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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.18  Curitiba  2024  Epub 08-Abr-2024

https://doi.org/10.5380/jpe.v18i1.92454 

DOSSIÊ: PLANEJAMENTO E GESTÃO DA EDUCAÇÃO: MOVIMENTOS E PERSPECTIVAS

Democracia, pós-democracia e gestão democrática na escola1

Democracy, post-democracy and democratic management at school

Democracia, post-democracia y gestión democrática en la escuela

2Doutora em Educação. Profa. Adjunta da Universidade Federal do Pará (UFPA) - Campus Abaetetuba. Abaetetuba, PA. Brasil


Resumo

O texto busca aprofundar a compreensão dos conceitos e fundamentos da democracia, destacando os desafios encontrados na contemporaneidade. É fundamentado na pesquisa qualitativa, para responder à seguinte questão central: como se apresentam as concepções e os fundamentos de democracia, democratização e gestão escolar no contexto contemporâneo? Assim, discute os conceitos e os fundamentos de democracia, de pós-democracia e de democratização da gestão escolar. A pesquisa bibliográfica foi o procedimento da metodologia adotada para a análise do contexto e da produção do texto teórico neste artigo, compreendendo que utilizando-se das contribuições dos diversos autores sobre o tema, as concepções e os fundamentos da democracia e da democratização da gestão escolar na atualidade.

Palavras chaves: Democracia; Pós-democracia; Gestão escolar democrática

Abstract

The text seeks to deepen the understanding of the concepts and foundations of democracy, highlighting the challenges encountered in contemporary times. It is based on qualitative research, to answer the following central question: how are the conceptions and foundations of democracy, democratization and school management presented in the contemporary context? Thus, it discusses the concepts and foundations of democracy, post-democracy and democratization of school management. Bibliographical research was the procedure of the methodology adopted to analyze the context and production of the theoretical text in this article, understanding that using the contributions of different authors on the subject, the conceptions and foundations of democracy and the democratization of school management nowadays.

Keywords: Democracy; Post-Democracy; Democratic School Management

Resumen

El texto busca profundizar la comprensión de los conceptos y fundamentos de la democracia, destacando los desafíos encontrados en la época contemporánea. Se basa en una investigación cualitativa, para responder a la siguiente pregunta central: ¿cómo se presentan las concepciones y fundamentos de la democracia, la democratización y la gestión escolar en el contexto contemporáneo? Así, se discuten los conceptos y fundamentos de la democracia, la post-democracia y la democratización de la gestión escolar. La investigación bibliográfica fue el procedimiento de la metodología adoptada para analizar el contexto y la producción del texto teórico de este artículo, entendiendo que se utilizan los aportes de diferentes autores sobre el tema, las concepciones y fundamentos de la democracia y la democratización de la gestión escolar en la actualidad.

Palabras clave: Democracia; Post-democracia; Gestión De La Escuela Democrática

Introdução

Apesar de conhecermos de perto o termo democracia, o conceito que designa a palavra é amplo e pode ser dividido e representado de diferentes maneiras. Assim, as democracias podem ser classificadas quanto aos tipos diferentes, com base no modo como se organizam, e também podem apresentar diferentes estágios de desenvolvimento. Por isso, o termo é amplo e de difícil definição, pois o simples ato de dizer que “a democracia é o poder do povo" ou de associar democracia à prática de eleições não define o conceito em sua totalidade (PORFÍRIO, 2022).

A democracia representativa é mais comum entre os países republicanos do mundo contemporâneo. Pela existência de vastos territórios e de inúmeros cidadãos, é impossível pensar em uma democracia direta, como havia na Grécia. Vários fatores contribuíram para a formação desse tipo de democracia, dos quais podemos destacar: sufrágio universal; existência de uma Constituição que regulamenta a política, a vida pública e os direitos e deveres de todos; igualdade de todos perante a lei, o que está estabelecido pela Constituição; necessidade de elegerem-se representantes, pois não são todos que podem participar; necessidade de alternância do poder para a manutenção da democracia.

Sem outra tipificação, a democracia, pode ser percebida como democracia direta pelo pensamento de que seria a única forma coadunável com o Estado liberal, aquele que acata, reconhece e assegura os direitos fundamentais como liberdade de pensamento, de religião, de imprensa, de reunião, entre outros, presentes na democracia representativa ou parlamentar, em que a tarefa de fazer leis diz respeito não a toda a população associada em conselho, mas a um grupo reduzido de prepostos eleitos pelos cidadãos no exercício de seus direitos políticos.

Diante do exposto, para realizar a discussão sobre discutir os conceitos e os fundamentos de democracia, de pós-democracia e de democratização da gestão escolar, este artigo está organizado em quatro partes: a primeira, que trata de concepções e fundamentos de democracia; a segunda parte discorre sobre os desafios contemporâneos à democracia liberal; a terceira parte discute os movimentos da chamada pós-democracia e, finalmente, a parte que apresenta a relação da democracia e da pós-democracia com a gestão escolar.

