Introdução
O Estado brasileiro se comprometeu com a oferta da educação profissional à sociedade, conforme garantia da Lei n.º 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). O art. 39 é explícito em registrar essa previsão para o trabalhador jovem e adulto (Educação de jovens e adultos - EJA), como forma de garantir o pleno desenvolvimento de aptidões para o mercado de trabalho (BRASIL, 1996). Para atender tal fim, destaca-se o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na Modalidade Jovens e Adultos (PROEJA), que visa, basicamente, profissionalizar jovens e adultos ao mesmo tempo em que fornece a oportunidade de concluir os seus estudos no nível fundamental e no ensino médio.
O Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT) - Campus Cuiabá Octayde Jorge da Silva - apresenta-se como parte da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (RFEPCT) que possui uma trajetória na oferta de cursos do PROEJA.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar a evasão do PROEJA em todo o período de implementação do programa (2007-2014). Os objetivos específicos são: 1) coletar dados quantitativos do sistema do IFMT acerca dos cursos integrados na modalidade PROEJA; e 2) realizar entrevistas semiestruturadas com agentes envolvidos que participaram diretamente do programa de interesse, no caso gestores, professores e discentes.
O desenho de pesquisa utiliza da ferramenta de estatística descritiva para apresentar um quadro geral dos cursos analisados e entrevistas semiestruturadas para apresentar a percepção dos gestores, docentes e discentes evadidos do programa.
A justificativa do estudo está pautada na contribuição que oferece à literatura. Primeiro, adere à agenda de pesquisa que estuda a evasão como fragilidade da citada política pública de educação na RFEPCT. O segundo aspecto é empírico, após o IFMT - Campus Cuiabá ofertar o PROEJA por mais de dez anos, faz-se necessário pesquisar os ciclos terminados do curso. O período da pesquisa foi definido considerando a primeira e a última oferta do curso.
Entendendo o PROEJA e a sua relação com o IFMT - Campus Cuiabá
Pereira (2011, p. 21) descreve que no primeiro decênio do século XXI observaram-se diversas iniciativas políticas nos vários entes federativos do Brasil e de organizações não governamentais voltadas para a inclusão educacional de jovens e adultos. No entanto, um novo programa, o PROEJA, destacou-se por seu viés inédito na EJA, pois contempla a integração curricular possibilitando uma formação básica articulada com a profissionalização.
O programa contribui ao romper com a denominada educação pobre para os pobres, sendo fundamentada na integração de trabalho, ciência, técnica, tecnologia, humanismo e cultura geral e buscando a formação integral, unitária e politécnica do educando (BRASIL, 2007). Assim, o PROEJA foi idealizado para que a RFEPCT receba os jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de cursar a educação básica na idade apropriada, promovendo sua qualificação profissional.
O Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007) anuncia que a articulação governamental para a implementação desse programa de ensino se pauta pela necessidade de ruptura com um modelo ultrapassado e excludente para então iniciar a constituição da base de uma sociedade fundamentada na equidade (social, política e democrática), o que só será possível através da construção de uma escola que tenha o trabalho como o princípio educativo.
O Decreto n.º 5.478/2005 institui o PROEJA, que surgia para ser implementado exclusivamente na RFEPCT, promovendo a oferta de cursos técnicos na modalidade de EJA. No início do programa, perceberam-se críticas e calorosos debates envolvendo a RFEPCT e outros segmentos da sociedade (PEREIRA, 2011), o que levou a reformulação da norma pelo governo, sendo, posteriormente, exarado o Decreto n.º 5.840/2006, que possibilitava a oferta da iniciativa para outros níveis e sistemas de ensino, bem como trouxe outras inovações.
Ficou-se o ano de 2007 como o período limite para que todas as instituições federais de educação profissional implantassem o PROEJA. Então, já no ano de 2006 essas instituições deveriam ofertar o mínimo de 10% do total de vagas de ingressos para as matrículas nessa modalidade, tomando como referência a quantidade de matrículas existentes no ensino técnico regular correspondente ao ano anterior (COSTA, 2016).
Esta disposição afetou diretamente o IFMT - Campus Cuiabá, já que compõe a rede federal de ensino. Portanto, nesse período ocorre a intersecção da história IFMT - Campus Cuiabá com o PROEJA.
O centenário IFMT - Campus Cuiabá é a instituição de ensino pública mais antiga do Estado. Durante a sua existência passou por cinco mudanças institucionais. A última ocorre pela Lei nº. 11.892/2008, que cria os Institutos Federais e vincula o então CEFET-MT como um dos campi dessa nova estrutura que tem em seu vértice uma reitoria central, e passa a ser denominado IFMT - Campus Cuiabá/Octayde Jorge da Silva.
