 as dimensões de acaso e caos como potências de constituição-emergência do plano de imanência no campo problemático. Com Deleuze e Guattari (2001, p.68), pensamos que: “O plano de imanência toma do caos determinações, com as quais faz seus movimentos infinitos ou seus traços diagramáticos.”

Clareto (2011) ajuda-nos nessa discussão quando escreve sobre as relações entre pesquisa, conhecimento e verdade na produção de um campo problemático. Ao destacar a existência de uma narrativa da modernidade que cria um modelo de mundo das formas em que conhecer significa ter acesso às verdades desse mundo, a autora nos dá pistas para que possamos questionar a imagem de pesquisa-bolha, ou seja, da pesquisa que se pauta pela busca de certezas ao se lançar no mundo das luzes produzindo inteligibilidades em uma narrativa que descreve a criação da bolha como lugar do conhecimento verdadeiro e da segurança. Para Clareto, de acordo com esse modelo:

Fazer pesquisa é buscar conhecimentos, é produzir conhecimentos, sempre se pautando por regras estabelecidas pelo método investigativo. Assim, a pesquisa é regida por uma questão que pede resposta a um problema a ser resolvido. O que garante o sucesso da empreitada é o uso correto do método que se estabelece, a priori, como condição de se atingir a verdade daquela investigação. Morte do mistério, da dúvida (Clareto, 2001, p.18-19).

A pesquisa assim planejada quer destruir o labirinto onde prevalecem o caos das águas quentes-frias-claras-escuras, as incertezas e os acasos operando sempre com o ou: ou privilegia as águas sempre frias, ou sempre quentes, ou sempre claras, ou sempre escuras. Como observa a autora, “De preferência águas sempre-claras, translúcidas. Transparência total. E sempre-quentes. Conforto total” (Clareto, 2011, p.19).

No entanto, mesmo sendo formados e guiados pelo modelo de pesquisa-bolha-lugar-da-segurança, a autora nos estimula a questionar: e os processos que, em nossas pesquisas, resistem ao modelo representacional e escapam das previsões? Como assumir os acontecimentos cotidianos que são da ordem do acaso, do caos, da multiplicidade e da diferença? Para Clareto:

A representação se presta a esta categorização: ela purifica, reduz as formas a uma identidade. Mas existe aquilo que resiste à representação e insiste em uma condição de e: águas e quentes e frias e claras e escuras. Multiplicidade. Conflito. Agito na tranquilidade da bolha. Implosão da bolha? (Clareto, 2011, p.19).

As ideias de Clareto (2011) vão ao encontro de nossas apostas em metodologias efêmeras nas pesquisas com os cotidianos, quando substituem o ou das dicotomias pelo ee… que, como antecipado, nos forçam a não nos acomodar a uma representação confortável dos acontecimentos das escolas, estimulando-nos, como sugerem Deleuze e Guattari (2007), a situar-nos em meio às multiplicidades, aos fenômenos fronteiriços, às conversas, aos fluxos, às experimentações, porque é aí que a vida adquire velocidade.

Destituída dessa imagem de segurança, de busca da verdade, como a pesquisa se move? Pelo menos três possibilidades. Uma, continuamos presos à imagem da bolha e a perseguimos como a um ideal […]. Duas, ficamos à deriva neste mar indecifrável, selvagem, que não se submete à bolha nem à imagem da bolha […]. Três, a pesquisa se move no movente da pesquisa e se propõe não a resolver problemas, mas a problematizar; não se propõe a representar o mundo, mas inventá-lo. O que isso implica? Implica, talvez, na constituição de valores outros, de uma ética outra que se constitua na imanência das águas quentes-frias-claras-escuras. Sem imagens. Com o intempestivo. Sem representações. Com a multiplicidade (Clareto, 2011, p.19).

Defendemos, então, uma aposta de pesquisa que possa fluir no fluxo das águas e quentes e frias e claras e escuras… com os cotidianos das escolas, assumindo a dimensão de multiplicidade desses cotidianos e a criação em redes de teorias-práticas, de modo a potencializar a dimensão ético-político-estético-epistemológica dos acontecimentos das escolas. Pensamos que só assim será possível perceber as possibilidades de subversão dos mecanismos de controle que existem nesses cotidianos, tendo em vista que é nessa dimensão das micropolíticas cotidianas e dos fenômenos fronteiriços que são tecidos os possíveis do devir.