Concepções e fundamentos de democracia

A participação do poder político é o principal indicador que caracteriza o regime democrático, por meio das liberdades individuais que os cidadãos demandam e obtêm.

Bobbio, et al (2000, p. 324) indicam que

A participação também é redefinida como manifestação daquela liberdade particular que indo além de exprimir a própria opinião, de reunir-se ou de associar-se para influir na política do país, compreende ainda o direito de eleger representantes para o Parlamento e de ser eleito. Mas se esta liberdade é conceptualmente diversa das liberdades civis, enquanto estas são meras faculdades de fazer ou não fazer, enquanto aquela implica a atribuição de uma capacidade jurídica específica, em que as primeiras são chamadas também de liberdades negativas e a segunda de liberdade positiva, o fato mesmo de que a liberdade de participar, ainda que indiretamente, na formação do Governo esteja compreendido na classe das liberdades, mostra que, na concepção liberal da Democracia.

Nos países de tradição democrática-liberal, as concepções de democracia apresentam a propensão de solucionar-se ou esvaziar-se em um índice relativamente amplo de ‘regras de jogo’ ou ‘procedimentos universais’ que, segundo Bobbio et al (2000), são, entre outras: a) o órgão político máximo, definido pela função legislativa, compor-seá por membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo; b) outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local ou chefe de Estado, ficarão com o órgão legislativo, como ocorre nas repúblicas; c) sem distinção de raça, de religião, de censo e de sexo, todos os cidadãos de maioridade devem ser eleitores; d) o voto será igual para todos os eleitores; e) cada eleitor deve ser livre para votar de acordo com sua convicção; f) os eleitores serão livres na medida em que lhes deve ser apresentadas alternativas concretas, o que exclui qualquer eleição em lista única ou bloqueada; g) o princípio da maioria numérica fundamenta as eleições dos representantes e as decisões do órgão público supremo; h) os direitos da minoria não serão limitados por nenhuma decisão tomada por maioria, especialmente o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições; i) o parlamento ou o chefe do poder executivo eleito deve confiar no órgão do governo.

É possível afirmar que os regimes são mais ou menos democráticos, tendo em vista que, historicamente, nenhum deles cumpriu inteiramente todas essas regras, já que não há o estabelecimento de quantas regras devem ser observadas para definir que há democracia em um regime. Só podemos asseverar que não é democrático o regime que não atende nenhumas dessas regras BOBBIO, et al (2000).

Na concepção liberal de democracia, a participação do poder político, característica do regime democrático, é resultado de uma das liberdades individuais que o cidadão demandou e obteve contra o estado absoluto. Trata-se da manifestação da liberdade individual, compreende ainda o direito de eleger representantes para o parlamento e de ser eleito, para além de expressar sua opinião, reunir-se ou associar-se para ter vez e voz na construção da política do país.

Os desafios contemporâneos impostos à democracia liberal

Jacques Rancière, em sua obra O ódio à democracia (2014) e Manuel Castells em Ruptura: a crise da democracia liberal (2018), partindo de dimensões diferentes, porém não antagônicas, apresentam a discussão a respeito de concepções e fundamentos da democracia liberal, destacando os movimentos contemporâneos de seu desmonte.

Rancière (2014) inicia a exposição de suas ideias indicando que a democracia é o mundo das vontades ilimitadas dos indivíduos da sociedade de massa moderna, não sendo, portanto, uma forma de governo desregrado, mas uma crise de civilização que interfere na sociedade e no Estado. Afirma ainda que “a democracia moderna significa a destruição do limite político pela lei de ilimitação própria da sociedade moderna. A vontade de passar por cima de qualquer limite é servida e ao mesmo tempo emblematizada pela invenção própria da sociedade moderna: a técnica”. (RANCIÈRE, 2014, 19).

É possível afirmar que a crise da democracia é o movimento que provoca a crise do governo democrático, e nada mais é que a intensidade da vida democrática. Porém essa intensidade e ameaça ulteriores apresentam-se com um duplo aspecto. Primeiro, a ‘vida democrática’ identifica-se com o princípio anárquico, que afirmava o poder do povo; e, segundo, com uma disputa militante permanente, que interfere em todos os aspectos da atividade dos Estados e desafia os princípios do bom governo, representado pela autoridade dos poderes públicos, o saber dos especialistas e o savoir-faire dos pragmáticos.

A democracia parece ter dois adversários: a) a um oponente claramente identificado, o governo do arbitrário, o governo sem limites; b) essa oposição clara camufla outra, mais do âmago: o bom governo democrático é aquele capaz de controlar o mal chamado simplesmente vida democrática. Assim, o enfrentamento da vitalidade democrática assumia duplo vínculo: ou a vida democrática significa uma ampla participação popular na discussão dos negócios públicos, e isso é ruim, ou significa uma forma de vida social capaz de controlar o excesso de atividade coletiva ou de retraimento individual à vida democrática.

