1 Introdução
A produção científica brasileira que investiga a política para a escolarização dos alunos da Educação Especial5 e suas características tem sido expressiva nos últimos anos (Ferreira & Bueno, 2011; Baptista & Pedó, 2013). Como se verá neste artigo, essa produção busca compreender e desvendar diferentes aspectos desse processo. A partir de questionamentos suscitados pela leitura desses trabalhos, este artigo objetiva analisar possíveis mudanças de perspectivas na política pública de educação brasileira direcionada a essa população entre 1974 e 2014. No ano de 1974, é elaborado o primeiro levantamento que se tem conhecimento sobre dados de escolaridade do aluno da Educação Especial no Brasil (Ministério da Educação [MEC], 1975a; 1975b). O ano de 2014 refere-se ao fim do primeiro governo de Dilma Rousseff, possibilitando a análise de certos ciclos.
Para o desenvolvimento do trabalho, foram consultados documentos e dados disponibilizados pelo Ministério da Educação brasileiro, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Esse material foi analisado com interlocução da literatura sobre educação especial/inclusiva e política educacional, sob a perspectiva de que a política educacional é parte do conjunto de políticas sociais (Azevedo, 2008) que, de modo mais evidente a partir da promulgação de 1988, são concebidas e implantadas na tensão entre diferentes forças: das entidades em defesa dos espaços públicos, das instituições não governamentais e de organismos internacionais, dentro de contingências de cada momento histórico e das restrições econômicas no período (Koerner, 2003).
Relativamente aos dados oficiais, é necessário esclarecer que órgãos da estrutura do Estado coletam dados e produzem estudos estatísticos, reunindo informações sobre um conjunto de unidades de observação. Neste trabalho, recorremos aos levantamentos estatísticos, sinopses estatísticas e resumos técnicos entre 1974 e 2014 e aos microdados obtidos pelo Censo Escolar da Educação Básica (MEC/INEP), entre 2007 e 2014. Advertimos que, no decorrer do período estudado, as formas de coletas de dados empreendidas e as categorias utilizadas pelos órgãos federais foram alterando-se e tornando-se mais complexas, de modo a tentar atender às demandas de cada circunstância histórica e social. Assim, nem todos os dados disponíveis em um período estão em outro, o que impede a obtenção de uma série histórica completa e realização de sua análise integral. Também, é possível haver diferenças de informações em um mesmo ano, a depender da fonte com a qual se trabalha, por exemplo, se diretamente com microdados do Censo Escolar ou com informações geradas na plataforma Data Escola Brasil do INEP. A considerar esses aspectos, mesmo correndo o risco de inadequações, desenvolvemos algumas análises comparativas entre as épocas.
Cabe ainda esclarecer que, embora este artigo apresente dados originais, trata-se de um trabalho que se propõe a olhar uma realidade já estudada pela área, com a intenção de formar um panorama do movimento da escolarização dos alunos da Educação Especial no Brasil entre o final de século XX e início do XXI.
2 A criança "da educação especial" aparece como aluno na escola brasileira
O levantamento realizado em 1974 intitula-se "Educação Especial" e é composto de dois volumes. O primeiro apresenta "Dados estatísticos" até aquela data (MEC, 1975a) e o segundo é o "Cadastro Geral dos estabelecimentos do ensino especial" (MEC, 1975b). A obra foi uma realização do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) e do serviço de Estatística da Educação e Cultura (SEEC) e se apresenta como um "trabalho pioneiro em termos de conhecimento e análise da realidade educacional da criança excepcional", que "traça um roteiro informativo completo das instituições públicas e particulares, que formam a rede de serviços prestados a educandos excepcionais" (MEC, 1975b, n.p.) e que intenciona assegurar definitivamente a Educação Especial no sistema estatístico do Ministério da Educação (MEC, 1975a).
Segundo esses registros, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em atividade desde finais do século XVI, proporcionaria atendimento a pessoas com deficiência física (MEC, 1975b, p. 142). No entanto, como bem adverte Bueno (1991), não é possível saber se nesse espaço institucional realmente ocorria escolaridade a essa população e nem em outros espaços registrados até meados do século XX. Isso se deve a, ao menos, dois motivos: até o final da década de 1980, documentos oficiais registravam o atendimento de reabilitação como parte do processo educacional para uma parcela específica da população (Portaria Interministerial nº 186, 1978). Outro aspecto refere-se ao fato de que não há informações se as datas cadastradas se referem ao ano em que o atendimento especializado teve início ou ao de fundação dos estabelecimentos (que podem não ser os mesmos).6
Conhecimentos mais precisos sobre a escolarização dessas crianças no país são possíveis pelos esforços de pesquisadores que passam a se dedicar sobre esse tema a partir do final do século XX. Trabalhos como os de Lemos (1981), Jannuzzi (1985) e Bueno (1991), além do mérito da originalidade da temática em que se envolveram, abriram caminhos para que outros pesquisadores pudessem se ater a aspectos mais específicos da história da Educação Especial no país (Müller, 1998; Rafante, 2006; Jannuzzi & Caiado, 2013), um tema em construção.