Ainda pensando com Clareto (2011), ao romper com o modelo de pesquisa que propõe solucionar problemas, seria preciso ir em direção a uma intenção metodológica que favorecesse a criação de movimentos de resistência pela sustentação do campo problemático afeto ao involuntário e às multiplicidades. Em nosso caso, buscamos nos esquivar não só das representações-rostificações que são frequentes nas pesquisas que almejam solucionar problemas, mas, sobretudo, das conclusões iluminista-prescritivas que, pretensamente, cumpririam a função de aprimorar as falhas-ausências detectadas com a produção dos dados. Para Clareto:

A pesquisa como solucionadora de problemas costuma proceder por caminhos que colocam o método em sua centralidade: bases teórico-metodológicas são evocadas para constituir aquilo que se chama de questão a ser investigada. Há que se ter uma questão para se realizar uma investigação […]. Empreendimento investigativo que carrega a questão como estandarte e as bases teórico-metodológicas como suporte do estandarte […]. Há uma busca por apontar caminhos, soluções, prescrições ou, no mais dos casos, críticas a situações vivenciadas em um campo empírico (Clareto, 2011, p.21).

Assim, na constituição do campo problemático, a intensidade dos movimentos e dos fluxos caóticos vividos na produção dos dados tem-nos imposto a necessidade de questionar não só os modelos de pesquisa herdados das ciências cartesianas mas, principalmente, colocar sob suspeita as amarras conceituais decorrentes de alguns desses modelos que insistem em reduzir os cotidianos das escolas a lugares de implantação, reprodução ou representação das políticas educacionais governamentais.

Como argumenta Clareto (2011), o sentido atribuído a problemático não se refere à resolução de problemas, a algo defeituoso nem a resultado duvidoso, mas se aproxima do pensamento deleuziano de acontecimento. Problemático como o que resiste ao modelo hegemônico, como aquilo que se metamorfoseia e não se deixa nem nomear nem capturar em sua complexidade.

O campo problemático é resistência: aos processos instituídos de pesquisa, aos modos-bolha de existir. Resistência precária submersa nas águas múltiplas. Resistência: existência monstruosa, híbrida […]. Existência no labirinto das águas. Experiência no labirinto. Sem saída. Sem entrada. Só entre […]. O problemático, enquanto acontecimento que se dá por meio de encontros, é estar nas águas. Não águas abstratas tratadas abstratamente, mas cada água em sua complexa multidão. Cada água em sua singularidade. Acontecimento. Inigualável, inequiparável. Singularidade. Invenção de si e do mundo (Clareto, 2011, p.223).

Nesse sentido, em nossas metodologias efêmeras, em meio às redes de conversas (Ferraço; Alves, 2018) que são produzidas nas pesquisas com os cotidianos escolares, dedicamo-nos a priorizar tentativas de aproximação-mobilização das diferentes situações vividas, assumindo a necessidade de pensar com os praticantes das escolas e não para ou sobre eles. Essa atitude de pensar-fazer com tem-nos levado à pista deixada por Certeau (1994, 1996), em termos de sua preocupação em estabelecer uma condição de empatia com os envolvidos na produção dos dados.

De fato, nos dois volumes de A invenção do cotidiano, Certeau (1994, 1996) usa a expressão fazer com buscando reforçar a importância de nos situarmos em meio ao que é vivido nos cotidianos, para que possamos, minimamente, compartilhar-conhecer o que está se passando nesses cotidianos. Nas palavras do autor:

A cultura ordinária oculta uma diversidade fundamental de situações, interesses e contextos, sob a repetição aparente dos objetos de que se serve. A pluralização nasce do uso ordinário, daquela reserva imensa constituída pelo número e pela multiplicidade das diferenças.

Conhecemos mal os tipos de operações em jogo nas práticas ordinárias, seus registros e suas combinações, porque nossos instrumentos de análise foram construídos para outros objetos e com outros objetivos. O essencial do trabalho de análise que deveria ser feito deverá inscrever-se na análise combinatória sutil, de tipos de operações e de registros, que coloca em cena e em ação um fazer-com, aqui e agora, que é um ato singular ligado a uma situação, circunstâncias e atores particulares (Certeau, 1996, p.341).

