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Jornal de Políticas Educacionais

versão On-line ISSN 1981-1969

J. Pol. Educ-s vol.18  Curitiba  2024  Epub 08-Abr-2024

https://doi.org/10.5380/jpe.v17i0.92866 

DOSSIÊ: PLANEJAMENTO E GESTÃO DA EDUCAÇÃO: MOVIMENTOS E PERSPECTIVAS

Diretrizes e Bases para a Organização e Gestão da Educação no Brasil

Guidelines and Bases for the Organization and Management of Education in Brazil

Directrices y Bases para la Organización y Gestión de la Educación en Brasil

Edson Francisco de Andrade1 
http://orcid.org/0000-0002-7577-898X

1Doutor em Educação. Docente no Departamento de Políticas e Gestão da Educação - DPGE e no Programa de Pós-Graduação em Educação no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Líder do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Educação e Enfrentamento da Desigualdade Social. Recife, PE. Brasil


Resumo

O presente ensaio tem como objetivo analisar os efeitos das alterações realizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) que devem ser observados na organização e gestão da educação no Brasil. O estudo foi subsidiado por uma pesquisa documental, tendo como fontes o texto da LDBEN/1996 e os dispositivos legais que determinaram as alterações nesta Lei da Educação ao longo do período de 25 anos de sua vigência (1996-2021). Aborda-se, inicialmente, os princípios e os fins da educação nacional a serem incorporados aos deveres solidários exercidos pelo Estado e pela família na efetivação do direito à educação. Em seguida, com respaldo metodológico na Análise de Conteúdo, analisamse os dispositivos legais que modificam, especificamente, os títulos 3º e 4º da LDBEN/1996, que referenciam os processos gestionários nos âmbitos dos sistemas de ensino e das escolas públicas. Nas conclusões realçam-se tanto os dispositivos da LDBEN que são favoráveis à marcha pela garantia do direito à educação quanto aqueles que representam evidente retrocesso em relação a esse pleito. Em face desse dado da realidade, defende-se o discernimento sobre o que efetivamente se infere da lei, no sentido de mobilizar os seus contributos progressistas na luta em defesa da educação pública na atual conjuntura do País.

Palavras-chave: LDBEN/1996; Organização da Educação Nacional; Gestão da Educação; Direito à Educação

Abstract:

This essay aims to analyze the effects of the changes made to the National Education Guidelines and Bases Law (LDBEN/1996) to be observed in the organization and management of education in Brazil. The study was supported by documentary research, using as sources the text of LDBEN/1996 and the legal provisions that determined the changes to this Education Law over the 25-year period of its validity (19962021). It initially addresses the principles and purposes of national education to be incorporated into the solidarity duties exercised by the State and the family in realizing the right to education. Then, with methodological support in Content Analysis, the legal provisions that specifically modify titles 3 and 4 of LDBEN/1996, which reference management processes within the scope of education systems and public schools, are analyzed. The conclusions highlight both the LDBEN provisions that are favorable to the march to guarantee the right to education and those that represent a clear setback in relation to this claim. In view of this reality, discernment about what is effectively inferred from the law is advocated, in order to mobilize its progressive contributions in the fight to defend public education in the current situation in the country.

Keywords: LDBEN/1996; National Education Organization; Education Management; Right to education

Resumen

Este ensayo tiene como objetivo analizar los efectos de los cambios introducidos en la Ley de Directrices y Bases Nacionales de Educación (LDBEN/1996) que deben observarse en la organización y gestión de la educación en Brasil. El estudio se apoyó en una investigación documental, utilizando como fuentes el texto de la LDBEN/1996 y las disposiciones legales que determinaron las modificaciones a esta Ley de Educación durante el período de 25 años de su vigencia (1996-2021). Aborda inicialmente los principios y propósitos de la educación nacional para ser incorporados a los deberes solidarios que ejercen el Estado y la familia en la realización del derecho a la educación. Luego, con apoyo metodológico en el Análisis de Contenido, se analizan las disposiciones legales que modifican específicamente los títulos 3 y 4 de la LDBEN/1996, que hacen referencia a los procesos de gestión en el ámbito de los sistemas educativos y escuelas públicas. Las conclusiones destacan tanto las disposiciones de la LDBEN que son favorables a la marcha para garantizar el derecho a la educación como aquellas que representan un claro retroceso en relación a este reclamo. Ante esta realidad, se aboga por el discernimiento sobre lo que efectivamente se infiere de la ley, a fin de movilizar sus aportes progresistas en la lucha por defender la educación pública en la situación actual del país.

