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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.17  Curitiba  2023  Epub 06-Maio-2024

https://doi.org/10.5380/jpe.v17i0.92096 

Artigos

O Novo Fundeb permanente nos municípios do estado da Paraíba: uma leitura do impacto da política para o ano de 2022

The New Permanent Fundeb in the municipalities of the state of Paraíba: a reading of the impact of the policy for the year 2022

El Nuevo Fundeb Permanente en los municípios del estado de Paraíba: una lectura del impacto de la política para el año 2022

Marcus Quintanilha da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-8305-0024

1Doutor em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Federal da Paraíba. Paraíba. Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8305-0024. E-mail: marcusquintanilhasilva0@gmail.com


Resumo

O objetivo deste trabalho é compreender de que modo o Novo Fundeb permanente está contribuindo para a diminuição das desigualdades educacionais nos municípios do estado da Paraíba, delimitando o recorte temporal ao ano de 2022. Em uma abordagem quantitativa, o debate sobre a desigualdade municipal no Brasil, o potencial do Fundeb na redução das assimetrias regionais e o embasamento empírico na coleta e no tratamento das informações dos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária de 201 municípios da Paraíba embasaram o espectro analítico deste trabalho. Os resultados indicam que o Fundeb é efetivo na redução das desigualdades entre os municípios paraibanos, especialmente na consideração da complementação financeira da União ao Fundeb, seja pelo cálculo do Valor Anual por Aluno – VAAF – ou do Valor Anual por Aluno Total – VAAT, inovação na reconfiguração da política desde o ano de 2021.

Palavras-chave: Política educacional; Financiamento da Educação; Fundeb; Paraíba

Abstract

The objective of this work is to understand how the permanent New Fundeb contributes to the reduction of educational inequalities in the municipalities of the state of Paraíba, delimiting the time frame to the year 2022. In a quantitative approach, the debate on municipal inequality in Brazil, the potential of the Fundeb in reducing regional asymmetries and the empirical basis in the collection and treatment of information from the Summary Reports of Budget Execution of 201 municipalities in Paraíba formed the basis of the analytical spectrum of this work. The results indicate that Fundeb is effective in reducing inequalities between municipalities in Paraíba, especially in considering the Union's financial complement to Fundeb, either by calculating the Annual Value per Student – VAAF or the Annual Value per Total Student – VAAT, innovation in policy reconfiguration since the year 2021.

Keywords: Education Politics; Education Financing; Fundeb; Paraíba

Resumen

El objetivo de este trabajo es comprender cómo el Nuevo Fundeb permanente está contribuyendo a la reducción de las desigualdades educativas en los municípios del estado de Paraíba, delimitando el marco de tiempo para el año 2022. En un enfoque cuantitativo, el debate sobre la desigualdad municipal en Brasil, el potencial de Fundeb en la reducción de las asimetrías regionales y la base empírica en la recolección y tratamiento de la información de los Informes Resumidos de Ejecución Presupuestaria de 201 municipios de Paraíba formaron la base del espectro analítico de este trabajo. Los resultados indican que el Fundeb es eficaz en la reducción de las desigualdades entre los municipios de Paraíba, especialmente en la consideración del complemento financiero de la Unión al Fundeb, ya sea calculando el Valor Anual por Alumno – VAAF o el Valor Anual por Alumno Total – VAAT, innovación en la reconfiguración de políticas desde el año 2021.

Palabras Clave: Política educativa; Financiamiento de la Educación; Fundeb; Paraíba

Introdução

O debate sobre a efetividade dos sistemas/redes de ensino na oferta da educação básica pode ser promovido por vários modos de compreensão, cujo resultado de uma análise, em linhas gerais, tende a ser reflexo das decisões políticas em torno de quais concepções educativas e qual é o lugar das políticas educacionais como prioridade de investimento por parte do poder público. Nesta direção, os estudos sobre financiamento da educação, um dos objetos por excelência do campo das políticas educacionais (SOUZA, 2017), mesmo que não tomem as perspectivas teóricas explícitas sobre a relação entre Estado e Mercado, tendem a, transversalmente, promover este debate, buscando compreender de que modo o fundo público é empregado como fomento à política educacional e de que modo os reflexos da ação estatal são efetivos em relação ao direito à educação (SILVA; GOUVEIA, 2021).

Um dos elementos característicos do caso educacional brasileiro é a desigualdade. Considerando que o potencial de investimento para o financiamento da educação, se limitado a apenas à arrecadação pública municipal (impostos e transferências constitucionais), impõe aos municípios condições financeiras desiguais para o investimento em educação (SILVA, 2020), as análises sobre as políticas de fundos no caso brasileiro tem potencial heurístico na direção de investigar a capacidade da política em diminuir as assimetrias no financiamento educacional.

Com isso, o Fundo de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que, desde o final do ano de 2020, tornou-se política de Estado permanente e incorporou à base metodológica redistributiva novas complementações financeiras da União ao fundo, é compreendido como uma ação estatal, de regulação federal e de operação entre os entes federados, importante como objeto de investigação, incluindo sua capacidade de diminuição das desigualdades federativas.

