SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.36 número78O que é espiritualidade e como podemos abordá-la no ambiente escolarCrise da democracia e da educação no Brasil: uma contribuição do pensamento freireano ao debate índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.36 no.78 Uberlândia set./dez 2022  Epub 29-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v36n78a2022-65959 

Artigos

A análise sobre adolescência e jovens delinquentes pelo pedagogista português Faria de Vasconcelos: relação entre a inteligência e tipos de delitos

The analysis of adolescence and young offenders by the pedagogist Portuguese Faria de Vasconcelos: relationship between intelligence and types of offenders

El análisis de la adolescencia y a los delincuentes juveniles por el pedagogo portugués Faria de Vasconcelos: relación entre la inteligencia y los tipos de delitos

Ernesto Candeias Martins* 
http://orcid.org/0000-0003-4841-1215

*Doutor em Educação/Ciências da Educação pela Universitat de les Illes Balears. Professor Coordenador C/Agregação no Instituto Politécnico de Castelo Branco/Escola Superior de Educação (IPCB). E-mail: ernesto@ipcb.pt


Resumo

Pretendemos abordar o pedagogo português Faria de Vasconcelos (1880-1939) no contexto da Escola Nova, norteando-nos por uma pesquisa de metodologia hermenêutica na análise aos seus pressupostos pedagógicos sobre os problemas escolares e, principalmente sua preocupação pela adolescência e jovens delinquentes, infratores e/ou indisciplinados. Recorremos conceitualmente aos seus textos (fontes primárias) e à sua obra compilada por J. Ferreira Marques, a fontes secundárias sobre Escola Nova e História da Educação em Portugal da época. O método hermenêutico permitiu-nos compreender os escritos daquele pedagogista na frágua da temática, quer pelo questionamento, quer pelo alicerçar dessa compreensão sobre (análise) o conteúdo a interpretar. Ou seja, a hermenêutica sendo a palavra, em que a correspondente interpretação vem sempre do texto, converteu-se em mediadora desse processo interpretativo. Os objetivos foram os seguintes: analisar os contributos de Vasconcelos ao estudo científico da criança/infância, em especial no seu desenvolvimento físico e mental, sob a influência da Escola Nova; compreender a sua análise à adolescência e delinquência juvenil, na relação que estabeleceu entre a inteligência (percentagens de deficiências mentais) e tipos de delitos/crimes cometidos. Pretendemos resgatar esse pedagogo para a História da Educação em Portugal, divulgando os seus contributos em prol do estudo da criança, da adolescência e do jovem delinquente.

Palavras-chave: Faria de Vasconcelos; Adolescência; Jovem Delinquente; Inteligência; Ideais Escola Nova

Abstract

Intending to approach pedagogue Portuguese Farai de Vasconcelos (1880-1939) in the context of the New School, we were based on our research for a hermeneutic methodology in the analysis of its pedagogical assumptions, especially about school problems and, especially, its concern for adolescence and young offenders or undisciplined. We use conceptually his texts (primary sources) and his work compiled by J. Ferreira Marques, to second sources on New School and History of Education in Portugal at the time. The hermeneutic method allowed us to understand the writings about this pedagogist, in the depth of the theme, either by questioning or by the support of understanding about (analysis) the content to be interpreted. That is, hermeneutics being the word, in which the corresponding interpretation always comes from the text, has become a mediator of this interpretative process. The objectives were: to analyse Vasconcelos contributions to the scientific study of children/childhood, especially in physical and mental development, understand their analysis of adolescence and juvenile offenders, in the relationship he established between intelligence (percentages of mental disabilities) and types of crimes/crimes committed. We intend to rescue the thought and work of this pedagogue for the History of Education, disseminating his contributions in favour of the study of children, adolescents, and young offenders.

Key-words: Faria de Vasconcelos; Adolescence; Young Offender; Intelligence; New School ideas

Resumen

Pretendemos acercarnos al pensamiento del pedagogo portugués Faria de Vasconcelos (1880-1939) en el contexto de la Escuela Nueva, guiándonos por una investigación de metodología hermenéutica en el análisis a sus supuestos pedagógicos, especialmente sobre los problemas escolares y, especialmente su abordaje a la adolescencia y jóvenes delincuentes y/o indisciplinados. Utilizamos conceptualmente sus textos (fuentes primarias) y el trabajo compilado por J.Ferreira Marques, además de fuentes secundarias sobre el periodo de la Escuela Nueva e Historia de la Educación en Portugal en la época. El método hermenéutico nos permitió comprender los escritos, en la profundidad del tema, ya sea cuestionando o por el apoyo a la comprensión sobre (análisis) el contenido a interpretar. Es decir, siendo la hermenéutica la palabra, en la que la interpretación correspondiente proviene del texto, se ha convertido en mediadora de este proceso interpretativo. Los objetivos fueron: analizar los aportes de Vasconcelos al estudio científico de los niños, especialmente en el desarrollo físico y mental, bajo la influencia de la Escuela Nueva; comprender su análisis a la adolescencia y los delincuentes juveniles, en la relación de la inteligencia (porcentajes de discapacidad mental) con los tipos de delitos/delitos cometidos. Pretendemos rescatar a este pedagogo para la Historia de la Educación en Portugal, difundiendo sus aportaciones a favor del estudio de los niños, adolescentes y jóvenes infractores.

Palabras-Clave: Faria de Vasconcelos; Adolescencia; Joven Delincuente; Inteligencia; Ideales de la Escuela Nueva

Introdução

A. S. Faria de Vasconcelos (1880-1939) foi um pedagogo português empenhado na expansão e aplicação das ideias e metodologias do Movimento da Escola Nova1, realizando uma experiência em Biérges-Lez-Wawre (Bruxelas), entre 1912 e 1914, onde aspirou a materializar o modelo proposto pelo Bureau International dês Écoles Nouvelles, aplicando os 28,5 princípios dos 30 princípios exigidos. Foi um dos pedagogos do Movimento da Escola Nova que teve ao longo das suas ações uma preocupação psicológica e pedagógica pelo ensino escolar e pela formação dos professores, e intentou encontrar soluções aos problemas escolares ou dificuldades de aprender dos alunos irregulares, “anormais escolares”, retardados ou “fracos de espírito” na escola (VASCONCELOS, 1936). Apresenta-nos uma visão moderna da pedagogia ou da pedologia (terminologia da época relacionada com a psicologia evolutiva) sobre o desenvolvimento educativo da criança/infância, contrastando e criticando os pressupostos da pedagogia dita tradicional (BANDEIRA, 2003). O escolanovista português era apologista de uma concepção de educação integral no ser humano, que assentava no conhecimento científico proveniente da moderna pedagogia contemporânea (VASCONCELOS, 1921b), pois não considerava a criança como um adulto em miniatura, tanto do ponto de vista físico como psíquico, já que ela constituía um tipo especial com diferentes fases de desenvolvimento, não sendo por isso uma redução do adulto.

A nossa pesquisa norteia-se por uma metodologia hermenêutica (analítica) ao abordar os pressupostos pedagógicos de António Faria de Vasconcelos nos meandros dos ideais da EN, destacando a sua análise psicológica/pedagógica à criança (períodos de desenvolvimento), em especial as que tenham problemas escolares, e ainda a sua preocupação pela adolescência e pelos jovens delinquentes, infratores ou com comportamentos antissociais, articulando a relação dos seus graus de inteligência com os tipos de crimes ou delitos cometidos. No dizer, de E. Goffman (2005), esses indivíduos estigmatizados, excluídos e/ou marginalizados eram designados como pessoas que não cumpriam a norma ou regras impostas pela sociedade, incluindo assim os menores delinquentes e marginalizados. Também nesse sentido Durkheim, citado por Bastos (1997, p. 17-19), considerava esses estados de delinquência e marginalidade como um desvio às normas coletivas, sendo estas um agente regulador da vida social. Dessa forma, Vasconcelos (1936) preocupou-se em saber se havia alguma correlação entre a inteligência e os atos delitivos nesses menores delinquentes.

No marco teórico-conceitual recorremos aos textos da obra do escolanovista português (fontes primárias) e/ou à compilada em volumes por J. Ferreira Marques (MARQUES, 1986, 2006, 2009, 2010), através da análise de conteúdo, além do recurso a algumas fontes secundárias sobre EN, a História da Educação em Portugal ou de contextualização da educação escolar na época. O método hermenêutico permitiu-nos compreender os escritos de Vasconcelos, na frágua da temática (estudo da criança/infância e do menor delinquente), seja pelo questionamento, seja pelo alicerçar a compreensão sobre o conteúdo a interpretar. Ou seja, a hermenêutica sendo a palavra, em que a correspondente interpretação vem sempre do texto, converte-se em mediadora no processo interpretativo.

Os objetivos que seguimos na abordagem ao pensamento e sistema vasconcelosiano foram os seguintes: analisar os contributos de Vasconcelos ao estudo científico da criança/infância, em especial no âmbito do desenvolvimento físico e mental, sob a influência dos princípios da EN; compreender a sua análise à adolescência e ao delinquente juvenil, na relação que estabeleceu entre a inteligência (graus ou percentagens de deficiências mentais) e os tipos de delitos/crimes cometidos. O propósito final é resgatar A.S. Faria de Vasconcelos para a História da Educação em Portugal, divulgando os seus contributos psicológicos e pedagógicos, em prol do estudo da criança/infância, da adolescência e do jovem delinquente.

