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Educação

versão impressa ISSN 0101-465Xversão On-line ISSN 1981-2582

Educação. Porto Alegre vol.46 no.1 Porto Alegre jan./dez 2023  Epub 29-Abr-2024

https://doi.org/10.15448/1981-2582.2023.1.42825 

Outros Temas

O projeto ético-político de bell hooks para a educação: contribuições para o campo da Educação em Direitos Humanos

The ethical political project of bell hooks for education: contributions for the field of education in human rights

El proyecto ético-político para la educación de bell hooks: aportes al campo de la Educación en Derechos Humanos

Lucas Antunes Machado1 

Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPSI/UFRGS), em Porto Alegre, RS, Brasil; especialista em Educação em Direitos Humanos (UFABC). Doutorando em Sociologia pelo PPGS/UFRGS, em Porto Alegre, RS, Brasil. Professor do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera, em Porto Alegre, RS, Brasil. Integrante do Coletivo bell hooks: Formação e Políticas do Cuidado e pesquisador colaborador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Violência (NEPEVI/PUCRS).


http://orcid.org/0000-0002-1165-7740

Patrícia Krieger Grossi2 

PhD em Serviço Social pela University of Toronto, no Canadá. Mestra em Serviço Social pela PUCRS. Estágio Pós-doutoral na University of Toronto, Canadá. Professora da Escola de Humanidades, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, RS, Brasil. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Violência (NEPEVI/PUCRS). Pesquisadora Produtividade em Pesquisa do CNPq 1B.


http://orcid.org/0000-0003-1917-0221

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

2Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil.


Resumo:

O presente artigo tem como objetivo discutir o pensamento da escritora, educadora e ativista feminista bell hooks em suas articulações com o campo da educação. Mais especificamente, nos debruçamos sobre o que denominamos como projeto ético-político da intelectual para a educação, com ênfase nas contribuições de seu pensamento e obras para o campo da Educação em Direitos Humanos. Resgatou-se o debate teórico e conceitual a partir de recentes obras da autora traduzidas para a língua portuguesa. O debate teórico e conceitual de bell hooks está organizado da seguinte forma no texto: (a) contribuições do pensamento feminista para uma educação antirracista e antissexista; (b) a educação como prática de liberdade como pista para a produção de pedagogias engajadas em salas de aula multiculturais; e (c) o amor como ethos fundante de uma educação comunitária democrática e como prática de liberdade. A obra de bell hooks aponta para a importância da educação como ato político que desvele as mazelas e entraves, doravante a ideologia de supremacia branca, para uma sociedade mais justa e democrática. Para isso, lança mão de uma análise interseccional e de uma prática comunitária de cuidado e autorrealização no campo da educação.

Palavras-chave: educação; educação em direitos humanos; bell hooks

Abstract:

This article aims to discuss the thinking of the writer, educator and feminist activist bell hooks in her articulations with the field of education. More specifically, we focus on what we call the intellectual's ethical-political project for education, with emphasis on the contributions of her thinking and works to the field of Education in Human Rights. The theoretical and conceptual debate was rescued from recent works by the author translated into Portuguese. Bell hooks’ theoretical and conceptual debate is organized as follows in the text: (a) contributions of feminist thought to an anti-racist and anti-sexist education; (b) education as a practice of freedom as a clue to the production of engaged pedagogies in multicultural classrooms; and (c) love as the founding ethos of a democratic community education and as a practice of freedom. The work of bell hooks points to the importance of education as a political act that reveals the ills and obstacles, henceforth the ideology of white supremacy, for a more just and democratic society. Therefore, it makes use of an intersectional analysis and a community practice of care and self-fulfillment in the field of education.

Keywords: education; human rights education; bell hooks

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo discutir el pensamiento de la escritora, educadora y activista feminista bell hooks en sus articulaciones con el campo de la educación. Más específicamente, nos centramos en lo que llamamos el proyecto ético-político de la intelectual para la educación, con énfasis en los aportes de su pensamiento y obra al campo de la Educación en Derechos Humanos. El debate teórico y conceptual fue rescatado de obras recientes del autor traducidas al portugués. El debate teórico y conceptual de Bell Hooks se organiza en el texto de la siguiente manera: (a) aportes del pensamiento feminista a una educación antirracista y antisexista; (b) la educación como práctica de la libertad como clave para la producción de pedagogías comprometidas en aulas multiculturales; y (c) el amor como ethos fundante de una educación comunitaria democrática y como práctica de la libertad. La obra de bell hooks apunta a la importancia de la educación como acto político que revela los males y obstáculos, en adelante la ideología de la supremacía blanca, para una sociedad más justa y democrática. Para ello, hace uso de un análisis interseccional y una práctica comunitaria de cuidado y autorrealización en el campo de la educación.

Palabras clave: educación; educación en derechos humanos; bell hooks

Neste ensaio, fazemos uma discussão sobre o pensamento e obra da ativista feminista e crítica cultural Gloria Jean Watkins. Ela ficou conhecida pelo grande público pelo pseudônimo de bell hooks,3 que foi retirado de sua avó materna, Bell Blair Hooks, uma mulher de temperamento e atitudes fortes e que, nas palavras da própria autora, não tinha medo de erguer a voz. A escrita deste ensaio foi culminada pelo falecimento de bell hooks e intenta realizar uma breve sistematização do pensamento da autora no que se refere à articulação que suas ideias têm com a defesa de uma educação e pedagogia voltadas para a equidade, democratização e justiça social nos espaços de sala de aula.

bell hooks nasceu na pequena cidade de Hopkinsville, localizada no interior do estado de Kentucky, nos Estados Unidos da América, no ano de 1952. Vivenciou na vida particular e estudantil a experiência da segregação racial do Apartheid. Nas primeiras páginas de sua primeira obra dedicada à educação, Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade, narra sobre as dificuldades que teve para se adaptar a uma educação pós-Apartheid, na qual, na convivência com colegas e professores brancos, passou a presenciar e a sentir na pele os efeitos sociais e subjetivos do racismo e da segregação. Em contraposição a essa situação, bell hooks conta que suas primeiras experiências em escolas somente para pessoas negras foram de grande valia, pois teve a oportunidade de exercitar a potência de uma educação para negros que potencializa sua intelectualidade e habilidades, bem como pode testemunhar o poder transformador da pedagogia como ciência e ensino (hooks, 2019a).