Neste artigo, toma-se como casos em análise os municípios paraibanos, pois, além de a política operar no âmbito intraestadual na redistribuição de recursos, o estado é, historicamente, um dos que sempre tiveram complementações financeiras da União ao Fundeb (SILVA, 2023). Além disso, justifica-se o objeto de investigação pela carência de estudos desta natureza no estado, justificativa delineada em revisão de literatura que compõe o projeto de pesquisa intitulado “Os efeitos do Fundeb nos municípios da Paraíba entre os anos de 2020 e 2024: valorização do magistério e austeridade fiscal em foco”, vinculado à Universidade Federal da Paraíba.

Nesta direção, o objetivo deste trabalho é compreender de que modo o Novo Fundeb permanente está contribuindo para a diminuição das desigualdades educacionais nos municípios do estado da Paraíba, delimitando o recorte temporal ao ano de 2022.

Por delimitação temporal, optou-se pelo ano de 2022, uma vez que, além de ser um momento de retomada das atividades econômicas, houve prejuízo devido ao percurso da pandemia da Covid-19, e já há evidências empíricas de que a progressiva implantação do Novo Fundeb apresenta uma tendência de atingir, pela via da complementação do Valor Aluno Ano Total (VAAT), maior proporção de entes federados com menor desenvolvimento socioeconômico, incluindo a Paraíba (SILVA, 2023).

Metodologicamente, este trabalho, de natureza quantitativa, se apoia nas orientações tecidas por Silva e Gouveia (2021), especialmente no que tange à preocupação em utilizar a empiria como apoio essencial (mas não único) ao objeto em análise. Desta orientação, é indicada a necessidade de avançar em uma leitura analítica refinada, em que, indiretamente, a disputa pelo fundo público e a relação entre Estado Mercado são tópicos que permeiam o debate, mas os elementos políticos da política, a análise documental, bem como o debate conjuntural e o possível uso de outros indicadores de contexto são alguns dos aspectos relevantes para a compreensão do objeto. As fontes fidedignas e a expertise no tratamento da informação são aspectos essenciais para o apoio às pesquisas desta natureza.

A parte empírica deste trabalho se embasou nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO) disponíveis no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope) do ano de 2022 de 201 municípios paraibanos, tendo em vista que, até o início do mês de agosto do ano de 2023, 22 entes federados municipais não entregaram ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) os dados orçamentários relativos à função educação. Apesar de não ser uma amostra estatística, mas sim a escolha de uma população de casos que atenderam ao critério de entrega dos relatórios, mais de 90% dos municípios do estado indicam um bom quantitativo de investigações para o estabelecimento de tendências, indícios e evidências sobre o impacto da política.

No caminho de construção deste trabalho, além desta introdução, construiu-se duas seções. Na primeira, buscou-se alinhar o debate da desigualdade, na especificidade do caso brasileiro, às características centrais de operação do Novo Fundeb permanente. Na segunda seção, além da delimitação de algumas decisões metodológicas, tratou-se especificamente sobre o caso do estado da Paraíba, explorando o modo de como o Fundeb se constituiu historicamente em uma política importante de ampliação do potencial financeiro dos seus municípios e as perspectivas de redução das desigualdades educacionais à luz do Novo Fundeb em operação.

Desigualdade federativa e o Novo Fundeb permanente: modos de operação e primeiras tendências

As diferenças, isto é, as peculiaridades que distinguem tudo que possa minimamente ser comparado são inerentes aos sujeitos e a qualquer caso que venha a ser investigado em suas particularidades, que, no caso brasileiro, são as regiões geográficas, os estados e os municípios, inclusive os pertencentes a um mesmo estado da federação. O que torna o debate da desigualdade oportuno na questão federativa é que as diferenças regionais, fruto de culturas, mas, para este debate, os desenvolvimentos socioeconómicos distintos geram desvantagens, reverberando em desigualdades, como é o caso do potencial de investimento em educação. Evidentemente, não se ignora a disputa política, a agenda local/estadual/nacional e o lugar da educação pública, porém entende-se que as assimetrias regionais brasileiras e os seus reflexos na capacidade financeira podem ser objeto de política de Estado e de Governo Federal, seja no sentido de alargá-las ou atenuá-las.

Nesta direção, esta seção se ocupa de três aspectos: a) as notas sobre a desigualdade e a postura ideológica da política em relação a este aspecto; b) o desenvolvimento das assimetrias regionais e os reflexos no potencial de investimento em educação nos municípios brasileiros e c) quais as potencialidades iniciais do Novo Fundeb permanente a partir do desenho da política.

O primeiro aspecto remonta ao modo de produção capitalista e aos elementos centrais que caracterizam o capitalismo: acumulação e desigualdade. Nesse sentido, concorda-se com Silva (2021) de que um Estado tomado como objeto de investigação imerso em uma sociedade capitalista é incapaz de acabar com a desigualdade, seja do ponto de vista das individualidades, coletividades ou de desenvolvimento dos Estados nacionais. Por analogia, considerando o federalismo brasileiro, essa visão se aplica aos entes subnacionais do Brasil, estados, municípios e Distrito Federal.