1. Faria de Vasconcelos no seio da EN e da pedagogia da época

Faria de Vasconcelos e a plêiade de pedagogos do EN entraram em ruptura com o pensamento pedagógico da época, criticando a memorização de conceitos e por estar ancorado no empirismo e na especulação filosófico-pedagógica, que não tinham em conta as aptidões e as capacidades da criança, apesar dos contributos do naturalismo pedagógico de Rousseau, Pestalozzi e Fröebel (FIGUEIRA, 2004). O modelo de ensino tradicional contemplava sobretudo uma educação intelectual, em detrimento do desenvolvimento das aptidões físicas e cognitivas, não indo ao encontro dos interesses e motivações da criança. Daí que essas metodologias de ensino tinham como referência os modelos verbalistas, que não atendiam aos estádios de desenvolvimento dos alunos, já que estavam revestidos com um caráter artificial ao ignorar a natureza da criança e o conjunto de condições do seu meio envolvente, essenciais para o seu processo educativo. Perante esse cenário, a EN preconizou uma pedagogia debruçada sobre o estudo científico da criança e assente no seu conhecimento físico e psíquico, além de seguir os pressupostos higienistas (FERNANDES, 2006). Previa-se a possibilidade de cada criança necessitar educativamente de uma orientação (pessoal, escolar), incluindo a vocacional para uma profissão, ao longo do seu processo de aprendizagem, já que a pedagogia não podia assentar numa uniformidade de regime. Faria de Vasconcelos afirmava, segundo Ferreira Marques, que

hoje, felizmente, já se compreende que, deferindo às crianças umas das outras, se devem antes subordinar os métodos de ensino às necessidades individuais da criança, tendo em atenção as particularidades fisiológicas e psicológicas de cada uma. (MARQUES, 1986, p. 192)

Aquele escolanovista português propõe uns pressupostos educativos adequados aos interesses da criança, sendo esta estudada de forma científica pela “pedologia” ou “paidologia”, dando importância aos aspetos psicológicos (atenção, hábitos, memória, consciência, inteligência, orientação nas atividades escolares etc.), no seu desenvolvimento ou crescimento (MARQUES, 2006, p. 519-814). Por isso, norteava a sua pedagogia por três aspetos fundamentais: o estudo científico da criança e infância; a presença e intervenção eficaz do médico (higiene escolar) e do educador (orientador no processo educativo); a colaboração assídua da família com a escola na obra educativa, de modo a acompanhar escolarmente o educando para uma cidadania e vocação profissional.

Nesse contexto, serve de referência a apreciação de J. Ferreira Gomes (1984, p. 121) às “Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental” de Vasconcelos, onde expressa a existência de “certas ressonâncias, a começar pelo título, da obra de E. Claparède Psychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale, cuja primeira edição é de 1905”. Justificava aquele antigo professor de Coimbra que o pedagogo português recebeu influências da pedagogia e da psicologia de E. Claparède, fruto da sua permanência, entre 1914-1915 na Suíça, no Instituto J.J. Rousseau de Genebra, onde se desenvolviam investigações no âmbito da psicologia do comportamento e funcionalismo (Claparède), além das influências belgas da pedotecnia (Decroly, Chirstaens) e/ou da psicotécnia da época2 aplicada ao âmbito do trabalho, etc.

De fato, o comportamento humano mereceu várias análises de Faria Vasconcelos, de tal modo que propôs a componente da orientação como uma forma de seleção (vocacional, escolar) das capacidades e aptidões dos alunos e dos menores internados nos Refúgios (centros de observação temporária de menores detidos), anexos à Tutoria Central de Infância, aguardando decisão judicial para posterior tratamento médico-pedagógico, mais adequado à sua (re)educação (MARTINS, 2019).

Por conseguinte, nesse novo contexto da pedagogia exigia-se conhecer e respeitar as iniciativas da criança, fazendo-lhe despertar a curiosidade, o imaginário e os interesses, de modo a tornar a educação atrativa, com um ensino que fosse ao encontro da sua natureza e inclinações, coincidindo com os pressupostos de Montessorri e Decroly (FÉRRIÈRE, 1955). Ou seja, a aprendizagem deveria basear-se na experiência pessoal através da descoberta, já que o essencial era proporcionar à criança as bases fundamentais que lhe permitisse adaptar-se às circunstâncias diversas a que se enfrentava. Desse modo recorria-se à psicologia (genética, do indivíduo e da intuição), ao modelo de aprendizagem ativa, à medição da inteligência, ao método da Gestalt e da percepção sincrética, ao conhecimento do desenvolvimento mental e das estruturas psíquicas, à psicometria, à renovação da escola (organização escolar), do currículo e às novas estratégias de ensino da EN (ANDRÉS et al., 2004; PIRES, 2003).

Cabia ao professor estabelecer a ligação dos conhecimentos novos com a curiosidade preexistente na criança, passando do conhecido para o desconhecido, do concreto para o abstrato, do imediato para o mediato, do determinado para o indeterminado e do geral para o particular, numa didática de ensino já iniciada anteriormente por Comênio. Sabemos que determinados fatos impressionam a criança pelo seu carácter agradável ou desagradável, fazendo destacar os que melhor se gravam no seu espírito e, por isso, podem permanecer por mais tempo (consciência) (SANTOS, 1919). Daí a necessidade de o ensino ser mais atrativo, de modo a excitar os interesses da criança e despertar-lhe a imaginação e as aptidões, criando-lhe à sua volta uma atmosfera placenteira de alegria, tal como pretendeu Makarenko, nas suas experiências em Gorki (MARTINS, 2019). O ideário pedagógico preconizado por Faria de Vasconcelos expressa inovações relacionadas à prática pedagógica e implicações de renovação do ensino infantil, em especial no nosso país3.

Efetivamente, a EN tem em Vasconcelos um dos seus intérpretes e propagandista, que estudou cientificamente o desenvolvimento da criança e do adolescente, os seus processos de aprendizagem e as didáticas de ensino utilizadas em muitas áreas curriculares, pretendendo facilitar à criança e aos jovens uma educação integral (GOMES, 1980). Foi dessa forma que, na sua perspectiva, a pedagogia contemporânea tendia à formação do homem completo, na sua expressão mais alta e mais humana; e Faria de Vasconcelos encontra-se nesse âmbito psicológico e pedagógico da formação do educando (GOMES, 1980; MACHADO, 2016).

2. Contributos ao estudo científico do desenvolvimento da criança

Os progressos da medicina (psiquiatria, pediatria), do higienismo e eugenismo, da puericultura e da paidologia, nos finais do século XIX e princípios do XX, unido a outros movimentos ou associações de “Salvação da Criança”, apelaram para uma identificação dos males que afetavam a infância. Visavam em especial aquela infância que tinha “anormalidades”, quer no processo de desenvolvimento educativo/escolar, quer no comportamento ou, ainda, porque não dispunham de uma normalização familiar e sociocultural adequada e, por isso, exigiam respostas sociais e assistenciais, com dispositivos de proteção, prevenção e de reeducação em instituições especiais, com a aplicação do modelo de tratamento médico-pedagógico e/ou correcional (disciplinar).

Nesse contexto a EN propõe metodologias e técnicas de ensino diferentes das tradicionais, pressupostos de higiene escolar e social (vertente de profilaxia e terapêutica social), entrelaçando a higiene com a pedagogia (medicina pedagógica), a psicologia e sociologia com a pedagogia, mas realçando a importância do conhecimento da criança/infância (FERREIRA, 1920). Essa perspectiva apoiava-se na observação e na averiguação experimental das potencialidades da criança (físicas, mentais e morais) ou da medição das suas condições no processo de aprendizagem (área da pedotecnia e da psicotecnia) (CAMBI, 1999). De fato, essa nova pedagogia destacava as especificidades do período da infância, em relação à etapa adulta, dando origem ao desenvolvimento de uma pedagogia ativa centrada na criança (ARAÚJO, 2003). Paralelamente, assistimos à (re)organização e expansão dos sistemas escolares (escola pública), ao interesse político pela educação, na base dos ideais do progresso, do desenvolvimento social e econômico e da formação para a cidadania (ANDRÉS et al., 2004).

Na época a educação da criança estava em função do estrato social a que pertenciam, podendo ir ou não à escola (FERREIRA, 1920). Normalmente as crianças das famílias pobres, vulneráveis ou com níveis econômicos baixos, ingressavam muito novas no mercado de trabalho (trabalho infantil com exploração e sem condições higiênicas e laborais), o que consistia uma preocupação social no país que só veio a ser regularizada em 1898, estabelecendo-se a idade de 14 e/ou 16 anos para ingresso no mercado de trabalho.

Simultaneamente foram aparecendo diferentes concepções sobre a criança: os romancistas e poetas apresentavam-na como um ser de pureza perfeita e de inocência sem mancha; a escola positivista lombrosiana relacionava a constituição psicossociológica da criança com a do criminoso nato, do louco moral e do selvagem, sendo uma espécie de prolongamento atávico da humanidade primitiva, numa imagem intensamente positiva da barbárie, de reprodução, em resumo, dos antepassados com características antissociais. Faria de Vasconcelos (1915) discordava desta conceção da infância da escola positivista italiana. Para ele a criança não era naturalmente um criminoso, nem um ser pervertido, antes pelo contrário, era um ser normal que percorria um processo de desenvolvimento (físico-mental), onde a afetividade e a intelectualidade seguiam em paralelo. Todas essas concepções tradicionalistas foram apreciadas pelo escolanovista português, que reconhecia um mundo específico para a criança, em especial aquela que ingressava na escola para ter um percurso mais ou menos normatizado, onde o ensino se adaptava ao seu desenvolvimento natural, físico, moral e psíquico. Os estudos pedagógicos revelavam que a criança tinha sucessivas etapas/fases de desenvolvimento e um mundo próprio (o imaginário), não devendo ser tratadas, segundo ele:

como um homem em miniatura, em redução. Daí, uma instrução e uma educação essencialmente precoce que perturbam ou contrariam a sua evolução integral. Ora a criança constitui, tanto física como psiquicamente um tipo especial que difere não só quantitativamente mas qualitativamente do adulto. De onde a necessidade de tratar a criança como uma criança, de não perturbar ou contrariar a natureza, de conformar o ensino e a educação ao seu estado de desenvolvimento físico e psíquico e de recorrer portanto a meios que a criança sinta e compreenda. [...] É necessário pôr de parte, consequentemente, todas as abstrações intelectuais e morais, muito próprias para os homens já feitos, mas inteiramente descabidas numa pedagogia de real alcance prático e científico que atenda, como deve, ao modo de ser da criança. (MARQUES, 1986, p. 189-190).