Palabras clave: LDBEN/1996; Organización Nacional de Educación; Administración de educación; Derecho a la educación

Introdução

Ao longo dos seus 25 anos de vigência (1996-2021), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996 (doravante LDBEN/1996) foi significativamente modificada. Faz-se pertinente realçar as seguintes alterações no conjunto das suas seções: a) acréscimos aos Princípios da Educação Nacional; b) ampliação do alcance populacional no tocante à garantia do Direito à Educação e do Dever de Educar; c) reorganização da Educação Nacional; d) recomposição dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino; e) reconfiguração do que se entende por Profissionais da Educação, incluindo a flexibilização de exigência para o exercício do magistério; e f) disposição sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos.

Os movimentos de marcha e contramarcha, que se observam tanto nas modificações da LDBEN/1996 quanto nas políticas educacionais que decorrem dessas atualizações na Lei da Educação, traduzem heterogeneidades destacáveis na Política Educacional assumida por cada governante que exerceu a chefia do Poder Executivo Federal no período de 1996 a 2021.

Partindo dessa assertiva, o presente ensaio tem como objetivo analisar os efeitos das alterações realizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) que devem ser observados na organização e gestão da educação no Brasil..

O presente estudo foi subsidiado por uma pesquisa documental, tendo como fontes o texto da LDBEN/1996 e os dispositivos legais que determinaram as alterações nesta lei no decurso dos seus 25 anos de vigência. O trabalho analítico dos dados foi realizado por meio da Análise do Conteúdo. Tal perspectiva teve como propósito compreender o registrado explicitamente nos documentos analisados, assim como produzir inferências, constituindo-se fase intermediária entre a descrição das características do texto e a interpretação (BARDIN, 2007). A partir das inferências produzidas e do aporte teórico consultado sobre o tema, apresentamos nossas interpretações e considerações sobre o objeto em estudo.

Para fins didáticos, subdividimos a organização do texto em três partes. Abordase, inicialmente, os princípios e os fins da educação nacional a serem incorporados aos deveres solidários exercidos pelo Estado e pela família na efetivação do direito à educação. Em seguida, analisam-se os dispositivos legais que modificam, especificamente, os títulos 3º e 4º da LDBEN/1996, que referenciam os processos gestionários nos âmbitos dos sistemas de ensino e das escolas públicas. Por fim, apresentamos considerações que realçam tanto os dispositivos da LDBEN, que são favoráveis à marcha pela garantia do direito à educação, quanto aqueles que representam evidente retrocesso em relação a esse pleito.

A justificativa para desenvolver este estudo tem como base nosso entendimento de que a garantia do direito à educação, aqui considerado como direito humano fundamental (MACHADO; ANDRADE, 2021), deve mobilizar iniciativas por parte do Poder Executivo, dos órgãos gestores dos sistemas educacionais, da sociedade civil organizada e das casas legislativas, na perspectiva de constituir agendas e incumbências do Poder Público em favor da consolidação do padrão de qualidade educacional no território brasileiro.

Os princípios e fins da educação nacional

O Título II da LDBEN/1996, que estabelece os princípios e os fins da educação nacional, é composto pelos artigos 2º e 3º. O Art. 2º mantém o texto original: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho”.

Esse artigo da lei da educação, ao mencionar primeiro a família e depois o Estado, suscita uma ordem invertida em relação a quem cabe o dever da garantia do direito à educação escolar. A estranheza que causa essa opção de textualização na LDBEN é ainda mais saliente quando comparamos o texto que já constava na Constituição Federal de 1988 ao dispor que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Art. 205). Ora, se desde a Constituinte já se explicitava que a educação escolar constituía um dever primeiro do Estado e depois da família, qual seria o motivo dessa inversão após oito anos de tramitação da LDBEN (1988-1996)?

Saviani (2016) corrobora esse questionamento ao mesmo tempo em que traz à memória uma polêmica entre os defensores da escola pública e da escola particular na discussão do projeto de LDBEN que resultou na lei aprovada em 1961. Naquele contexto, “a Igreja Católica, justificando os interesses privatistas, afirmava a precedência da família em matéria de educação, situando o Estado em posição secundária” (SAVIANI, 2016, p. 224). O fato é que esse interesse privatista, que já fora vitorioso quando da aprovação da primeira LDBEN/1961, teve lugar assegurado no texto da atual lei da educação. A principal consequência dessa reafirmação é o subsídio que esse enunciado, firmado como parte das diretrizes da educação nacional, oferece aos interlocutores privatistas no Congresso Nacional e no Palácio da Alvorada, constituindo, assim, um argumento plausível ao discurso dos defensores da privatização da educação escolar, inclusive das aspirações pela regulamentação do homeschooling no País.