Diferentemente do que aconteceu na sua entrada em escolas negras segregadas, no ensino médio e nos estudos de pós-graduação – em que negros e brancos passam a conviver no mesmo ambiente escolar –, bell hooks relata o sentimento de vivenciar o racismo estrutural e institucional na pele e se vê desapontada com o estilo de ensino dos professores, que não abordam o significado e a importância da pedagogia e de como ensinar (hooks, 2019a).

Os ensinamentos que bell hooks nos deixa como legado contribuem na direção dessas mudanças tão necessárias para a construção de novas sociabilidades. Para isso, a educadora e intelectual feminista nos propõe não só uma formação através de uma conscientização crítica a respeito dos sistemas de dominação patriarcal imperialista capitalista e supremacista branco, mas também propõe uma ética da conduta guiada por princípios de igualdade, justiça, cuidado e amor.

bell hooks dedicou suas obras a temas diversos que versam sobre cultura, educação, espiritualidade, violência, teoria feminista, masculinidades, machismo, amor, cuidado, autorrecuperação, dentre outros. Centrando nossas análises no contexto da educação na América Latina e, mais especificamente, no contexto brasileiro, intentamos neste ensaio fazer uma reflexão sobre as contribuições do pensamento e da obra da educadora feminista bell hooks para o avanço de estudos e pesquisas no campo que denominamos de pedagogia localizada.

Este ensaio está organizado em três partes, que, ao nosso ver, apresentam algumas pistas do que entendemos ser algumas das principais contribuições teóricas e metodológicas das obras de bell hooks para os estudos e práticas em Educação em Direitos Humanos. Identificamos três aspectos que norteiam algumas das obras da educadora feminista e que podem contribuir para o debate filosófico-educacional no contexto brasileiro. Esses três aspectos serão abordados nas páginas seguintes, sendo eles: (a) contribuições do pensamento feminista para uma educação antirracista e antissexista; (b) a educação como prática de liberdade como pista para a produção de pedagogias engajadas em salas de aula multiculturais; e (c) o amor como ethos fundante de uma educação comunitária democrática e como prática de liberdade.

O feminismo é para todo mundo: por uma educação feminista, antissexista e antirracista

Dentre as tantas contribuições de bell hooks para o pensamento contemporâneo, sua preocupação com questões voltadas para o feminismo está corporificada em suas vivências desde a infância até suas experiências estudantis em escolas segregadas nos Estados Unidos, durante o Apartheid da década de 1960. Nos estudos de pós-graduação, mesmo após o fim do Apartheid, não viu a situação de racismo estrutural das relações sociais e estudantis cessar. Pelo contrário, se viu imersa em um universo em que dominava a branquitude em suas diversas manifestações de racismo institucional.

A ativista e crítica cultural relata que chegou a um ponto em que pensou em desistir dos estudos de pós-graduação, tamanho o impacto das políticas de dominação supremacistas brancas em sua vivência acadêmica. Ainda nos estudos universitários, iniciou a escrita do seu primeiro livro, E eu não sou uma mulher: mulheres negras e feminismo (Ain't I a Woman, no original em inglês), publicado pela primeira vez no ano de 1981. O título do livro foi inspirado no discurso da ativista e abolicionista negra Sojourner Truth, importante referência do ativismo negro em defesa dos direitos das mulheres estunidenses, na época crítica das políticas de dominação sexistas e racistas que incidiam sobretudo sobre as mulheres negras. A primeira mulher negra libertada de sua condição de escravidão a assistir e participar de uma Convenção Nacional dos Direitos das Mulheres nos EUA, em Ohio, no ano de 1851, foi Sojourner Truth. Após a convenção, Sojourner ficou mundialmente conhecida no movimento feminista devido à potência de seu discurso,4 considerado um dos pontapés iniciais para o reconhecimento da necessidade de inclusão da raça no movimento feminista (Davis, 2016).

Em sua primeira obra, bell hooks dedica-se a um estudo aprofundado e problematizador dos impactos do sexismo na experiência das mulheres negras escravizadas, da desvalorização das mulheres negras no movimento feminista e negro, do imperialismo do patriarcado e da relação das mulheres negras com o feminismo.

Destacamos como ética feminista em educação a contribuição teórica e prática que bell hooks traz para as análises sobre os impactos que o entrelaçamento entre opressões de sexo, raça e classe tem nas experiências objetivas e subjetivas de homens e mulheres. Ora, diferentemente do que a teoria e o movimento feminista vinham fazendo até o momento, isto é, a produção de análises e teorias que enfatizavam a opressão machista e patriarcal como causa unívoca dos problemas sociais enfrentados sobretudo por mulheres, e que sua eliminação deveria estar na agenda política central do movimento feminista de todo o mundo (hooks, 2019a), a educadora antirracista propõe uma análise das interconexões entre as opressões de gênero, raça e classe social e seu impacto nas mentes e corpos de mulheres e homens. Embora não descarte a opressão patriarcal como analisador importante no enfrentamento às políticas de dominação, bell hooks nos sugere a superação da divisão antagônica entre homens e mulheres, largamente defendida no movimento feminista e que coloca o pressuposto de que são sempre os homens aqueles que oprimem e as mulheres aquelas que sofrem a opressão. hooks (2019a) defende a tese de que não só os homens, mas também as mulheres, por terem seus corpos e mentes moldados por políticas de dominação imperialistas e supremacistas brancas (hooks, 2020a), participam e reproduzem políticas de dominação, tanto na condição de vítimas como na de perpetradoras, ainda que mulheres estejam em condições desiguais nas relações de poder em uma sociedade e cultura estruturalmente patriarcal.

Na perspectiva da autora em tela, não levar em consideração o modo pelo qual a dominação patriarcal mascara essa realidade e molda as experiências subjetivas de mulheres e homens pode inibir nossa capacidade de assumir responsabilidades pela transformação social (hooks, 2019a). Podemos colocar bell hooks junto a outras intelectuais feministas negras – Ângela Davis, Audre Lorde, Kimberlé Crenshaw, Patrícia Hill Collins, Lélia Gonzalez, dentre tantas outras – que assumem o feminismo como um movimento teórico e prático, objetivo e subjetivo, que deve se debruçar sobre a análise de como o patriarcado, o sexismo, o racismo e o classismo, enquanto políticas de dominação e opressão, se interligam de modo a interferir e moldar processos de subjetivação de mulheres e homens. A teórica e educadora feminista denomina de sistemas interligados de opressão o entrelaçamento que a raça, a classe e o gênero fazem enquanto determinam a "natureza da identidade, do status e da circunstância de qualquer mulher" (hooks, 2019a, p. 63). Ou seja, o machismo, o racismo e a exploração de classe determinam em conjunto o grau em que uma mulher será dominada e explorada dentro de uma sociedade, e não somente o sexismo, como já pensaram algumas feministas.