Todas estas ideias acerca da criança e do modo como devia processar-se a sua educação entravam em confronto com a tradição educativa e com as concepções socioculturais e familiares acerca da infância (CAMBI, 1999). A educação infantil estava ancorada em metodologias de ensino que eram indiferentes ao desenvolvimento físico e psíquico da criança. Para J. F. Gomes (1986, p. 22), no século XIX, sentiram-se “algumas preocupações com a educação infantil em Portugal, revelando influência do sistema educativo francês”. Nesse período as medidas de política educativa debatiam-se com escassez de meios financeiros, não passando de simples intenções (FIGUEIRA, 2004). Relembramos que, em 1907, Vasconcelos proferiu na Sociedade de Geografia de Lisboa, a convite da Liga de Educação Nacional, uma série de conferências, posteriormente publicadas com o título “Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental”, onde analisou/explicou pedagogicamente um conjunto de experiências e propostas novas que se realizavam na Europa e que contribuíam para inovar as práticas vigentes na educação em Portugal:

a antiga escola e a antiga ciência educativa eram o resultado de um empirismo grosseiro; as bases em que assentavam, as transformações por que passavam, partiam sempre de considerações de ordem filosófica [...]. Assim se explica todo o carácter artificial, verbalista, da pedagogia antiga, que por ignorar a natureza da criança e o conjunto de condições de meio, próprias para o seu desenvolvimento regular, não produzia uma obra de um real alcance prático. (MARQUES, 1986, p. 191).

Sublinhava o escolanovista português que o grande defeito do sistema educativo português residia no fato de ignorar a criança, pois não se atendia à sua personalidade física e psíquica e ao seu processo de desenvolvimento (GOMES, 1980). Cabia ao educador saber explorar os aspectos de que a criança dispunha, como a alegria, a espontaneidade, a emoção, a atenção e a expansão, que em muito contribuíam para o seu processo educativo, precisando, por sua vez, de simpatia, de respeito pela sua dignidade e de despertar-lhe o seu interesse e amor-próprio. Assim, as metodologias de ensino deviam adequar-se aos padrões do crescimento mental da criança, fomentando o seu desenvolvimento físico e psíquico e promovendo holisticamente uma educação integral (VASCONCELOS, 2015). Essas ideias a respeito da infância, resultante do desenvolvimento dos conhecimentos científicos do higienismo, da medicina, da pedagogia e principalmente da psicologia (paidologia, pedologia), foram delineando o modelo moderno de infância (TIANA, 2005).

Faria de Vasconcelos (1924) destacava no processo de desenvolvimento humano duas crises principais: uma teria lugar dos seis aos sete anos - que corresponderia à entrada da criança na escola, à sua sujeição ao contato com um meio novo com o qual não estava habituada. Nesse período era sujeita a coações e a uma imobilidade forçada que lhe impõe o trabalho escolar -; a outra crise situar-se-ia na puberdade, entre os 12 e 15 anos. Para ele a crise da puberdade tinha reflexos físicos e mentais, sendo um período

de instabilidade, de fermentação física e psíquica, em que tudo se move, se choca numa febre de vida, de trabalho, de tempestade subterrânea que, aqui e além, abaixa e levanta, arrasa e constrói forças, sentimentos, aptidões e ideias. § Esta efervescência de crescimento traz consigo perturbações, desordens e doenças. (MARQUES, 1986, p. 280).

Em todos aqueles períodos de crise, o processo de crescimento e de desenvolvimento da criança devia merecer maior atenção de vigilância por parte das famílias, dos educadores ou pedagogos, caso contrário desencadeavam comportamentos antissociais e de desvio social, que eram submetidos a punição (FOUCAULT, 1987). Para Vasconcelos (1924), a educação era determinante para desenvolver física e psicologicamente a criança, de modo que ela resistisse às más tendências desse ambiente envolvente:

Si l’organisme de l’enfant est faible, débile, rien d’entonnant que l’influence des mauvaises conditions du milieu où il évolue la pousse à des manifestations morbides et antisociales, et en fasse un anormal. Toute l’ouvre de l’éducation devra donc consister à le développer physiquement et psychiquement, à augmenter son pouvoir de résistance aux dangereuses influences de l’ambiance, à le rendre fort de lui-même et en lui-même. (MARQUES, 1986, p. 99) 4

De fato, a prática da pedagogia científica tinha de atender ao mundo da criança, ao seu desenvolvimento e aos seus interesses. Cabia aos professores investigaram ou indagarem, em primeiro lugar, o que a criança estava apta a apreender e a aprender, sendo necessário conhecê-la de forma holística no plano fisiológico e psicológico (MARQUES, 2010). Ora sem esse conhecimento, o ensino não seria proveitoso nem se adequava aos interesses da criança. Os métodos de ensino, os programas curriculares e a formação didática dos professores deveriam estar subordinados às necessidades individuais e psíquicas do aluno, ou seja, o professor deveria ir ao encontro do que o aluno desejava. Por isso, o pedagogo português dá destaque ao desenvolvimento das aptidões físicas do aluno, em especial, ao desenvolvimento dos sentidos como instrumento de desenvolvimento cognitivo e também da afetividade.

Faria de Vasconcelos considera a afetividade um processo de desenvolvimento crescente até a idade adulta, em que a adolescência é uma “aépoca de fermentação, crise, as oposições afetivas sejam mais acentuadas, que os contrastes sejam mais vivos, que as oscilações, as flutuações sejam mais rápidas” (MARQUES, 1986, p. 579). Sabemos que os estudos psicológicos posteriores, designadamente os de E. Erikson, consideram a adolescência como um período de transição do indivíduo do estado infantil para o estado adulto. De fato, nesse período ocorre um conjunto de mudanças biológicas, como um crescimento repentino, sendo também um período revestido de alguma tensão afetivo-emocional. No caso de Freud, a adolescência era um período de conflito, onde as pulsões sexuais reprimidas durante a fase final do complexo de Édipo não podiam ser negadas. Assim, a adolescência não é necessariamente um período de perturbação, em que alguns conflitos surgidos decorrem de o indivíduo iniciar a sua preparação para se tornar autônomo (ARAÚJO, 2003). E. Erikson realçava como principal conflito da adolescência a crise de identidade, onde os jovens procuram descobrir quem realmente são, no seio da sua cultura (complexa) (GOMES, 1984).

O problema da educação da afetividade era para Vasconcelos (1934) fundamental na infância e adolescência, quer do ponto de vista intelectual como da atividade física:

O pensamento como a ação dependem intimamente da vida sentimental, emotiva e instintiva. A força motora das ideias varia segundo o elemento afetivo a que estão associadas. A emoção, o sentimento dão cor e vida às ideias, precisão e energia a ação. (MARQUES, 1986, p. 609).

Por outro lado, Faria de Vasconcelos (1921a) defende a associação eficaz entre o médico e o professor, privilegiando uma estreita ligação da família com a escola. Essa necessidade de associar a atividade médica à atividade pedagógica, de forma a observar e analisar o desenvolvimento físico da criança, constituía uma forma de detectar qualquer anomalia, retraso/atraso ou algum aspecto defeituoso no desenvolvimento físico-motor e cognitivo, pois qualquer anomalia “era um obstáculo ao desenvolvimento intelectual e moral da criança, então compreendeu-se que a higiene mental era tão importante como a física” (MARQUES, 1986, p. 194). Ou seja, o médico (e a enfermeira) e a família deviam colaborar com a escola no processo educativo das crianças, mas essa colaboração entre médico e professor podiam ser “nocivas, se a família contrariasse ou prejudicasse a obra da escola. É por isso que uma das características mais interessantes da fase atual da ciência educativa consiste na educação pedagógica das famílias” (MARQUES, 1986, p. 195). Essa nova prática pedagógica apelava ao conhecimento da natureza física e psíquica da criança, analisando o seu próprio mundo para uma escolha adequada dos métodos de ensino a utilizar.

É sabido que o desenvolvimento infantil evoluiu durante as diferentes épocas, cabendo ao educador a função e o dever de auxiliar o processo de crescimento e desenvolvimento da criança (ARAÚJO, 2003). Há um encaixe no pensamento de Faria de Vasconcelos em relação a muitas orientações psicológicas de Binet, o qual defendia a prática do exercício físico e da educação dos sentidos da criança através dos movimentos, da atenção, do espírito de observação e de julgamento, tal como pensava Montessori (PIRES, 2003).

Faria de Vasconcelos (1934) refere muitos estudos de Binet considerando-os essenciais para compreender o desenvolvimento das faculdades da criança, designadamente, o aspeto da experimentação, em que aquele psicólogo francês procurou determinar a relação entre o desenvolvimento da inteligência e a conformação da cabeça, para saber dentro de que limites e sob que condições as dimensões da cabeça podiam esclarecer-nos sobre a capacidade do indivíduo e estabelecer uma relação entre o desenvolvimento físico e o intelectual. É igualmente conhecedor dos estudos de Krueger e Spearman, que esclareciam as relações quantitativas e qualitativas entre as diferentes aptidões psíquicas, para além de estabelecerem um processo simplificado do método matemático, uma forma de correção, pela prévia determinação tanto quanto possível exata dos fenômenos a explorar (MARQUES, 1986). Tinha conhecimento dessas ideias que permitiam estudar cientificamente as crianças, mas inclinava-se, com preponderância, para o uso das metodologias de Claparède (MARTINS, 2019). Cita, ainda a Baldwin, que procurava ver no estudo das crianças um meio para verificar as análises mentais do adulto, pois através da vida intelectual infantil procurava compreender na sua gênese a composição de fatos complexos constituídos por elementos mentais mais simples.