Nesse contexto, Azevedo e Lima (2011, p. 84) apontam que o CEFET-MT (atual IFMT - Campus Cuiabá) iniciou o PROEJA criando o seu primeiro curso em outubro de 2007, atrelando o ensino médio ao curso técnico. Os critérios para ingresso no curso se externavam pela necessidade da idade mínima de 18 anos completos até a data da matrícula e possuir ou estar concluindo o ensino fundamental (8ª ou 9ª série) ou equivalente.
Casseb (2009, p. 51) complementa que o aluno do PROEJA é adulto evadido há muito da escola, sendo que a maioria concluiu o Ensino Fundamental pela EJA. Os cursos na instituição analisada foram desenvolvidos no período noturno com a carga horária do ensino médio semipresencial, ou seja, uma parte desenvolvida em sala de aula e outra parte em atividades não presenciais. Conforme Orientação Normativa de outubro/2007, aprovada pela Deliberação n.º 02/2007 do Conselho Técnico Pedagógico, o PROEJA no Campus Cuiabá Octayde foi ofertado primeiramente na modalidade ensino médio integrado à educação profissional, sendo que as aulas tiveram início no 2º semestre de 2007 (CASSEB, 2009, p. 35). Nos semestres seguintes novas turmas foram ofertadas.
Durante todo o período de oferta a instituição ofertou 03 cursos na modalidade PROEJA técnico integrado, são eles: Eletrotécnica; Refrigeração e ar condicionado; e Edificações. Desses cursos, um foi totalmente desativado, dois permanecem ativos: Eletrotécnica e Edificações. Ao que se pese estarem ativos, esses dois cursos não possuem novas matrículas desde 2014. Todos os cursos ativos são noturnos e na modalidade integral. O IFMT - Campus Cuiabá não ofertou cursos na modalidade concomitante e os ofertados na modalidade Formação Inicial e Continuada (FIC) não serão objetos do estudo.
Avaliação de políticas públicas e o PROEJA
Esta pesquisa entende política pública como o fluxo de decisões públicas que busca produzir equilíbrio ou introduzir desequilíbrios na sociedade (SARAIVA; FERRARAZE, 2006). Esse sistema de decisões orienta as ações e as omissões preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou a modificar a realidade vigente, por meio da definição de objetivos e de estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir o estabelecido (SARAIVA; FERRARAZE, 2006).
A teoria das etapas do processo de política pública (VIANA, 1996) contribui na abstração da política ao dividir em etapas o processo decisório: a) montagem da agenda; b) formulação da política; c) implementação; d) avaliação. Este estudo coloca a última etapa em evidência. Apesar dessa divisão, a avaliação será analisada por esta pesquisa, no que couber, de forma integrada às demais etapas, pois todas fazem parte de um sistema dinâmico e interpretativo, possibilitando, assim, enfatizar a articulação dos níveis macro e micro da política pública.
A avaliação é definida por Cohen e Franco (1993) como atividade que intenta maximizar a eficácia dos programas na obtenção de seus fins e a eficiência na alocação de recursos para a consecução dos mesmos. Neste panorama, retrata-se a avaliação das políticas públicas como instrumento fundamental para alcançar melhores resultados e otimizar a utilização e o controle dos recursos nele aplicados, fornecendo dados importantes para a produção de desenhos de políticas públicas mais eficientes.
A avaliação realizada nesta pesquisa dará especial foco na implementação da política pública. Salienta-se uma sucinta observação, o PROEJA possui algumas características do modelo de implementação top-down (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984), pois o seu vértice é voltado para a decisão dos formuladores e, além disso, o programa proporciona um espaço para a assimetria da informação, problemas de coordenação e recursos limitados, decorrente da sua estrutura hierarquizada.
Considerando esse objeto, a avaliação ex post proposta neste estudo utiliza como instrumento empírico de análise a evasão do PROEJA no IFMT - Campus Cuiabá. Esse fenômeno será tratado pelo artigo como sendo o abandono da escola antes do término de um curso. A evasão é uma distorção que afeta o Brasil de forma geral e ocupa papel relevante nas pesquisas educacionais a partir de duas possibilidades explicativas: fatores extraescolares e intraescolares (ARAÚJO, 2012).
O PROEJA também pode ser debatido nessa agenda de pesquisa, como será observado abaixo, persistindo toda uma especificidade na questão da evasão quando o foco é programa, pois o seu público é formado por discente que, ao longo de sua trajetória, evadiu ou foi evadido da escola (COSTA, 2016).