É por esta razão que bell hooks faz um convite à reflexão e à práxis feminista no livro O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Um convite que estende a homens, mulheres e crianças interessados em combater as políticas de dominação patriarcais que, muito embora atinjam as mulheres de forma mais direta e objetiva, também fazem dos homens seu principal alvo de captura subjetiva. No prefácio à edição de 2015 da obra supracitada, a autora explica que jamais acreditou e defendeu que o feminismo tivesse de ser um movimento somente de mulheres, pois a exclusão de algumas mulheres – lésbicas, não brancas, por exemplo –, homens, meninos e meninas, não lograria sucesso ao movimento feminista (hooks, 2019b). Em sua experiência de autodefinição como teórica crítica e escritora feminista, escutou de diversas pessoas sobre a "maldade do feminismo e as feministas más" (hooks, 2019b, p. 11), o que a fez repensar o lugar do feminismo no imaginário social. Além disso, identificou no feminismo reformista5 – escrito e teorizado por mulheres brancas de classe média alta –, pouca ou nenhuma habilidade para atingir um grupo maior de pessoas que conseguissem compreender e discutir os conceitos e ideias do feminismo, considerados pela autora muito eruditos e pouco acessíveis. Por essa razão, hooks publica um livro sobre feminismo com um conceito simples, porém profundo sobre o movimento: "(…) feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, exploração sexista e opressão" (hooks, 2019b, p. 13).

A definição de feminismo para bell hooks deixa explícita a ideia de que o movimento deve lutar pela erradicação de qualquer forma de opressão sexista somada a outras formas de opressão, como o racismo e o classismo, mas deixa implícito o argumento de que o feminismo não é somente feito para mulheres. Segundo a autora, os homens devem ser companheiros de luta porque todos os pensamentos e ações sexistas são problemas, independentemente de quem os perpetua, se são homens ou mulheres (hooks, 2019b). Para além da definição de termos, bell hooks propõe estratégias/ações para que uma educação feminista se concretize. A defesa da mudança interna para lograr sucesso na modificação da estrutura patriarcal é defendida pela educadora crítica pelo que ela denomina de conscientização feminista revolucionária. Nas palavras da autora, "(…) a conscientização feminista revolucionária enfatizou a importância de aprender sobre o patriarcado como sistema de dominação, como ele se institucionalizou e como é disseminado e mantido" (hooks, 2019b, p. 25). Embora dê importância fortuita para que o movimento feminista contemporâneo fosse conhecido e para que grupos de mulheres pudessem expor abertamente a profundidade de suas dores, hooks (2019b) adverte que os grupos de conscientização foram ficando cada vez mais restritos ao mundo acadêmico, perdendo a chance de serem divulgados em espaços desprivilegiados fora da academia. No entanto, não deixa de acreditar na força da conscientização feminista como principal meio de divulgação e educação para a perpetuação do pensamento e estratégias feministas para mudanças sociais radicais. Além de reforçar o convite para que homens possam participar de grupos de conscientização feminista, traz outro elemento importante da dinâmica da educação e da ética feminista: "(…) é necessário transformar o inimigo interno antes que possamos confrontar o inimigo externo. O pensamento e o comportamento sexistas são as ameaças, os inimigos" (hooks, 2019b, p. 31).

A compreensão da dimensão educacional do movimento e pensamento feminista em bell hooks está clara na defesa da autora de que a proposta de um feminismo para todos(as) tenha uma dimensão subjetiva – mudanças internas, no eu – e outra dimensão objetiva – modificações nas estruturas sociais do patriarcado. Em suma, para ser efetivo, o movimento deve partir da premissa de que "o pessoal é político" a fim de agirmos de um modo conjunto e comunitário desafiando as estruturas de dominação e "transformando o mundo fora do eu" (hooks, 2019a, p. 62)

Destarte, por ser um movimento político que visa a erradicação de toda e qualquer política de dominação e opressão – racial, patriarcal, gênero, classe –, é que o feminismo deveria ser colocado estrategicamente como componente central de todas as lutas por libertação (hooks, 2019b), dado seu poder de transformação pessoal e social. bell hooks, na obra Erguer a voz: pensar como negra, pensar como feminista (2019a), ratifica sua defesa da formação de pequenos grupos como lócus de uma educação para o engajamento de uma consciência crítica que estenda a politização do eu para uma compreensão sobre como os sistemas de sexo, classe e gênero se juntam e determinam destinos coletivos e individuais.

Esse é outro ponto de destaque e contribuição de bell hooks à educação: a ideia de pensar e atuar em espaços educacionais ou não a partir de uma perspectiva interseccional. A interseccionalidade foi um conceito desenvolvido na década de 1980 pela advogada e professora universitária Kimberlé Crenshaw, mas que já vinha sendo desenvolvido nas práticas e pensamento do movimento feminista de mulheres brancas e não brancas antes de se tornar um conceito acadêmico. Patrícia Hill Collins (2017) assinala que Crenshaw pode ser colocada estrategicamente em posição convergente diante dos estudos sobre raça, classe e gênero, assim como na centralidade das iniciativas por mudanças sociais e justiça social, fazendo avançar os argumentos em torno da interseccionalidade. De acordo com Collins (2017, p. 7), a interseccionalidade é uma forma de investigação crítica e de práxis ao mesmo tempo – por isso a ideia de conceito-ferramenta –, que conecta a produção intelectual de indivíduos com menos poder e que estão fora da academia, e a produção de conhecimento oriundo de instituições de ensino superior, visando criar um saber legitimado pela academia.

A ideia de interseccionalidades está vinculada à "experiência e conhecimento corporificado" (Collins, 2017, p. 11) como valores intrínsecos ao tema da responsabilidade e justiça social. Nesse sentido, vemos aproximações profícuas entre o uso do conceito-ferramenta interseccionalidades e a proposta ético-política de bell hooks para a educação. No texto "Eros, erotismo e o processo pedagógico", embora não mencione o termo interseccionalidades, a autora propõe a professores e professoras engajados(as) na luta antissexista e antirracista uma práxis interseccional. Crítica ao modelo dualístico e metafísico ocidental que separa corpo e mente do processo pedagógico, defende a premissa de que, ao entrar em uma sala de aula, educadores(as) e educandos(as) entrem por inteiro, e não como "espíritos desencarnados" (hooks, 2017, p. 255). Para isso, é necessário que deixemos de compreender o lugar do Eros e do erotismo como forças somente em termos sexuais, mas como estratégias de uma pedagogia crítica que visa proporcionar aos(às) alunos(as) maior autoconhecimento e melhores formas de bem viver a partir da noção de que como seus corpos habitam o mundo influencia em seus processos de aprendizado (hooks, 2017).