Em relação à ação do educador, Vasconcelos (1921a) considerava que ele devia recorrer aos trabalhos manuais, aos exercícios físicos, à didática através dos jogos para desenvolver o caráter e a personalidade da criança, mas atendendo às suas diferenças individuais. Desse modo, o crescimento físico-motor era um dos elementos essenciais de análise do processo de desenvolvimento da criança:

é preciso colocar a criança ao abrigo das forças orgânicas ou extra-orgânicas que podem contrariar ou prejudicar radicalmente o seu desenvolvimento, tanto físico como mental, e assegurar a evolução regular de todas as transformações anatómicas e de todas as modalidades funcionais do organismo.

§ Todo o organismo vivo traz em si, quando nasce, a força de desenvolver os seus órgãos e funções de maneira a poder chegar à idade adulta e realizar esta evolução de modo a poder assemelhar-se aos pais. (MARQUES, 1986, p. 225-226).

Faria de Vasconcelos (1909) considera essencial que o educador seja formado na perspectiva da pedagogia nova, ou seja, que possua uma formação científica sobre a “natureza da criança” e sobre o conjunto das condições do meio, em que o seu desenvolvimento se processa. Daí insurgir-se contra a pedagogia antiga, que era artificial e verbalista. Mais que transmitir conhecimentos, a primeira função do educador é promover a existência de situações proporcionadoras do crescimento físico infantil, desviando todos os obstáculos que pudessem contrariá-lo, de modo a tirar partido da educação e da instrução ministrada. Ou seja, o escolanovista português reafirma a ideia de que, antes de transmitir conhecimentos ou mesmo educar, a missão do educador é a de um higienista. É importante realçar que as preocupações higienistas e do desenvolvimento físico e mental da criança e adolescente mereceram uma grande importância por parte de Vasconcelos (1934), insistindo na colaboração médico-pedagógica como facilitadora da adaptação ao ritmo, à quantidade e à qualidade de trabalho escolar dos educandos, do respeito pela sua saúde e segurança. O pedagogo português identifica três ordens de fatores ou de problemas cuja solução a pedagogia investigava: os problemas referentes à preservação do ambiente, os que acordam e estimulam as forças físicas e psíquicas da criança; e os que conduzem à plenitude do desenvolvimento. Em alguns momentos o nosso escolanovista apela para a importância da cooperação da família na tarefa educativa. Assim, as metodologias de ensino adequavam-se às necessidades individuais da criança, tendo em atenção as particularidades fisiológicas e psicológicas de cada uma, pois:

os modernos educadores tratam de saber, primeiro que tudo, o que a criança está apta a aprender. Antes de saber o que se deve ensinar à criança, o que é preciso é conhecer fisiologicamente e psicologicamente quem se pretende ensinar e educar. § Sem o conhecimento da criança o ensino não pode ser proveitoso, e o facto extraordinário é que os profissionais do ensino atual estão nas mesmas condições em que se encontraria um homem que fosse horticultor sem ter noções de botânica que o habilitassem ao conhecimento das plantas. (MARQUES, 1986, p. 192).

Efetivamente, ao educador não bastava ter um conhecimento dos programas e das matérias a lecionar, pois acima de tudo deveria ter conhecimento das atitudes, dos comportamentos e do processo de desenvolvimento dos alunos. Essa conceção educativa foi defendida por Claparède no seu livro editado em 1905 intitulado “Pedagogia da criança e pedagogia experimental”, ao considerar que era uma verdade elementar que a pedagogia devia ter sobre o conhecimento da criança como a horticultura repousa sobre o conhecimento das plantas (FERNANDES, 2006). De fato, esta análise científica do processo de desenvolvimento da criança estava associada à pedologia da época, a qual era uma ciência nova que:

procura conhecer o corpo da criança (estatura, peso, etc.) normal ou anormal, a sua evolução, os órgãos dos sentidos, o seu espírito, as qualidades e defeitos físicos, intelectuais e morais, tendo em vista a determinação das leis do seu desenvolvimento físico e mental, tanto sob o ponto de vista geral aplicável a todas as crianças, como sob o ponto de vista das diferenças e variedades individuais. (MARQUES, 1986, p. 198).

Sabemos, hoje quão importante é essa preocupação pelo desenvolvimento físico e intelectual da criança no processo de ensino-aprendizagem. É, pois, o homem inteiro que devia ser educado e não apenas uma parte, pois Faria de Vasconcelos (1909) quer que no educando se desenvolvam as suas capacidades naturais, as suas aptidões ou capacidades, e é claro que, de todas elas, as mais necessárias são as físicas e orgânicas. Por isso, concebeu grande relevo aos estudos sobre o desenvolvimento corporal (e higiênico) e sobre a estreita relação entre a vida mental e as condições do organismo. Segundo Vasconcelos (1934), a educação física não pode ser feita sem se atender a condições indispensáveis e assente em bases científicas, isto é, a educação física devia basear-se no conhecimento da “anatomia, da fisiologia e da mecânica do corpo”, apoiada em métodos, processos e organização adequados, em instalações/espaços adequados, em material didático, meios financeiros e ação esclarecida dos médicos.

No pensamento vasconceliano, encontramos uma grande utilidade múltipla no campo psicopedagógico, em que as atividades manuais são um instrumento educativo que se posiciona no seguimento das experiências, dos interesses naturais das crianças, ou seja, um instrumento educativo ou um “prelúdio” à educação intelectual, preparando e fornecendo à criança ocasiões de aplicação de vários conhecimentos nos diversos ramos das ciências. Os trabalhos manuais constituem um precioso auxiliar educativo na descoberta das tendências, aptidões dos alunos, bem como uma oportunidade de iniciação na vida prática, pois fomentam o espírito de iniciativa e sentido de responsabilidade nos alunos (VASCONCELOS, 2015). Para Vasconcelos (1909), todas as atividades escolares integram-se no conjunto de fatores que acordam e estimulam as forças físicas da criança, proporcionando-lhe atividades que, não sendo propriamente instrutivas, têm, segundo ele, um valor propedêutico para a instrução e educação.

Já dissemos que a educação intelectual pretendia promover o crescimento, o desenvolvimento, a evolução natural das diversas funções mentais da criança, pois para Vasconcelos (1921a), o objetivo fundamental da instrução era o desenvolvimento das aptidões e capacidades dos educandos associadas ao gosto pelo trabalho escolar. Ou seja, a educação intelectual convergia para a valorização do carácter informativo da formação cognitiva, sendo o meio de desenvolvimento das capacidades mentais, das aprendizagens de técnicas indispensáveis para a vida social, à formação do espírito etc., gerando alterações qualitativas nos alunos (VASCONCELOS, 1921b).

Relativamente aos jogos, Faria de Vasconcelos (1915) considera que estes têm uma importância significativa para o desenvolvimento moral e social da criança. Apresenta uma opinião específica sobre os jogos coletivos, pois considera-os uma “prática detestável, que deveria ser totalmente suprimida” (VASCONCELOS, 2015, p. 78), dado que fomentam exibicionismo, assim como rivalidades. Valoriza mais os passeios, as excursões e as visitas de estudo, pelas múltiplas necessidades que satisfazem os interesses das crianças (escolares), pois são um meio de cultura física, intelectual e moral de que a escola pode dispor. Essa posição vasconceliana contraria a escola tradicional, que impunha ao aluno o trabalho escolar sem se preocupar com o interesse que ele colocava nessa atividade. Assim, no seguimento da EN, apelava ao trabalho espontâneo e ativo, fundado nas necessidades e nos interesses pessoais, na sequência de O. Decroly, proporcionando bases psicológicas fundamentais para sua realização (psicologia genética, modelo de aprendizagem da linguagem, medição da inteligência, função do método global, papel da psicometria, renovação da escola) (MARTINS, 2019).

Em termos fundamentais, Faria de Vasconcelos (1937) não quer uma educação contra os instintos, quer que ela seja feita eficazmente a partir das tendências das crianças. Daí que a educação intelectual e moral deveria ser: dinâmica, procurando despertar e dirigir as atividades naturais da criança; e genética, fundando-se nessas tendências e adaptando-se à sua evolução. É nesse marco psicopedagógico que Vasconcelos (1921a) expressa a sua pedagogia diferenciada, uma valorização dos métodos e dos processos educativos, ancorados a um pragmatismo pedagógico (influência de J. Dewey), em que o escolanovista português apresenta a expressão na ação concreta, já que os processos mentais, sendo instrumentos destinados a manter e a aperfeiçoar a vida, constituem funções vitais e, não, processos em si mesmos. Não se tratava de um pragmatismo rígido e unilateral, mas de um pragmatismo que afirmasse que toda a inteligência e todo o saber deveriam conduzir à ação (MARQUES, 2009).

Em relação à educação moral, os seus interesses são mais psicológicos que filosóficos, por isso, Vasconcelos não se delonga no aprofundamento da análise dos objetivos educativos, reconhecendo a importância de formação cívica e/ou para a cidadania. Afirma convictamente o escolanovista português que a solução para a superação dos males (morais e sociais) que afligiam a sociedade, entre eles a delinquência juvenil, passava pela adoção de uma nova moralidade onde a educação desempenhasse um papel determinante. Contrapõe contra as atitudes de individualismo e egoísmo uma moral norteada pelos valores da sociabilidade e da solidariedade, estabelecendo uma educação moral em íntima conexão com toda a ação educativa dos educadores, tornando a vertente moral o cerne e o centro de toda a educação social e cívica.

Simultaneamente, o pedagogista português contrapõe ao ensino memorista e livresco nas escolas a prática dos trabalhos manuais e de atividades diversificadas, designadas atualmente de aprendizagens não formais, com os passeios, acampamentos ou excursões (VASCONCELOS, 1934). No fundo, havia que respeitar a criança, pelo seu ritmo de aprendizagem que parte do concreto para o abstrato, da realidade próxima para a longínqua. Nesse sentido, Faria de Vasconcelos (1909) dá importância aos jogos, aos trabalhos no campo e aos trabalhos manuais na escola, referindo que esses comportam vantagens pedagógicas, sendo entendidos como “métodos de vida” que se consolidam pela experiência e observação do aluno e se adaptam ao seu desenvolvimento.