Debiasio (2010) analisou o acesso, a permanência e a evasão de discentes jovens e adultos do PROEJA, em escolas públicas de Curitiba - PR. Encontrou uma taxa de evasão em torno de 80%. Os principais motivos apontados pela comunidade discente e a escola para ocorrência dessa alta evasão, além de outros elencados, foram a mudança de horário do trabalho, problemas familiares e a dificuldade de aprendizagem.
Moreira (2012) identificou fatores que influenciam a evasão nos cursos técnicos do PROEJA na RFEPCT de Minas Gerais. No ano de 2010, a evasão alcançou 30,9%, existindo uma diversidade de fatores que contribuíram para a decisão do abandono escolar, conforme segue: I) fatores individuais - dificuldade de conciliar o horário de estudo e trabalho; necessidade de trabalhar; distância da escola até casa e/ou do trabalho; dificuldades financeiras; falta de motivação; II) fatores vinculados ao contexto da escola - falta de assistência financeira; excesso de matérias e falta de flexibilidade em seus horários; professores muito exigentes. O mesmo trabalho dialoga com o estudo do IBGE (BRASIL, 2009) sobre o perfil da EJA e da Educação Profissional no país, que indica a evasão de 42,7% em um universo de 8 milhões de pessoas, bem como descreveu os principais motivos para esse fenômeno: a incompatibilidade do horário das aulas e do labor, bem como a falta de interesse em fazer o curso.
Araújo (2012) investiga as causas da evasão na percepção de alunos desistentes e de professores do PROEJA, entre 2007 e 2010. O estudo tem como objeto o curso técnico integrado de Química de Alimentos do Instituto Federal do Maranhão - Campus Monte Castelo. Os alunos e os professores convergiram elencando a falta de relação do currículo com o que era esperado pelo discente como motivo preponderante para a evasão. Dialogou-se, ainda, com dados gerais da evasão no PROEJA a nível Brasil, pautado em um projeto realizado em 21 instituições da RFEPCT, entre 2006 e 2007, que indicou o índice de evasão em torno de 30%, acentuando as principais causas para ocorrência desse fenômeno: desafios pedagógicos; dificuldade do aluno; formação docente; transporte; horário do curso; trabalho; infraestrutura; divulgação; alimentação.
Azevedo e Lima (2011) focaram nos três primeiros meses de andamento do PROEJA (entre 10/2007 e 02/2008) para analisar a evasão escolar no CEFET/MT (mesmo local do presente estudo). A pesquisa demonstra uma evasão elevada na instituição (49%) e, em seguida, apresenta os resultados das entrevistas semiestruturadas realizadas com dois alunos evadidos, revelando os motivos para a evasão: falta de interesse; trabalho; trabalho doméstico; falta de “cultura” familiar.
Bittencourt, Alberto e Santos (2019) também estudam os fatores de exclusão e de inclusão de alunos do PROEJA do IFMT (2010 a 2013), a partir de análise quali-quanti. Os resultados apontaram que existem fatores na operacionalização do PROEJA possibilitadores de inclusão, como o grande alcance social, a recuperação da escolaridade, a efetivação da cidadania e a inserção no trabalho. Por outro lado, a não contextualização dos conteúdos, a não flexibilização dos cursos, os currículos não adequados e a falta de capacitação dos docentes podem desestimular o aluno e provocar a exclusão. Apesar de possuir objetos semelhantes, o presente estudo se distingue da pesquisa acima (2019) uma vez que avalia a evasão na implementação da política pública, utilizando ferramentas metodológicas mais panorâmicas e inclui a participação de gestores na amostra qualitativa.
O parâmetro de evasão utilizado para a coleta dos dados está definido no inciso III, do art. 207 da Organização Didática vigente à época dos cursos no IFMT (Resolução n.º 42/2013): “O desligamento consiste na perda completa de vínculo formal do discente com o Campus e com o curso em que estava matriculado e pode ocorrer nas seguintes situações: [...] III- ausência de rematrícula por 02 (dois) períodos letivos consecutivos” (BRASIL, 2013, p. 58).
A evasão do IFMT - Campus Cuiabá
Metodologia
Os dados quantitativos dos cursos do PROEJA foram coletados no sistema Q-Acadêmico5 da instituição, no mês de fevereiro/2016. Somente são expostos dados dos cursos ativos desse programa: técnico em Eletrotécnica e técnico em Edificações. Não foi possível coletar dados do curso inativo. Apesar de ativos, a oferta de novas vagas foi interrompida no ano de 2013 e em 2014 persistiu a última oferta para rematrícula dos alunos retidos.