Audre Lorde aponta que não existe hierarquia entre opressões. Não se pode analisar as hierarquias entre classe, raça, gênero e outras formas de opressão de forma isolada, mas concatenadas, permitindo-se encontrar as relações entre duas ou mais opressões que transitam sobre corpos e subjetividades. Para bell hooks, considerar o entrelaçamento de sistemas de opressão de raça, classe e gênero pode contribuir de forma decisiva para que mulheres negras e outros grupos de mulheres não brancas possam reconhecer a diversidade e a complexidade envolvida nas experiências de mulheres e na relação que estabelecem com políticas de poder e dominação (hooks, 2019a).

Frente ao atual estado de análises em que se encontra o movimento e a teoria feminista, trazemos à tela a seguinte problematização: é possível produzir em salas de aula modos de ensinar e aprender democráticos e descolonizados e que levem em consideração as políticas de dominação perpetradas nas políticas educacionais e encarnadas nos sistemas de ensino? Que levem em consideração a interligação entre opressões de raça, gênero e classe na formação e experiência subjetiva de alunos e alunas? Pensamos que bell hooks nos dá algumas pistas interessantes e positivas para essas questões no que ela denomina de uma pedagogia engajada e transgressora.

Educação como prática de liberdade: a pedagogia engajada nas salas de aula

Na obra Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática, a escritora e crítica cultural assinala que o ato de pensar já configura uma ação (hooks, 2020). Ao nos aproximarmos do pensamento educacional com bell hooks, devemos esclarecer um ponto fundamental de suas obras, de que teoria e prática são sistemas interligados do pensamento e, portanto, não devem se sobressair um ao outro ou serem descartados. Para a autora, tudo o que fazemos na prática está fundamentado em alguma teoria e, portanto, existe sempre um sistema implícito que molda pensamento e prática (hooks, 2019b). Essa ideia é crucial para a compreensão dos processos educacionais em que, durante muito tempo, as teorias foram alçadas ao topo da formação de educadores(as) em detrimento da prática, e vice-versa.

Acontece que hooks (2017) nos convoca a compreender a teoria como um lugar de cura para aqueles que dela fazem uso com este propósito. A ressignificação da teoria junto a uma comunidade de aprendizagem abre brechas para a experiência, que alimenta novas teorias que ressignificam as experiências anteriores, e vice-versa. Não existe uma separação ou dualidade entre teoria e prática porque a relação entre uma e outra é recíproca, sobretudo quando a experiência de teorização está ligada a processos de autorrecuperarão e libertação coletivas (hooks, 2017). Porém, ainda adverte a educadora, a posse de uma teoria ou termo por si só não garante a sua existência em um processo ou prática, assim como alguém pode praticar teorização sem jamais ter tido contato com a teoria que subjaz sua prática. Essa é uma questão importante do pensamento de bell hooks que acreditamos ser um ponto a ser debatido entre educadores e educadoras, tendo em vista a grade dicotomia que existiu – e ainda existe – entre a formação de professores na universidade e a prática docente nas salas de aula, sobretudo as públicas.

Além disso, grupos minoritários6 têm erguido cada vez mais sua voz contra as diversas formas de opressão a que estiveram e estão submetidos em uma cultura de supremacia branca que capta subjetividades e comportamentos. A questão da diferença tem sido ponto nevrálgico de discussão entre educadores(as), sobretudo no que diz respeito a formas de manejo das diferenças em salas de aula cada vez mais multiculturais e heterogêneas. Por essa razão, trazer à tona a discussão da existência das diferenças e de como manejá-las a fim de sustentar uma sociedade mais justa e equânime se torna imperativo para o campo da Educação em Direitos Humanos. Conforme Lorde (2019b), não se trata de negar a diferença, e sim afirmá-la como estruturante de nossas sociedades e modos de pensar. Ao contrário do que afirma o senso comum, não são as diferenças que nos separam, mas sim a recusa em reconhecer a sua existência, em analisar as distorções provocadas pelo fato de nomeá-las de modo incorreto, em procurar descrever os seus efeitos sobre os comportamentos e atitudes humanas (Lorde, 2019b).

Essas e outras diferenças devem não só ser reconhecidas como também interpeladas por todos(as) nós a fim de desmistificar diferenças criadas a partir de estruturas de poder e dominação. Audre Lorde (2019b) ainda continua afirmando que todos nós devemos nos envolver para reconhecermos, reivindicarmos e definirmos essas diferenças com base nas estruturas de poder e dominação pelas quais elas nos são impostas. Portanto, vemos que a perspectiva de reinvindicação e mudança social proposta pelo pensamento feminista negro concebe a educação como um instrumento fortuito para a mudança radical e combate as políticas de dominação patriarcais, sexistas, classistas e heterossexistas. É nessa perspectiva que o pensamento e prática de bell hooks relativos à educação como política engajada e prática de liberdade nos dão pistas para aliançarmos mudanças nas práticas coloniais desde a sala de aula.

A pedagogia engajada é definida pela educadora antirracista como a interação mútua entre educadores(as) e educandos(as), em que "(…) estar inteiro é bem-vindo, e os estudantes podem ser honestos, até mesmo radicalmente abertos" (hooks, 2020b, p. 49). Para que a pedagogia engajada se concretize como intervenção em uma educação como prática de liberdade, é imprescindível que professores(as) e alunos(as) se conheçam, em um processo de escuta ativa e com o comprometimento da produção de uma comunidade de aprendizagem. Ainda à guisa de compreensão sobre o educar a partir dos pressupostos de uma pedagogia engajada, hooks (2020b) defende que essa seja uma estratégia de ensino que vise recuperar nos(as) alunos(as) a vontade de aprender e alcançar sua autorrealização. Como não separa pensamento de ação, pois "pensar é uma ação" (2020b, p. 31), bell hooks, nos convida a fazer do espaço da sala de aula um lugar de escuta ativa, onde devemos negar de forma enfática e ativa o espírito de uma educação oligárquica que silencia vozes diversas e proíbe a liberdade de expressão. E coloca como princípio ético da atuação docente a desvinculação com qualquer forma ou expressão de política de dominação em sala de aula.