O Art. 3º do Título II, que dispõe sobre os princípios basilares ao ensino nacional, além de não ter recebido alteração em nenhum de seus onze incisos originais, também recebeu três acréscimos. O Inciso XII - consideração com a diversidade étnico-racial - foi incorporado à LDBEN por meio da Lei nº 12.796/2013 (BRASIL, 2013a). Trata-se de um incremento à lei da educação decorrente de uma iniciativa do Poder Executivo, apresentada formalmente em 09 de junho de 2009, portanto, no segundo Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010) e sancionada no primeiro Governo da presidenta Dilma Vana Rousseff (2011-2014).

A questão étnico-racial foi colocada no bojo do processo de redemocratização no Brasil, realçando-se a necessidade da devida atenção do Poder Público com o provimento de condições objetivas que potencializem o enfrentamento da histórica desigualdade educacional no País. De maneira efetiva, essa demanda passou a constituir pauta de políticas educacionais, especialmente nos Governos Lula e Dilma. Essa assertiva tem amparo no fato de que uma das primeiras ações do Presidente Lula, em seu primeiro mandato, supramencionado, foi sancionar a Lei n° 10.639, proposta originalmente pela Deputada Federal Esther Grossi (PT/RS), apresentada em 11 de março de 1999, na Câmara dos Deputados, sendo finalmente promulgada em 9 de janeiro de 2003, instituindo a obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira.

No ano seguinte, o Conselho Nacional de Educação aprovou o parecer CNE/CP 3/2004, de 10 de março de 2004, homologado pelo ministro da Educação em 19 de maio de 2004, fundamentando a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Eptnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2013b). Soma-se a esse passo a passo do reconhecimento do tema, a publicação do Documento intitulado “Orientações e Ações para Educação das Relações Eptnico-Raciais”, realizada pelo Ministério da Educação, por meio da Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, em 2006 (SECAD, 2006).

É justo o reconhecimento de que a inserção da consideração com a diversidade étnico-racial como um dos princípios basilares do ensino nacional corresponde a um movimento de marcha progressiva em favor do devido lugar que esse tema deve ocupar especialmente no processo de educação escolar.

O segundo acréscimo diz respeito à inserção do Inciso XIII ao Art. 3º da lei, que estabelece a “garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida” como um dos princípios do ensino nacional. Essa alteração da LDBEN foi resultante da promulgação da Lei nº 13.632/2018 (BRASIL, 2018a), de proposição originária do Deputado Federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG), em 24/05/2016.

Esse princípio, ao preconizar a garantia do direito à educação ao longo da vida, deveria também suscitar o reexame da própria delimitação que a LDBEN faz ao estabelecer uma idade ideal (4 aos 17 anos de idade) para a conclusão da educação básica obrigatória. No entanto, no corpo da Lei nº 13.632/2018, que institui esse princípio, há uma explicitação de que o legislador quis se referir, especificamente, à oferta de Educação de Jovens e Adultos destinada às pessoas que não tiveram acesso ou continuidade de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade ideal (4 a 17 anos), assim como à oferta de educação especial subsequente à etapa de educação infantil.

Pode-se considerar que, em essência, esse princípio basilar do ensino incorporado à lei incrementa os dispositivos da LDBEN, mobilizáveis em favor da reivindicação do cumprimento do dever do Estado com a oferta educacional gratuita, seja qual for a idade do requerente. Trata-se de um contributo ao avanço na consecução da educação como direito, ainda que, neste caso específico, seja um direito concebido formalmente como passível de ser reivindicado por aqueles que não tiveram acesso no tempo definido pelo Estado como ideal.

O último acréscimo ao Art. 3º da LDBEN/1996 corresponde à inclusão do inciso XIV, que determina, como princípio do ensino nacional, o “respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva” (BRASIL, 2021). Esta alteração atendeu ao disposto na Lei nº 14.191/2021, que foi originalmente apresentada pelo Senador Flávio Arns (PODEMOS/PR), em 27/05/2021.

Esse tema constitui pauta histórica no campo da educação, tendo sido apreciado como objeto de estudos acadêmico-científicos, mas também defendido como pauta inadiável de política pública. O estudo publicado por Campello e Rezende (2014), intitulado “Em defesa da escola bilíngue para surdos: a história de lutas do movimento surdo brasileiro”, realça pertinentemente esse amplo envolvimento com o tema, quando se refere “a mobilização sem precedentes para a inclusão das Escolas Bilíngues para Surdos no Plano Nacional de Educação - PNE, hoje sancionado pela Lei 13.005/2014” (REZENDE, 2014, p. 71).