Os dados qualitativos, i.e., as entrevistas semiestruturadas, foram realizados junto aos três perfis que participaram do programa (gestor, docente e discente). A seleção não foi probabilística. O tamanho da amostra foi composto por 03 indivíduos de cada grupo, sendo: I) 03 membros da equipe gestora (Gestor 01, Gestor 02 e Gestor 03); II) 03 membros da equipe docente (Docente 01, Docente 02 e Docente 03); III) 03 indivíduos pertencentes aos discentes evadidos (Discente 01, Discente 02 e Discente 03). Coletaram-se as entrevistas individuais no período entre março/2016 e junho/2016, com perguntas orientadas e inspiradas na agenda da área. Em cada grupo existia dois indivíduos do sexo masculino e um do sexo feminino. No grupo dos gestores entrevistaram-se componentes da gestão superior e intermediária6; no grupo de docentes foram entrevistados os que ministram aulas na área técnica dos dois cursos; no grupo dos discentes evadidos foram entrevistados alunos dos dois cursos. As entrevistas evoluem gradativamente para o objeto principal. Organizaram-se sete blocos de questões e cada bloco é composto de uma a cinco perguntas que tratam de um tema comum.
Os dados da pesquisa
Dados quantitativos: a evasão em números
Inicia-se a análise dos dados pelo número de matriculados. Observou-se a entrada de 705 discentes, sendo 536 (76%) do sexo masculino e 169 (24%) do sexo feminino. Analisando essas matrículas do período por cursos técnicos, chega-se ao seguinte resultado de entradas no curso PROEJA: 346 entradas em Edificações e 359 entradas em Eletrotécnica. Nos dois cursos foram observadas entradas maiores de discentes do sexo masculino.
Após averiguar as matrículas efetivadas nos cursos do PROEJA, faz-se necessário observar a evasão. Segue a Figura 01 que aborda o total da percentagem de discentes que concluíram e evadiram e sua distribuição no período dos cursos avaliados.
A Figura 01 registra alto índice de evasão, no caso 77% do total. A evasão aumentou gradativamente a partir do início da oferta dos cursos, estabilizando-se com números vultuosos no período entre 2010 e 2012, quando só então apresenta queda.
Outro fato que chama atenção nos dados coletados seria a existência de uma maior evasão das mulheres (86%) em comparação aos homens (75%) durante o período analisado. Lembrando que o acesso das discentes também é deficitário.
Como último esforço, analisa-se a evasão considerando o semestre letivo existentes nos cursos avaliados. Segue a Figura 02.
Os cursos do PROEJA são de 6 semestres, contudo, contabilizaram-se até 11 semestres devido a discentes que ficam retidos em uma ou mais disciplinas. Constata-se, pela curva descendente aguda do gráfico da Figura 02, que a evasão ocorre com maior frequência até o 3º Semestre. Percebe-se, ainda, quase que uma intercalação das quantidades de evasão nos semestres letivos entre os cursos analisados.
Dados qualitativos: percepções dos gestores, docentes e discentes evadidos
Inicia-se com os gestores. No primeiro bloco de perguntas os entrevistados apresentam-se.
O segundo bloco trata da implementação do PROEJA. Para os gestores, a implementação aconteceu sob determinação do Ministério da Educação (MEC) com a promessa de recebimento de recursos financeiros. O Gestor 01 retoma que “foi oferecido uma especialização para preparação de professores e pedagogos como apoio ao programa [...] no entanto, esse grupo não atuou na multiplicação dos conhecimentos”. O Gestor 03 afirmou que a implantação foi de cima para baixo, propriamente “essas ações são impostas pelo MEC [...] não houve capacitações e nem a comunidade conhece a legislação”, indicou que os cursos do PROEJA obedeceram aos currículos existentes dos cursos regulares já ofertados.
O terceiro bloco indaga acerca das dificuldades do contexto da prática do programa. Os Gestores 01 e 03 identificaram como dificuldade o nível de conhecimento do discente, bem como apontaram que a instituição não procurou realizar nenhum tipo de nivelamento para esse aluno.
O quarto bloco averigua o aspecto positivo e negativo do PROEJA. Todos os gestores apontaram como ponto positivo a questão social. Quanto aos pontos negativos foram indicados o currículo e a forma de ingresso. O Gestor 01 descreve a existência de uma “falta de estruturação” do programa e o Gestor 02 relata que muitos alunos reclamam da “intolerância de alguns professores quanto ao nível para acompanhamento das aulas”.