Esta busca por estabelecer uma proximidade com o Outro na pesquisa não resulta, como argumentado, em uma abordagem pessoal, individualista, mas vai ao encontro do que se passa entre as pessoas, isto é, privilegia as relações que são estabelecidas com os encontros, com as conversas, com os acontecimentos, com as experiências. Ou seja, interessam-nos as situações involuntárias, os acasos, os fenômenos fronteiriços (Deleuze; Guattari, 2007), e não as pessoas tomadas em suas identidades-rostidades, por entendermos que é, sobretudo, nesses fenômenos fronteiriços que a vida se reinventa.

Posto isso, defendemos como uma das principais maneiras de produção de dados, em nossas metodologias efêmeras em meio às pesquisas com os cotidianos, o uso de cartografias das redes de conversas que acontecem nos cotidianos das escolas. No texto Uma conversa, o que é, para que é que serve?Deleuze e Parnet (2004) afirmam que, em uma conversa, é muito difícil nos explicar. Para eles, as questões que surgem em uma conversa fabricam-se, ou seja, é como se tivessem vida própria, na medida em que não podem ser previstas como se soubéssemos, de antemão, o que dizer enquanto conversamos. Segundo os autores: “Uma conversa poderia ser isso. Simplesmente o traçado de um devir” (Deleuze; Parnet,2004, p.12-13). Devir é o que há de mais imperceptível. É um ato que só pode estar contido em uma vida e expresso em um estilo.

Deleuze e Parnet (2004) ajudam-nos, então, a pensar as conversas não como sistemas de representação e/ou de interpretação dos fatos ocorridos-vividos, mas como intensidades, multiplicidades, acasos e experimentações, que nos movimentam e nos arrancam de nossas supostas estabilidades-verdades. Neste ponto, faz-se necessário evocar, mais uma vez, os autores quando concluem que:

Há multiplicidades que não cessam de extravasar as máquinas binárias e que não se deixam dicotomizar. Existem em toda a parte centros, como multiplicidades de buracos negros que não se deixam aglomerar. Há linhas, que não se reduzem ao trajecto de um ponto, e que escapam à estrutura, linhas de fuga, devires, sem futuro nem passado, sem memória, que resistem à máquina binária (Deleuze; Parnet, 2004, p.38).

Com isso, podemos dizer que as conversas quando, de fato, acontecem, teriam essa potência de colocar sob suspeita nossos clichês-opiniões-verdades, empurrando-nos para os limites de nossas crenças-valores, ao nos forçar a pensar com outras referências os acontecimentos cotidianos. É como se estivéssemos, durante as conversas, vivendo, sempre, questões que insurgem em meio às linhas de multiplicidades que nos compõem.

Assim, a partir desses autores, podemos inferir que uma conversa é sempre um exercício do pensamento que difere, é acontecimento, é negociação, é experiência. Conversar tem o sentido de insurgir e crescer pelo meio, como em um rizoma. Ainda nesse sentido, ao afirmar que uma conversa é diferente de um debate pré-formatado entre especialistas, os autores concluem: “[Em uma conversa], há apenas ‘intermezzos’, ‘intermezzi’, como focos de criação” (Deleuze; Parnet, 2004, p.38).

A pesquisa com os cotidianos e a necessidade de estar na hora do mundo

O uso de cartografias de conversas em metodologias efêmeras nas pesquisas com os cotidianos se afirma, então, como uma aposta ético-estético-política na qual a diferença (Deleuze, 2006) se institui como fluxo incessante e expansivo, contaminando os praticantes das escolas na criação de outras poéticas da existência, afirmando a política como experimentação ativa (Deleuze; Parnet, 2004), e a arte como o que resiste à morte, à servidão, à infâmia e à vergonha (Deleuze, 2000), favorecendo, assim, a produção de mundos onde caibam muitos mundos. Pensando com Deleuze:

Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo que pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volumes reduzidos. É o que você chama de pietás. É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo (Deleuze, 2000, p.218).

Esta aposta em voltar a acreditar no mundo, evocada por Deleuze (2000), não tem nada a ver com uma atitude individual de um salvador, uma ação protagonizada por um sujeito autorreferenciado, idealizado como aquele a quem devemos seguir. Ao contrário, trata-se de um efeito de forças coletivas que transbordam os limites dos diferentes tipos de controle e assujeitamento cada vez mais presentes nas sociedades contemporâneas.