Esses trabalhos possibilitam dimensionar o problema de acesso à escola no Brasil até meados do século XX, já que esta era um espaço distante para uma grande parcela da população brasileira e não apenas a pessoas com deficiência. O processo de industrialização do país e as mudanças na organização urbana daí decorrentes trazem impactos evidentes para a política educacional. Observa-se, no período, a ampliação do número de escolas, alunos e de cobertura educacional (Ribeiro, 1979), especialmente a partir da década de 1970, quando a escolaridade obrigatória passa de quatro (o primário) para oito anos (o 1º grau), em 1971.
Jannuzzi (2004) evidencia a perspectiva adotada à época, que relaciona diretamente educação e setor produtivo e fundamenta e dirige os olhares para a educação das pessoas com deficiências. A base é a Teoria do Capital Humano presente no dimensionamento da política educacional e demais políticas públicas brasileiras. O atendimento especializado para alunos com deficiências é entendido como serviço à disposição da população. À época foram dispostas diferentes modalidades: Escola Empresa, Creche, Oficina Protegida, Oficina Pedagógica, Centro Ocupacional, Hospital-dia, Clínica de Orientação, Clínica, Hospital, Centro de Reabilitação, Escola Especial, Ensino Regular. Em 1974, havia ainda registro de matrículas em "outras modalidades" não identificadas (MEC, 1975a).
Cabe relembrar que, na década anterior, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Nº 4.024/ 1961) já considerava crianças excepcionais como parte de seu quadro de alunos, indicando o conhecimento no Brasil de mudanças importantes no cenário internacional em relação a essa população.7 Como já analisado (Jannuzzi, 1985; Ferreira, 1993), a legislação brasileira previa o encaminhamento de alunos excepcionais à programação clínica e/ou educacional, a partir de um prognóstico construído com base em um diagnóstico psicopedagógico (Portaria Interministerial Nº 186, 1978). O registro de espaços como hospital-dia, clínica de orientação, hospital, centro de reabilitação como "educação especial" é indicativo dessa perspectiva terapêutica. Outro aspecto a ser ressaltado na obra publicada em 1975 é que "Ensino Regular" se refere à situação em que o aluno frequenta qualquer tipo de atividade nas escolas "regulares" (ou comuns), seja esse espaço a classe especial, a classe comum com apoio ou a sala de recursos.
Os atendimentos em Educação Especial passaram a estar presentes nas diferentes redes de ensino para atender aos encaminhados para classes especiais, serviços de apoio pedagógico, salas de recursos, entre outros, demanda esta ampliada devido à expansão da escolaridade obrigatória e às decorrências de sua inadequação (Schneider, 1977; Patto, 1990). Nos anos subsequentes, as classes especiais constituíram-se, em grande parte, em espaços de exclusão escolar (Paschoalick, 1981; Ferreira, 1993).
3 Os espaços possíveis da educação especial
Na década de 1980, há a continuidade de ampliação da rede de ensino para cumprimento de sua universalização (Núcleo de Estudos de Políticas Públicas [NEPP], 1988). Esse movimento fortalece-se com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabelece um conjunto de direitos sociais de acesso universal, e, na década de 1990, com os compromissos assumidos pelo país na Conferência de Jontiem em 1990 e com a assinatura da Declaração de Nova Delhi de 1993.
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002) inicia após a divulgação da Política Nacional de Educação Especial (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, 1994), que especificava as modalidades: atendimento domiciliar, classe comum, classe especial, classe hospitalar, centro integrado de educação especial, escola especial, oficina pedagógica, professor de ensino itinerante, sala de recursos e sala de estimulação precoce para atendimentos educacionais especializados. Com essas modalidades, o quadro de turmas e matrículas no início desse governo foi o seguinte:
No total, em 1996, foram registradas 291.521 matrículas de alunos da Educação Especial para uma população geral de 44.584.650 estudantes da pré-escola e dos atuais Ensino Fundamental e Médio, o que significava aproximadamente 0,65 das matrículas gerais. Em relação aos níveis de ensino, as matrículas estavam divididas em: 78.948 (39,25%) na Educação Infantil, 118.575 (58,95%) no 1º grau (atual Ensino Fundamental) e 3.619 (1,80%) no 2º grau (atual Ensino Médio), sendo o total nessas etapas de 201.142 matrículas8 (Rebelo, 2016).