O quinto bloco coloca em destaque a evasão. Os Gestores 01 e 03 externaram que a avaliação do programa é negativa. Em relação ao que favorece a evasão, o Gestor 03 aponta que o tipo de “clientela [...] trabalham 8 horas diárias e no serviço pesado, portanto, é preciso ter horário especial e currículo adequado de forma a aproveitar o seu conhecimento prático com a teoria”. O Gestor 02 relata: “os professores não adequaram o desenvolvimento do conteúdo a essa modalidade”. O Gestor 01 complementa que a evasão também ocorreu pelo cansaço dos alunos ao final de um dia de trabalho. O Gestor 01 e 03 responderam, ainda, que existem ações institucionais para evitar a evasão, o Gestor 03 pontua: “uma das ações adotadas [...] foi a criação da política de assistência estudantil, tais como: o auxílio alimentação, auxílio transporte, auxílio moradia e bolsa monitoria”.
O sexto bloco continuou a explorar a evasão, indagando se persistiu alguma mudança de estrutura e na prática na condução do PROEJA. Os Gestores 01 e 03 tentaram argumentar que ocorreram mudanças na estrutura e na prática ao longo do tempo, contudo, para justificar essa convicção elencaram como iniciativa a reformulação do programa desenvolvida pela instância superior da instituição (Reitoria).
O sétimo bloco indaga se o entrevistado tem algo a acrescentar. Somente o Gestor 02 respondeu, criticando a política de bolsas para permanência do discente.
A partir daqui segue a percepção dos docentes. O primeiro bloco trata da apresentação, dos vínculos que possuem com a EJA e se participaram na elaboração do projeto pedagógico do curso (PPC). Todos indicaram que tiveram o primeiro e o único contato com a EJA quando ministraram aulas no IFMT - Campus Cuiabá. Somente o Docente 02 participou da elaboração do PPC e narra que foi ofertado aos “professores o curso de capacitação [...] no ano de 2009 [...]”.
O segundo bloco aborda o impacto do PROEJA na vida dos alunos, como foi a preparação prévia da instituição e o conhecimento acerca do documento base e legislação. O Docente 01 respondeu que os professores “entendem o PROEJA como o meio mais eficaz de trazer de volta [...] os profissionais autônomos para formação”. Os entrevistados classificaram como positiva o impacto do programa na vida dos discentes ao aproximá-lo da escola. O Docente 02 indica: “no começo, o IFMT não se encontrava preparado para atuar [...] simplesmente ficaram sabendo que deveriam trabalhar”. O Docente 01 complementa “a capacitação que teve foi uma especialização que alguns professores fizeram, eu mesmo não participei”. Os Docentes 01 e 02 afirmaram que os professores não conhecem as normativas do programa.
O terceiro bloco versa acerca do exercício e a prática da docência no PROEJA. Os Docentes 01 e 02 relataram que existiu a necessidade de adaptação na prática didática-pedagógica, no relato do Docente 01: “a mudança [...] foi na abordagem do conteúdo que teve que ser mais lenta, detalhada e sempre retomando alguns conhecimentos”. Todos afirmam que realizaram a articulação entre os saberes dos discentes e os conteúdos, o Docente 03 exemplificou “algo que [...] auxilia as aulas [...] é o fato dos alunos já possuírem uma experiência [...] que permite aproximar as aulas do dia a dia”. Os docentes avaliaram como positivo o envolvimento com o programa.
O quarto bloco aborda as dificuldades no contexto da prática, as desigualdades criadas ou reproduzidas. O Docente 03 externa: “acho que os alunos deveriam ser mapeados na entrada do curso para definir necessidades [...] de reforço”. O Docente 01 aponta que “os alunos não conseguiam acompanhar, o conteúdo teve que ser readequado a um nível mais baixo”, complementa o Docente 02 que a dificuldade ocorreu nas matérias técnicas. A existência de desigualdades foi negada pelos Docentes 01 e 02.
O quinto bloco trata dos pontos positivos e negativos. Os pontos positivos ligam-se à questão social, ao interesse e à evolução dos alunos. Quanto aos pontos negativos, o Docente 01 elenca “que não houve preparação para todos os professores”; o Docente 03 afirma que “não são poucos os que estão interessados apenas na bolsa [...] há no curso alunos que optaram pelo programa por não conseguirem passar no [...] subsequente”. O Docente 02 ressaltou “o cansaço dos alunos que vinham diretamente do serviço [...] às vezes sem a alimentação adequada [...] as distâncias das suas moradias”.