Em uma sociedade capitalista, o enfrentamento do problema da desigualdade pode ser compreendido como mal construído pela sociedade. Nessa perspectiva, a atuação estatal é fundamental para a diminuição dos seus danos, seja no âmbito das individualidades, coletividades ou, no caso brasileiro, das assimetrias regionais. Em outro modo de compreensão, o fenômeno pode ser compreendido como um reflexo natural do capitalismo concorrencial, pois o ponto de partida é a igualdade perante a lei, cabendo ao Estado a proteção da livre concorrência, cenário em que, naturalmente, a desigualdade é produzida. Independente da opção de enfrentamento no caso brasileiro, é mister que o desenvolvimento brasileiro, estratificado por regiões, estados e municípios, seja desigual. Pochmann (2015, p. 17) resume com precisão e dados interessantes o percurso da construção da desigualdade econômica no Brasil. Na visão do autor:

A desigualdade tem se mostrado um acontecimento de características multidimensionais que resulta, em geral, de complexas interações derivadas das relações de poder. O arranjo entre distintos motivos promove a disposição assimétrica de vantagem e desvantagens individuais e coletivas. (POCHMANN, 2015, p. 17).

Em sua pesquisa, o autor entende que a desigualdade reproduzida entre as regiões do país, entre os setores e as atividades econômicas, no acesso à cultura, no entretenimento, entre outras, se confunde com outros elementos que são próprios de um país desigual, como a distribuição de renda e a riqueza dos brasileiros, que reverberam nas condições diferenciadas de vida e acesso a bens como a educação (POCHMANN, 2015).

Ao construir o histórico da construção da desigualdade no país, aos municípios o autor atribui fatores como a industrialização concentrada em poucos espaços do território nacional e, consequentemente, à desigualdade na participação do Produto Interno Bruto Nacional. Apesar de, especialmente a partir da Constituição Federal do Brasil de 1988 movimentar a descentralização de recursos, as competências e as responsabilidades com os municípios, a contribuição para uma inflexão na trajetória da desigualdade entre os entes federados municipais foi pequena, bem como a reativação de investimentos públicos e de programas de transferência de renda da década de 2000. As políticas de fundos na história da educação brasileira podem ser interpretadas como um reconhecimento de que é preciso, através da ação estatal, operar politicamente para enfrentar a desigualdade, o que não elide a tensão entre, de um lado, a visão de que os recursos disponíveis são suficientes, bastando melhorar a sua gestão, e, de outro lado, a necessidade de expandir o investimento educacional para que as assimetrias regionais no financiamento da educação sejam amenizadas.

Esta constatação se reflete no modo como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização dos Profissionais do Magistério (Fundef), predecessor do Fundeb, operou entre os anos de 1997 e 2006, tendo como uma característica de distinção importante a falta de efetividade do Governo Federal na complementação financeira aos municípios e aos governos estaduais com menor capacidade de arrecadação (MARTINS, 2011).

Entre os anos de 2007 e 2020, a reconfiguração da política de fundos com o Fundeb foi fundamental, pois, além da superação da distinção, elencada no parágrafo anterior, a ampliação da cesta de impostos e a consideração de todas as matrículas da educação básica no cálculo redistributivo potencializou sua capacidade de diminuir as desigualdades no financiamento da educação (MARTINS, 2011; SILVA, 2020). Mesmo com limitações, o Fundeb, em conjunto com outras ações regulatórias do Governo Federal, auxiliou na melhoria da remuneração docente e na ampliação dos recursos para a manutenção e para o desenvolvimento do ensino (SILVA, 2021).

Durante toda a série histórica, a complementação financeira da União ao Fundeb foi destinada aos estados e aos municípios com rede/sistema de ensino de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí, entes federados que não atingiam o Valor Anual por Aluno mínimo definido nacionalmente. Na comparação com municípios de outros estados, tais recursos contribuíram, inclusive, para o maior impacto da melhoria das condições remuneratórias da classe docente trabalhadora docente (SILVA, 2021).

O direcionamento de esforços financeiros do Governo Federal, a partir da suplementação financeira aos entes subnacionais, pode se constituir em uma perspectiva de amenização da desigualdade socioeconómica historicamente construída no Brasil, haja vista que, em um contexto de distanciamento estatal deste cenário, os potenciais distintos de arrecadação e, consequentemente, de financiamento da educação básica tendem a se manter ou serem ampliados. A configuração do Novo Fundeb nesta perspectiva, constituindo-se em dinâmicas redistributivas intraestaduais e interfederativas, pretende potencializar a capacidade da política em reduzir as desigualdades educacionais.

O Novo Fundeb permanente, que modificou o texto base constitucional pela Emenda Constitucional n. 108/2020 e é regulado pela Lei n. 14.113/2020, tem inovações importantes que, para este trabalho, interessa especificamente as complementações financeiras da União ao fundo.

