INTRODUÇÃO
O comportamento sedentário (CS) tem sido investigado em diferentes contextos devido à relação negativa que apresenta com a saúde. Quando considerado excessivo, mostra-se associado a desfechos como mortalidade, doença cardiovascular (DCV), diabetes tipo 2 e síndrome metabólica1. Grandes períodos despendidos em atividades sedentárias estão associados a incrementos no risco de obesidade e menor tempo de atividade física (AF)2),(3.
Os universitários são um público que apresenta maior risco de adotar o CS em virtude da própria rotina, a qual requer muito tempo despendido nas aulas e a utilização frequente do computador para os estudos4. Nos estudos sobre CS, é grande a variabilidade dos métodos de mensuração, bem como diferentes pontos de corte adotados para classificar indivíduos com maior ou menor CS e os tipos de comportamentos avaliados. No entanto, uma revisão sistemática cujo objetivo foi sintetizar as evidências sobre os níveis de CS em estudantes universitários apontou que o uso do computador apresentou prevalência significativamente maior em relação a outras modalidades de tempo de tela5.
A mudança de vida iniciada com o ingresso na universidade tem sido relacionada a uma diminuição na prática de AF e ao aumento do CS6),(7. Além disso, sabe-se que uma proporção considerável de universitários apresenta níveis mais altos de CS em comparação com a população adulta em geral5.
Dentre os eventos prejudiciais à saúde, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) têm papel de destaque, uma vez que sua ocorrência tem aumentado, constituindo o grupo de doenças de maior magnitude no mundo e a principal causa de óbitos em adultos, especialmente em países de baixa e média rendas8.
Os principais fatores de risco para DCNT são hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), dislipidemias, hábitos alimentares inadequados, sedentarismo, tabagismo e obesidade9),(10. Muitos desses fatores são passíveis de surgir ou ser agravados durante o período de graduação, pois o ingresso na universidade pode implicar mudança do estilo de vida com a adoção de hábitos não saudáveis9.
Dados recentes da Pesquisa Nacional de Saúde apontaram que cerca de 96 milhões de brasileiros acima de 18 anos apresentavam excesso de peso, correspondendo a 60,3% da população. Além disso, 39,2% apresentavam HAS e 15,9% diabetes11.
Estabelecer a relação quantitativa entre o tempo utilizando o computador (TC) e determinadas condições, como obesidade, sedentarismo e fatores de risco cardiovascular, pode contribuir para a implementação de medidas que desestimulem esses comportamentos e incentivem os universitários à adotar práticas mais ativas, de modo a prevenir os referidos agravos.
Diante disso, o objetivo deste estudo foi analisar o tempo despendido usando o computador como discriminador da obesidade, do sedentarismo e de fatores de risco cardiovascular em universitários.
MÉTODOS
Realizou-se estudo de delineamento transversal, de base escolar, em uma amostra do tipo censo, com estudantes universitários vinculados a uma fundação pública municipal localizada em Goiás, no Brasil, no ano de 2018.
Incluíram-se estudantes de ambos os sexos e com idade igual ou superior a 18 anos, e excluíram-se aqueles que possuíam algum tipo de deficiência física e com idade igual ou superior a 60 anos. Para o cálculo do tamanho da amostra, considerou-se uma prevalência estimada de 50%, levando-se em conta a inclusão de diferentes informações relacionadas à saúde e erro de 3 pontos percentuais. Foram acrescentados 10% para possíveis perdas ou recusas e 15% para controle de fatores de confusão. Assim, estimou-se a necessidade de incluir 953 indivíduos.
A população do estudo constou de todos os acadêmicos de graduação dos cursos de saúde da instituição (Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Medicina e Odontologia), distribuídos em três campi (Aparecida de Goiânia, Goianésia e Rio Verde), num total de 2.658 alunos.
Para a operacionalização da coleta de dados, utilizou-se um questionário impresso, pré-testado, padronizado e autoaplicável, composto por variáveis sociodemográficas, relativas ao curso e a aspectos comportamentais e de saúde.
O TC foi avaliado por meio de uma pergunta sobre o tempo despendido, em horas e minutos, em um dia normal da semana, utilizando o computador para trabalho, estudo ou lazer. Os minutos do TC foram transformados em horas.