Em 1998, o Governo Federal divulga o alcance de 95,8% de cobertura de matrículas de crianças entre sete e 17 anos na escolaridade obrigatória (Durham, 1999), superando a meta mínima de 94% de cobertura a essa população estabelecida no Plano Decenal de Educação (MEC, 1993). O crescimento da rede escolar e a implantação do conjunto das políticas sociais previsto na Constituição de 1988 ocorrem sob uma vertente neoliberal, com focos específicos em ações de atendimento à pobreza (Sader & Gentili, 1999). Nesse panorama, o Brasil assume as diretrizes da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, em Salamanca, e o Marco de Ação com a necessidade de escolarizar todas as crianças, inclusive aquelas com dificuldades mais severas, e dirige a atenção para as escolas comuns. Das diretrizes dispostas nos documentos de 1994, ressaltamos:
[…] personas con necesidades educativas especiales deben tener acceso a las escuelas ordinarias, que deberán integrarlos en una pedagogía centrada en el niño (p. viii) […] la escuelas ordinarias proporcionan una educación efectiva a la mayoría de los niños y mejoran la eficiencia y, en definitiva, la relación costo-eficacia de todo el sistema educativo (p. ix) […] La puesta en común de los recursos humanos, institucionales, logísticos, materiales y financieros de los distintos servicios ministeriales (educación, salud, bienestar social, trabajo, juventud, etc.), las autoridades territoriales y locales y otras instituciones especializadas es un media eficaz de obtener el máximo provecho. Para combinar los criterios educativos y sociales sobre las prestaciones educativas especiales se requerirán estructuras de eficaces que favorezcan la cooperación de los distintos servicios en el plano nacional y local y que permitan la colaboración entre las autoridades públicas y los organismos asociativos (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 1994, p. 42).
Esses trechos, considerados nas contingências históricas e econômicas no Brasil na década de 1990, possibilitam o entendimento de que o projeto de incorporar todas as crianças na educação é totalmente compatível à universalização do ensino obrigatório já assumida pelo país, ou seja, esse compromisso não acarreta, necessariamente, novas ações; e, de que, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a forma de administração pública implantada (Reforma do Aparelho de Estado) previa o incentivo de acordos e convênios (denominados de parcerias) com instituições privadas sem fins lucrativos (processo de publicização).9 Por esse processo, instituições de caráter privado assistencial, consideradas na proposição da política de Educação Especial do regime militar como parte da rede de serviços prestados (MEC, 1975b; Pires, 1974), permanecem com o mesmo estatuto. Ainda, a preocupação com a relação costo-eficacia ou custo-benefício (como utilizada no Brasil) é totalmente coerente à perspectiva de contenção e direcionamento de recursos do modelo neoliberal adotado nesse governo (R. T. C. Oliveira, 2003).
Nesse ínterim, há uma mobilização das instituições especializadas, com o protagonismo da Confederação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES), para a elaboração e a implantação de um projeto pedagógico para suas escolas especializadas, a APAE Educadora, de modo a adequarem-se às exigências legais e normativas do período, assumindo a educação escolar como eixo central de suas ações (Meletti, 2006). Dessa forma, essas instituições são consideradas como instituições educacionais e a população atendida continua na condição de aluno para efeito do Censo Escolar e recebimento de possíveis recursos do Ministério da Educação.
Ao findar essa administração, o governo de Lula (2003 - 2010) recebe o seguinte quadro de estabelecimentos que registram matrículas de alunos da Educação Especial:
As formas de organização e de exposição de dados pelo Governo Federal, dispostas nas Tabelas 1 e 2, não são as mesmas, já que, em 1996, foi registrada a informação de "turmas por modalidades de atendimento" e, em 2002, de "estabelecimento por modalidade de atendimento". Esse fato, a princípio, impediria uma comparação entre o início e o fim do mandato de Fernando Henrique Cardoso, já que um estabelecimento poderia ter funcionando mais de uma turma de classe especial ou sala de recurso. No entanto, considerando o número de 11.167 turmas de classes especiais, em 1996, e de 4.386 estabelecimentos com classes especiais em funcionamento, em 2002, levantamos a hipótese de que, no período, houve diminuição de espaços públicos para atender a alunos da Educação Especial e essa diminuição refere-se ao fechamento dessas classes em escolas estaduais. Dados que sustentam essa hipótese também estão presentes em Rebelo (2016), quando compara o número de estabelecimentos de Educação Especial entre o início e fim do governo FHC, por dependência administrativa.
Número de turmas por modalidade de atendimento educativo | ||||||
Total | Sala de recursos | Oficina pedagógica | Clas. comum c/ apoio especial. | Classe especial | Educação precoce | Outros |
29.533 | 4.058 | 3.613 | 1.436 | 11.167 | 1.785 | 7.474 |
% | 13,74 | 12,24 | 4,86 | 37,81 | 6,05 | 25,30 |
Número de alunos matriculados por modalidade de atendimento educativo | ||||||
Total | Sala de recursos | Oficina pedagógica | Clas. comum c/ apoio especial. | Classe especial | Educação precoce | Outros |
291.521 | 43.556 | 38.730 | 13.476 | 106.420 | 15.623 | 73.716 |
% | 14,94 | 13,30 | 4,63 | 36,50 | 5,35 | 25,28 |
Fonte: Rebelo (2016), com base em Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais [INEP] (1998).