O fato é que a consolidação da “modalidade de educação bilíngue de surdos”, textualizada na ementa da Lei nº 14.191/2021, exige a devida ação do Estado, no sentido de prover políticas públicas que efetivem o novo princípio do ensino nacional. Com efeito,

lutamos por uma Política Nacional de Educação Bilíngue condizente para a formação da Identidade Linguística da Comunidade Surda, garantida pela Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que reconhece a importância da Língua de Sinais e da Cultura Surda para as Pessoas Surdas (CAMPELLO; REZENDE, 2014, p. 71).

Essa assertiva de Campello e Rezende (2014) demanda especial atenção, uma vez que, decorridos nove dos dez anos do PNE (2014-2024), a realidade é que parte substancial do Plano não foi implementada. A situação é ainda agravada pelo imobilismo do Parlamento brasileiro, que pouco faz para fazer cumprir as metas do PNE, entre elas a meta 4, que promete a universalização do atendimento educacional às pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, salientando-se “a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados” (BRASIL, 2014).

Essa correlação, que buscamos realçar entre a necessidade de cumprimento do atual PNE e a consagração do respeito à diversidade humana, linguística, cultural e identitária das pessoas surdas, surdo-cegas e com deficiência auditiva, guarda coerência com o compromisso de que os princípios que regem o ensino, previstos na LDBEN/1996 (Art. 3º), estejam em sintonia com os meios necessários para a sua efetivação, que são as condições objetivas referidas na letra do Plano como a garantia de sistema educacional inclusivo.

A organização da educação nacional no contexto das alterações da LDBEN

A proposição inicial do Título IV da atual LDBEN, sistematizada no Projeto de Lei nº 1.258/1988 (BRASIL, 1988), que marcara o início do longo trâmite desta lei no Congresso Nacional, foi resultante do movimento de marcha encampada por uma pluralidade de sujeitos e organizações sociais em defesa da institucionalização do Sistema Nacional de Educação (doravante SNE). Conforme nos ensina Saviani (2016, p. 229):

Se por diretrizes e bases se entendem fins e meios, ao serem estes definidos em termos nacionais pretende-se não apenas indicar os rumos para onde se quer caminhar, mas organizar a forma, isto é, os meios através dos quais os fins serão atingidos. E a organização intencional dos meios com vista a se atingir os fins educacionais preconizados em âmbito nacional, eis o que se chama “sistema nacional de educação”.

Foi essencialmente pelo desejo de uma Lei da Educação que transcendesse a mera indicação de rumos para onde se quer caminhar, avançando-se para a explicitação dos meios através dos quais os fins serão atingidos que o pleito pelo SNE foi assumido como mecanismo basilar para o enfrentamento das históricas desigualdades no tocante ao direito à educação no País, a exemplo do que já se sabia sobre essa matéria, à luz da experiência vivida por outros países. A esse respeito, Saviani (2016, p. 226) esclarece que:

Historicamente, a emergência dos Estados Nacionais no decorrer do século XIX foi acompanhada da implantação dos sistemas nacionais de ensino nos diferentes países como via para a erradicação do analfabetismo e universalização da instrução popular. O Brasil foi retardando essa iniciativa e, com isso, foi acumulando um déficit histórico imenso no campo educacional, em contraste com os países que instalaram os respectivos sistemas nacionais de ensino não só na Europa e América do Norte, mas também na América Latina, como ilustram os casos da Argentina, Chile e Uruguai.

Em que pese a evidente necessidade de marcha, em ritmo mais acelerado possível, na perspectiva da erradicação do analfabetismo e universalização da instrução popular no caso brasileiro, sendo esta justamente a razão da luta histórica pela textualização do SNE na LDBEN, essa expressão, Sistema Nacional de Educação, “presente no Substitutivo Jorge Hage, acabou sendo retirada quando da aprovação do projeto na Câmara, não figurando também no texto da lei. No entanto, é, com certeza, um aspecto crucial, podendo mesmo ser considerada a questão central da LDB” (SAVIANI, 2016, p. 226).

Com efeito, no Substitutivo Jorge Hage, aprovado em 28 de junho de 1990 na Câmara dos Deputados, constava que:

O Sistema Nacional de Educação, expressão institucional do esforço organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação, compreende os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como outras instituições públicas ou privadas, prestadoras de serviços de natureza educacional (Art. 8º).