O princípio do novo discurso antidemocrático e, segundo Milner (2007), da democracia, apresenta traços que anteriormente eram domínio do totalitarismo e que foi tendo se conformado diante das necessidades da Guerra Fria, quando seus delineamentos foram decompostos e recompostos para reconstruir o quadro daquilo que se compreendia ser seu contrário: a democracia.

Nesse ponto, é interessante trazer as características de democracia que estavam em disputa. A contraposição clássica entre democracia parlamentar e liberal, amparada na restrição do Estado e na defesa das liberdades individuais, e a democracia radical e igualitária, que abandona os direitos dos indivíduos à crença do coletivo e à cólera desvairada das multidões. A nova acusação da democracia extremista parecia levar à recuperação de uma democracia liberal e pragmática, finalmente livre dos espectros de vanguarda do corpo coletivo.

O homem democrático modelou o mundo em suas diversas configurações: consumidor indiferente de medicamentos ou sacramentos; sindicalista que tenta tirar cada vez mais do Estado-providência; representante de minoria étnica que exige o reconhecimento de sua identidade; feminista que milita a favor das cotas; aluno que considera a escola um supermercado onde o cliente é quem manda. O Manifesto Comunista já fazia essa descrição.

A equação democracia=ilimitação=sociedade que sustenta a denúncia dos “crimes” da democracia prognostica uma movimentação em três momentos: em primeiro lugar, reduzir a democracia a uma forma de sociedade; em segundo lugar, identificar essa forma de sociedade com o reino do indivíduo igualitário, integrando, nesse conceito, todo tipo de características distintas, desde o grande consumo até as reivindicações dos direitos das minorias, passando pelas lutas sindicais; e, em terceiro lugar, atribuir à “sociedade individualista de massa”, identificada com a democracia, a busca de um crescimento indefinido, inerente à lógica da economia capitalista (RANCIÈRE, 2014).

Realizou-se assim, num primeiro momento, a redução da democracia a um estado de sociedade. O segundo momento fez da democracia não mais apenas um estado social, mas uma catástrofe antropológica, uma autodestruição da humanidade. Nesse contexto, o centro da discussão foi a escola a respeito da questão do fracasso escolar, dando destaque que o fracasso da instituição escolar seria resultado de dar chances iguais às crianças oriundas das classes mais modestas. Tratava-se de saber, portanto, como se devia entender a igualdade na escola ou pela escola. (RANCIÈRE, 2014)

A chamada tese republicana considerava que, ao aproximar a escola da sociedade, tornava-a mais homogênea com a desigualdade social. A escola trabalhava pela igualdade na limitada medida em que, abrigada pelos muros que a separavam da sociedade, podia se dedicar à tarefa de distribuir igualmente a todos, sem considerar origem ou destinação social, o universal dos saberes, utilizando para esse fim de igualdade a configuração da relação desigual entre o que sabe e o que aprende. Assim a escola sofria de um único mal, a Igualdade, representada naquele mesmo que tinha que ensinar. E o objetivo alcançado pela autoridade do professor não era mais o universal do saber, mas a própria desigualdade, tomada como manifestação de uma “proeminência”.

Aliás, foi na discussão em torno da questão da educação que o significado de alguns termos como república, democracia, igualdade, sociedade, mudou. Antes, a igualdade de domínio da escola republicana e de sua relação com a desigualdade social. Passou a tratarse apenas do processo de transmissão protegido da tendência à autodestruição contida na sociedade democrática. No passado, tratava-se de transmitir o universal do saber e seu poder de igualdade. Agora, o que se trata de transmitir é simplesmente o princípio do nascimento, da divisão sexual e da filiação (RANCIÈRE, 2014).

No decorrer das denúncias do aumento interminável da falta de cultura, articulado à explosão da cultura de supermercado, a origem do mal foi identificada: era o individualismo democrático. O inimigo a ser enfrentado pela escola republicana já não era mais a sociedade desigual, da qual ela tinha de afastar o aluno, mas, o próprio aluno, que havia se tornado o representante proeminente do homem democrático: o ser imaturo, o jovem consumidor envernizado de igualdade, orientado por sua carta magna - os direitos humanos.

Assim, a incriminação do “individualismo democrático” abarca, facilmente, duas teses: a tese clássica dos favorecidos (os pobres querem sempre mais) e a tese das elites (há indivíduos demais, gente demais reivindicando o privilégio da individualidade). A narrativa intelectual hegemônica une-se assim ao pensamento das elites censitárias e cultas do século XIX: a individualidade é uma coisa boa para as elites; torna-se um desastre para a civilização se a ela todos têm acesso (RANCIÈRE, 2014).