3. Adolescência e a delinquência infanto-juvenil

A revolução industrial obrigou modificações nas estruturas produtivas dos países e também na família, onde a mãe se destinava a educar e gerir o lar. O aparecimento do conceito juventude provém de um duplo processo: o papel de médicos especializados (assistencialismo, higienismo), juristas, pedagogos e psicólogos etc. que estruturam discursos vários sobre a adolescência e/ou juventude, mas também realçando o sentido das etapas de infância; o papel das reformas sociais e da intervenção estatal sobre os processos de sociabilização infantojuvenil, que segundo Donzelot, citado por J. Sebastião (1998, p. 17-18), se efetuou em três fases: moralização, normalização e contrato-tutela.

Analisamos em seguida a problemática psicológica do período da adolescência e os comportamentos de desvio social que levavam à delinquência juvenil que causavam na época, tal como hoje, uma preocupação educativa, que para Vasconcelos foi analisada na relação entre o delito cometido e a inteligência do jovem delinquente.

3.1 Análise psicopedagógica à fase da adolescência

A adolescência é caraterizada atualmente por um conjunto de mudanças biopsicofisiológicas e “[...] na rede de relações sociais, sendo exatamente o contrário do que se pensava até ao séc. XIX” e parte do XX (SEBASTIÃO, 1998, p. 19). Trata-se de uma fase da vida de mudanças que, apesar de ser uniforme, difere consoante o estatuto socioeconômico e o contexto cultural em que vivem os indivíduos. É o estatuto que vai controlar o nível de responsabilidade do jovem, os tipos de conflitos e comportamentos que geram influenciados pelo meio em que crescem e/ou pelos seus pares.

O conceito de adolescência é analisado por Vasconcelos (1934) na base das caraterísticas dessa fase desenvolvimento, remetendo-se às teses de vários autores, por exemplo: a teoria da recapitulação de S. Hall; os impulsos de K. Groos; as transformações físico-mentais referidas por Cox; as transformações psicológicas de Ziehen; o significado de puberdade de H. Lemke; os sentimentos de libertação mencionados por Ernesto Jones; a perspetiva científico-natural e científico-espiritual de Tumlirz; o princípio de ressonância e da vida psíquica na adolescência W. Hoffman; o conflito “Eu-mundo” de H. Bauer; a perspetiva psicológica compreensiva de Spranger; as fases propostas por H. Ruppert; a inteligência e sensibilidade de O. Wheller; a perspetiva psicológica personalista de W. Stern; a evolução intelectual de O. Krohi; o estudo da linguagem de Fuchs; os diários dos adolescentes de Buseman etc.

Na perspetiva do pedagogo português, todos esses pontos de vista enfermam por não corresponderem à sua verdadeira natureza, em especial (VASCONCELOS, 1936, p. 29-34): pelos limites e idades em que começa e acaba a adolescência, que varia segundo o indivíduo, sob a influência de diversos fatores condicionadores do crescimento (de aceleração ou atraso). Para ele devia-se ter em conta observações sobre o desenvolvimento físico-motor das crianças e jovens durante o seu crescimento, segundo as idades: cronológicas, fisiológicas, psicológicas, pedagógicas, mental, moral e social, ou seja, as variabilidades da maturação, referidas por várias investigações da época, por exemplo (VASCONCELOS, 1936, p. 37-38): Baldwin, Porter, Gilbert e West, as tábuas inglesas de Roberts, os resultados de Goddard, de Sherttleworth, as medidas de Bayerthal, a correlação físico-mental de Terman etc. A compreensão e explicação da adolescência adotava um ponto de vista unilateral, pois esse período de vida humana não constituía uma entidade clínica e, por isso leva Vasconcelos (1936, p. 84-86) a referir-se à expressão “fracos de espírito” em relação à população escolar, através das estatísticas realizadas a finais da década de 20 do século passado.

De fato, Vasconcelos (1936) contrapõe os pontos de vista do desenvolvimento repentino adolescente (inovações bruscas) com a teoria do desenvolvimento por saltos e com o desenvolvimento periódico, defendendo o desenvolvimento concomitante, em que os processos mentais começam a funcionar muito cedo na vida da criança (coincidente com as perspetivas de Dewey, Torndike, Terman etc.), insistindo na vertente emocional na adolescência e, daí haver

adolescentes que fracassam, esse fracasso é devido à sobrevivência direta e à acumulação de más condições educativas, não menos sociais, que precederam a puberdade e só um pequeno número mostra uma diminuição de capacidade para se ajustar ao meio e acusa um desvio mais ou menos pronunciado dos modos habituais de pensar e de agir. (VASCONCELOS, 1936, p. 64-65).

Essa sua perspetiva coincidia com a tese de J. Dewey em que a adolescência arrasta consigo um alargamento da(s) infância(s) e uma suscetibilidade maior aos problemas e finalidades na vida social, de modo que gera um pensamento mais compreensivo e abstrato que o período de vida anterior (VASCONCELOS, 1922). Faria de Vasconcelos (1931a) destacava a importância da inteligência, analisando várias definições de autores com as suas categorias/critérios, como por exemplo: Pintner, Stern, Wells, Edwards, Woosworth, Terman, Torndike, Binet, Burt etc., assim como escalas de medida, principalmente a de Binet e Simon, de Stanford e de Terman, escala de Alfa do exército americano. É com a apreciação a esses testes e às respectivas escalas que surge a designação de “fracos de espírito” (idiota, amência, imbecil, débil mental, “morons” segundo Goddard, atrasado ou retardado, etc.), ou seja, em função do critério clínico e educativo (VASCONCELOS, 1937).

Vasconcelos considerava que as crianças podiam apresentar diferentes níveis de memória “uma criança cuja memória é fácil aprende em menos tempo uma lição que reclama de outra um tempo mais longo” (MARQUES, 1986, p. 399). Ao educador cabia explorar as potencialidades naturais da criança e desenvolver a memória. Outra função associada à memória era a inteligência, os progressos e os atrasos dessa faculdade dependiam de um conjunto de fatores psicológicos, físicos, fisiológicos e pedagógicos. Para um melhor estudo dessa faculdade, Faria de Vasconcelos (1909) pretendia a introdução na escola do exame psicológico, anatômico e fisiológico da criança, para que ela se adaptasse ao ensino e à educação do seu grau de desenvolvimento intelectual e corpóreo. À medida que o seu desenvolvimento vai progredindo, as partes do corpo da criança que cresceram a um ritmo desproporcionado, particularmente a cabeça e o cérebro, evoluem a um ritmo mais moderado (VASCONCELOS, 1921a). Na sequência dos trabalhos de Binet, Vasconcelos propunha que “entre o desenvolvimento físico da criança e o seu desenvolvimento intelectual exista uma correlação muito estreita” (MARQUES, 1986, p. 270).

Efetivamente, os testes aplicados por alguns autores da época e que são referidos por Vasconcelos (1936, p. 84-87) estabeleciam algumas classificações, por exemplo, as de Delboe, Willis, Blackstone, Tregold, Goddard, Barr etc. Todos esses testes confirmavam igualmente a existência nas instituições tutelares de menores “fracos de espírito” (amência de grau elevado ou médio em relação ao estado de desenvolvimento cerebral e do seu nível de potencialidade, entre o imbecil e o idiota e o débil mental -terminologia proveniente de Itard e Séguin) em relação à sua educabilidade e em harmonia com os coeficientes de inteligência. O escolanovista português afirmava que entre 50% a 60% dos menores presentes nas Tutorias Centrais de Infância (Lisboa, Porto e Coimbra, criadas pela Lei de Proteção à Infância de 27/maio/1911) e/ou encerrados em reformatórios (criados em setembro de 1919) possuíam debilidades e/ou anormalidades ao nível do espírito, o que confirmava as experiências de vários estudos estrangeiros, por exemplo (VASCONCELOS, 1921a): Goring, Goddard e Hollingworth e Battey, de Murchison, de H. M. Adler etc. Faria de Vasconcelos (1934, p. 85) adotou a designação de “fracos de espírito” para se referir aos menores psicóticos, de personalidade psicopática, os psiconeuróticos e os de inferioridade constitucional, ou seja, os “fracassados” ou retardados escolares, sociais e morais.

Era normal, quando da detenção do jovem adolescente nos Refúgios anexos às Tutorias Centrais de Infância (Lisboa, Porto, Coimbra), fazer-se a despistagem dos fatores endógenos (hereditários) e exógenos ou sociais - análise ao seu ambiente envolvente (causas de sociogênese associadas às intelectuais), destacando-se entre estas a análise do ambiente familiar, da situação socioeconômica e cultural da família/tutores e da sua trajetória educativa. Aqueles menores detidos tinham degenerescências hereditárias, agravadas pelo mau ambiente social, familiar e moral, para além da impregnação de pobreza e miséria em que viviam, com falta de medidas higiênico-sanitárias, vivendo em habitações degradadas e, ainda, uma falta de atenção por parte dos pais na formação dos filhos (FONSECA, 1930). Essas irregularidades ou anomalias implicavam déficits afetivos, morais e culturais, que em muitas circunstâncias lançavam as crianças para comportamentos infratores e delitivos que, juridicamente, eram submetidos pelo direito tutelar de menores de 1911 a medidas de tratamento médico-pedagógico, de vigilância e proteção, ou encerrados em instituições de assistência educativa e de reeducação. Vasconcelos (1936) menciona alguns estudos de antropometria infantojuvenil e análises métricas (exames) naqueles estabelecimentos de detenção de menores com o intuito de acompanhar o seu crescimento físico ou detectar se havia atrasos ou anomalias ou, ainda, se o crescimento se efetuava de forma rápida.