Observa-se que, na proposição do texto original que resultou na atual LDBEN, tinha-se clareza de que a desarticulação que marcara a atuação do Poder Público no campo da educação constituía razão adicional para a reivindicação do SNE no âmbito desta lei, que deveria se materializar por meio de um esforço organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação. Tratava-se de uma concepção inovadora de organização e gestão da educação nacional. Além de trazer à luz a incumbência permanente do Estado e de organismos da sociedade civil, a proposta de organização sistêmica da educação assumia o compromisso com a garantia de um mesmo padrão de qualidade da educação no país, incorporando-se nesse mesmo padrão de qualidade a oferta pública e privada de educação escolar.

De forma efetiva, para além da garantia do direito à educação, buscava-se garantir a universalização de um mesmo padrão de qualidade da educação no território nacional (Art.9º). Esta é, propriamente, a razão pela qual Saviani (2016) reconhece o SNE como a questão central da LDBEN. Tal proposição exigia a desnaturalização da coexistência de distintos e desiguais padrões de qualidade da educação escolar no País, seja em função das desigualdades na capacidade de oferta educacional por parte dos entes federados responsáveis pela educação pública, seja em função das discrepâncias entre a oferta da educação pelas instituições públicas e pela rede privada.

O parágrafo único do Art. 8º do Substitutivo Jorge Hage/1990 distinguia, entre as instituições públicas e privadas referidas neste artigo, “as de pesquisa científica e tecnológica, as culturais, as de ensino militar, as que realizam experiências populares de educação, as que desenvolvem ações de formação técnico-profissional e as que oferecem cursos livres”.

Observa-se que, entre as instituições públicas, as de ensino militar são concebidas igualmente como membros do SNE, colocando-se sob as mesmas diretrizes e bases da educação nacional. Realçamos este caso apenas para chamar a atenção sobre a amplitude que se estendia à concepção sistêmica com vistas a uma educação efetivamente nacional. No entanto, em detrimento das justificativas mais que plausíveis em favor dessa causa, “na lei aprovada, a LDB de 1996, o sistema nacional de educação foi substituído pela organização da educação nacional. O fórum, que seria o órgão articulador e de consulta à sociedade para a produção coletiva do Plano Nacional de Educação (PNE), foi retirado” (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2012, p. 328).

O fato é que a ausência de um SNE, que perdura até os dias atuais no País (2023), fragiliza a materialização do Regime de Colaboração, especialmente no tocante ao cumprimento de planos articulados de educação. Desta feita, embora tenhamos o princípio da colaboração como recomendação legal para as relações intergovernamentais na República Federativa do Brasil, essa expectativa ainda não saiu, efetivamente, do papel, apesar de sua previsão legal (PNE, Art. 13) e dos esforços e luta dos profissionais da educação. Sabe-se, porém, que a consolidação do SNE poderia contribuir para a construção de uma educação nacional articulada, possibilitando avançar na igualdade de condições no oferecimento da educação e potencializando a qualidade do ensino.

Esse fato retirou a essência do que se almejava com o SNE, uma vez que restou prejudicada a expectativa de organização e gestão de um projeto nacional de educação, que resguardava a organicidade das políticas e de programas, implicando o redimensionamento da atuação dos entes federados sem prescindir da autonomia de cada esfera de poder (ANDRADE, 2014). Dentre as alterações realizadas até o momento na LDBEN, nenhuma delas teve como objeto a retomada do processo de institucionalização do SNE, ainda que desde 2009 a Constituição Federal já tenha avançado nessa direção.

No que concerne ao foco de análise desta seção do texto, podemos considerar que a lógica de organização de sistemas tem presença ao longo do IV título da LDBEN. Contudo, relega-se, propositalmente, a principal parte do que constava no Substitutivo Jorge Hage, no tocante ao esforço permanente do Estado por um todo organizado em matéria de educação nacional, optando-se por conceber a organização da educação nacional como um conjunto de incumbências específicas que devem ser assumidas por cada sistema de ensino, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como dos estabelecimentos de ensino e dos docentes, conforme a abordagem na sequência. Dos 13 artigos que integram o Título IV da lei, 6 deles não foram alterados (artigos 8º, 13, 14, 15, 17 e 18). Portanto, analisaremos os artigos que receberam alterações (9º, 10, 11, 12, 16, 19 e 20).

Sobre a injunções no Art. 9º, para além da instituição da Taxa de Avaliação in loco das instituições de educação superior e dos cursos de graduação, que foi regulamentada por meio da Lei 10.870/2004 (BRASIL, 2004), cabe destacar, de fato, os efeitos decorrentes da aplicação da Lei nº 13.234/2015 (BRASIL, 2015), de autoria do então Senador Marcelo Crivella (PRB/RJ), apresentada em 12 de novembro de 2012, que dispõe, em seu Art. 1º, sobre a identificação, o cadastramento e o atendimento, na educação básica e na educação superior, de alunos com altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2015).