As sociedades, tanto no passado quanto no presente, são organizadas pelo jogo das oligarquias, que as organiza, definindo que não existe governo democrático propriamente dito. Assim é da minoria sobre a maioria que os governos se exercem. Desse modo, “o poder do povo” é necessariamente heterotópico (uma proposta de se pensar o entorno a partir das diferentes residências temáticas (hospitais, escolas, bibliotecas etc. que são alicerçadas nele e que descrevem uma relação, em que estes mesmo lugares predominam um sobre o outro e sobre a vida dos indivíduos) à sociedade não igualitária, e ao governo oligárquico que desvia o governo dele mesmo, desviando a sociedade dela mesma, separando o exercício do governo da representação da sociedade (RANCIÈRE, 2014).

Relativamente à participação, Hannah Arendt (1999) ainda via na forma revolucionária dos conselhos o verdadeiro poder do povo, na qual se constituía a única política efetiva, a elite auto selecionada no território daqueles que se sentiam felizes em se preocupar com a coisa pública. Já Benjamin Constant considerava que as eleições diretas representam o governo representativo único e verdadeiro.

A representação nunca foi um sistema inventado para amenizar o impacto do aumento crescente das populações. Não é uma forma de acomodação da democracia aos tempos modernos e aos vastos espaços. É uma representação das minorias que têm título para se ocupar dos negócios comuns, de pleno direito, uma forma oligárquica.

A eleição não é, em si, uma forma democrática pela qual o povo exerce sua representatividade. Ela é originalmente a demonstração do consentimento que um poder superior pede e que só é de fato dado consentimento na medida em que é unânime. A representação é, em sua origem, o exato oposto da democracia. É o meio de a elite exercer de fato, em nome do povo, o poder que ela é obrigada a reconhecer a ele, mas ele não saberia exercer sem arruinar o próprio princípio do governo.

A democracia não é, absolutamente, consequência natural do sufrágio universal que é um modo misto originado da oligarquia, redirecionada pela arremetida democrática e permanentemente retomada pela oligarquia que captura seus candidatos e às vezes suas decisões à escolha do corpo eleitoral, sem nunca poder excluir o risco de que o corpo eleitoral se comporte como uma população de sorteio.

A democracia nunca se qualifica com uma forma jurídico-política, porém isso não quer dizer que lhe seja insensível, pois o poder do povo está sempre abaixo de e mais adiante dessa forma. Aquém, porque elas não podem funcionar sem se referir, no limite, ao poder dos incapazes que fundamenta e nega o poder dos peremptórios, essa igualdade é necessária ao próprio funcionamento da máquina igualitária. Além, porque as próprias formas que inscrevem esse poder são constantemente reajustadas, pelo próprio jogo da máquina governamental, à lógica “natural” dos títulos para governar, que é a representação de uma indistinção do público e do privado (RANCIÈRE, 2014).

Nesse contexto, há uma dupla forma de compreender a educação. Uma que alguns já a veem em ação no corpo social, do qual é preciso apenas extraí-la: a lógica do nascimento e da riqueza produz uma elite das ‘capacidades’ que tem tempo e meios de se esclarecer e impor a moderação republicana à anarquia democrática. Outros consideram que o próprio sistema das capacidades está desfeito e a ciência deve reconstituir a harmonia entre Estado e sociedade.

Assim, a escola republicana adota, imediatamente, duas visões opostas: uma que considera a articulação entre a unidade da ciência e a da vontade popular, reconhecendo como uma ordem social e política inseparável, reivindicando um ensino homogêneo do mais alto ao mais baixo grau, extinguindo as barreiras entre primário, secundário e superior, defendendo uma escola aberta para o exterior, na qual a instrução básica se assente sobre as alegrias das ‘lições das coisas’, o que soaria mal para os ouvidos de muitos dos republicanos; e outra que defende a continência das regras da gramática, e de um ensino moderno que dê as mesmas oportunidades que o ensino clássico. Os republicanos veem nisso o empoderamento da república pela democracia, pelejando por um ensino que aparta as duas funções da escola pública: transmitir ao povo o que lhe é útil e formar uma elite capaz de se elevar acima do utilitarismo a que estão fadados os homens do povo (RANCIÈRE, (2014).

As regras que determinam o mínimo necessário para considerar um sistema representativo se declarar democrático, são, por exemplo, mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não renováveis; monopólio dos representantes do povo sobre a elaboração das leis; proibição de que funcionários do Estado representem o povo; redução ao mínimo de campanhas e gastos com campanha e controle da ingerência das potências econômicas nos processos eleitorais. Entretanto basta relacioná-las para ver que o sistema representativo é a apropriação da coisa pública por uma sólida aliança entre a oligarquia estatal e a oligarquia econômica.

Tal ruptura é marcada pelo descrédito das instituições, o que deslegitima a representação política, provocando o desmoronamento progressivo de um modelo político de representação e governança: a democracia liberal, marcado por extensas movimentações populares que negam o atual sistema de partidos políticos e de democracia parlamentar, justificados pela afirmativa de que “não nos representam”. Vale destacar que não se trata de uma aversão à democracia, mas a execração à democracia liberal em nome da “democracia real”. Realiza-se, assim, o desmonte gradual de um modelo de representação (CASTELLS,2018).