As variáveis demográficas incluíram sexo (feminino; masculino), idade (18-19 anos; 20-24 anos; 25-29 anos; 30 anos ou mais), cor da pele autorreferida (branca; parda; preta; outras) e situação conjugal (com companheiro; sem companheiro). A variável socioeconômica foi a classificação econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), cujos escores foram organizados em categorias (A; B; C/D/E). Estabeleceu-se a classificação da Abep a partir da posse e quantidade de alguns bens de consumo, da escolaridade do chefe da família e do acesso a determinados serviços públicos12.
As variáveis relacionadas às características discentes foram o curso (Medicina; outros) e o período (do primeiro ao sexto; do sétimo ao 12º). Consideraram-se os seguintes hábitos de vida: tabagismo (não fumantes; ex-fumantes; fumante atual), uso de drogas ilícitas nos últimos 30 dias (uso; não uso), uso de álcool (uso; não uso) e prática de AF. Quanto à AF, coletaram-se os dados por meio do International Physical Activity Questionnaire (IPAQ)13. Nesse item, os indivíduos foram assim categorizados: sedentário (não realiza nenhuma AF por pelo menos dez minutos contínuos durante a semana), insuficientemente ativo (pratica AF por pelo menos dez minutos contínuos por semana, porém de maneira insuficiente para ser classificado como ativo), ativo (cumpre as seguintes recomendações: 1. AF vigorosa - ≥ 3 dias/semana e ≥ 20 minutos/sessão; 2. moderada ou caminhada - ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 minutos/sessão; 3. qualquer atividade somada - ≥ 5 dias/semana e ≥ 150 min/semana) e muito ativo (cumpre as seguintes recomendações: 1. atividade vigorosa - ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 min/ sessão; 2. vigorosa - ≥ 3 dias/semana e ≥ 20 min/sessão + moderada e/ou caminhada ≥ 5 dias/semana e ≥ 30 min/sessão).
Por fim, as informações relacionadas à saúde foram o Índice de Massa Corporal (IMC) e a presença de doenças que aumentavam o risco cardiovascular. O IMC foi calculado a partir do peso e da altura referidos pelo entrevistado e categorizado de acordo com os pontos de corte recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo IMC até 24,99 (peso adequado), > 25,00 e < 29,99 (sobrepeso) e ≥ 30 (obesidade)14. A presença de doenças foi considerada a partir da declaração autorreferida, com diagnóstico prévio realizado por médico, das seguintes condições: DM, HAS e hipercolesterolemia.
A estruturação do banco de dados foi feita no programa EpiData 3.1 com dupla entrada para correção de inconsistências. Analisaram-se os dados por meio software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. Na análise descritiva, calcularam-se os valores de média e desvio padrão, frequências absoluta e relativa e medidas de associação para variáveis categóricas (teste qui-quadrado) com p < 0,05. Utilizou-se estratégia de estratificação por sexo em virtude das diferenças observadas na literatura quanto aos fatores associados ao CS entre homens e mulheres, a depender do tipo de atividade considerada15),(16.
A capacidade discriminatória, a sensibilidade e a especificidade do TC para avaliar a presença das condições estabelecidas foram realizadas a partir da análise das curvas Receiver Operating Characteristic (ROC). A área sob a curva (ASC) determinou a capacidade discriminatória do indicador para presença ou ausência de obesidade, sedentarismo e fatores de risco para doenças cardiovasculares. As áreas com valores > 0,50 e limite inferior do IC95% > 0,50 foram consideradas como discriminatórias para a estimativa de pontos de corte17. Estimaram-se os níveis de sensibilidade e especificidade para os pontos de corte, e os pontos que melhor discriminaram a presença das condições já citadas foram aqueles que apresentaram equilíbrio entre essas duas características18.
Adotaram-se as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, conforme a Resolução nº 466 do Conselho Nacional de Saúde. Os Comitês de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos (Parecer nº 2.892.764) e Universidade de Rio Verde - UniRV (Parecer nº 2.905.704) aprovaram o estudo.
RESULTADOS
Participaram do estudo 2.275 universitários. O tempo médio despendido usando o computador para estudos, trabalho ou lazer foi de 3,90 (DP ±2,98) horas/dia para mulheres e 3,82 (DP ±2,96) horas/dia para homens.
A análise estratificada apontou diferenças entre os acadêmicos quanto à faixa etária, à cor da pele, à classe econômica, ao curso, ao hábito de fumar, ao uso de bebida alcoólica, à AF, ao IMC e à presença de hipercolesterolemia (Tabela 1). Encontrou-se uma maior proporção de indivíduos do sexo feminino na faixa etária de 20 a 24 anos (70,7%), cor da pele branca (58%), não fumantes (90,3%), ativos fisicamente (42,2%), sem obesidade (96,0%) e que não apresentavam hipercolesterolemia (81,5%). Entre os participantes do sexo masculino, foi observada maior prevalência de indivíduos inseridos na classe econômica A (53,5%), no curso de Medicina (74,2%) e referindo uso de bebida alcoólica (79,1%) (Tabela 1).