Sem fortes laços afetivos e sociais, sem compromissos ético-políticos que nos envolvam e nos articulem, sem histórias comuns, ficamos à deriva de nossa própria sorte e cada vez mais fragilizados em nossa solidão. Isolados e desamparados, tornamo-nos vulneráveis à propaganda totalitária, tornamonos presas fáceis do poder fascista.

Voltando a pensar com Deleuze e Guattari (2008, p.73), “[…] devir todo mundo, fazer do mundo um devir, é fazer mundo, é fazer um mundo, mundos, isto é, encontrar suas vizinhanças e suas zonas de indiscernibilidade”. Portanto, faz-se urgente pensar o Cosmo como máquina abstrata e cada um dos mundos como agenciamentos concretos que os efetuam. Nas palavras dos filósofos, seria necessário:

Reduzir-se a uma ou várias linhas abstratas, que vão continuar a conjugar-se com outras, para produzir imediatamente, diretamente, um mundo, no qual é o mundo que entra em devir e nós nos tornamos todo mundo […]. Estar na hora do mundo. Eis a ligação entre imperceptível, indiscernível, impessoal, as três virtudes. Reduzir-se a uma linha abstrata, um traço, para encontrar sua zona de indiscernibilidade com outros traços e entrar, assim, na hecceidade como na impersonalidade do criador (Deleuze; Guattari,2008, p.73-74).

Essa incessante busca pela condição de multiplicidade, de movimento em nossas existências, exige, como defendem os autores, que estejamos na hora do mundo e, com isso, eliminar tudo o que é semelhança, analogia, mas também tudo colocar.

E, ainda, com as nossas pesquisas em Educação, buscar eliminar o que excede o momento e, com uma dose de acaso, “[…] se é como capim, fazendo de todo mundo um devir, porque um mundo necessariamente comunicante, porque se suprimiu de si tudo o que impedia de deslizar entre as coisas, de irromper no meio das coisas” (Deleuze; Guattari, 2008, p.74).

Queremos terminar afirmando, mais uma vez, a potência das pesquisas em Educação e seus desdobramentos nos cotidianos das escolas como uma possibilidade de luta contra as desigualdades e, ainda, como uma forma de esperança na invenção de mundos outros, o que tem nos ajudado a seguir em frente e a decidir por continuar resistindo em busca de uma vida bonita como queria Foucault. Acreditar no mundo, decidir por uma vida bonita e buscar estar na hora do mundo tem sido uma aposta que tentamos levar adiante. Toda vez que pensamos em desistir, vamos em busca de Quintana:

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas!

Quando se vê, já é sexta-feira!

Quando se vê, já é natal…

Quando se vê, já terminou o ano…

Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.

Quando se vê passaram 50 anos!

Agora é tarde demais para ser reprovado…

Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…

Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…

E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.

Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.

A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará (Quintana, 2015, p. 79).

Notas

1Ao questionar a designação identitária, a partir da ideia de derivas identitárias, Roudinesco (2022, p. 10) infere que “[…] cada um tenta ser si-mesmo como um rei, e não como um outro”, apontando para a necessidade de reforçar a existência de uma identidade universal, que é múltipla e inclui o estrangeiro.

2Aproximamo-nos de Deleuze e Guattari (2001, p.13), quando disparam: “[…] os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos […]. Os conceitos não nos esperam inteiramente feitos, como corpos celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou antes criados”.

3Os devires são atos que só podem estar contidos em uma vida e expressos num estilo (Deleuze; Parnet, 2004). Para Deleuze e Guattari (2008b, p.91), “O devir não produz outra coisa senão ele próprio […]. Um devir está sempre no meio, só se pode pegá-lo no meio. Um devir não é um nem dois, nem relação de dois, mas entre-dois, fronteira ou linha de fuga, de queda perpendicular aos dois”.

4 Deleuze (2006, p.209-210) defende que: “O pensamento só pensa coagido e forçado, em presença daquilo que 'dá a pensar', daquilo que existe para ser pensado – e o que existe para ser pensado é do mesmo modo o impensável ou o não pensado, isto é, o fato perpétuo que 'nós não pensamos ainda’”.

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Recebido: 16 de Novembro de 2023; Aceito: 12 de Dezembro de 2023

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