O Fundeb permanente manteve a complementação financeira anterior, o Valor Anual por Aluno (VAAF), um cálculo que, de acordo com o inciso I do art. 6º da Lei n. 14.113/2020,é

a) decorrente da distribuição de recursos que compõem os Fundos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal: a razão entre os recursos recebidos relativos às receitas definidas no art. 3º desta Lei e o número de alunos matriculados nas respectivas redes de ensino, nos termos do art. 8º desta Lei; b) decorrente da distribuição de recursos de que trata a complementação-VAAF: a razão entre os recursos recebidos relativos às receitas definidas no art. 3º e no inciso I do caput do art. 5º desta Lei e o número de alunos matriculados nas respectivas redes de ensino, nos termos do art. 8º desta Lei. (BRASIL, 2020, s/p.).

Ou seja, manteve-se quase o mesmo conjunto de impostos e repasses constitucionais do Fundeb anterior (exceto os provenientes da Lei Complementar n. 87/1996), assim como os parâmetros das matrículas para o cálculo do VAAF através dos fatores de ponderação e o mínimo de 10% dos recursos subnacionais na complementação da União para os estados que não alcançarem o VAAF mínimo definido nacionalmente. No ano de 2022, de acordo com os relatórios do Siope – FNDE, dez estados foram contemplados com estes recursos: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Nota-se: oito nordestinos e dois nortistas.

A outra complementação, em operação desde o início da vigência do Novo Fundeb permanente, é a VAAT. Essa complementação é configurada em dois aspectos: pelos recursos baseados em percentual da arrecadação para o Fundeb e pelo modo como o VAAT dos entes federados é calculado, pois é a partir dele que a política redistributiva opera.

Em relação aos recursos, a União disporá de um percentual mínimo de 10,5% a ser complementado para os municípios e governos estaduais que não alcançarem o VAAT-Min, definido nacionalmente. O valor total anual por aluno é calculado considerando a somatória dos recursos recebidos do Fundeb, a complementação do VAAF e acrescidos das disponibilidades de: I – 5% do montante dos impostos e das transferências que compõem a cesta de recursos do Fundeb a que se refere o art. 3º desta Lei; II – 25% dos demais impostos e das transferências, nos termos do caput do art. 212 da Constituição Federal; III – cotas estaduais e municipais da arrecadação do salário-educação de que trata o § 6º do art. 212 da Constituição Federal; IV – parcela da participação pela exploração de petróleo e de gás natural vinculada à educação, nos termos da legislação federal; V – transferências decorrentes dos programas de distribuição universal geridos pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2020b). Este montante é dividido pelo número de alunos matriculados, observadas as diferenças de ponderações em relação à vinculação de cada matrícula à etapa/modalidade na educação básica2.

Uma inovação estrutural diz respeito ao emprego de tais recursos, na medida em que é estabelecido que eles deverão ser orientados pela proporcionalidade ponderal de matrículas de educação infantil, destinando a esta etapa o percentual ponderal correspondente. Como forma de impulsionar a destinação de recursos para a referida etapa, no exercício financeiro de 2021, 2022 e 2023, as diferenças e as ponderações relativas à Creche e à Pré-Escola terão a aplicação de fator multiplicativo de 1,50 (um inteiro e cinquenta centésimos). A normativa reguladora do Fundeb e de usufruto dos recursos provenientes desta complementação indica que será destinada à educação infantil a proporção de 50% (cinquenta por cento) dos recursos globais (BRASIL, 2020b).

Além destas situações dos recursos recebidos pelo VAAT, foi estabelecida uma regra de destinação mínima de 15% desses repasses às despesas de capital, isto é, os gastos que produzam ou gerem novos bens ou serviços que integrarão o património público. Como exemplos, pode-se elencar a execução de obras, a compra de equipamentos, as instalações e outras aquisições que gerem um bem de capital.

Inicialmente, compreende-se que o VAAT tem a pretensão de considerar todas as despesas mínimas vinculadas à educação e, a partir delas, definir um parâmetro mínimo nacional. A diferença de redistribuição em relação ao VAAF é a de que este cálculo, que será realizado nacionalmente e em cada ente federado, não será realizado como métrica redistributiva por estado, mas considerando individualmente as redes públicas municipais, estaduais e distritais, rompendo com a lógica de redistribuição da complementação da União aos fundos estaduais. Com isso, nem todos os entes de um mesmo estado poderão fazer jus a estes recursos, porém, em contrapartida, entes federados municipais e governos estaduais que não são complementados pelo VAAF poderão ser contemplados.

Este cálculo deve ser disponibilizado até o dia 31 de dezembro de cada ano, a ser aplicado no ano subsequente. De modo geral, prevê-se que a complementação da União se programe de modo a repassar pagamentos mensais de no mínimo 5% (cinco por cento) da complementação anual, a serem realizados até o último dia útil de cada mês, assegurados os repasses de, no mínimo, 45% (quarenta e cinco por cento) até 31 de julho, de 85% (oitenta e cinco por cento) até 31 de dezembro de cada ano e de 100% (cem por cento) até 31 de janeiro do exercício imediatamente subsequente (BRASIL, 2020b).