Obs.: Quando um aluno é atendido em mais de uma modalidade, ele é registrado em cada uma das modalidades.
Total* | Classe especial |
Sala de recursos |
Escolas especiais |
C.C. com alunos da EE |
---|---|---|---|---|
29.451 | 4.386 | 4.662 | 2.409 | 17.994 |
Fonte: Rebelo (2016).
*Um mesmo estabelecimento poderia apresentar um ou mais tipos de atendimento especializado.
Na Tabela 3, podem ser verificadas as alterações detalhadas de número de estabelecimentos, sob os diferentes setores administrativos, no período: a diminuição geral dos estabelecimentos públicos (de 5.181 para 4.769) e o crescimento dos privados (de 1.132 para 2.026). Dentre a diminuição das instituições públicas, excetua-se o crescimento do número das instituições municipais, provavelmente impulsionado pelo processo de municipalização da educação fundamental e por implantação de salas de recursos, já que, na Tabela 2, é possível verificar o possível crescimento do número dessas salas (de 4.058 turmas em estabelecimentos em 1996 para 4.662 estabelecimentos com esse espaço em 2002). Em relação às instituições exclusivamente de Educação Especial, em 2002, havia 2.409 instituições (quarta coluna da Tabela 2), sendo 1.950 de caráter privado (Rebelo, 2016). Das 459 sob a administração pública, 2 eram federais, 186 estaduais e 271 municipais (Rebelo, 2016).
ANO | Total | Federal | % | Estadual | % | Municipal | % | Públ. | % | Part./privada | % |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1996 | 6.313 | 6 | 0,1 | 3.919 | 62,07 | 1.256 | 19,90 | 5.181 | 82,07 | 1.132 | 17,93 |
2002 | 6.795 | 3 | 0,05 | 2.449 | 36,04 | 2.317 | 34,10 | 4.769 | 70,19 | 2.026 | 29,81 |
Fonte: Rebelo (2016).
Obs.: O mesmo estabelecimento pode oferecer mais de um nível/modalidade de ensino. Nas sinopses, "estabelecimentos de Educação Especial" correspondem a instituições com matrículas de alunos com deficiência.
No final desse mandato, não há registros de estabelecimentos, turmas ou matrículas em educação precoce, oficinas pedagógicas ou outro tipo de atendimento especializado. Tais referências indicam o cumprimento da meta de "encolhimento" da ação pública estatal, segundo as prescrições da reforma administrativa do Estado nesse governo. A diminuição dos espaços públicos especializados ocorre a despeito do crescimento do número de matrículas de alunos da Educação Especial em diferentes estabelecimentos educacionais, como poderá ser verificado na Tabela 4: Em 1996, havia 291.521 matrículas desses alunos e, em 2002, esse ciclo encerra-se com 448.601 matrículas. Comparando as 106.420 matrículas em classes especiais, em 1996, com as 78.353 de 2002, é possível verificar a diminuição de registros nessa modalidade, sustentando as análises anteriores e reforçando a hipótese de fechamento das classes especiais. Registra-se, também, a diminuição percentual de matrículas desses alunos em classes comuns, em relação ao total de matrículas de alunos da Educação Especial (de 31,1% a 24,8%).
Ano | Matrículas da Educação Especial | Matr. Pop. geral | % | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Classes comuns | Classes especiais | Escolas exclusivas | Total matr. alunos da EE (A) | |||
N | N | N | Total (B) | (A: B) | ||
1996 | 90.379* | 106.420 | 94.722** | 291.521 | 44.584.650 | 0,65 |
2002 | 110.704 | 78.353 | 259.544 | 448.601 | 54.716.609 | 0,81 |
Fonte: Elaboração própria com base nas Sinopses Estatísticas do Censo Escolar MEC/INEP.
*Matrículas em classes comuns estão somadas a outros tipos de atendimento, como classe comum + sala de recursos.
**Nos dados referentes ao ano de 1996, os números de matrículas em "classes especiais" e "escolas especiais" não estão desagregados. Dessa forma, chegamos ao total de matrículas em escolas especiais, subtraindo do total de matrículas, os valores de matrículas em Classes Comuns e Classes Especiais.
Outro aspecto ainda chama atenção. Trata-se do aumento de matrículas em escolas especiais, das prováveis 94.72210 matrículas, em 1996, para 259.544, em 2002. Uma hipótese possível para essa alteração é que a falta de registro das outras formas de atendimento (atenção precoce, oficinas pedagógicas, etc.) pode significar de fato o encerramento desses espaços, que pode ter impulsionado a procura por escolas especiais.