Variável | Feminino | Masculino | p-valor | ||
---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||
Faixa etária (n = 2.275) | 0,035* | ||||
De 18 a 19 anos | 198 | 12,5 | 83 | 12,0 | |
De 20 a 24 anos | 1.120 | 70,7 | 462 | 66,9 | |
De 25 a 29 anos | 194 | 12,2 | 96 | 13,9 | |
30 anos ou mais | 72 | 4,5 | 50 | 7,2 | |
Cor da pele (n = 2.275) | 0,050* | ||||
Branca | 918 | 58,0 | 386 | 55,9 | |
Preta | 47 | 3,0 | 37 | 5,4 | |
Parda | 545 | 34,4 | 235 | 34,0 | |
Outra | 74 | 4,7 | 33 | 4,8 | |
Situação conjugal (n = 2.259) | 0,435 | ||||
Com companheiro | 180 | 11,4 | 86 | 12,6 | |
Sem companheiro | 1.396 | 88,6 | 597 | 87,4 | |
Classe econômica (n = 2.173) | 0,000* | ||||
A | 624 | 41,0 | 348 | 53,5 | |
B | 714 | 46,9 | 238 | 36,6 | |
C/D/E | 184 | 12,1 | 65 | 10,0 | |
Curso (n = 2.260) | 0,018* | ||||
Medicina | 1.093 | 69,3 | 507 | 74,2 | |
Outros | 484 | 30,7 | 176 | 25,8 | |
Período (n = 2.258) | 0,068 | ||||
Do 1º ao 6º | 1.006 | 63,9 | 465 | 68,0 | |
Do 7º ao 12º | 568 | 36,1 | 219 | 32,0 | |
Hábito de fumar (n = 2.215) | 0,000* | ||||
Não fumante | 1.394 | 90,3 | 499 | 74,4 | |
Ex-fumante | 83 | 5,4 | 71 | 10,6 | |
Fumante atual | 67 | 4,3 | 101 | 15,1 | |
Uso de bebida alcoólica (n = 2.257) | 0,027* | ||||
Não | 398 | 25,2 | 142 | 20,9 | |
Sim | 1.179 | 74,8 | 538 | 79,1 | |
Consumo de drogas ilícitas (n = 2.174) | 0,525 | ||||
Não | 1.276 | 84,3 | 550 | 83,2 | |
Sim | 237 | 15,7 | 111 | 16,8 | |
Atividade física (n = 2.191) | 0,000* | ||||
Muito ativo | 291 | 19,1 | 212 | 31,9 | |
Ativo | 644 | 42,2 | 279 | 42,0 | |
Insuficientemente ativo | 250 | 16,4 | 69 | 10,4 | |
Sedentário | 341 | 22,3 | 105 | 15,8 | |
Obesidade (n = 2.225) | 0,000* | ||||
Não | 1.487 | 96,0 | 599 | 88,6 | |
Sim | 62 | 4,0 | 77 | 11,4 | |
Hipertensão arterial (n = 2.244) | 0,108 | ||||
Não | 1.491 | 95,3 | 659 | 96,9 | |
Sim | 73 | 4,7 | 21 | 3,1 | |
Diabetes mellitus (n = 2.231) | 0,255 | ||||
Não | 1.483 | 95,1 | 631 | 93,9 | |
Sim | 76 | 4,9 | 41 | 6,1 | |
Hipercolesterolemia (n = 2.222) | 0,013* | ||||
Não | 1.267 | 81,5 | 513 | 76,8 | |
Sim | 287 | 18,5 | 155 | 23,2 |
Teste qui-quadrado de Pearson - *p ≤ 0,05.
Fonte: Elaborada pelos autores.
A partir da análise realizada, identificaram-se os valores das ASC do TC como discriminador para a presença de obesidade, sedentarismo e fatores de risco cardiovascular em universitários. Verificou-se que o TC foi um bom discriminador de sedentarismo entre mulheres e homens, e da presença de HAS entre mulheres. Para as demais condições, o valor de p não se mostrou estatisticamente significante (Tabela 2).