Todavia, o VAAT ainda está em implementação, sendo prevista para o ano de 2022 a complementação de 5% dos recursos relativos à arrecadação dos recursos dos entes subnacionais ao Fundeb, evoluindo para que no sexto ano de vigência os recursos somem o percentual mínimo de 10,5%.

De modo geral, pode-se compreender o VAAT como uma complementação com boas perspectivas de contribuir para o combate à desigualdade no financiamento da educação, sobretudo pela sua métrica de considerar o potencial mínimo de aplicação, além de considerar a complementação do VAAF no cálculo. Ademais, isso tende a auxiliar na promoção da equidade em municípios de um mesmo estado, situação que não é privilegiada no cálculo e na redistribuição do VAAF, algo já observado nas primeiras avaliações da redistribuição em operação (SILVA, 2023).

A terceira métrica de cálculo para a complementação financeira da União é a partir do Valor Anual por Aluno (VAAR), um percentual que deve corresponder a 2,5 % dos recursos subnacionais, distribuídos proporcionalmente de acordo com o porte das redes públicas de ensino que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e de melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades. Trata-se de uma complementação polêmica, não no sentido da redução das desigualdades socioeconómicas e de desempenho, mas na consideração do rendimento das provas nacionais sem um Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb). Entre as citadas condições para o recebimento dos recursos prevista em lei (BRASIL, 2020a) está o provimento do cargo ou função de gestor escolar conforme os critérios de mérito e de desempenho ou conforme a escolha realizada com a participação escolar, com o alinhamento com a Base Nacional Comum Curricular e com a melhoria dos exames nacionais do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Há vários elementos supracitados na normativa passíveis de crítica, mas que, considerando os limites deste trabalho, não estão em pauta, pois este trabalho se ocupa do panorama de financiamento da educação dos municípios paraibanos para o ano de 2022. Contudo, é evidente que esta complementação, no exemplo supracitado, busca privilegiar entes federados que se orientem por uma perspectiva de avaliação de mérito e de desempenho, o que pode promover uma redução curricular e transformar a função/cargo de diretor escolar como um “balcão” de satisfação de interesses pessoais.

Em linhas gerais, o Fundeb, política de fundos regulada pelo Governo Federal, tende a lidar com uma tensão em torno de uma autonomia relativa na alocação de recursos prevista constitucionalmente aos entes subnacionais e a intervenção regulada por uma redistribuição de recursos próprios e de repasses constitucionais dos estados e municípios. Reconhecendo a força dos municípios brasileiros no debate sobre as questões que lhes interessa no Congresso Nacional, delineada na disputa pela aprovação do Novo Fundeb e resgatada por Gluz (2021), parece haver uma convergência de que, de modo geral, a maioria dos municípios apoiam a continuidade do Fundeb, sobretudo porque o impacto da política na melhoria das condições para o financiamento da educação é considerável em boa parte dos municípios brasileiros.

O perfil de impostos que compõem a cesta de recursos do Fundeb, mantido para a nova configuração a partir de 2021, tem maior centralidade na magnitude de recursos arrecadados em três aspectos: bens de consumo, trabalho formal e serviços. No primeiro aspecto, exemplifica-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre as Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), imposto estadual, tem um repasse constitucional de 25% aos municípios. Além disso, esse tributo também incide sobre alguns tipos de ofertas de serviços, tais como transportes intermunicipais ou interestaduais e serviços de telecomunicação. No segundo aspecto, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), composto por 25,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) (BRASIL, 2021), exemplificam a afirmativa. Ambos dependem de ciclos macroeconómicos (política económica nacional) para a geração de emprego e renda, bem como para a capacidade económica regional de gerar atividade económica que amplie o consumo, o emprego formal e a oferta de serviços. Tais aspectos, apesar de dependerem de ações globais do Governo Federal, indicam que aos municípios industrializados e com forte atividade económica a desigualdade de arrecadação proporcional à sua população reverbera no potencial ao investimento em educação, especialmente se tomadas algumas regras de vinculação constitucional obrigatória.

No cenário anterior delineado, a complementação financeira da União e até a dinâmica redistributiva intraestadual do Fundeb tendem a promover uma diminuição das assimetrias financeiras para o financiamento da educação, o que não elimina a necessidade de se pensar políticas públicas que auxiliem na expansão econômica dos municípios menos desfavorecidos, mas favorece os entes federados com menor capacidade de arrecadação.

Fato é que, na comparação entre os municípios brasileiros, a exemplo do que fez Silva (2020) ao pensar no potencial de investimento em educação a partir da arrecadação per capita (considerando impostos e transferências constitucionais), a desigualdade regional, exemplificada pela abrangência pela complementação financeira ao Fundeb baseada pelo cálculo do VAAF, e a municipal, abordada como política complementar de recursos ao fundo pela métrica do VAAT, dialogam com um cenário que ampliam a compreensão de estudos sobre desigualdades sociais, econômicas e educacionais, como a de Pochmann (2015).