O sexto bloco versa diretamente sobre a evasão. O Docente 01 relata que essa “deve ser vista como falta de readequação dos conteúdos específicos [...] e [...] aulas de reforço”. Por sua vez, o Docente 03 acentua que “a evasão é muito natural, até certo ponto, em cursos noturnos devido à dificuldade em conciliar [...] trabalho e os estudos”. Quanto aos fatores ligados à evasão, o Docente 01 pontua “o principal motivo para evasão é não acompanhar o conteúdo por falta de base”. O Docente 02 elenca os seguintes motivos: tempo do aluno afastado da sala; dificuldade de aprendizagem; questão do cansaço do dia a dia; trabalho geralmente físicos desses discentes; questão da distância que se percorre para estudar; falta de motivação para querer aprender.
O sétimo e último bloco de entrevista indaga se o entrevistado teria algo para acrescentar, somente o Docente 01 respondeu defendendo a continuidade do programa.
A partir daqui seguem a percepções dos discentes evadidos. O primeiro bloco abordou a apresentação, o motivo da evasão em idade regular e como ficou sabendo do PROEJA. O Discente 01 relata: “na verdade nunca parei de estudar [...] apenas fiquei atrasado [...] pelo fato de ir morar fora do país [...] logo completei 18 anos e então ia ter que começar a trabalhar”. O Discente 02 acentua: “parei de estudar [...] tinha 25 anos e, por ter constituído uma família, a necessidade de trabalhar era maior”. Já o Discente 03 disse: “aos 16 parei de estudar para trabalhar e não voltei mais”. O interesse pelo programa ocorreu pela possibilidade de terminar o ensino médio e o técnico (Discente 03) e estudar em uma instituição federal (Discentes 01 e 02). Todos ficaram sabendo do PROEJA por intermédio de amigos.
O segundo bloco extrai o que os entrevistados entendem por PROEJA, a avaliação que fazem e as contradições, os conflitos e as tensões na prática. Todos entendem o programa como uma modalidade de ensino direcionada a pessoas maiores de idade que oferece o ensino médio com técnico, avaliando-o positivamente. Os Discente 02 e 03 afirmaram que os professores são excelentes, que estavam preparados; por outro lado, o Discente 01 narrou que “alguns sim [...] outros não [...] tinham falas muito técnicas”. Quanto às eventuais contradições, conflitos e tensões entre o ideal e a prática, o Discente 01 expôs: “tivemos conflitos com uns 04 professores que [...] simplesmente não iam às aulas, aí minha turma tinha que ir [...] fazer reclamações [...] era uma situação constrangedora”.
O terceiro bloco de perguntas indaga os pontos positivos e negativos do PROEJA. Todos elencam como ponto positivo a questão social do programa, a reentrada do discente no sistema educacional em um curso técnico. O Discente 01 defende ainda: “tivemos aulas muito boas, com professores muito bons”. Quanto aos pontos negativos, o Discente 02 externa: “é para quem não atua na área, deixar do seu trabalho, já com um salário razoável e ter que estagiar, é inviável”.
O quarto bloco trata das dificuldades identificadas na prática. O Discente 01 aponta a dificuldade de realizar qualquer atividade fora do período noturno; além da questão da idade e tempo longe da escola. O Discente 02 explicita “grande parte nunca teve contato com a área [...] a maior dificuldade foi o tempo fora de uma sala, a canseira de sair do trabalho e ir estudar”. O Discente 03 afirma que os alunos não percebiam tanto suporte da instituição.
O quinto bloco refere-se às causas que resultaram na evasão, as reclamações e a contribuição do PROEJA para o entrevistado. O Discente 01 afirma “não tenho nada a reclamar com a instituição [...] não conclui o curso [...] por questão pessoal”, que seria uma disciplina com o conteúdo muito difícil. Esse discente também considera como causa da evasão as duas greves enfrentadas durante o curso. O Discente 02 descreve “a dificuldade de sair do trabalho e sentar em uma cadeira por quase 4 horas". O Discente 03 elencou, como motivo para evasão, a incompatibilidade do trabalho com o estudo, o qual foi conquistado devido a um estágio proporcionado pelo programa, além da falta de estrutura nas aulas práticas. O Discente 03 pontua: “[...] eu sempre conversava com os meus colegas e devido eles trabalharem e estudarem, eles se sentiam sobrecarregados e por problemas pessoais também abandonavam”. Todos entendem como positiva a contribuição para suas vidas devido ao ensino de qualidade e a possibilidade de voltar ao mercado de trabalho.
O sexto bloco questionou se os entrevistados pretendem continuar os seus estudos e se algo poderia ser feito para evitar a evasão. Todos afirmaram que pretendem continuar estudando. O Discente 02 fez a seguinte sugestão: “deveria ser feito algo para inserir esses alunos no mercado já com salário compatível com o mercado”.
O sétimo bloco de perguntas indagou se gostariam de acrescentar algo. O Discente 01 afirmou que os auxílios são um grande incentivo para a permanência dos discentes.