Faz-se pertinente realçar que o objeto da Lei 10.870/2004, bem como a redação que esta conferiu ao Art. 9º da LDBEN tratam parcialmente do atendimento educacional previsto para pessoas com deficiência. De forma objetiva, o foco recai sobre a merecida atenção às pessoas com altas habilidades ou superdotação, não contemplando as pessoas com Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGA), por exemplo. Com efeito, o Parágrafo único da Lei 10.870/2004 aponta para o aprofundamento desse tema ao estabelecer que:

A identificação precoce de alunos com altas habilidades ou superdotação, os critérios e procedimentos para inclusão no cadastro referido no caput deste artigo, as entidades responsáveis pelo cadastramento, os mecanismos de acesso aos dados do cadastro e as políticas de desenvolvimento das potencialidades do alunado de que trata o caput serão definidos em regulamento (BRASIL, 2004).

É justo reconhecer que a situação das pessoas com altas habilidades/superdotação (AH/SD) não tem sido historicamente contemplada em legislação específica. Na realidade, esse é um tema que pouco instiga atenção na e da própria escola. Sobre essa matéria, o estudo que questiona “o que dizem as pesquisas sobre estas crianças invisíveis” (MARTINS; PEDRO; OGEDA, 2016) constata que as temáticas mais exploradas estão relacionadas com a identificação de alunos em contextos públicos e privados, como também a elaboração de novas propostas e instrumentos. Aponta-se ainda que, além de a produção acadêmica ser incipiente na área das AH/SD e pouco expressiva em relação à temática da identificação, carece-se também de instrumentos de avaliação nacional sistematizados que sejam validados e possam ser utilizados em grande escala. Os autores realçam a falta de cientificidade e aplicação em larga escala dos instrumentos já disponíveis para que eles possam trazer dados confiáveis sobre identificação. Na realidade, “essa carência faz com que os estudantes AH/SD sejam invisíveis dentro do contexto escolar, sendo que muitas vezes seu potencial passa despercebido e/ou não é valorizado” (MARTINS; PEDRO; OGEDA, 2016, p. 566). O fato é que:

Existe a recomendação de que os profissionais realizem uma avaliação holística dos estudantes, em que o potencial psicológico e cognitivo seja valorizado, considerando também a realidade cultural em que o estudante está inserido, bem como as informações de seus familiares e professores (MARTINS; PEDRO; OGEDA, 2016, p. 566).

Sendo assim, é apropriado conceber que o devido tratamento legal desse pleito, por meio do Art. 9º da LDBEN/1996, constitui uma peça importante para a ampliação da garantia do direito à educação. Esse entendimento também justifica a reivindicação para que o mesmo grau de atenção seja concedido à outra dimensão do atendimento à pessoa com deficiência, tratando especificamente aqui do necessário avanço na inclusão educacional de pessoas com TGA.

A Lei nº 10.709/2003 (BRASIL, 2003), conhecida como Lei da Garantia do Passe Livre Estudantil, apresentada em 10 de abril de 2001, pelo deputado federal Nelson Marchezan (PSDB/RS), modificou qualitativamente os artigos 10 e 11 da LDBEN/1996. Em essência, essa lei estabelece que os Estados passam obrigatoriamente a assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual (Art. 10, VII), enquanto que os Municípios devem assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal (Art. 11, VI). Ademais, cabe aos Estados articularem-se com os respectivos Municípios para proverem o disposto nesta Lei da forma que melhor atenda aos interesses dos alunos (BRASIL, 2003).

O Art. 12, que determina as incumbências dos estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, recebeu seis alterações. A primeira delas, ocorrida em 2001, por força da Lei nº 10.287/2001 (BRASIL, 2001), de autoria da deputada federal Miriam Reid (PDT/RJ), apresentada em 21/10/1999, acrescenta o Inciso VIII ao artigo em apreciação. Este novo inciso obriga os responsáveis pela escola a notificar o Conselho Tutelar do Município, o juiz competente da Comarca e o respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei. Este Inciso VIII recebeu nova redação em cumprimento da Lei nº 13.803/2019 (BRASIL, 2019a), apresentada em 21/08/2013 pela deputada federal Iolanda Keiko Miashiro Ota (PSB/SP), que, a partir de 2019, torna obrigatória a notificação de faltas escolares apenas ao Conselho Tutelar, não mais ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público, e exige que essa comunicação aconteça quando as faltas forem superiores a 30% do percentual permitido em lei.