O projeto ético-político de bell hooks para a educação não acontece de forma passiva. Adverte-nos a autora que uma pedagogia engajada prescinde da problematização de um ensino colonial e assentado nos pressupostos de um modelo moderno-colonial de educação. Por essa razão, defende uma forma de ensinar e aprender em que todos os agentes envolvidos no processo possam participar e ter suas vozes ouvidas. A esse respeito, retoma a contribuição do pensamento feminista ao criticar as políticas de dominação patriarcal e ao acrescentar as críticas de raça e classe às questões de gênero (hooks, 2020b), até então invisibilizadas nas discussões feministas sobre dominação. Três aspectos da obra de bell hooks ainda merecem destaque por apontarem pistas do que denominamos, neste ensaio, como projeto ético-político dessa intelectual. O primeiro deles é referente ao encontro de bell hooks com o educador brasileiro Paulo Freire e com o pensamento do monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh, que trazem significativas contribuições para a sistematização do pensamento e do projeto ético-político engendrado pela ativista feminista. O segundo aspecto é em relação ao lugar do Eros e do erotismo, do corpo, no processo pedagógico. Por fim, a dimensão da classe social emerge como ponto a ser confrontado na experiência pedagógica de educadores(as) e educandos(as).

É no encontro com Paulo Freire que bell hooks acha ressonância para seus anseios enquanto estudante e educadora antirracista e antissexista. Ela afirma ter se sentido fortemente tocada e identificada com os camponeses marginalizados aos quais Paulo Freire se referia em suas obras, mas foi a partir do entendimento freiriano de que "Não podemos entrar na luta como objetos para nos tornarmos sujeitos mais tarde" que passou a utilizar o pensamento do educador e sua práxis revolucionária de educação como um mantra em sua mente e coração, a fim de desafiar e lutar contra a mentalidade colonizadora (hooks, 2017). É, assim, na inspiração retirada da práxis freiriana que bell hooks nos convida a colocar pensamento e ação, teoria e prática, como dois lados da mesma moeda. E é também a partir do pressuposto freiriano de educação como prática de liberdade que a escritora e pesquisadora feminista problematiza e faz eco às críticas feministas ao sexismo presente na linguagem das primeiras obras de Paulo Freire. Em sua perspectiva, não só o educador brasileiro, mas também grandes nomes da intelectualidade e do pensamento progressista antirracista, como o psiquiatra e filósofo Franz Fanon e o escritor francês Albert Memmi, construíram o que denominou como "paradigma falocêntrico da libertação", em que a liberdade e a experiência da masculinidade são colocadas como métrica para a avaliação de experiências sociais (hooks, 2017, p. 69).

O sexismo na linguagem e práticas de homens e mulheres comprometidos com a luta por direitos raciais já havia sido exposto pela autora em sua primeira obra, E eu não sou uma mulher: mulheres negras e feminismo. Lideranças femininas e masculinas simplesmente não estavam disponíveis para reconhecer a opressão sexista a que mulheres negras estavam expostas porque não reconheciam que o racismo não era a única forma de opressão em suas vidas (hooks, 1981). Ainda de acordo com hooks (1981), a falta de reconhecimento sobre os efeitos do racismo, sobretudo em homens negros, impediu que as pessoas vissem o impacto que as políticas de dominação racista reforçavam na mente dos povos escravizados e nas crenças sexistas de que homens eram superiores às mulheres. Infelizmente, muitos homens negros de forte influência política no movimento negro contribuíram para a manutenção do patriarcado (hooks, 1981).

Contudo, ainda que critique a linguagem sexista contida na obra de Paulo Freire, hooks não abdica de utilizá-la e considerá-la como importante instrumento para uma educação democrática e como prática de liberdade. Afirma que conheceu a obra do educador quando estava sedenta por sua "libertação do status quo" (hooks, 2017, p. 71, grifos da autora), por isso, não considera válida a premissa de algumas feministas sobre desconsiderar a obra do autor. Embora tenha críticas relativas ao seu comportamento sexista, via essas contradições de Paulo Freire como parte do processo do aprendizado e da luta pela mudança, o que, na maioria das vezes, leva tempo (hooks, 2017).

bell hooks vê semelhanças nas perspectivas de Paulo Freire e o monge budista vietnamita Thich Nhat Hanh no que se refere à noção de trabalho coletivo e na insistência de uma práxis como modo de agir e refletir sobre o mundo a fim de modificá-lo (hooks, 2017). Na concepção budista de Thich Nhat Hanh os alunos devem ser partícipes ativos do processo pedagógico. Contudo, a grande contribuição do monge vietnamita para pensar os processos educacionais é sua exposição evidente da união entre corpo, mente e espírito como horizonte para pensar o ser humano em sua integralidade. Explica a autora que foi a partir desse horizonte que passou a problematizar a perspectiva de educação pela qual a sala de aula perderia seu valor quando alunos(as) e professores(as) passassem a se encarar como seres humanos integrais e não somente em seus aspectos cognitivos (hooks, 2017). É a partir dessa mesma concepção de ser humano integral que bell hooks concebe sua noção de uma pedagogia engajada e a importância do corpo como partícipe do processo educativo.

A problematização sobre a exclusão do corpo no processo pedagógico é o segundo ponto que destacamos como contribuição de bell hooks ao pensamento educacional. Como afirma em Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade, não é raro que professores(as) e estudantes entrem em sala de aula convictos de que apenas a mente deva estar presente, ignorando a presença e experiência do corpo no processo pedagógico. Pois bem, inspirada nos pressupostos e experiências feministas de educação e conscientização, hooks (2017) nos propõe a entrada em sala de aula por interiores e não como espíritos desencanados. A educadora explica que um dos princípios de uma pedagogia crítica e feminista é a insistência em não ativar a dualidade corpo e mente; muito pelo contrário, este tipo de pedagogia encarnada em sala de aula deve "(…) informar nossos hábitos de ser e modos de viver fora da sala de aula" (hooks, 2017, p. 256).