Resultados obtidos: a evasão do PROEJA no IFMT - Campus Cuiabá
Os dados quantitativos revelam uma grande evasão nos cursos avaliados, dados esses similares ao descrito por Debiasio (2010), evasão de 80%, já o presente estudo a evasão observada foi na faixa de 77% (23% de concluintes). Nesses dois casos, a evasão é a mais expressiva considerando as pesquisas consultadas.
A maior proporção de abandono ocorreu até o 3º semestre, confirmando a alta evasão nos três primeiros meses, dados muito próximos ao apontado por Azevedo e Lima (2011), indicando, ainda, que persiste nessa fase inicial um ou mais componentes contribuindo para a exclusão do aluno da escola. São nesses primeiros semestres que a política pública deve buscar corrigir o seu planejamento e a implementação das ações.
Identificou-se, também, o menor acesso (24%) e maior abandono (86%) das discentes do sexo femino nos dois cursos analisados. Esse dado indica que persiste algum mecanismo de desigualdade sendo criado ou reproduzido, dificultando o acesso das discentes mulheres e a sua permanência no curso. Distorções que merecem ser objeto de pesquisas futuras.
Passa-se a análise dos dados qualitativos. No grupo dos gestores, os dados mais salientes são: baixo nível de escolaridade dos discentes; falta de nivelamento; problemas com questões de acesso/ingresso; falta de suporte do governo federal para a correta implementação no nível local; desinteresse do docente em lecionar para esse público; falta de capacitação dos docentes para trabalhar com essa modalidade; deficiência no planejamento ao transportar para o PROEJA currículos de cursos regulares já ofertados; questões de trabalho/emprego dos discentes como fator que provoca a evasão; poucas sugestões foram apontadas para mitigar a evasão nos cursos, destacando-se a política de auxílio estudantil; todos os entrevistados entendem e defendem a importância social desse programa.
A percepção dos gestores sugere uma implantação do PROEJA no modelo top-down (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984), visto que a centralidade ocupada pelo Governo Federal ignorou os aspectos políticos da implementação pelos executores da política, assim, foram observados conflitos/fraturas, oriundos da desarticulação dos níveis macro e micro da política.
Além disso, os gestores revelaram preponderantemente fatores intraescolares como motivadores para a ocorrência da evasão, esses fatores se aproximam dos dados apresentados por Araújo (2012). Considerando a percepção dos gestores, o fenômeno da evasão revelou alguns traços similares em experiências diferentes ocorridas no Brasil.
No grupo dos docentes, destacaram-se os seguintes dados: maioria dos docentes não participaram na elaboração do PPC; fragilidade na capacitação e apoio institucional; desconhecimento da base legal do programa; necessidade de adaptação na prática didático-pedagógica; não foram identificadas por esse grupo desigualdades criadas ou reproduzidas, em dissonância com os dados quantitativos; a questão social e a reentrada no sistema educacional do discente são os principais pontos positivos do programa; questões ligadas à motivação e ao interesse dos discentes são os principais pontos negativos do programa; os fatores que contribuem para evasão são a questão do despreparo do docente com essa modalidade, a difícil compatibilização do trabalho e estudo que o discente deve realizar e o nível de conhecimento e de interesse do discente.
Os gestores e docentes possuem algumas visões semelhantes das fragilidades do PROEJA: deficiência na capacitação e na multiplicação por parte dos já capacitados; desconhecimento do documento base e da legislação; falta de sistematização na implementação do programa.
Além disso, os dados capitulados pelos docentes guardam semelhança com os achados de Bittencourt, Alberto e Santos (2019), pois demonstram a falta de capacitação dos docentes para atuar nessa modalidade.
Em relação aos motivos determinantes para a evasão, foi observada uma convergência especialmente na(o): questão do trabalho; alimentação e transporte inadequados dos discentes; formação docente; desafios pedagógicos; horário do curso. Esses fatores se aproximam do que foi apontado pelo IBGE (2009), por Moreira (2012) e por Araújo (2012). Os pontos de contatos observados nessas pesquisas consolidam o entendimento de falhas existentes no desenho do programa analisado, que, por sua vez, dificultam o atendimento da finalidade pública e social pretendido pela política pública.
No grupo dos discentes evadidos, seguem os dados mais relevantes: trabalho/emprego e família são os motivos principais para evasão na idade escolar regular; os avaliação positiva da experiência com os professores e a instituição; reclamação por professores faltarem às aulas, estrutura deficitária; dificuldades pedagógicas em algumas disciplinas; o estágio como um entrave para a permanência no curso; as causas da evasão do PROEJA são preponderantemente fatores de trabalho/emprego, ordem pessoal e as greves enfrentadas; os auxílios estudantis contribuem para a permanência do discente; todos os entrevistados entendem e defendem a importância social do programa.