Em 2003, inicia-se o governo Lula e, com ele, a implantação do Programa de formação por multiplicadores para educadores - Educação inclusiva: direito à diversidade. Na sequência, um conjunto de outras ações foi implementado com o foco central de garantir a matrícula e a frequência de todos os alunos na escola. Grande parte desses programas iniciou suas ações em 2007, último ano em que o número de matrículas de alunos da Educação Especial foi maior em espaços considerados exclusivos no Brasil. A partir de 2008, o número de matrículas em classes comuns passa a superar os outros espaços.
O Programa Educação inclusiva: direito à diversidade é reconhecido pelo governo posterior (de Dilma Rousseff) como o marco inicial da educação inclusiva no país, que possibilitou "a construção de uma nova política de educação especial que enfrenta o desafio de se constituir, de fato, como uma modalidade transversal desde a educação infantil à educação superior" (MEC, 2016, p. 9).
Em 2003, os registros sobre os atendimentos especializados já estavam reduzidos a matrículas em classes e escolas especiais, salas de recursos e em salas comuns. No fim desse governo, em 2010, o quadro de estabelecimentos que atendem a alunos da Educação Especial é o seguinte:
Total | Classe especial | Sala de recursos | Escolas especiais | Classes comuns com alunos EE |
---|---|---|---|---|
114.467 | 2.919 | 24.299 | 2.159 | 85.090 |
Fonte: Rebelo (2016).
Os números no final do mandato do governo Lula indicam claramente a posição tomada de sua política educacional: a continuidade da diminuição de estabelecimentos do tipo classe especial (de 4.386, em 2002, para 2.919, em 2010), o aumento significativo das salas de recursos (de 4.662 para 24.244) e dos estabelecimentos de educação comum com alunos da Educação Especial (de 17.994 para 85.090). O fato "novo" é a diminuição das escolas especiais (de 2.409 para 2.159). A diretriz dessa política revela-se também nas matrículas durante esse período: das 110.704 matrículas em classes comuns, em 2002, passa-se a 484.332; em 2010, das 78.353 matrículas em classes especiais, vai-se para 46.255; das 259.544 em escolas especiais, em 2002, têm-se 172.016 matrículas, em 2010. Com esses registros, o governo Lula conclui seu mandato considerando a política de educação inclusiva brasileira como bem-sucedida.
O governo de Dilma Rousseff (2011 - 2014) inicia suas ações com o quadro da Educação Especial definido dentro do que é chamado de perspectiva da educação inclusiva. Em seu mandato, são aprovados decretos e leis que articulam programas já em funcionamento e outros são criados, de modo a instituir uma estrutura de sustentação às ações já em execução e assegurar legalmente a continuidade da política iniciada em 2003: Em 2011, é aprovado o decreto Nº 7.612, que Institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Plano Viver sem Limite); em 2012, a Lei Nº 12.764, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), Lei Nº 13.146. Em 2014, tem-se o seguinte quadro da Educação Especial:
Estabelecimentos com Educação Especial | |||||||||
Ano | Classes comuns | Sala de recursos | Classes especiais | Escolas exclusivas | Total mat. gerais Ed. Básica | ||||
2014 | 103.473 | 68.642* | 1.803 | 2.024 | 175.942 | ||||
Ano | Matrículas da Educação Especial | Matrículas da população em geral | % | ||||||
Classes comuns | Classes especiais | Escolas exclusivas | Total (A) | ||||||
% | N | % | N | % | N | Total (B) | (A: B) | ||
2014 | 78,8% | 698.768 | 3,0% | 27.004 | 18,2% | 161.043 | 886.815 | 49.771.371 | 1,78 |
Fonte: Elaboração própria com base na Sinopse Estatística da Educação Básica MEC/INEP e microdados do Censo Escolar.
*Aqui é um caso em que, na Plataforma Data Escola Brasil, para o ano de 2014, obtém-se o número de apenas 24.252 escolas com salas de recursos em funcionamento.
4 A educação especial nos últimos 40 anos
Na proposição de olhar os últimos 40 anos de Educação Especial, podemos desenvolver análises entre os diferentes períodos. Uma categoria a ser comparada é a modalidade de atendimento, que possibilita que sejam verificadas as formas de atendimento em funcionamento no período.
A Tabela 7 mostra que, até o início do governo de Fernando Henrique Cardoso, se registrava um crescimento contínuo de diferentes modalidades de estabelecimentos com matrículas de Educação Especial. A partir do final desse governo, há o crescimento de números de salas de recursos e de classes comuns com matrículas de Educação Especial e a diminuição de classes e escolas especiais e o desaparecimento de registro de outros tipos de estabelecimento. Essas informações evidenciam que os rumos adotados, explicitamente a partir de 2003, já estavam implícitos na política anterior (1995-2002).