A compreensão do Eros e do erotismo como forças ou energias que auxiliam nosso esforço geral de autoatualização possibilita que educadores(as) e estudantes possam se utilizar dessa energia para revigorar discussões e excitar a imaginação crítica (hooks, 2017) a partir de suas próprias experiências sociais. Por conseguinte, a noção do Eros como força fundante do processo pedagógico abre possibilidades para a compreensão e aceitação de que as experiências sociais e interseccionais – raça, classe, gênero, sexualidade, geração – de estudantes e professores(as) marcadas sobretudo em seus corpos devem ser consideradas no processo de ensino-aprendizagem; e que o Eros leva inevitavelmente à consideração de que a manifestação de sentimentos e carinho devem fazem parte da vontade de promover o crescimento e o bem-estar de todos em sala de aula. hooks (2017) complementa que as distinções entre o público e o privado nos levam a crer que a sala de aula não é um lugar onde possa ocorrer o amor. Contrária a essa concepção capitalista que condiciona nossa visão sobre o amor e o carinho em espaços públicos, a escritora e acadêmica feminista concebe um modo alternativo de vivermos em sala de aula, em que o modo como vivemos nosso corpo seja considerado como dimensão do processo. Por essa razão, a importância de que professores e professoras sejam autoatualizados e encontrem de novo "(…) o lugar do Eros dentro de nós e, juntos, permitir que a mente e o corpo sintam e conheçam o desejo" (hooks, 2017, p. 264).

A experiência e o lugar do Eros também está presente na obra de bell hooks quando ela menciona a dimensão e a confrontação da classe social como aspecto a ser considerado nas salas de aula. O pressuposto do esforço individual como base para o crescimento e avanço social – meritocracia – está presente no pensamento educacional e condiciona modos de aprender e ensinar. bell hooks (2017) percebe a classe social como um conjunto de valores, atitudes, relações sociais e preconceitos que definem e moldam a forma como o conhecimento é definido, distribuído e recebido. O silêncio e a obediência como pressupostos de uma boa relação pedagógica demonstram, na perspectiva da autora, o governo de condutas, sobretudo das classes populares, daqueles que não se veem representados dentro das salas de aula, impossibilitando diálogos horizontais e construtivos. Portanto, o lugar do Eros era negado aos estudantes quando se exigia que negassem suas origens de classe social a fim de incorporar valores, crenças e comportamentos de outra classe social.

Essa situação cria o que bell hooks denomina de "corpos estranhos" na sala de aula, pois os(as) estudantes não se veem representados no processo pedagógico. Ainda que desse estado de coisas, é possível a reversão da situação se olhares redimensionados forem dirigidos ao lugar do corpo em sala de aula, e, nessa conjuntura, o(a) professor(a) comprometido(a) com a autorrealização e bem-estar dos(as) estudantes tem papel fundamental na tarefa de trabalhar junto aos(às) alunos(as) suas capacidades de habitar dois mundos diferentes inventando criativamente maneiras de cruzar fronteiras e alterar ambientes burgueses (hooks, 2017).

A perspectiva da autora é de que as diferenças de classe podem ser utilizadas de modo construtivo para subverter e desafiar a estrutura existente. Mas isso só pode acontecer se educadores e educadoras comprometidos(as) com a mudança do status quo estiverem dispostos a questionar suas próprias práticas pedagógicas, através de um processo de autoapresentação que desafie e rompa com os modelos e normas de ensino-aprendizagem de classe média. Como alternativa para mudanças de hábitos burgueses em sala de aula, nos propõe a criação de comunidades de aprendizado "(…) onde a voz de cada um possa ser ouvida, a presença de cada um possa ser reconhecida e valorizada" (hooks, 2017, p. 245).

Então, a comunidade de aprendizagem se dá, primeiramente, pelo reconhecimento das diferenças em sala de aula e do corpo como partícipe importante do processo de ensinar e aprender. Experiências de raça, classe, gênero, sexualidade, geração, saúde e outros marcadores são importantes pistas que não devem ser ignoradas pelo(a) docente politicamente engajado(a) com uma educação antirracista e antissexista. Em segundo lugar, após a incorporação de uma atenção ao Eros como partícipe do processo pedagógico, cabe ao educador estabelecer um compromisso ativo com o aprendizado comunitário. Nesse sentido, não pode prescindir da participação ativa e compartilhada de diferentes pontos de vista em sua sala de aula. Como explicita hooks no ensaio "Confrontação da classe social na sala de aula", acadêmicos da classe trabalhadora, quando partilham suas experiências de classe em sala de aula, subvertem a tendência no enfoque ao pensamento e atitudes materialmente privilegiadas. Nesse sentido, a pedagogia feminista e crítica tem dado valiosas contribuições a um modo de ensinar e aprender que enfoque questões de raça, classe e gênero (hooks, 2017).

A pedagogia engajada encarnada como práxis leva a uma atuação antirracista, antissexista e a um modo de ensinar e aprender democrático em sala de aula. Leva também a um rompimento com um modo de ensinar e aprender comprometido com os pressupostos supremacistas, imperialistas e capitalistas que ainda norteiam políticas educacionais e práticas escolares. Mas como colocar a pedagogia engajada que leva a uma atuação antirracista e antissexista em prática nas salas de aula? É recorrente nas obras de bell hooks remeter às ideias de comunidade, comunhão, partilha e cuidado como partes integrantes do processo de qualquer relação. A comunidade de aprendizagem, na perspectiva da autora, é um caminho possível para a aprendizagem de modos de viver e amar menos violentos e opressores nos contextos de sala de aula. Porém, vamos nos deter no próximo item na perspectiva da ética do amor em bell hooks como ethos para a condução de uma pedagogia engajada que conduza a uma educação como prática de liberdade.

Tudo sobre o amor: o amor como princípio epistemológico em bell hooks

bell hooks vê no amor uma arma potente para a salvação contra qualquer política de dominação ou opressão. Nas palavras da autora, o amor não pode ser tomado estritamente como um sentimento, mas como uma ação que envolve pessoas na "(…) vontade de se empenhar ao máximo para promover crescimento pessoal ou o de outra pessoa" (hooks, 2020a, p. 47) em práticas de cuidado, carinho, afeição, compromisso, respeito, reconhecimento, honestidade, confiança e comunicação aberta. O amor envolve o cuidado e o compromisso consigo mesmo e com o outro. A educadora propõe uma perspectiva de amor que rompa com a lógica moderno-colonial de colocar o amor como um sentimento romântico de catexia com relação a outrem. Na obra Tudo sobre o amor: novas perspectivas, a primeira de sua trilogia sobre o amor, explicita que a ideia de amor romântico que temos assimilado envolve a dedicação de energia mental e emocional a alguém. Nessa visão do amor, é comum que os outros ingredientes envolvidos no amor – confiança, honestidade, compromisso etc. –, acabem escapando ao próprio sujeito que endereça toda sua energia para uma pessoa.