Apesar de séculos de lutas para alcançar o exercício das instituições e da vida social da democracia, mesmo considerando seus abundantes desacertos em relação aos princípios de participação e na ação equivocada de parlamentares, juízes e governantes, a democracia liberal tem sido desmontada, mesmo pregando

respeito aos direitos básicos das pessoas e aos direitos políticos dos cidadãos; liberdades de associação, reunião e expressão; separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário; eleição livre, periódica e contratada submissão do Estado, e de todos os seus aparelhos, pela delegação do poder dos cidadãos; possibilidade de rever e atualizar a Constituição onde estão os princípios das instituições democráticas; exclusão dos poderes econômicos ou ideológicos na condução dos assuntos públicos (CASTELLS, 2018, p.11).

Esse desmonte pode ser justificado, no contexto da ruptura entre governantes e governados pela ação dos partidos, que podem divergir em políticas, porém aceitando a manutenção pela hegemonia do poder no interior de um panorama de exequibilidades predeterminadas por eles mesmos. Assim, a política se capacita profissionalmente e os políticos se organizam em um grupo social que preserva seus benefícios costumeiros, sobre aqueles que representam: passa a ser engendrada uma classe política que ultrapassa ideologias e zela pelo seu monopólio e experienciam um processo de burocracia interna, que impede o aprimoramento da concorrência entre seus líderes e distanciando-se da influência e da deliberação de seus militantes.

Embora os partidos ajam muitas vezes apartados de quem, em tese, representam, ainda assim, a população vota, elege, age e se arrebata por aqueles em que colocam confiança, alterando a alternativa quando a expectativa ultrapassa o receio de desestabilidade. Porém o contumaz desencantamento dessas esperanças vai desgastando a validade dos partidos, concomitantemente em que a irritação substitui a pacificidade, originando a indignação e, desse modo, acontece o intolerável.

Assim, a construção da crise de legitimidade política dá-se pelo rompimento da afinidade subjetiva entre o que os cidadãos pensam e querem e as ações dos que elegemos e pagamos, já que em situação de crise econômica, social institucional, moral, o consentido passa a ser contestado e o que era um modelo de representação erode na emocionalidade das pessoas, e essa concepção ampla e maioritária de execração à política se altera de acordo com cada país e região, porém ocorre em todas as partes.

A crise da democracia liberal resulta da conjunção de vários processos que se reforçam mutuamente. A globalização da economia e da comunicação solapou e desestruturou as economias nacionais e limitou a capacidade do Estado-nação de responder em seu âmbito a problemas que são globais na origem: crises financeiras, violação aos direitos humanos, mudança climática, economia criminosa, terrorismo (CASTELLS, 2018, p.18).

Embora haja um maior número de pessoas manifestando interesse pela democracia, porque acreditam nela e defendem o ideal democrático, aumenta, cada vez mais a quantidade daqueles que combatem a democracia liberal especialmente em relação ao modo como ela é vivida. Por isso e pela percepção dessa desilusão, são constituídas práticas sociais e políticas que modificam as instituições e a governadoria por toda parte. Esse movimento é resultante da combinação de diferentes processos que se robustecem parte a parte (CASTELLS, 2018).

O mesmo processo de globalização e comunicação trouxe como consequência perversa aos setores populares, originou a formação de classes sociais, que separa a alta sociedade das cidades centrais, porque são produtoras de valor no mercado internacional e a classe dos trabalhadores locais que são depreciados pela deslocalização industrial, excluídos pela transformação tecnológica e desfavorecidos pelo desajustamento trabalhista.

Com o desenvolvimento desse processo, inaugura-se a invenção de um novo modelo de Estado, chamado Estado-rede, representado pela integração padronizada dos Estados-nação que permanecem, mas se transmutam em malhas de uma rede supranacional para onde são deslocados, soberania em permuta para a associação na governança da globalização. Assim, quanto mais o Estado-nação se aparta da nação em que ele se constitui, mais se distanciam o Estado e a nação, com a consequente crise de legitimidade na mentalidade de muitos cidadãos, mantidos à margem de decisões essenciais para sua vida, tomadas para além das instituições de representação direta (CASTELLS, 2018).

Compondo com a crise da representação de interesses, desenha-se uma crise identitária nas pessoas, resultante do processo da globalização, pela percepção de que quanto menos domínio têm sobre o mercado e sobre seu Estado, realizam o movimento de recolher-se em uma identidade própria que não seja possível dissolver-se pelos sabores dos fluxos globais.

Na origem da crise de legitimidade, está a crise de um modelo de capitalismo, o capitalismo financeiro global, baseado na interdependência dos mercados mundiais e na utilização de tecnologias digitais para o desenvolvimento de capital virtual especulativo que impôs sua dinâmica de criação artificial de valor à capacidade produtiva da economia de bens e serviços. Assim, país a país, os governos foram intervindo, evidenciando a falácia da ideologia neoliberal que argumenta a nocividade da intervenção do Estado nos mercados.