Ano | Ed. precoce | Classe especial | Sala de Recursos | Of. Ped. | Atend. Itinerante | Outras | Escola Empresa | Escola Especial | C.C. alunos EE |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1974 | * | 1.448 | 92 | 118 | 187 | 191 | 3 | 630 | 441 |
1988 | * | 3.864 | 1.096 | 746 | 437 | 474 | 39 | 1.041 | 480 |
1996** | 1.785 | 11.167 | 4.058 | 3.613 | - | 7.474 | - | * | 1.436 |
2002 | - | 4.386 | 4.662 | - | - | - | - | 2.409 | 17.994 |
2010 | - | 2.919 | 24.299 | - | - | - | - | 2.159 | 85.090 |
2014 | - | 1.803 | 68.642 | - | - | - | - | 2.024 | 103.473 |
Fonte: Elaboração própria com base nas Sinopses Estatísticas da Educação Especial e Educação Básica.
*Indica a existência de estabelecimentos pela existência de dados de matrículas, mas não foram encontrados dados de números de estabelecimentos dessas modalidades.
**O ano de 1996 registrou o número de turmas e não de estabelecimentos, e cada estabelecimento poderia ter mais que uma turma.
Outra possibilidade é dividir os estabelecimentos por responsabilidade administrativa: se pública ou privada e se pública, se federal, estadual ou municipal. Nesse caso, a atenção recai para o investimento de recursos para a Educação Especial.
Relativamente à divisão por administração dos estabelecimentos, chama atenção o movimento entre os números de instituições públicas e privadas (ou particulares, como eram denominadas até 1988). Dentre as públicas, é evidente a diminuição de instituições sob as administrações federais e estaduais do período que vai da promulgação da Constituição Federal, em 1988, ao término da gestão de Fernando Henrique Cardoso (2002). Nesse período, sobem os números das instituições educativas municipais e privadas (particulares), respondendo, como apontado anteriormente, aos processos de municipalização e de publicização. Nas gestões seguintes, o número de estabelecimentos volta a subir sob todas as formas administrativas, período que corresponde à intensificação de matrículas de alunos da Educação Especial nas escolas comuns, independentemente do crescimento das instituições privadas que recebem alunos da Educação Especial. O crescimento do número de estabelecimentos sob as administrações federal, estadual e municipal indica a volta de investimento no setor público, que havia diminuído entre 1988 e 2002.
Em relação às instituições privadas, é interessante notar que o número de escolas especiais caírem (Tabela 7) e o número de estabelecimentos privados aumentarem (Tabela 8) podem ser indicativos de aumento de frequência de alunos da Educação Especial em escolas regulares (/comuns) privadas (/particulares).
Ano | Federal | Estadual | Municipal | Privada/Particular |
---|---|---|---|---|
1974 | 12 | 1654 | 115 | 581 |
1988 | 52 | 4112 | 511 | 1058 |
1996 | 6 | 3919 | 1256 | 1132 |
2002 | 3 | 2449 | 2317 | 2026 |
2010 | 152 | 21141 | 53398 | 12899 |
2014 | 339 | 24119 | 64557 | 16578 |
Fonte: Elaboração própria com base nas Sinopses Estatísticas da Educação Especial e Educação Básica.
Obs.: As sinopses não consideraram estabelecimentos com salas de recursos.
Há diferentes possibilidades de olhar e analisar o conjunto de informações disponíveis sobre as ações que resultam hoje na política de educação inclusiva no Brasil. Uma das formas é a apresentada, em 2016, pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em um relatório denominado Consolidação da inclusão escolar no Brasil 2003 - 2016 (MEC, 2016), que avalia as ações da educação inclusiva desde 2003 e esclarece seu ponto de vista frente à política de inclusão. Nele, é atribuído à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva o papel de orientar Estados, Distrito Federal e Municípios para a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos (MEC, 2016). O relatório também expõe o conjunto de documentos legais que subsidiam hoje essa política. Na perspectiva adotada pelo Governo Federal, entende-se que a política de educação inclusiva se sustenta em um novo paradigma: o paradigma da inclusão. Na sequência, os programas estão elencados, acompanhados de números que expressam, segundo o Governo Federal, seu sucesso e consolidação. Sem desconsiderar os inegáveis esforços das diferentes gestões para a escolarização dos brasileiros, especialmente dos alunos da Educação Especial, e o registro de experiências positivas nas escolas (Gomes & Nunes, 2014; Silva, Martinez, & Santos, 2012), entendemos que há outros aspectos que devem ser observados para a avaliação de nossa política educacional, e a academia tem contribuído significativamente apontando desafios a serem considerados.