Pois bem, isso não é o amor na perspectiva da autora em tela, pois da catexia podem surgir sentimentos e comportamentos de dominação, violência e opressão, e "amor e abuso não podem coexistir" (hooks, 2020a, p. 48). Por vivermos e assimilarmos valores e crenças de uma sociedade de supremacia branca, temos a tendência a valorizar determinados preceitos correntes na narrativa popular como naturais e até inerentes ao comportamento e natureza humanos. A violência se torna algo cotidiano e até mesmo aceitável no âmbito das relações. Em um ensaio em que trata sobre a violência em relacionamentos íntimos, hooks problematiza o uso da violência em relacionamentos românticos e familiares e aponta a necessária contribuição do feminismo enquanto movimento educador para problematizar as diversas formas e manifestações de abuso, sobretudo as manifestações de violência física e psicológica perpetradas por homens e mulheres como modo de controle (hooks, 2019a).

Primeiramente, a intelectual convoca o movimento feminista a se aproximar do amor enquanto ethos norteador de um pensamento visionário guiado por uma política sábia e amorosa (hooks, 2019b). A bem verdade, argumenta que o movimento feminista se afastou do discurso e da ética amorosa, sobretudo pela experiência negativa que mulheres lésbicas e heterossexuais haviam tido com parceiros e parceiras patriarcais. Esse afastamento contribuiu para que a mídia patriarcal colocasse o movimento feminista como uma política fundamentada no ódio e desprezo pelos homens. Ao defender o feminismo como um movimento de todos aqueles interessados em acabar com as políticas de dominação, assevera na obra O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras sobre a necessária aproximação desse movimento a um pensamento e prática que instiguem a autorrealização e o valor do crescimento mútuo em quaisquer formas de relação, pois esta é uma visão de relacionamento em que as necessidades e direitos de todos são respeitadas, e "(…) ninguém precisa temer a subordinação ou o abuso, vai em sentido contrário a tudo que o patriarcado defende sobre a estrutura de relacionamentos" (hooks, 2019b, p. 150).

hooks (2020a) ainda assinala que os relacionamentos familiares na infância, sejam eles problemáticos ou felizes, funcionais ou disfuncionais, são nossa primeira escola sobre o amor. Contudo, evidencia o modo como, em uma sociedade em que impera a dominação patriarcal imperialista capitalista de supremacia branca, são forjadas crenças sobre o amor vinculadas a ideais materialistas, dos quais as crianças são o principal alvo. Para a autora em tela, vincular o amor a questões de desejo pessoal e trocas dificulta que crianças aprendam a ter uma compreensão profunda sobre o amor. Na mesma obra em destaque, critica o mito social mais difundido na cultura de que o abuso e a negligência coexistem com o amor. Se coloca veementemente contra essa ideologia ao afirmar que "(…) abuso e negligência anulam o amor. Cuidado e apoio, o oposto do abuso e da humilhação, são as bases do amor" (hooks, 2020a, p. 64).

Nesse ínterim, o foco de bell hooks é de que o amor pode ser uma ação/prática que pode ser ensinada e aprendida desde a infância. Pais e educadores(as) comprometidos com uma política do cuidado e avessos à dominação patriarcal devem se esforçar muito para educar filhos/estudantes através de alternativas educativas que os(as) incentive a serem autodisciplinados(as) e a assumir responsabilidades (hooks, 2020). Assumir uma ética do amor é se responsabilizar por seus atos e assumir um comportamento que rompa com premissas de dominação patriarcal e sexistas. A artista e pesquisadora Denise Ferreira da Silva, no ensaio "Sobre diferença sem separabilidade", nos lembra que é preciso o rompimento com as premissas moderno-coloniais para nos propormos novos modos de pensar e agir no mundo e, para isso, é necessário "um programa ético-político que não reproduza a violência do pensamento moderno exige repensar a socialização por fora do texto moderno" (Silva, 2016).

Trouxemos uma contextualização mínima do pensamento de bell hooks em torno do amor a fim de darmos seguimento à compreensão da contribuição das ideias dessa pesquisadora à educação e, mais detidamente, à Educação em Direitos Humanos. Quando coloca o amor como uma dimensão ativa do comportamento e não somente um sentimento, ela se aproxima novamente da práxis freiriana, que aposta na necessidade de que o educador assuma uma postura corporificada de suas ideias em sala de aula (Freire, 2016). Como afirma o próprio autor, "(…) não há pensar certo fora de uma prática testemunhal que o re-diz em lugar de desdizê-lo. Não é possível ao professor pensar que pensa certo mas ao mesmo tempo perguntar ao aluno ‘se sabe com quem está falando’" (Freire, 2016, p. 36, grifos do autor). Esse enxerto da obra freiriana pode causar confusões quanto ao uso da autoridade e do amor em sala de aula, o que já foi esclarecido por ambos os autores.7

É importante trazer à baila a compreensão feminista de que o poder perfaz as relações educativas em todas as suas dimensões e deve ser de conhecimento de todos(as) os(as) agentes envolvidos na relação pedagógica – educadores(as) e educandos(as) – sobre as possibilidades e limites do uso do poder em sala de aula. Guacira Lopes Louro esclarece que se assumimos que as relações sociais são sempre pautadas a partir de relações de poder e que o poder se tece muito mais na forma de redes do que de modo unidimensional, é impossível conceber qualquer prática educativa ou pedagógica que esteja isenta do poder (Louro, 2014).

A partir do entendimento das relações de poder inerentes ao processo pedagógico, podemos levar à cabo a ética do amor de bell hooks como princípio que norteia práticas pedagógicas engajadas na luta contra políticas de dominação nas salas de aula. Em Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática, a autora retoma o princípio epistemológico do amor como norte para práticas decoloniais e antissexistas em educação. Na perspectiva de hooks (2020b), o amor pode constituir-se em força motriz em salas de aula onde o(a) professor(a) trabalha para afirmar o bem-estar emocional de estudantes, integrando questões particulares do indivíduo às questões da comunidade de aprendizagem na sala de aula. Ao sustentar uma prática em que todos(as) tenham participação e que questões relacionadas às experiências sociais de raça, gênero e classe dos(as) estudantes sejam contempladas e confrontadas no ambiente de aprendizado, docentes criam condições de possibilidade favoráveis a uma comunidade de aprendizado. Todavia, não basta que se reconheça a multiculturalidade do mundo e das salas de aula sem que ocorram mudanças paradigmáticas no pensamento e ação de professores(as) comprometidos(as) com a educação como prática de liberdade. Inclusive, o questionamento e a problematização de ideias e hábitos devem ser somados à abertura da mente e do coração para a prática do amor como condição sine qua non para a construção de comunidades de aprendizagem (hooks, 2017, 2020b). Edineia Gonçalves coloca como um dos principais objetivos da carreira intelectual e política de bell hooks a luta radical pela descolonização da educação. Por isso a sua defesa da transposição da sala de aula de um ambiente hostil e violento para um lugar de afirmação da autoestima de jovens e crianças negras como ponto nodal de sua experiência como educadora (Gonçalves, 2022).