3.2 O jovem delinquente e a relação inteligência-delito

Em relação à delinquência infantojuvenil, Faria de Vasconcelos (1936) considera que é um problema que devia ser estudado de forma multidisciplinar pela sociologia (incluindo a jurídica), a criminologia juvenil, a pedagogia social e a psicologia, já que se tratavam de problemas comportamentais de desvio e marginalidade social, de indisciplina, requerendo uma análise psicológica à etiologia do menor delinquente. Critica o inatismo das tendências criminosas, em especial a teoria de Lombroso, que considera o criminoso um “imbecil” que não possui inteligência suficiente para aprender o que quer que fosse (VASCONCELOS, 1936, p. 98-101).

Efetivamente, a delinquência infantojuvenil foi um fenômeno que em Portugal remonta a finais do século XVIII, com o encerramento de jovens infratores e vadios, que vagueavam pelas ruas de Lisboa, na Casa Pia (criada pelo Intendente Pina Manique) e posteriormente em prisões e cárceres, misturados com os adultos criminosos, até à criação da Casa de Detenção e Correção de Lisboa (1871) e das colônias agrícolas correcionais e depois dos reformatórios. A classificação, a tipologia e a caracterização dos delinquentes sofreram várias alterações, segundo as diversas teorias correcionais e criminológicas que foram surgindo. Trata-se de um conceito que fez surgir instituições específicas, consagrando a sua institucionalização com modelos de tratamento correcional ou reeducativo (médico-pedagógico e depois psicopedagógico). Ou seja, a delinquência era todo o ato criminoso punido por lei (códigos penais no século XIX), que no caso dos menores com idade inferior de 18 anos passaram em 1911 a ter legislação tutelar (Lei de Proteção à Infância de 27 de maio e retificada em 1925). De fato, a delinquência juvenil conotava-se como um fenômeno das periferias, convertendo-se num fenômeno reconhecido pela sociedade normativa e entendida como uma fase problemática da vida de um jovem. Nessa vertente de pedagogia da delinquência, Vasconcelos (1936) sugeria a aplicação de testes de inteligência nas instituições tutelares a todos os tipos de menores tipificados juridicamente por aquela legislação de direito tutelar de 1911, a qual incluía os menores: indisciplinados, abandonados, desamparados, delinquentes, patológicos. Considerava que “o indivíduo de inteligência baixa, inferior, é um criminoso em potência e que a fraqueza de espírito desempenha um papel primacial na prática do crime” (VASCONCELOS, 1936, p. 8), apesar de reconhecer que havia entre os delinquentes uma percentagem significativa de indivíduos superiormente inteligentes.

Faria de Vasconcelos remete-nos para várias investigações para explicar essa medição da inteligência na delinquência juvenil, citando os estudos de Goring Goddard, L. S. Hollingworth, L. Hodg Kinson e Battey, Healy Browner, Murchuson C. Burt, Doll e Anderson, H. Adler etc. (VASCONCELOS, 1936). Havia a comprovação científica que não era devido à definição de novos conceitos e ao seus respetivos significados, a começar pelo que se entendia por adolescência, estágios de desenvolvimento da vida humana e tipos de comportamento, mas sim devia-se conhecer as caraterísticas desses períodos de infância e adolescência, as suas modalidades e relações com a idade, de modo a compreender melhor o fenômeno da delinquência infantojuvenil. De fato, os estudos do desenvolvimento da vida humana apresentavam um leque de problemas de interesse psicológico, pedagógico e social, de tal maneira que o escolanovista português refere e analisa as investigações de C. Bühler, W. Hoffmann, Meumann, Claparède, Spranger e Kroh, Stanley Hall, Tumliriz, Hollingworth etc., em que cada um desses estudiosos estabelece e justifica esses períodos (1.ª e 2.ª infância, adolescência e juventude e puberdade), com as suas respetivas fases relacionadas com a variável idade cronológica e/ou idade escolar. Na obra “Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental”, Vasconcelos (1934, p. 70-73) propõe a sua classificação do desenvolvimento humano em quatro períodos (vida intrauterina, 1.ª e 2.ª infância, adolescência com três subperíodos e, ainda, a juventude), relacionando os indícios hereditários, o sexo, a raça, o meio social etc.

Por outro lado, naquela época, o instinto (incluindo o de delinquir) era compreendido como uma tendência múltipla e variada, fixada pela hereditariedade (genética), reforçada pelos hábitos e pela educação recebida. Assim, o menor pervertido tinha afetado o instinto social. Com o impulso da psicanálise, os conceitos sobre a delinquência enriqueceram-se pondo a tônica no fator da afetividade. O afeto passou a ser uma noção primordial e explicativa da vida cotidiana individual e social, associada ao papel do meio na constituição de normas, pela qual o indivíduo responde aos influxos do meio (FERREIRA, 1920). As perturbações afetivas nascem na infância, no meio familiar e são preponderantes nos efeitos dessas carências no desenvolvimento da delinquência e desvio juvenil. Assim, as crianças culpadas de delitos ou infrações eram vítimas da hereditariedade (determinismo genético), das condições de vida e do meio envolvente, ou de ambas em simultâneo (MARTINS, 2019).

Efetivamente, os menores delinquentes não eram tanto criminosos que eram preciso punir, mas sobretudo consideravam-se “fracos de espírito”, na terminologia vasconceliana, que importava tratar, já que manifestavam pelos seus atos anomalias, deficiências mentais latentes, uma miséria patológica, físico-mental, por vezes insuspeitas (VASCONCELOS, 1936, p. 84-85). Ou seja, ao aplicar-se testes de inteligência para efeito da seleção e graduação dessa “fraqueza de espírito”, houve modificações conceituais, diagnósticos e classificações do seu estado mental, sendo como uma “doença” com graus de deficiência mental (equivalentes a idiotas, imbecis e “morons” - atrasados), definidos de forma clínica e educativa.

Tal como atualmente, também no século passado um dos problemas sociais mais importantes era e é o aumento de delinquentes juvenis acrescido pela gravidade da violência e dos delitos nos menores ou com os menores. Desse modo, tinha-se difundido uma polêmica entre os psicologistas, que estavam convencidos que a delinquência infantojuvenil não podia ser explicada por uma única causa (construção defeituosa das escalas de inteligência), mas, sim, por várias causas (exógenas e endógenas). A fraqueza espiritual correspondia a uma anormalidade ou deficiência mental, a qual se correlacionava com a tendência para a prática de crimes ou delitos (roubo, furto, agressão), homicídios, de desvio e marginalidade social.

Para Faria de Vasconcelos havia uma relação entre a inteligência e a delinquência infantojuvenil e esse suposto assentava na sua análise de estudos efetuados, chegando à conclusão dos seguintes aspetos: grande percentagem de deficientes mentais (15% a 20%) entre os menores detidos nas tutórias centrais e comarcas, reformatórios e colônias; pequena percentagem de delinquentes com inteligência superior comparada com os indivíduos com essa inteligência na população normal; existência de uma relação entre crime e delinquente (tipologia), mesmo havendo alguns crimes que não estavam tipificados com os graus de inteligência (vadiagem, vagabundagem, incorrigibilidade, imoralidade, indisciplina), assim como, a deficiência mental estava mais unida com prática de alguns crimes do que com outros; todo indivíduo de baixa/limitada inteligência não era um criminoso em potência; as raízes da conduta humana não mergulhava unicamente na inteligência, havia que ter em conta a vertente afetivo-emocional, o temperamento, as tendências pessoais, os hábitos, as atitudes e até o meio envolvente; a prevenção do crime devia ser feita na primeira infância e, não, na adolescência, pois neste período já se exigia medidas de tratamento médico-pedagógico e/ou psicopedagógico.

Por conseguinte, para Vasconcelos (1936, p. 93-94), o delinquente juvenil era aquele menor que praticava delitos, cometia infrações e violava a lei e, por isso, ao delinquir era punido, sendo levado à Tutoria Central de Infância (Lisboa, Porto, Coimbra) e a permanecer nos Refúgios anexos (estabelecimentos de observação e análise psicopedagógica e social) até decisão judicial, normalmente com encerramento em instituições (privação da liberdade) como reformatórios e/ou colônias agrícolas correcionais. As categorias dos delitos eram várias, segundo o direito tutelar de menores de 1911, indo desde ofensas, a roubo, furto com agressão, conduta antissocial ou “anormal”, indisciplina, infração da propriedade, vagabundagem, em perigo moral etc. De todas essas referências, Vasconcelos (1936, p. 99-100) recorre às estatísticas do Dr. Artur de Oliveira Ramos Quadro 1), diretor do Refúgio da Tutoria Central da Infância de Lisboa, relativas ao período de 1920-1930 para aquela sua análise.

Quadro 1 Estatísticas da natureza dos delitos cometidos pelos menores retidos no Refúgio da Tutoria Central de Infância de Lisboa, entre 1921 a 1930 

Estatística Refúgio Tutoria Central de Infância de Lisboa (1921-1930) - Dr. Artur de Oliveira Ramos
Natureza do crime Rapazes Raparigas Total
Furto e vadiagem 565 42 607
Furto 450 100 550
Vadiagem 288 62 350
Indisciplina/agressões/incorreções 87 23 110
Situações perigo moral (risco) 34 42 76
Prostituição clandestina --- 64 64
Transgressões, etc. 2 14 16
Outras
Total 1522 362 1885

Fonte: Vasconcelos (1936, p. 99).

É interessante a análise que efetua à distribuição dos principais crimes ou delitos, em relação aos diversos graus de inteligência, concluindo que a “fraqueza de espírito está associada a alguns crimes juvenis, mais do que a outros delitos cometidos” (VASCONCELOS, 1936, p. 140). Concluiu nas suas análises estatísticas, entre a relação “delinquência-inteligência”, que a percentagem de deficientes mentais nos delinquentes e/ou criminosos rondava entre os 10% a 15%, e que a percentagem de delinquentes com inteligência superior comparada com a população em geral era pequena, havendo uma relação entre o crime efetuado pelo delinquente e a sua inteligência:

Existe uma certa relação entre o crime que um delinquente comete e a sua inteligência, relação que pode ser expressa sob esta forma dupla: a) há crimes que não estão representados em todos os graus de inteligência, e b) a deficiência mental está mais associada com alguns crimes do que com outros. É difícil, contudo precisar em que medida este fator intervém ao lado de vários outros na prática do crime. (VASCONCELOS, 1936, p. 141).