O Programa Educação Inclusiva: direito à Diversidade foi objeto de inúmeros trabalhos, que o acompanharam durante anos (M. V. M. Oliveira, 2007; Leodoro, 2008; Caiado & Laplane, 2009). Esses estudos mostram as características e os limites da proposta: as formações foram rápidas e pontuais, não houve continuidade das equipes envolvidas em diversos municípios, alguns municípios-polo tinham um número excessivo de municípios de abrangência sob sua responsabilidade, não havia recursos humanos ou materiais suficientes para a realização de qualquer tipo de acompanhamento. Ressalta-se que, ainda que seja registrado o alcance do Programa a 5.428 municípios de abrangência (MEC, 2016), os estudos denunciam que, para caracterização de um município atendido, bastava haver a participação de um representante da localidade em uma das capacitações, sem o acompanhamento posterior das ações daí decorrentes.
O Programa de implantação de sala de recursos multifuncionais, carro chefe do atendimento educacional especializado no Brasil, apresenta o número de 93% de municípios alcançados (MEC, 2016). Apesar de sua capilaridade, o relatório divulgado em 2016 omite a informação de que nem 50% dos alunos da Educação Especial, matriculados no ensino comum, têm acesso às salas de recursos multifuncionais (Rebelo 2016). Outros trabalhos atestam a existência de uma polarização entre sala de recursos e sala comum, com o atendimento especializado se restringindo às salas de recursos (Melo, 2008; Jordão, 2013), sem se notar alterações na configuração da sala comum. Em alguns casos, os professores não utilizam a tecnologia assistiva disponível, por desconhecê-la (Emer, 2011). Ainda, as atividades na sala de recursos não vêm mobilizando cognitivamente os alunos (Arnal, 2007; Araruna, 2013), devido ao uso de metodologias insuficientes, além de outros limites importantes (Mendes & Cia, 2017).
Outros trabalhos levantam possíveis problemas na identificação dos alunos da Educação Especial (Meletti & Bueno, 2011; Almeida & Orlando, 2015; Almeida, 2016), assim como a complexidade do diagnóstico nessa área (Bridi, 2011; Valentim & Oliveira, 2013) e dos encaminhamentos (Gonzalez, 2013). Lembramos que a categoria de deficiência mental/intelectual é a que tem maior frequência desde o início dos registros: 63,3% do total de alunos "excepcionais" atendidos (MEC, 1975a), 71,6% do total de matrículas de alunos com deficiência na Educação Básica em 1981, 68,3% em 1987, 66% em 1988, 59,7% em 1996 e 56,6% em 1997 (INEP, 1998). Pelos problemas históricos apontados pela literatura especializada em relação aos encaminhamentos para as antigas classes especiais para deficiência mental, levantamos a hipótese de que o problema da identificação e o encaminhamento equivocado voltam a ocorrer. Essa circunstância marca a Educação Especial brasileira e é alvo de continuadas críticas (Bueno, 1991; Kassar, 1994). Esse aspecto leva a outro desafio que é a qualidade da escolarização oferecida e, dentro desse aspecto, ressaltam-se a inadequação de abordagens pedagógicas (Pletsch, 2009; Pedroso, 2014), a consequente concentração de matrículas nos anos iniciais do Ensino Fundamental (Meletti, 2013; Françozo, 2014; Almeida & Orlando, 2015) e os problemas relativos à formação dos educadores (Michels, 2011; Milanesi, 2012; Garcia, 2013; Rios, 2014).
Relativamente à acessibilidade, as escolas brasileiras ainda não têm suas estruturas adequadas (Corrêa & Manzini, 2012; Capellini & Lopes, 2013) e a contemplação da instituição com recursos do Programa Escola Acessível para obras não é garantia de acessibilidade arquitetônica, pois há problemas como: inadequação das obras, desrespeito aos padrões técnicos estabelecidos; falta de manutenção posterior dos espaços e até uso inadequado dos espaços para outros fins (Silva Filho, 2017).
5 Considerações finais
Algumas questões permanecem nessas quatro décadas da política educacional para alunos da Educação Especial no Brasil: Em qual espaço deve estar o aluno? Em espaços especiais ou espaços comuns? Essa escolha de fato refere-se a uma opção entre segregação e inclusão? Para onde os recursos públicos devem ser direcionados? Devem continuar subsidiando instituições privadas de Educação Especial ou devem ser direcionados à melhoria dos serviços públicos existentes? Correndo o risco de simplificar, é possível perceber respostas diferentes a essas questões em cada momento. O recorte histórico apresentado intencionalmente na década de 1970 possibilita retomar processos que vêm sendo construídos, como a perspectiva de cumprimento de um direito social e, especificamente, a responsabilidade pública da escolaridade e do atendimento especializado aos alunos da escola brasileira. Com as marcas político-ideológicas de cada tempo, a proposição da Educação Especial parece sempre ter sido garantir um direito social, e esse aspecto está registrado na materialização de espaços públicos diferenciados.