A crise de legitimidade democrática foi gerando um discurso do medo e uma prática política que propõe voltar ao início. Voltar ao Estado como centro da decisão, acima das oligarquias econômicas e das redes globais. Voltar à nação como comunidade cultural da qual são excluídos os que não compartilham valores definidos como originários. Voltar à raça como fronteira aparente do direito ancestral da etnia majoritária. Voltar também à família patriarcal, como instituição primeira de proteção cotidiana diante de um mundo em caos. Voltar a Deus como fundamento. E, nesse processo reconstruir as instituições de coexistência em torno desses pilares herdados da história e agora ameaçados pela transformação multidimensional de uma economia global, uma sociedade de redes, uma cultura de mestiçagem e uma política de burocracias partidárias (CASTELLS, 2018).

Urge a construção de uma nova legitimidade, construída com base de uma narrativa que lança uma ampla e geral rejeição à situação atual, assegurando o resgate por meio do rompimento com essa ordem encravada nas instituições e com essa cultura das elites cosmopolitas, cuja desconfiança é a de destruir as derradeiras defesas da tribo diante a invasão do desconhecido.

Castells (2028) conclui sua discussão sugerindo que, para realizar a ruptura com essa ordem, é necessário vivenciar, como diria Paulo Freire (1987), a paciência histórica para ver o modo pelo qual as sementes de liberdade cultivadas em nossa mente devido às práticas de vida vão se desenvolvendo e se transvertendo não obrigatoriamente para produzir uma nova ordem, mas sim, quem sabe, para desenhar um caos criativo para que possamos aprender a proceder na vida, em vez de subjugá-la em burocracias e projetá-la em algoritmos. Dada nossa experiência histórica, experimentar a vida a subsistir no caos pode não ser tão deletério quanto consentir com a o regulamento de uma ordem.

As ideias apresentadas por Rancière (2014) e Castells (2018), apontam para a organização de uma nova concepção denominada de pós-democracia, descrita por Dardot e Laval (2016) como resultante do que o neoliberalismo realizou no capitalismo, transformando profundamente as sociedades por não ser apenas uma ideologia, uma forma de política econômica, mas um sistema normativo que amplificou seu domínio sobre o mundo inteiro, alastrando a lógica do capital a todas as relações sociais e a todas as esferas da vida.

Assim, para ultrapassar o neoliberalismo, construindo uma alternativa desimpedida dessa lógica, é preciso desenvolver uma capacidade coletiva que ponha a estimativa política para agir, partindo das experimentações e das lutas contemporâneas. O princípio coletivo que deriva dos movimentos, das lutas e das experiências indica um sistema de práticas diretamente divergente da racionalidade neoliberal, abalizado para convulsionar o conjunto das relações sociais.

Pós-democracia: um movimento emergente

Os questionamentos a respeito dos limites que a democracia representativa, liberal e ocidental possuem, ocorreram em 2016, a partir de, pelo menos, quatro eventos: o plebiscito no qual a maioria da população da Inglaterra decidiu pela saída país da União Europeia; na Colômbia, a rejeição majoritária resultante de referendo ao acordo de paz com as FARC; eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos; e, no Brasil, a destituição da ex-presidenta Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade fiscal (BALLESTRIN, 2018).

Tais eventos demonstram com clareza o recrudescimento dos discursos abertamente autoritários, anti-humanistas e antidemocráticos; legitimados pelo voto popular, por partidos políticos e/ou lideranças populistas; e, o aproveitamento das instituições democráticas para a fragilização, minimização ou ruptura da própria democracia.

A inserção do neoliberalismo no contexto das discussões da democracia e sua crise na contemporaneidade é compreendido como a força desdemocratizante. Desse modo, o conceito de pós-democracia articula organicamente política e economia, realizando o escoamento daquela e o alargamento/colonização desta em multíplices direções. O debate entre democracia e neoliberalismo também é um debate entre política e economia, povo (soberania popular) e elite (governo), o nacional e o global.

De acordo com Monedero (2012, p. 70), “A pós-democracia (como um correlato necessário do fim da política) pode ser entendida como o sempiterno intento liberal de deslocar a política para um lugar neutro, com o fim de proclamar a morte do antagonismo político e a aceitação resignada do reformismo político e a economia de mercado” caracterizando-se, assim, como um contínuo movimento de desmonte da democracia liberal.

O formalismo democrático, o fascismo social e o domínio absoluto da economia financeira sobre a realidade são três pilares fundamentais para o entendimento da pós-democracia em um sentido mais amplo. Esse tipo de abordagem enfatiza a ideia de póspolítica, incorporando a crítica pós-marxista que denuncia a tentativa discursiva constante de neutralização, eliminação e criminalização do conflito pelo neoliberalismo (BALLESTRIN, 2018, p. 155).