A psicopatologia do jovem delinquente detido ou processado nas Tutorias de Infância da época, como delinquente habitual, apresentava personalidade psicopática derivada da hereditariedade, precocidade e brutalidade, desordens de conduta, perversões instinto-constitucionais, imaturidade afetiva e emotiva, debilidade mental e alterações do caráter, ou seja, todas elas causas determinantes do seu delinquir. De fato, os diversos fatores endógenos associavam-se entre si, sendo difícil determinar com exatidão a interferência de cada um deles na delinquência, mas eles constituíam mais de 50% das causas que afetavam os menores julgados nas tutorias centrais de infância até 1927. Indubitavelmente as tendências nocivas dos menores delinquentes juvenis justificavam-se pelos seus antecedentes mórbidos, dos progenitores com traços patológicos e, sobretudo, pela influência dos fatores sociais (FONSECA, 1930, p. 45-47).

Evidentemente, que a explicação da identidade do delinquente, segundo os estudos antropométricos e antropológicos realizados nos Refúgios anexos às Tutoria de Infância e nos institutos médico-pedagógicos da época (Casa Pia - masculino; Florinhas da Rua - feminino) obedecia às seguintes variáveis: biológicas (hereditariedade, anormalidade psicomental, fisiológicas, deficiências etc.); psicológicas (personalidade, inteligência, conduta, processos cognitivos, valores morais etc.); estrutura familiar e condições socioeconômicas (pobreza, miséria, desorganização do lar, incultura); condições ecológicas do jovem (más companhias, influência e características físico-sociais do meio, relações interpessoais). Faria de Vasconcelos (1936) refere vários estudos sobre o desenvolvimento mental do menor na adolescência, que requeriam um combate contra a criminalidade infantojuvenil, em especial na primeira infância, que era a idade fulcral na formação do indivíduo, já se devia ter em conta os fatores endógenos e exógenos relacionados aos seus comportamentos desviantes, antissociais ou delitivos.

Vasconcelos (1936, 1937) recorda-nos que muitos desses menores eram marcados por um elevado fracasso e fraca assiduidade escolar, associado a suas frustrações, indisciplina social, fraco ou nulo apoio (afetivo) da família, más influências do meio envolvente e carências sociais da família, que originavam seu estado de delinquência, vadiagem, indisciplina, marginalização, prostituição infantil etc. Eram esses jovens que constituíam os inadaptados escolares e sociais, com um elevado deficit de socialização e de moralização (FONSECA, 1930).

Considerações finais

No século XIX e princípios do XX, surgiram correntes pedagógicas inovadoras, apoiadas em estudos científicos sobre a criança/infância e adolescência, especialmente da medicina, pedagogia e sociologia (criminal). Embora Faria de Vasconcelos não tivesse uma formação científica como Claparède, Binet, Decroly ou Montessori, interessou-se pelo processo de desenvolvimento humano, unindo a vertente pedagógica (pedologia) à psicológica. Analisou o desenvolvimento da criança nas várias fases da infância, adolescência e juventude, mas não era fácil determinar com exatidão quando terminava a infância e começava adolescência, ou quando esta terminava e se iniciava a juventude. Para Vasconcelos (1920a) há dois momentos fundamentais nesse desenvolvimento: um analisado à luz da psicologia, entendendo a infância e a adolescência como fases complicadas de desenvolvimento pessoal, de afirmação da identidade, de descoberta e de incertezas; e outro momento que pretendia que qualquer uma dessas etapas de desenvolvimento fosse bem-sucedido e, por isso, propunha uma escola ativa e compreensiva pelas diferenças individuais (pedagogia diferencial), à medida das caraterísticas dos alunos, ou seja, inclusiva. Reconhece que, no seu limite temporal - no fim do regime de pré-aprendizagem, deveria de haver uma seleção escolar. No Boletim do Instituto de Orientação Profissional publicou o artigo “Seleção escolar” (VASCONCELOS, 1928), onde destaca que tal processo de desenvolvimento se deveria realizar com aplicação de provas psicológicas (determinação do nível mental dos alunos e das suas aptidões ou inaptidões para determinados estudos e atividades) e provas pedagógicas.

No entender do pedagogista português, um dos ensinamentos da psicologia moderna era exatamente de que “não há dois seres humanos que sejam iguais” (VASCONCELOS, 1937, p. 30). Já alguns anos antes, tinha colocado esse problema educativo: os quadros do ensino estavam demasiado rígidos, a organização escolar não possuía a flexibilidade necessária, as classes estavam atulhadas duma população heteróclita, heterogênea, os “programas e os métodos não têm a plasticidade conveniente, o processo de seleção empregado - o exame - é moroso, antieconômico e prejudicial nos seus efeitos” (VASCONCELOS, 1928, p. 137). Constata essa composição heterógena das classes no sistema educativo português, a finais dos anos 20 do século passado, através da aplicação de testes aos alunos das escolas primárias e dos liceus de Lisboa, diagnosticando muitos problemas escolares e atrasos de aprendizagem, uma vez que não era possível ter em conta as suas diferenças e variações dos alunos, apesar dos professores continuavam a ter um esforço acrescido no enino. Urgia a necessidade de selecionar os alunos para maior e melhor rendimento escolar. Tratava-se, no fundo, de instituir processos de seleção científica que permitissem a individualização do regime pedagógico. Ou seja, o que estava em causa para Vasconcelos (1928) era a possibilidade de cada aluno seguir o rumo indicado pelo seu desenvolvimento e pelas suas aptidões, traduzindo-se num benefício para o próprio e para a sociedade, evitando, dessa forma, a existência de maus alunos, que constituíam, tal como ainda hoje, um peso morto que dificulta, prejudica e encarece o ensino. De fato, nunca descurou a vertente psicopedagógica, chegando a lecionar disciplinas ligadas à psicologia e à pedagogia demonstrando a grande contribuição destas no conhecimento do desenvolvimento da criança na sua infância.

Nesse sentido, o escolanovista português apercebe-se da importância da orientação (pessoal, escolar, profissional) na escola, através da ação conjugada entre os professores das disciplinas e os professores especializados ou de apoio e de uma flexibilização do modelo escolar, para responder às diferenças individuais dos alunos (BANDEIRA, 2003).

Com Vasconcelos (1921a, p. 9), Portugal entra no Movimento da Escola Nova para integrar a vida escolar e moldar “uma parcela considerável do destino humano”. No texto “Lo que debe ser un profesor” (MARQUES, 2000, p. 595), escrito em 1920, quando da sua estadia na Bolívia, insiste na valia profissional e dignidade profissional dos professores que, para ele “São os obreiros fecundos, generosos, infatigáveis que andam construindo o futuro”, pois “[...] Só um educador pode dar-se conta da soma prodigiosa de esforços, de sacrifícios e de paciência que representa a obra educativa”. Confia na pedagogia científica e inovadora, como tecnologia, utopia e forma de intervenção social, afirmando que pela educação “Eduquem-se e instruam-se as multidões; assegurem-se os direitos ao trabalho e à vida; reforme-se a família segundo as exigências da moral social” (MARQUES, 1986, p. 77). Efetivamente, o sistema vasconceliano considera essencial que o educador seja formado na perspetiva da “pedagogia nova”, possua uma formação científica sobre a “natureza da criança” e sobre o conjunto das condições do meio que envolve o seu desenvolvimento.

Lembramos, que a começos do século XX, a formação dos professores era bastante limitada, designadamente, no âmbito do ensino primário, não tendo merecido uma adequação às novas correntes da pedagogia e da psicologia. Por isso, Faria de Vasconcelos destaca o papel da organização escolar, do material didático, da higiene escolar na colaboração médico-pedagogo, da adequação do currículo aos interesses dos alunos, pois são facilitadoras da adaptação ao ritmo de aprendizagem, valorizando metodologicamente a quantidade e qualidade da ação dos educandos, o respeito pela sua saúde e higiene social. Pretendeu dar à educação uma base amplamente humana, ancorada numa educação integral (dimensões físico-motor, cognitiva/intelectual, social, psíquica e moral). Nesse sentido colabora, tal como A. Sérgio, na organização do Projeto de Reforma do Sistema de Ensino proposto pelo Ministro João Camoesas, em 1923, num esforço que se perde por derrota política do próprio Ministro no Parlamento, mas muitas dessas teses são retomadas em 1973 e 1986.

Por conseguinte, essa insigne figura do Pensamento e das Ideias Pedagógicas em Portugal deu um contributo imenso à Pedagogia e à Psicologia em Portugal e, em especial, ao estudo científico da criança/adolescência, à pedotecnia e à formação de professores. Define a Ciência Educativa, na associação eficaz do médico e do educador, na colaboração efetiva da família com a escola e, finalmente, na profissionalidade (identidade profissional) do professor. Conheceu o avanço das novas metodologias pedagógicas e da orientação escolar e profissional, de tal modo que cria, em 1925, o Instituto de Orientação Profissional (diretor até 1939) com respetivo Boletim, o Instituo de Reabilitação Mental e Pedagógica (1929-1931) (VASCONCELOS, 1931a), e ainda propôs as bases da criação do Instituto Navarro de Paiva para menores com problemas cognitivos. Devemos reconhecer nesse pedagogo português a sua rica personalidade, bem evidente na sua extensa obra, pois demonstra ser um conhecedor invulgar, a nível internacional, do que se passava no campo da educação e da Pedagogia e/ou Pedologia, tendo desenvolvido na Bélgica a experiência de Biérges (1912-14), na base dos princípios do movimento da EN. Pautou-se pela renovação dos estudos pedagógicos em Portugal, tendo tido um trabalho colossal na área da formação de professores, da orientação escolar e profissional, no aperfeiçoamento progressivo dos métodos didáticos no ensino, atribuindo uma importância fundamental ao ambiente em que a educação da criança se processa e/ou ao meio em que ela se desenvolve (MARQUES, 2010). Para ele, o ensino deveria provir da própria vida, a partir da realidade concreta da criança, da sua ligação ao mundo, da sua experiência e representação, do seu modo de ver e dos seus interesses, ou seja, a escola e o educador deveriam respeitar as leis do desenvolvimento físico-mental e psicológico da criança. A libertação da criança era a palavra de ordem da pedagogia nova que se impregnou, inscrita na linha da emancipação geral do homem (TIANA, 2005). Nesse processo, Faria de Vasconcelos (1921a) confia nas capacidades dos educandos, na aptidão para se formarem e no respeito pela sua natureza, defendendo uma educação (integral) baseada nas tendências, usando métodos ativos, uma educação genética e diferenciada.