A igualdade educacional, sempre proclamada e jamais concretizada (PIKETTY, 2022), encontra no Brasil um exemplo de aplicação. A partir do que se proclamam as principais leis que regem a educação nacional e o seu contraponto, o modo como os fundos públicos municipais são distribuídos desigualmente desvirtuam a igualdade de oportunidades e a promoção da equidade no direito à educação. Destaca-se: não se busca reduzir os desafios que circundam o combate à desigualdade apenas no debate do financiamento da educação, pois, para esta autoria, há outros elementos de decisões políticas, pedagógicas e, sobretudo, de concepção de educação que também explicam as desigualdades educativas. Contudo, para este objeto investigativo, a capacidade financeira é um tópico específico de interesse e o Novo Fundeb permanente, principalmente pelo aumento da presença da União em matéria de complementação de recursos ao fundo, parece fomentar uma dinâmica de diminuição das assimetrias municipais.

Municípios da Paraíba e o Novo Fundeb permanente para o ano de 2022

Nesta seção, o objetivo é analisar o impacto do Novo Fundeb permanente na perspectiva de redução das desigualdades no financiamento da educação nos municípios paraibanos. É mister que o Fundeb constituiu-se historicamente em uma política importante de ampliação do potencial financeiro dos municípios deste estado, sobretudo ao observar o histórico de complementação financeira da União ao fundo, contemplando a Paraíba em toda a trajetória da política. No debate proposto a esta seção, a leitura do potencial da política para o ano de 2022 engloba outros fatores contextuais (mesmo que não observados pela abordagem de pesquisa adotada), tais como a sustentabilidade da política, o regime fiscal do Governo Federal e a relação entre Estado e Mercado, que, em boa medida, é viés analítico nas leituras aprofundadas de estudos em política educacional

Pautando-se em cuidados metodológicos tecidos por Silva e Gouveia (2021), na direção de uma leitura analítica compreensiva da política educacional, mesmo em uma abordagem quantitativa a organização metodológica deste trabalho é pautada em dois pontos: a) a empiria, baseada nos Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO), enviados pelos municípios e disponíveis no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope), assim como os dados brutos de matrícula disponíveis pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ambos para o ano de 2022 e b) as reflexões do impacto da política de fundos para a redução das desigualdades a partir da exploração do cálculo de gasto por aluno.

O perfil da arrecadação dos municípios paraibanos é, em geral, centrado nas transferências constitucionais, ou seja, são oriundos de percentuais de impostos estaduais (principalmente o ICMS) e federais (sobretudo o IR, que compõe o FPM). De acordo com os dados das RREOs dos 201 municípios, em 190 deles a carga tributária própria, ou seja, o conjunto de impostos municipais não chega a 15% do total arrecadado pelos municípios, refletindo a dependência de tais repasses. Apenas tem maiores percentuais a capital do estado, João Pessoa, o maior município do interior, Campina Grande, e Junco do Seridó, que obteve uma ampliação significativa de suas receitas do ISSQN por ocasião da ampliação do setor primário, principalmente o extrativismo de minérios.

Com isso, dois pontos são passíveis de afirmação. A primeira questão é a de que há uma tendência de que o Fundeb tenha como resultado a ampliação do potencial de financiamento da educação da maior parte dos municípios deste estado, pois, por ter um perfil de atividade económica local que não resulta em uma arrecadação própria significativa (impostos municipais), os recursos disponíveis para a manutenção e o desenvolvimento do ensino (MDE) vinculados constitucionalmente, ou seja, o mínimo de 25% de receitas de impostos e repasses constitucionais tende a não resultar em uma capacidade financeira acima da média dos municípios brasileiros.

Além disso, ao observarmos os dados de matrículas para o ano de 2020 na Paraíba, é perceptível a ampliação do protagonismo municipal na oferta da educação básica no estado. Com base nos dados de matrícula do Censo Escolar, desde 2008 o movimento crescente destas matrículas municipais indica que, ao comparar o início da série histórica até o ano de 2020, o percentual de estudantes de ensino público atendidos subiu de 56,7% para 67%. De fato, dos 201 casos, apenas 26 tiveram resultado líquido negativo das receitas recebidas pelo Fundo, isto é, entre os recursos enviados e os recebidos, a diferença não foi positiva. Outro ponto é que, pela centralidade dos impostos que compõem a maioria da arrecadação, é uma região que carece, especialmente, da ampliação da empregabilidade formal e do incentivo ao consumo de bens e serviços para que os recursos vinculados para a educação (incluindo os direcionados ao Fundeb) se ampliem, dando sustentabilidade à política.

De fato, a primeira leitura indica que, ao explorar o gasto por aluno, considerando a razão entre as despesas em MDE (Fundeb + recursos vinculados) e as matrículas brutas do Censo Escolar do Inep do ano de 2022, encontra-se uma variação significativa. Entre o menor gasto por aluno, R$4.372,39, e o maior, R$23.028,48, 75% dos casos têm, nesta medida, uma média de despesas por estudante de até R$8.282,95. Considerando o Coeficiente de Variação (CV), medida estatística utilizada através da razão entre o Desvio Padrão e a Média, o CV de 27,02% indica um cenário de desigualdade importante em relação à média de gasto por aluno dos municípios analisados. Desta constatação, afirma-se que, independentemente do impacto do Fundeb, há uma relativa desigualdade no financiamento da educação entre os municípios do estado em análise.