Variáveis | Sexo feminino | Sexo masculino | ||
---|---|---|---|---|
ASC (IC95%) | p-valor | ASC (IC95%) | p-valor | |
Obesidade | 0,560 (0,494-0,627) | 0,108 | 0,535 (0,457-0,613) | 0,325 |
Sedentarismo | 0,542 (0,507-0,578) | 0,018* | 0,563 (0,501-0,627) | 0,041* |
HAS | 0,574 (0,506-0,643) | 0,032* | 0,499 (0,387-0,611) | 0,987 |
Diabetes | 0,509 (0,445-0,572) | 0,794 | 0,534 (0,436-0,632) | 0,487 |
Hipercolesterolemia | 0,520 (0,483-0,557) | 0,287 | 0,467 (0,413-0,520) | 0,214 |
ASC = área sob a curva; ROC = Receiver Operating Characteristic; IC95% = intervalo de confiança de 95%; HAS = hipertensão arterial sistêmica; *p < 0,05.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Quando se analisaram os pontos de corte com maior acurácia e valores de sensibilidade e especificidade da relação entre o TC e o sedentarismo, observou-se que, entre as mulheres, o ponto de corte que melhor discriminou essa condição foi de mais de 3,5 horas/dia (sensibilidade = 53% e especificidade = 53%) (Gráfico 1).
Entre os homens, o ponto de corte que melhor discriminou a presença do sedentarismo também foi ≥ 3,5 horas/dia (sensibilidade = 57% e especificidade = 55%) (Gráfico 2).
O Gráfico 3 apresenta a área sob a curva ROC entre o TC e a presença de HAS no sexo feminino, e o melhor ponto de corte encontrado foi de ≥ 4,5 horas/dia (sensibilidade = 45% e especificidade = 66%).
DISCUSSÃO
O presente estudo buscou demonstrar o poder discriminatório e o ponto de corte do TC em relação a algumas condições, como obesidade, sedentarismo e fatores de risco para DCV em estudantes universitários. Poucos estudos na literatura utilizaram o CS ou um de seus componentes como discriminador de condições em saúde na população universitária, ao contrário de outros grupos como crianças19, adolescentes20 e idosos21),(22.
As análises identificaram os valores que apresentaram o melhor equilíbrio entre sensibilidade e especificidade para discriminar a presença de sedentarismo e HAS entre os graduandos. Os dados mostraram que a capacidade preditiva do TC para discriminar a presença de sedentarismo foi maior entre homens do que entre mulheres, já que os valores da ASC para as mulheres foram mais baixos. Para a HAS, apenas entre as mulheres o TC apresentou poder discriminatório.
Na literatura, foi possível encontrar diferenças quanto ao CS quando se compararam homens e mulheres, pois, a depender do domínio considerado, um sexo podia se sobrepor ao outro. Pesquisa com dados de oito países latino-americanos apontou que os homens apresentaram maior CS do que as mulheres em uso de computador, videogame, leitura e deslocamento no transporte, independentemente da idade15. No entanto, no presente estudo, a média de TC entre os universitários dos sexos masculino e feminino foi equivalente, talvez porque as atividades desenvolvidas diariamente que implicavam o uso desse dispositivo fossem semelhantes.
Em relação aos pontos de corte, é importante ressaltar que a literatura ainda não apresenta consenso sobre a quantidade de tempo a partir do qual o excesso de CS poderia ser prejudicial à saúde, sendo possível encontrar tempos variando de duas horas até dez horas ou mais por dia23. Um estudo que buscou observar a relação entre o CS, as doenças cardiovasculares e a mortalidade em adultos apontou que duas horas/dia de tempo de tela estavam associadas a um aumento de 5% (HR 1,05; IC95% 1,01-1,09) em eventos cardiovasculares24.
Outros estudos realizados no Brasil tentaram identificar o ponto de corte mais adequado para a população universitária. Em Minas Gerais, os autores buscaram selecionar os melhores pontos de corte do tempo sentado como discriminador da ausência de morbidades referidas, como obesidade, excesso de peso, HAS, colesterol elevado e glicemia elevada. Eles concluíram que o melhor ponto de corte para ausência de HAS foi de seis horas25. Já na Bahia, um estudo realizado com acadêmicas de Enfermagem apontou o tempo sentado por oito horas ou mais por dia como o que melhor discriminou a obesidade abdominal entre as estudantes26. Desta forma, essas pesquisas encontraram pontos de corte bem acima do evidenciado na análise do presente estudo.