A conjuntura pós-democrática atual, segundo Ballestrin (2018), pode ser caracterizada a partir de uma série de eventos que sugerem a escalada global de

  1. um recuo democrático no seu sentido hegemônico e formal, possibilitado por dentro das próprias instituições democráticas;

  2. a crescente autorização pública da ascensão de discursos autoritários, antidemocráticos e anti-humanistas, com apelo e adesão popular/populista;

  3. a crescente colonização da esfera econômica internacional sobre a vida política nacional;

  4. o espraiamento da razão neoliberal para todas as esferas da vida pessoal e coletiva, inclusive política;

  5. o esvaziamento da política e da democracia.

O sistema denominado pós-democracia, em tese, não estabelece ruptura com a democracia ocidental clássica: são organizadas eleições livres, o poder judiciário permanece independente, há respeito pelos direitos individuais. O que há de diferente é o lugar do poder real que, agora, as decisões são tomadas pelas lideranças das grandes organizações transnacionais, pelos mercados, pelas agências de classificação, pelas organizações internacionais e pelos organismos tecnocráticos. O Brasil foi levado para esse terreno pela destituição de Dilma Rousseff. (SINTOMER, 2017).

No Brasil, o avanço da desdemocratização também caminha com a radicalização do anti-humanismo contra a vida dos outros. A equivalência da política à corrupção é um dos discursos generalizados que trabalha para a destruição da democracia, afastando as pessoas da política e produzindo um sentimento de rejeição aos partidos políticos, à classe política e às instituições políticas. Da maneira como se tem posto a aversão discursiva à corrupção tem se transformado em aversão à política e à própria democracia. (BALLESTRIN, 2018, 160)

O processo de maior profundidade que está por trás da pós-democracia é a essência da pós-política, que anula o conflito, elemento central da democracia (MONEDERO, 2012), uma vez que a pós-democracia pode ser entendida como a condição que se dissipou de uma democracia anterior, considerada de maior qualidade, compreendida como “contra democracia” ou “impolítica” que leva à hostilidade.

A pós-democracia pode ser empregada para anunciar um mundo em que ocorreu a dissolução dos conflitos sociais fundamentais, de forma que a política pode e deve ser negligenciada; pode ser compreendida como a solução economicista para o “trilema da economia mundial”, isto é, o abandono da política perante o desentendimento para harmonizar soberania nacional, Estado social e democracia em tempos de globalização (RODRIK,2012)

A pós-democracia também pode ser entendida como “o abandono das atitudes excessivamente respeitosas para com o governo, particularmente no tratamento dispensado aos políticos pela mídia; a insistência na abertura total por parte do governo; e a redução dos políticos a uma figura mais parecida com a de um lojista do que a de um governante, sempre tentando adivinhar os desejos dos ‘clientes’ para manter o negócio nos trilhos” (CROUCH, 2004, p. 36-37).

Monedero (2012) afirma que a democracia do século XXI deve enfrentar as críticas ao Estado social e democrático de direito realmente existente, efetivadas há décadas e a partir de diferentes lugares:

  • - do pensamento liberal (que critica o paternalismo, a ineficiência, o clientelismo);

  • - do marxismo (que julga a manutenção da exploração, que provoca a alienação, o enfraquecimento da consciência crítica cidadã);

  • - do ambientalismo (no enfrentamento do produtivismo esgotador da natureza);

  • - da crítica geracional (pelo exame da hipoteca transmitida a quem vem depois); - do pacifismo (pela opinião contrária ou negativa do complexo econômico-militar, do keynesianismo de guerra, da violência);

  • - do feminismo (com o pensamento questionador a respeito do patriarcado, da desigualdade de gênero);

  • - da crítica pós-moderna (pelo afogamento da individualidade e da diferença, a homogeneização cultural, as hierarquias);

  • - da periferia mundial (que revela o aumento das diferenças Norte-Sul, o neocolonialismo).

O conceito de pós-democracia não representa nem a mudança do atual padrão em curso nem as argumentações estruturais do escoamento democrático. O quadro atual mostra, de um lado, uma descontinuação dos processos democráticos e, do outro lado, a emergência de novas formas de articulação política. O que está em pauta é o pacto social que vinha sustentando o Estado social e democrático de direito. Imaginar o que pode vir a preenchê-lo dá a sensação de desequilíbrio. A involução é clara. O futuro, duvidoso. Urge, portanto, acompanhar com reflexão ousada a ação coletiva desobediente. (MODENERO, 2012).

Como diz Castells,

Poderíamos experimentar e ter a paciência histórica de ver como os embriões de liberdade plantados em nossa mente por nossa prática vão crescendo e se transformando. Não necessariamente para constituir uma ordem nova. Mas sim, quem sabe, para configurar um caos criativo no qual aprendamos a fluir com a vida, em vez de aprisioná-la em burocracias e programá-la em algoritmos especialmente na escola. Dada nossa experiência histórica, aprender a viver no caos talvez não seja tão nocivo quanto conformar-se à disciplina de uma ordem. (2018, p. 148)

É desse modo que poderemos avaliar com relativa precisão como iremos enfrentar as transformações ora apresentadas para enfrentá-las com discernimento para manter os princípios democráticos, especialmente, na educação e na gestão escolar.