Fonte: O autor (2023).

Gráfico 1 Gasto por aluno dos municípios paraibanos analisados - 2022 

Ao retirar o resultado líquido das receitas do Fundeb deste cálculo, isto é, quais recursos a mais (175 casos) ou a menos (26 casos) impactaram os municípios no movimento de repasses e recebimento de recursos do fundo, além da queda significativa da média do gasto por aluno nos municípios paraibanos, o CV é ampliado para 58,31%, indicando uma ampliação da desigualdade sem a política. Como comparativo, os resultados fictícios sem o resultado líquido da política de fundos, R$1.921,92 (menor) e R$25.209,13 (maior), tem como distribuição 75% dos casos até R$7.290,24. Portanto, é possível afirmar que, para este estado, a política impacta diretamente na redução das desigualdades entre os municípios no financiamento da educação.

Fonte: O autor (2023).

Gráfico 2 Gasto por aluno sem o resultado líquido do Fundeb dos municípios analisados - 2022 

Na dinâmica redistributiva do fundo, até o ano de 2022, a Paraíba e seus municípios tiveram acesso a dois tipos de complementação financeira da União ao Fundeb por meio de duas métricas: o VAAF e o VAAT. Historicamente, por ter uma média menor que o VAAF-min definido nacionalmente, o estado da Paraíba e seus municípios sempre receberam, desde a vigência da política, este complemento de recursos. No caso do VAAT, dos casos analisados neste estudo, 81,59% (164 casos) dos municípios paraibanos receberam recursos oriundos desta complementação. Como ela rompe com a lógica de cálculo estadual, elencando cada município e cada rede estadual como casos isolados a serem considerados em sua capacidade mínima de investimento educacional, era possível que o VAAT pudesse complementar outros municípios de outros estados não complementados pelo VAAF, inclusive em maior proporção.

Contudo, Silva (2023) evidencia que a complementação-VAAT, ainda em implementação progressiva, está abordando um alto percentual de entes federados municipais da Paraíba e dos demais estados já complementados pelo VAAF, evidenciando que somente o VAAF não garante a equalização de oportunidades educacionais pela via do Fundeb em operação, reiterando a importância que o Governo Federal tem na construção da melhoria da educação básica a partir da suplementação financeira de municípios com menor desenvolvimento social e econômico. Salienta-se: 10 dos 11 estados com maior percentual de municípios contemplados pelo VAAT em 2022 foram complementados pelo VAAF.

Deste cenário, este trabalho também considera como potencial heurístico compreender qual é o impacto da complementação da União nos municípios paraibanos. Como todos os municípios paraibanos receberam a complementação do VAAF, resta considerar o impacto dos recursos provenientes do cálculo do VAAT, em implementação progressiva. Na tabela abaixo, é possível perceber alguns efeitos desta complementação, seguindo a mesma metodologia do gasto por aluno, mas, desta vez, retirando os recursos do VAAT e considerando apenas os 164 casos que foram complementados financeiramente com a política redistributiva.

Em relação à desigualdade entre os municípios, o impacto da complementação pelo cálculo do VAAT não é tão grande. Se comparado a todos os casos em que foi calculado o gasto por aluno no ano de 2022, o CV é ampliado em apenas dois pontos percentuais. Entretanto, se considerarmos todos os casos, incluindo os municípios não complementados pelo VAAT, e retirarmos esta complementação do cálculo, amplia-se o CV para 34,25%. Portanto, há um significativo impacto na redução da desigualdade, mesmo com a política em implementação (5% no ano de 2022, com previsão de complementação de 10,5% no sexto ano de vigência da política). Todas as medidas diminuem em relação ao gasto por aluno total aplicado nos municípios em análise, como a média, os valores mínimo e máximo e a distribuição dos valores fictícios de gasto por aluno em quartis.

A diferença percentual do gasto por aluno sem o VAAT reitera a importância desta complementação aos municípios paraibanos. No gráfico abaixo, é possível observar uma variação significativa de impactos, mas com mais da metade dos municípios ampliando em mais de 15% seu gasto por aluno com os recursos redistribuídos pelo Governo Federal a partir deste cálculo.

Fonte: O autor (2023).

Gráfico 3 Impacto percentual da complementação do VAAT nos municípios paraibanos contemplados com a redistribuição - 2022 

Tal cenário corrobora a suma importância de que o Governo Federal, para além do seu papel de assistência técnica e regulação nacional da Política Educacional, precisa estar presente na suplementação financeira dos municípios para a oferta da educação básica. Neste momento histórico, os entes federados municipais assumiram o protagonismo da oferta da educação básica no país, com 59,5% das matrículas essencialmente públicas deste nível de ensino vinculadas às redes de ensino municipais (SILVA,2023).