A terceira alteração no Art. 12 foi decorrente da Lei nº 12.013/2009 (BRASIL, 2009), de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT/DF), em 27/02/2007. De forma direta, esse dispositivo dá nova redação ao Inciso VII para determinar às instituições de ensino a obrigatoriedade do envio de informações escolares ao pai e à mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola. Ressalte-se que o trecho em itálico (grifo meu) corresponde ao que efetivamente a nova redação acrescenta ao inciso em tela. Trata-se de uma pertinente e necessária consideração à realidade de composição das famílias que, conviventes ou não com seus filhos, devem receber as informações escolares supramencionadas da parte da escola. Observa-se que não há alteração quanto ao conteúdo do que deve ser obrigatoriamente informado pela escola. Importa considerar, a esse respeito, que a frequência e o rendimento dos alunos, assim como a execução da proposta pedagógica da escola ganham ainda mais relevância na medida em que todos os responsáveis pelos alunos devem ter ciência dessas informações e, por conseguinte, tornarem-se corresponsáveis por seu acompanhamento.

A quarta e quinta alterações no Art. 12 foram promovidas pela Lei nº 13.663/2018 (BRASIL, 2018b), de autoria da deputada federal Iolanda Keiko Miashiro Ota (PSB/SP), apresentada em 13/07/2016, que inclui, entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino, a promoção de medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência e a promoção da cultura de paz. As alterações aqui referidas dizem respeito ao acréscimo de dois incisos. Com a inserção do Inciso IX, cada escola fica incumbida de promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying). Já a inserção do Inciso X estabelece ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas.

A inclusão do inciso XI, sexta modificação do Art. 12, que incumbe a escola de promover ambiente escolar seguro, adotando estratégias de prevenção e enfrentamento ao uso ou dependência de drogas, cumpre o que determina a Lei da Internação Compulsória, Lei nº 13.840/2019 (BRASIL, 2019b), de autoria do deputado federal Osmar Gasparini Terra (PMDB/RS), originalmente apresentada em 14/07/2010. Esta lei dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e o financiamento das políticas de combate às drogas ilícitas.

No que se refere à alteração no Art. 16, cabe apenas o registro de que se trata de um ato de regulamentação do texto que já constava originalmente neste dispositivo da lei. Por meio do Decreto nº 2.306/1997 (BRASIL, 1997), o chefe do Poder Executivo daquele momento, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, dispôs sobre o que se compreende por Sistema Federal de Ensino, que, à época, era integrado pelas instituições de ensino mantidas pela União (I); pelas instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada (II); e pelos órgãos federais de educação (III). Cabe registrar que a Lei nº 13.868/2019 (BRASIL, 2019c), de autoria do deputado federal Jorginho dos Santos Mello (PR/SC), apresentada em 12/12/2017, alterou o Inciso II do Art.16, que recebeu nova redação, passando a constar: “as instituições de educação superior mantidas pela iniciativa privada”, em substituição à versão do texto supramencionado.

A penúltima alteração efetuada no Título IV da atual LDBEN, considerando o marco temporal delimitado para o presente estudo, diz respeito à alteração realizada no Art. 19, promovida no bojo do que dispõe a Lei nº 13.868/2019, supramencionada, incluindo, desta vez, disposições relativas às universidades comunitárias. Além dos incisos originais, o Art. 19 foi acrescido do Inciso III, que incorpora a expressão “comunitárias” no rol do que a Lei da Educação classifica como categorias administrativas das instituições de ensino dos diferentes níveis de ensino.

Além do novo Inciso (III), a Lei nº 13.868/2019 consignou dois parágrafos ao conjunto do Art. 19 da LDBEN que detalham a nova categorização administrativa das instituições de ensino vigente atualmente (2023). O § 1º estabelece que as instituições de ensino a que se referem os incisos II e III deste artigo podem qualificar-se como confessionais, atendidas a orientação confessional e a ideologia específicas. O § 2º explicita que as instituições de ensino a que se referem os incisos II e III do caput deste artigo podem ser certificadas como filantrópicas, na forma da lei. Essa inserção no Art. 19 justificou a revogação sumária do Art. 20 da LDBEN, que explicitava justamente as categorias que as instituições privadas de ensino deveriam se enquadrar. Importante relembrarmos que as diretrizes e bases referentes às categorias de instituições privadas e, de modo particular, às instituições de ensino comunitárias foram modificadas sucessivamente até sua sistematização no atual Art. 19, tornando dispensável, para o legislador, a coexistência do Art. 20. Com a alusão a essa exclusão do Art. 20, concluímos a análise das alterações realizadas no título reservado à Organização da Educação Nacional.