A educação, no processo de enfrentamento à pós-democracia, especialmente na escola, onde os alunos devem ter acesso ao conhecimento e à verdade, discordando da pós-verdade, ao respeito aos limites, à introdução no “mundo”, tornando-se uma fronteira às imposições da família, da economia, da sociedade e da política (PETRY, 2021).

Considerações em processo: as relações entre democracia, pós-democracia e gestão escolar

Atualmente, conceitos como ‘autonomia’, ‘comunidade educativa’, ‘projeto educativo’, continuarão a ser convocados, e até com maior frequência, mas como instrumentos essenciais de uma política de modernização e racionalização, com metáforas capazes de dissimularem os conflitos, de acentuarem a igualdade, o consenso e a harmonia, como resultados ou artefatos, e não como processos e construções coletivas. (LIMA, 2014, 1079)

A gestão democrática das unidades escolares públicas brasileiras ganha terreno institucional quando passa a ser defendida pelo Estado neoliberal, como forma de garantir a eficiência e a eficácia do sistema público de ensino. Por isso, não tem significado nem avanços na construção de uma escola pública de qualidade, que atenda aos interesses da maioria da população brasileira.

Se por um lado, os preceitos do neoliberalismo nos indicam a intenção privatista dessas políticas, por outro lado, elas podem ser colocadas no campo progressista, buscando a construção de um espaço público democrático, tendo em vista que a democratização do Estado brasileiro sempre esteve na pauta das lutas da sociedade civil.

O que se trata aqui é da democratização das relações que envolvem a organização e o funcionamento efetivo da instituição escola. Trata-se, portanto, das medidas que vêm sendo tomadas com a finalidade de promover a partilha do poder entre dirigentes, professores, pais, funcionários, e de facilitar a participação de todos os envolvidos nas tomadas de decisões relativas ao exercício das funções da escola com vistas à realização de suas finalidades.

O conceito de gestão, opondo-se à visão tecnicista enraizada historicamente ao conceito de administração escolar, evidencia os aspectos políticos inerentes aos processos decisórios, correspondendo às várias ações e procedimentos que colocam em ação um sistema organizacional. A gestão é a execução política, é por onde a política opera e o poder se realiza. (SOUZA, 2009)

Analisando o conteúdo do PNE 2014-2024, observamos que a Meta 19 aponta para uma proposta de gestão no modelo gerencial, pautada por critérios técnicos de mérito e desempenho. Tal modelo, materializado pelo gerencialismo, é verificado pelos desencadeamentos de estratégias que restringem a participação democrática à participação legal-formal, ou seja, uma participação ilusória.

Esse novo modelo de gestão é também chamado de ‘gerencialismo’ busca estabelecer, para o campo educacional, uma cultura organizacional firmada nos princípios de gestão estratégica e do controle de qualidade objetivam promover a racionalização, a eficácia e a eficiência nos sistemas de ensino, aspectos esses que são tradicionais da prática empresarial. (CABRAL NETO, 2009, p. 197)

A pós-democracia nas escolas, com base nos valores da racionalidade econômica, da competitividade e da inovação, sob comando dos princípios gerencialistas que têm sido introduzidos na administração pública, pode representar uma saída que rejeita soluções não democráticas, mas, ao mesmo tempo, institui mínimos participativos compatíveis com a ação das elites políticas, econômicas e filantrópicas, dos novos interesses organizados, das potenciais fontes de financiamento, dos gestores escolares e das suas tecnoestruturas de assessoria, dos consultores externos e das firmas de prestação de serviços.

A ascensão de uma pós-democracia nas escolas públicas, com algumas semelhanças ao que Colin Crouch (2004) observou no caso da pós-democracia política, concede prioridade ao mundo empresarial, tomado, como modelo, aos clientes e consumidores, aos consultores e aos lobistas, diante de uma representação de passividade e de não participação por parte dos atores escolares, uma fraca qualidade democrática da vida escolar para limitar os interesses dos atores sociais mais poderosos, dos sindicatos considerados nefastos, uma desvalorização, do pensamento pedagógico, da pesquisa educacional e dos saberes profissionais dos professores (Lima, 2014).

Assim, concordamos com Modenero, (2012 p.122) quando afirma que “A democracia tem porque suscitar medo e ódio, entre os que estão acostumados a exercer o magistério do pensamento. Mas, entre os que sabem partilhar com qualquer um o poder igual da inteligência, pode suscitar, ao contrário, coragem e, portanto, felicidade”.

1O presente artigo origina-se de parte dos resultados da pesquisa intitulada Concepções e fundamentos da democracia e da pós-democracia na democratização da gestão escolar, executada durante o período do cumprimento de Estágio Pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná, sob a supervisão da Profa. Dra. Elisângela Alves da Silva Scaff.

Referências

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Recebido: Agosto de 2023; Aceito: Dezembro de 2023; Publicado: Janeiro de 2024

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