Os pontos positivos elencados pelos discentes entrevistados e a ponderação acerca da importância social do programa dialogam com achados da pesquisa de Bittencourt, Alberto e Santos (2019), isto porque em ambos os estudos foram pontuados fatores que garantiram a inclusão, demonstrando a relevância da função social do PROEJA na visão dos discentes. De outro lado, os fatores indicados que levam a evasão guardam muita simetria com o que a literatura da área dispõe (BRASIL, 2009; DEBIASIO, 2010; AZEVEDO; LIMA, 2011; ARAÚJO, 2012), demonstrando que o programa avaliado possui fraturas comuns constatadas em várias experiências diferentes.
Quanto ao principal motivo identificado para a evasão (necessidade de trabalho/emprego), apontado pelos três grupos e em pesquisas da área, cabe uma observação: os alunos desse programa são adultos em idade produtiva, logo, a tendência seria desse indivíduo estar empregado ou a procura de; nesse contexto, existe uma grande possibilidade de nova evasão no PROEJA, caso o emprego (ou a expectativa futura) sombrear o estudo realizado nessa modalidade. Acentua-se também que, na primeira evasão, em idade regular, o discente abandona a escola para trabalhar, já nesse segundo momento a necessidade de inserção laboral na área do curso em uma posição financeira mais segura surge como um obstáculo para continuidade do discente na escola.
Denota-se que os achados qualitativos somados aos dados quantitativos sugerem uma avaliação insatisfatória do PROEJA no IFMT - Campus Cuiabá em termos de permanência e êxito do discente. Essa avaliação apoia-se na taxa de 77% de evasão, nas desigualdades criadas e reproduzidas, nos fatores identificados que contribuem para a implementação ineficiente e ineficaz do programa, bem como restaram salientes alguns motivos para ocorrência do abandono escolar.
Considerações finais
O presente estudo analisa a implementação do PROEJA no IFMT - Campus Cuiabá a partir da sua evasão. Averiguou-se que o programa foi efetivamente implementado pela instituição em 2007. Ao longo da sua trajetória, fica evidente que os resultados foram insatisfatórios em termos da permanência e êxito dos discentes nos cursos avaliados, ocasionados por falhas e fraturas no desenvolvimento dessa política pública. Por sua vez, as fragilidades identificadas criam incentivos para a ocorrência de uma nova evasão escolar por parte do público do programa que já é formado por jovens e adultos evadidos da educação básica na idade apropriada. Portanto, a sonhada formação integral do educando, que não concluiu os estudos em momento adequado, acaba por ser assombrada por um fenômeno conhecido: a evasão.
Os objetivos específicos da pesquisa reforçam a impressão negativa pontuada acima. O primeiro objetivo específico trata da coleta dos dados quantitativos, que apontaram uma evasão geral de 77%, com menor acesso (23%) e permanência (14%) das mulheres; além disso, o maior abandono geral ocorre até o 3º semestre. Os números são condizentes com a alta evasão do programa no país (BRASIL, 2009), contudo, com contornos ainda mais alarmantes na instituição pesquisada.
O segundo objetivo específico se relaciona à coleta dos dados qualitativos, propriamente, as entrevistas semiestruturadas com agentes que participaram diretamente do programa. A aplicação dessa ferramenta revela uma evasão ocasionada preponderantemente por fatores de trabalho/emprego, questões pessoais e desnivelamento dos discentes, capacitação insuficiente e descompromisso de alguns docentes, despreparo e estrutura inadequada da instituição, executores do programa desconhecem a base legal, estágios com baixa remuneração, duas greves. Os achados dialogaram de forma próxima com a agenda de pesquisa da área (DEBIASIO, 2010; ARAÚJO, 2012; MOREIRA, 2012; PEREIRA, 2011), sugerindo que a alta evasão nos cursos do PROEJA no Brasil possuem fatores intra e extra escolar semelhantes. Apesar das fragilidades detectadas, os dados também apontaram o reconhecimento da importância do PROEJA no IFMT, bem como foram acentuados alguns pontos positivos da implementação realizada.
Por fim, no processo de avaliação da política pública do PROEJA no IFMT - Campus Cuiabá pode ser observada que persiste uma distância entre o que foi planejado pela política pública e o implementado na ponta do serviço público. No caso proposto, essa dinâmica possibilitou a avaliação insatisfatória do citado programa que revelou deficiências em sua implementação, prejudicando o atendimento da finalidade pública prevista pelo Estado.