Inegavelmente, a complementação financeira da União ao Fundeb reverbera em reflexos positivos, pois amplia a capacidade de financiamento da educação dos municípios que, historicamente, apresentam um atraso de desenvolvimento socioeconômico em relação aos entes federados municipais com características opostas (SILVA, 2023). No caso do VAAT, principal inovação analisada neste artigo, seu impacto é robusto aos casos estudados, bem como o resultado líquido do Fundeb como um todo, especialmente no âmbito da diminuição das assimetrias municipais na busca pela melhoria de recursos ao financiamento da educação. Não há dúvidas de que, ao assumir a efetividade de um papel redistributivo, operando na educação básica a partir de sua maior capacidade financeira, o Governo Federal e, sobretudo, as forças vencedoras nas tensões em torno da aprovação do Novo Fundeb em 2020 (GLUZ, 2021), compreendem que o combate à desigualdade não só carece de uma atuação incisiva do Estado nacional, como entendem que, amenizando-a, é possível um progresso nacional com mais justiça social.

Um ponto de atenção é relativo à disputa pelo fundo público no âmbito municipal. Aqui, refere-se especificamente à relação entre Estado e Mercado e de que modo a ampliação dos recursos do Fundeb e seu potencial de redução das assimetrias no financiamento da educação podem privilegiar as forças de Mercado que buscam uma parcela do fundo público. Na lei reguladora do Novo Fundeb Permanente, o art. 7° evidencia a possibilidade de os recursos vinculados à educação poderem ser aplicados nas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público, mais especialmente nas matrículas de educação infantil, educação do campo, educação especial, técnica profissional de nível médio e relativas aos itinerários formativos oriundos da Reforma do Ensino Médio.

Pela natureza deste trabalho, não é possível a exploração do perfil de despesas educativas dos municípios paraibanos e, principalmente, de que modo que os entes federados estão se posicionando nesta relação entre Estado e Mercado, seja priorizando o fortalecimento do serviço público destinando parcelas do fundo público às instituições privadas conveniadas com o poder público. É um debate fundamental, no qual o projeto que este trabalho está inserido pretende investigar.

Evidencia-se que, considerando que a política tem impacto positivo na melhoria das condições de financiamento da educação básica dos municípios paraibanos, o programa de pesquisa no qual este trabalho está inserido carece de um caminho que também vise compreender se, a partir desta constatação, já é possível reconhecer efeitos positivos nos planos de carreira e na remuneração dos profissionais do magistério, bem como nas formas de contratação e em outros aspectos que coadunam com a valorização docente e da educação.

Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi compreender de que modo o Novo Fundeb permanente está contribuindo para a diminuição das desigualdades educacionais nos municípios do estado da Paraíba, delimitando o recorte temporal ao ano de 2022. Deste recorte, é possível fazer as seguintes afirmativas: a) O Novo Fundeb impacta substancialmente o financiamento da educação dos municípios paraibanos; b) a complementação financeira da União ao Fundeb atinge os municípios paraibanos de forma positiva, uma evidência de que os municípios da região tem menor potencial de arrecadação que os demais entes federados de outros estados, sobretudo das Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste; c) o VAAT, inovação do Novo Fundeb na complementação de recursos por parte do Governo Federal ao fundo, contempla grande parte dos municípios paraibanos, constituindo melhores condições de financiamento da educação pública municipal; d) a redução das desigualdades entre os municípios do estado é evidenciada pelo impacto da política, no caso deste estudo, através da investigação das médias de gasto por aluno.

Dois aspectos ficam de reflexão para posteriores debates. Primeiramente, é preciso pensar na sustentabilidade da política. No modelo fiscal que compõe o Fundo e, em grande medida, em que se baseia a arrecadação pública atual, a empregabilidade formal, o incentivo ao consumo a partir da valorização dos salários e, consequentemente, do potencial de compra da classe trabalhadora, o fortalecimento da fiscalização do recolhimento de tributos de bens, o consumo e serviços e a atividade econômica na contramão da austeridade fiscal, com forte presença estatal em investimentos públicos e geração de emprego e renda, são alguns dos elementos que tendem a garantir um Fundeb sustentável. Além disso, o posicionamento do Estado nacional na redução das desigualdades em uma sociedade capitalista indica a necessidade de maior presença estatal na economia e, no caso brasileiro, por ter mais capacidade financeira que os demais entes federados e a possibilidade do estabelecimento de políticas econômicas anticíclicas, o papel de suplementação financeira aos estados e, sobretudo, aos municípios, é fundamental.

2O artigo 43 da lei reguladora do Novo Fundeb (BRASIL, 2020B) indica que haverá atualizações nas ponderações, tornando-as vigente a partir do exercício financeiro do ano de 2024. A metodologia de cálculo do custo médio das diferentes etapas, modalidades, duração da jornada e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica deverão ser aprovadas pela Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade, elaboradas pelo Inep, considerando as respectivas especificidades e os insumos necessários para a garantia de sua qualidade. As diferenças e as ponderações entre etapas, modalidades, duração da jornada e tipos de estabelecimento de ensino aplicáveis à distribuição de recursos da complementação-VAAT, deverão priorizar a educação infantil (BRASIL, 2020b).

Referências

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Recebido: de 2023; Aceito: de 2023; Publicado: de 2023

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