Considerações finais

A análise aqui empreendida permite, por um lado, reconhecer a marcha pela garantia do direito à educação, da creche à pós-graduação, à luz dos dispositivos da LDBEN/1996 que são favoráveis a esse pleito. Por outro lado, ao longo dos 25 anos de Vigência da Lei da Educação, tornou-se também evidente o movimento de contramarcha protagonizado por ocupantes do Parlamento que exercem a interlocução de grupos contrários à ampliação do dever do Estado com a melhoria da educação pública e o enfrentamento das desigualdades socioeducacionais.

O fato de as conquistas terem sido paulatinamente garantidas na LDBEN, a lei mais importante da Educação instigou um movimento crescente de discernimento sobre o que efetivamente se infere dos dispositivos constituídos, no sentido de mobilizar os seus contributos progressistas na luta em defesa da universalização do direito à educação, sobretudo de parcelas da população historicamente expurgadas das instituições responsáveis pela escolarização, em seus diversos níveis, etapas e modalidades de ensino.

Faz-se importante notar que a consagração da Educação tanto como direito objetivo, garantido em lei, quanto como direito subjetivo, passível de ser legitimamente exigido, foi consequência de longos e intensos movimentos, marcadamente integrados ao processo de redemocratização do País, que lograram sucesso especialmente na imputação do dever do Estado em relação à ampliação e à diversificação da oferta obrigatória de educação escolar.

Em que pese os limites e condicionantes do texto da LDBEN/1996, em face das disputas que têm marcado a proposição e a implantação de alterações à sua versão original, o fato é que os avanços são muito mais significativos do que os retrocessos. Na realidade, o cumprimento do disposto em lei passou a requerer compromissos inegáveis por parte dos entes federados, a exemplo da aprovação de planos de educação nos âmbitos nacional, estadual e municipal.

A marcha empreendida em favor da garantia do direito à educação, bem como do dever de educar, passou a impulsionar a expansão da escolarização básica, assim como da elevação do número de matrículas na educação superior, com destacável e inédita ampliação da presença de pessoas pobres e negras nas instituições de ensino em todo o País, notadamente no período de 2003 a 2014.

Esse feito instigou reações de facções antipovo, atuantes nas sociedades civil e política, com manifesto interesse em barrar a consecução de novos direitos e colocar em contramarcha ações de destruição dos avanços alcançados. Para levar a efeito esse intento, adotou-se como método a produção e a difusão de versões contrafáticas sobre a realidade econômica do País, bem como das reais condições de o Estado manter o provimento de políticas públicas de inclusão socioeducacional.

As consequências desse Golpe escancarado, impetrado contra o Estado e a sociedade, tem se tornado perceptível com o recrudescimento da desigualdade social, alinhada a uma inflexão do posicionamento do Poder Público com o atendimento educacional previsto formalmente. No embalo das narrativas que falsearam os reais motivos do impeachment que depôs injustamente a Presidenta Dilma Rousseff e plantou Michel Temer no Poder, tem-se, ato contínuo, mais um Golpe aplicado propositalmente contra as políticas sociais do País. Trata-se da Emenda Constitucional nº 95, que congelou por 20 anos, a partir de 2016, os investimentos do Estado em resposta às demandas sociais no Brasil (BRASIL, 2016).

Em síntese, esse congelamento do volume de recursos financeiros interditou tanto os avanços alcançados por meio de atualizações da LDBEN/1996 quanto as promissoras metas e estratégias do Plano Nacional de Educação (2014-2024), uma vez que é absolutamente inconciliável cumprir os compromissos legalmente assumidos de universalizar, expandir ou mesmo ampliar a oferta educacional, com qualidade social, sob o determinismo do verbo congelar, assumido como palavra de ordem dos Governos que têm ocupado o Poder Executivo no Pós-Golpe de Estado.

O extenso e oportuno tema da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE -2022)2 é também muito apropriado para expressarmos o que está em causa na atual conjuntura, na perspectiva de retomarmos a marcha pelo enfrentamento das desigualdades socioeducacionais no Brasil. Trata-se de:

Reconstruir o País: a retomada do Estado democrático de direito e a defesa da educação pública e popular, com gestão pública, gratuita, democrática, laica, inclusiva e de qualidade social para todos/as/es. Educação pública e popular se constrói com democracia e participação social: nenhum direito a menos e em defesa do legado de Paulo Freire (FNPE, 2022, p.7).

Com efeito, nossas trajetórias são marcadas por perplexidades, mas também por vitórias. Precisamos reconhecer nossas próprias conquistas para termos a coragem e a decência de defendê-las.

2Disponível em: caderno_virtual_conape_2022_final.pdf (fnpe.com.br)

Referências

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Recebido: Setembro de 2023; Aceito: Dezembro de 2023; Publicado: Janeiro de 2024

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