Uma revisão sistemática da literatura sobre CS demonstrou que os universitários gastavam em média 7,29 horas por dia sentados, tempo maior que a média de adultos jovens em países de alta renda. Nessa mesma revisão, a síntese dos dados acerca do tempo médio utilizando o computador foi de 2,91 (IC95% 2,32-3,5) horas por dia, valor inferior ao encontrado no presente estudo, tanto para os homens quanto para as mulheres5.
Quando se considera que é grande a possibilidade de os universitários assumirem ocupações futuras com exposição a longos períodos de tempo sentado durante o dia de trabalho, os dados tornam-se preocupantes, uma vez que a tendência desse tempo é aumentar. Um estudo realizado com adultos nos Estados Unidos certificou que o tempo sedentário aumentou na última década em todos os subgrupos analisados, considerando idade, sexo, nível de escolaridade, raça e IMC27.
A literatura apresenta uma associação negativa do CS com a AF3. Universitários fisicamente ativos tendem a dedicar menos tempo a comportamentos sedentários28. O sedentarismo pode trazer vários prejuízos à saúde, como predispor o indivíduo ao excesso de peso e à obesidade, que, por sua vez, estão relacionados a outros problemas. Estudos de casos e controles com universitários de Bangladesh apontaram que os não praticantes de nenhuma AF apresentaram uma chance 3,2 vezes maior de serem obesos ou terem sobrepeso quando comparados aos ativos fisicamente (OR = 3,2; IC95%: 1,0-9,9; p < 0,05)29.
No presente estudo, embora a análise estratificada não tenha apresentado grande diferença, tanto mulheres quanto os homens passaram quase um turno de seu dia diante de um computador, sem levar em consideração os outros componentes do CS, o que representou quase 25% do tempo de vigília. Esse fato chamou a atenção e tornou-se ainda mais preocupante, pois, em virtude da situação sanitária mundial causada pela pandemia da coronavirus disease 2019 (Covid-19), a rotina da maioria das pessoas foi modificada, tendo impactado em especial o âmbito estudantil, com aulas sendo ministradas na modalidade a distância, o que exigiu um tempo maior que o habitual, por parte dos estudantes, diante de dispositivos eletrônicos como o computador e smartphones.
Uma análise realizada com universitários da Espanha mostrou que o tempo sentado aumentou durante o período de lockdown entre todos os grupos de estudantes avaliados, refletindo as consequências trazidas pelo período de restrição em função da pandemia30. No Brasil, um inquérito que investigou vários comportamentos da população brasileira durante a pandemia de Covid-19 demonstrou um aumento do tempo médio assistindo à TV e usando o computador ou tablet, com um incremento de 1 hora e 30 minutos em relação ao tempo gasto com essas atividades antes da pandemia. O maior tempo médio de uso do computador foi entre adultos jovens de 18 a 29 anos, com cerca de 7 horas e 15 minutos, representando um aumento de quase três horas sobre o tempo de uso antes da pandemia31.
Como pontos fortes deste estudo, destacam-se a representatividade da amostra de universitários de uma região do país ainda pouco explorada, a rigorosa condução do estudo, bem como a relevância do conhecimento sobre um componente do CS muito presente nesse público e sua relação com determinadas condições no âmbito da saúde. Além disso, são poucos os estudos que fizeram esse tipo de análise, principalmente no Brasil.
Entre as limitações, estão a avaliação do TC por meio de questionário e a utilização de medidas autorreferidas para a obtenção das informações sobre morbidades. Entretanto, esse tipo de medida tem sido frequente em estudos epidemiológicos3),(32. Convém ressaltar que as informações foram coletadas antes da pandemia da Covid-19 e que, em virtude das medidas adotadas para enfrentamento da doença, os achados podem ter sido modificados para pior. Outra limitação diz respeito ao delineamento transversal, que exige cautela na interpretação dos achados, já que estudos longitudinais ou experimentais seriam mais adequados para apresentar a relação entre TC e a presença de determinadas condições.
CONCLUSÃO
O TC apresentou uma boa capacidade de discriminar a presença de sedentarismo em universitários e de HAS entre estudantes do sexo feminino. Os pontos de corte que melhor discriminaram essas condições foram 3,5 e 4,5 horas, respectivamente.
Ao se refletir sobre os achados, sugere-se que diminuir o TC e substituí-lo por atividades ativas pode contribuir para melhorar o perfil de saúde e a qualidade de vida dos universitários, funcionando como abordagem preventiva de doenças cardiometabólicas e sedentarismo. Os dados podem sugerir que estudos epidemiológicos futuros em estudantes universitários sobre o tempo de tela devem dispensar mais atenção ao tempo de uso do computador.