Dos anos de 1970 ao final da década de 1980, sob o foco na utilidade da Educação Especial para o aluno e para o próprio país, há a implantação de espaços públicos e acordos com instituições privadas para garantir o que se chamou de "rede de serviços prestados a educandos excepcionais" (MEC, 1975b, n.p.). O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) destacou o direito à escolarização e, para os alunos da Educação Especial (à época alunos com necessidades educacionais especiais, como no Relatório Warnock, de 1978), esse processo poderia ser realizado em qualquer espaço considerado educacional (escolas ou classes especiais ou comuns). O conjunto de instituições privadas foi visto como parte da rede de atendimento a essa população e os recursos públicos deveriam subsidiar essa parceria e, sob a óptica do encolhimento dos serviços educacionais e da valorização do setor público não-estatal, os espaços públicos diminuem em sua totalidade, passando de 5.181 no início desse governo a 4.769 estabelecimentos com registros em Educação Especial em 2002. Para atender ao crescimento da matrícula dessa população, verifica-se o aumento de estabelecimentos privados de 1.132 para 2026.
No governo Lula, a ênfase volta-se à frequência na classe comum, com a possibilidade de atendimento especializado complementar das necessidades educacionais. Há aumento de estabelecimentos públicos, especialmente de salas de recursos e de classes comuns com registro de Educação Especial. Os anos de 2007 e 2008 são marcantes para a política implantada, pois são aprovados Programas que conduzem o direcionamento à matrícula na classe comum (Programa Sala de Recursos Multifuncionais, BPC na escola e Programa Escola Acessível), é divulgado o documento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e ocorre o ponto de inflexão das matrículas entre espaços "exclusivos" (classes ou escolas especiais) e espaços "inclusivos" (salas de aulas comuns). Ressalta-se que, mesmo com a política de valorização da sala de aula comum para escolaridade dos alunos da Educação Especial, há a manutenção dos dispositivos de financiamento público das instituições privadas de Educação Especial.
O governo Dilma (2011-2014) dá continuidade à estrutura organizada na gestão anterior, mas a Educação Especial passa a ser reforçada na perspectiva do respeito à diversidade, inclusive com o encerramento das atividades da Secretaria de Educação Especial.
O princípio de que a inclusão se fundamenta na frequência de todas as crianças na escola comum foi adotado no governo Lula e, na gestão de Dilma, fortaleceu-se a ideia de que outra forma de atenção que não ocorresse em salas comuns seria vista como segregação e de desrespeito aos Direitos Humanos, discurso este presente em documentos orientadores. Ressalta-se, no entanto, que, mesmo com a disseminação dessa perspectiva, a convivência anteriormente explícita entre espaços exclusivos e as salas comuns mantém-se com a continuidade de financiamento das instituições especializadas privado-assistenciais com recursos públicos. A divulgação do relatório de 2016 externa o entendimento de que a rede educacional brasileira é uma rede de educação inclusiva. Nele, há a assunção de que ocorreu uma mudança de paradigma na política educacional brasileira: de uma Política Nacional de Educação Especial, de 1994, alicerçada no "paradigma integracionista, fundamentado no princípio da normalização, com foco no modelo clínico de deficiência" (MEC, 2016, p. 7) para uma política de inclusão.
O documento de 2016 apresenta a inclusão como uma posição de vanguarda e inovação frente ao que se possuía anteriormente (integração/tradição). Garcia (2017), retomando as análises de Jannuzzi (2004) em trabalho que passou a ser referência de muitos pesquisadores sobre as tendências da Educação Especial, chama atenção para o fato de que o que vem se apresentando como "inovador" carrega, em seu íntimo, uma concepção conservadora de educação e não transformadora, apesar de seu discurso como um "novo paradigma". Uma das evidências é justamente o modelo de atendimento educacional especializado empreendido que, muitas vezes, mantém a perspectiva clínica e pontual.
A considerar os caminhos da construção da Educação Especial neste país, concluímos observando que movimentos de manutenção de estruturas anteriores convivem com possibilidades de superação e constituição de novas perspectivas. Para enfrentar os inúmeros desafios que a educação nos apresenta, entendemos que é necessário ter coragem para fazer opções em relação ao destino dos recursos públicos, assim como para pensar e propor formas diferenciadas de abordagens e espaços educacionais. Nesse sentido, preocupa-nos a posição expressa no relatório de 2016, que classifica formas de atenção educacional como atendimento domiciliar, classes hospitalares, o ensino itinerante e estimulação essencial como manutenção de uma "estrutura paralela e substitutiva da educação especial" (MEC, 2016, p. 7) e algo a ser superado. Como alerta a própria Declaração de Salamanca, educação especializada envolve altos custos (UNESCO, 1994) e os estudos desenvolvidos no Brasil e a existência de diferentes modalidades de atendimento em curso em países europeus (World Health Organization [WHO], 2011) indicam que propostas educacionais adequadas podem demandar, em muitos casos, grandes esforços e não apenas pequenas adaptações.