Nesses termos, o amor é um princípio ético e político que pode nortear projetos educacionais que visem a supressão da dominação de supremacia branca. Faz-se necessária uma política do amor para a condução de comunidades de aprendizagem. Mas um amor como ação e atitude, que tenha como objetivo a autorrecuperarão e o bem-estar de quem pratica e de quem recebe esse amor. Profissionais envolvidos com políticas públicas ou trabalhos que envolvam cuidado e militância em geral afirmam sua opção pela profissão como tendo sido guiada por princípios de cuidado, humanidade e afeto pelo ser humano. Longe de colocar em xeque essas afirmações, compreendemos que a ética do amor proposta por bell hooks possa ser mais discutida e problematizada entre pesquisadores, profissionais e estudantes comprometidos com os direitos humanos, a fim de se colocar o amor como um desafio e princípio de práticas por justiça social. Com isso, propomos que a ideia de amor defendida por bell hooks seja um princípio epistemológico que guie as práticas de profissionais comprometidos com a democratização do acesso à educação.

Considerações finais

Este ensaio objetivou trazer à baila uma breve discussão sobre as contribuições do pensamento de bell hooks para o campo da educação e da Educação em Direitos Humanos. A partir da análise de obras da escritora e educadora feminista traduzidas para a língua portuguesa, foi possível organizar seu pensamento educacional em três vertentes, quais sejam, as contribuições de sua perspectiva feminista para uma educação antirracista e antissexista; a pedagogia engajada como pressuposto de uma educação como prática de liberdade; e o amor como princípio epistemológico para uma Educação em Direitos Humanos. Embora seja uma pesquisadora de grande envergadura intelectual, só recentemente que suas obras vêm sendo traduzidas no país e sendo objeto de discussão e análises acadêmicas e do público em geral.

Não se trata somente de trabalhar com temas interseccionais (raça, classe, gênero, sexualidade, religião etc.) de um modo expositivo em salas de aula, mas de inscrever a compreensão que os diferentes sistemas de opressão têm sobre as múltiplas dimensões de nossas existências e como as intersecções entre esses sistemas de dominação e opressão subjetivam e colonizam nossas mentes e corpos. Trata-se também de produzir espaços de reflexão sobre quais os efeitos que um sistema patriarcal imperialista capitalista e supremacista branco tem nas vidas dos(as) estudantes com quem compartilhamos nossas aulas. Nossas experiências-leituras-discussões têm nos levado a refletir sobre a importância e urgência de incorporarmos em nossas práticas uma ética e política feministas anticoloniais, antirracistas e antissexistas, pautadas pelo pensamento negro interseccional como teoria e práxis que movem nossas ações em sala de aula na busca constante e incessante por políticas guiadas pelo amor e cuidado em comunidades de aprendizagem.

Destarte, a partir do pensamento de bell hooks, nos propomos a refletir sobre modos de pensar/produzir relações de ensino-aprendizagem pautadas por uma ética do cuidado e do amor em salas de aula da educação básica e superior, cada vez mais diversas e multiculturais. Aliançadas(os) ao pensamento e compromisso com/por uma pedagogia engajada, que leva em consideração corpo-mente-espírito no processo pedagógico, temos nos debruçado sobre a potência de práticas de cuidado e amor na produção de autorrecuperação e autorrealização de estudantes.

Embora não seja a única pensadora feminista negra a se dedicar a discussões e intervenções em torno da educação – aliás, o pensamento feminista negro de um modo geral enxerga a educação como via de emancipação social –, consideramos que algumas categorias do pensamento de bell hooks – pedagogia engajada, comunidade de aprendizagem, autorrecuperação, cuidado, amor, supremacia branca, dominação e opressão patriarcal, dentre outras – devem ser mais bem discutidas e contempladas em pesquisas e análises de trabalhos voltados para o campo da educação e da Educação em Direitos Humanos. Afinados com o pensamento e crítica de bell hooks ao modelo de dominação patriarcal imperialista capitalista e supremacista branco, esperançamos que, através do que denominamos no presente ensaio de projeto ético-político proposto pela autora, possamos pensar em um fazer pedagógico alinhado com políticas de cuidado e autorrecuperação de educadores e educandos em salas de aula multiculturais. Respeitar a diversidade é um dos pressupostos da Educação em Direitos Humanos e o pensamento de bell hooks caminha nessa direção.

3Optamos por utilizar a grafia do nome da autora em letras minúsculas ao longo de todo o texto e nas citações a fim de corroborar o objetivo da própria escritora em reforçar o conteúdo de suas obras e não na autoria. Essa opção adotada por bell hooks coaduna com o que se defende neste ensaio como um projeto ético-político desta pensadora para a educação.

4"Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E eu não sou uma mulher? Olhem pra mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E eu não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse a oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E eu não sou uma mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu. E eu não sou uma mulher?" (Truth, 2020, p. 13).

5O feminismo reformista é definido por bell hooks pelo movimento de mulheres brancas, heterossexuais e de classe média alta que escolheram enfatizar a igualdade de gênero como principal pauta do movimento feminista. Em contraposição, identifica no feminismo radical uma contraposição ao primeiro, pois deu ênfase à reforma e reestruturação das relações gerais de uma sociedade patriarcal e sexista. O primeiro teve larga aceitação na mídia de massa por manter o sistema patriarcal existente; o segundo foi mais bem aceito nos círculos acadêmicos.

6Empregamos o termo grupos minoritários na acepção sociológica do termo utilizada pelo sociológico britânico Anthony Giddens. O cientista social compreende o termo minoria como referente a grupos que não têm poder e influência econômica, política ou cultural em dada sociedade (Giddens, 2012).

7Paulo Freire esclarece e defende o uso da autoridade em sala de aula em detrimento do autoritarismo, e bell hooks propõe que uma postura e ética amorosa não exclui a existência de conflitos e perturbações.

Os textos deste artigo foram revisados pela SK Revisões Acadêmicas e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

Referências

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Recebido: 19 de Fevereiro de 2022; Aceito: 28 de Setembro de 2022; Publicado: 12 de Junho de 2023

Endereço para correspondência Lucas Antunes Machado/ Patrícia Krieger Grossi Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Av. Ipiranga, 6681, Prédio 09 Partenon, 90619-900 Porto Alegre, RS, Brasil lucas.machado@outlook.com.br

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