Em síntese, o sistema vasconceliano continua aberto a análises reflexivas até a atualidade, especialmente as suas propostas pedagógicas relacionadas a formação de professores, didática no ensino, conhecimento psicológico e afetivo-emocional dos alunos, a atenção à diferenciação e à inclusão no sistema educativo e à inter e multiculturalidade na escola. São temas em destaque na sua obra legada.

Referências

ANDRÉS, M. M. P. et al. (Coords.). Teorias e Instituciones Contemporâneas de Educación. Madrid: Biblioteca Breve, 2004. [ Links ]

ARAÚJO, A. F. Educação e Imaginário. Da criança mítica às imagens da infância. Lisboa: Ed. Ismai, 2003. (Coleção Teorema). [ Links ]

BANDEIRA, F. ‘Vasconcelos, António de Sena Faria de’. In: NÓVOA, A. S. (Dir.). Dicionário de Educadores Portugueses. Porto: Edições ASA, 2003. p. 1397-1404. [ Links ]

BASTOS, S. P. Estado Novo e os seus vadios. Lisboa: Publ. Dom Quixote, 1997. DOI: https://doi.org/10.4000/books.etnograficapress.2192. [ Links ]

CAMBI, F. História da Pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Fundação Editora da UNESP/FEU, 1999. [ Links ]

FERNANDES, R. A Pedagogia portuguesa contemporânea. Lisboa: Instituto de Cultura Portuguesa: Biblioteca Breve, 2006. [ Links ]

FERREIRA, A. A. C. Algumas lições de Psicologia e Pedologia. Lisboa: Lúmen, 1920. [ Links ]

FERRIÈRE, A. Les écoles nouvelles et leur rôle dans la transformation de la pédagogie contemporaine. Bruxelles: Édition L’Institut National de Cinématographie Scientifique, 1955. [ Links ]

FIGUEIRA, M. H. Um roteiro da educação nova em Portugal. Escolas novas e práticas pedagógicas inovadoras (1882-1935). Lisboa: Livros Horizonte, 2004. [ Links ]

FONSECA, J. A. F. Estudos médico-sociais sobre proteção a menores anormais e delinquentes. Lisboa: Tipografia Reformatório Central de Lisboa, 1930. [ Links ]

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Editora Vozes, 1987. [ Links ]

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. (Original inglês de 1961). [ Links ]

GOMES, J. F. A. Faria de Vasconcelos. Revista Portuguesa de Pedagogia, [s. l.], ano XIV, p. 231-255, 1980. [ Links ]

GOMES, J. F. Estudos de História e Pedagogia. Coimbra: Almedina, 1984. [ Links ]

GOMES, J. F. Estudos para a História da Educação no século XIX. 1. ed. Coimbra: Almedina, 1986. (2. ed. Lisboa: IIE, 1996). [ Links ]

MACHADO, T. S. Faria de Vasconcelos: um pioneiro no movimento da Escola Nova na Europa e na América Latina. Revista Argentina de Cultura del Comportamiento, [s. l.], v. 8, p. 115-123, 2016. [ Links ]

MARQUES, J. H. F. Faria de Vasconcelos - Obras Completas Vol. I. (1900-1909). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986. [ Links ]

MARQUES, J. H. F. Faria de Vasconcelos - Obras Completas Vol. II. (1910-1920). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. [ Links ]

MARQUES, J. H. F. Faria de Vasconcelos - Obras Completas Vol. III. (1921-1925). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. [ Links ]

MARQUES, J. H. F. Faria de Vasconcelos - Obras Completas, Vol. IV (1925-1933). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. [ Links ]

MARQUES, J. H. F. Faria de Vasconcelos - Obras Completas, Vol. VI (1936-1939). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010. [ Links ]

MARTINS, E. C. O ideário científico-pedagógico do escolanovista Faria de Vasconcelos (1880-1939) em prol duma escola nova, inovadora e atual. EccoS Revista Científica, São Paulo, n. 48, p. 363-383, 2019. DOI: https://doi.org/10.5585/eccos.n48.5884. [ Links ]

PIRES, J. O Planeamento no modelo pedagógico do movimento da escola moderna. Revista Escola Moderna, [s. l.], n. 17, p. 23-42, 2003. [ Links ]

SANTOS, A. A. Educação Nova. As bases. O corpo da criança. Lisboa: Livrarias Aillaud e Bertrand, 1919. [ Links ]

SEBASTIÃO, J. Crianças de Rua: Modos de Vida Marginais na Cidade de Lisboa. Oeiras: Celta Editora, 1998. [ Links ]

TIANA, A. La historia de la educación en la actualidad: viejos y nuevos campos de estudio. In: FERRAZ, M. (Org.). Repensar la historia de la educación: nuevos desafíos, nuevas propuestas. Madrid: Biblioteca Nueva, 2005. p. 105-146. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Une École Nouvelle en Belgique. Paris: Delachaux & Niestlé et Lib; Neuchâtel: Fischabacher, 1915. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Problemas Escolares. Lisboa: Editora Seara Nova, 1921a. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. As características de educação contemporânea. Revista Seara Nova, [s. l.], p. 17-18, 1921b. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Contribuição para o estudo dos problemas relativos ao nível mental da população infantil de estabelecimentos especiais. Boletim do Instituto de Orientação Profissional, Lisboa, n. 2-3, p. 19-22, 1922. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Lições de Pedologia e Pedagogia Experimental. 1. ed. Lisboa: Antiga Casa Bertrand: José Bastos, 1909. (2. ed. Lisboa: Livrarias Aillaud e Bertrand, 1923; 3. ed. 1934). [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Lições de psicologia geral. Lisboa: Livraria Editores Guimarães Cª, 1924. (v. 1). [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Seleção escolar. Boletim do Instituto de Orientação Profissional, [s. l.], n. 2-3, p. 131-142, 1928. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Monographie de L’Institut de Reeducaction Mentale et Pedagogique. Lisboa: Imprensa Lucas Cª, 1931a. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. L’examen rationnel des écoliers. Sélection scolaire au Portugal. Bulletin International de la Protection de l’Enfance, [s. l.], p. 146-153, 1931b. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Delinquência e Inteligência nos adolescentes. Lisboa: Livraria Clássica Editor, 1936. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Alguns problemas de psicologia da aprendizagem. Boletim do Instituto de Orientação Profissional, [s. l.], n. 25, p. 19-36, 1937. [ Links ]

VASCONCELOS, A. F. Uma Escola Nova na Bélgica. Tradução do francês por Meireles Coelho, A. Cotovio e L. Ferreira. Aveiro: Editora Universidade de Aveiro: FCT, 2015. [ Links ]

1A partir de agora a Escola Nova e/ou o Movimento da Escola Nova terá a sigla “EN”.

2O termo “psicotecnia” é atribuído a William Stern, em 1903 (aparece na revista Beiträge zur Psychologie der Aussage), mas foi Hugo Münsterberg, discípulo de Wundt (convidado por W. James a Harvard), quem lhe dá o impulso designando-a como psicologia aplicada na área laboral nos Estados Unidos, definindo áreas de intervenção específicas, inclusive a criação de institutos, departamentos e centros de orientação profissional. A psicotecnia teve os seus fundamentos teóricos nas derivações da psicologia experimental e dos contributos da psicopedagogia diferencial, constituindo-se num método idôneo aplicado ao mundo do trabalho, já que as análises diferenciadas aos indivíduos outorgaram uma fundamentação na abordagem às aptidões e caraterísticas do desempenho nas profissões. Surge assim vários campos de aplicação da vertente psicológica/psicopedagógica desde a área educacional, clínica, jurídica, social, política, econômica e profissional, especialmente naqueles problemas oriundos do aparecimento de empresas bélicas (seleção de pessoal, formação, racionalização e otimização do desempenho, higiene e prevenção de acidentes, reabilitação dos acidentados etc.). Ou seja, a passagem da psicologia experimental à psicologia aplicada americana ou psicotecnia europeia assumiu diferentes modalidades, ancoradas em tradições concetuais e enraizadas em circunstâncias sociais e culturais próprias, a que Faria de Vasconcelos não foi alheio aplicando a distintas atividades humanas, especialmente a educacional (dimensão vocacional) e profissional (adequação à indústria, seleção de pessoal, vocação e rendimento profissional, qualidades/aptidões dos indivíduos etc.).

3O ensino infantil em Portugal além de pouco abrangente não recorria a práticas pedagógicas inovadoras, embora algumas medidas legislativas procurassem introduzir experiências desenvolvidas em outros países. O decreto de 23 de agosto de 1911 estipulava como objetivos para o ensino infantil: i.) desenvolvimento e robustecimento físico das crianças; ii.) educação dos órgãos dos sentidos; iii.) desenvolvimento da habilidade manual; iv.) educação e aperfeiçoamento dos órgãos da fala; v.) desenvolvimento dos sentimentos morais, do sentimento da solidariedade social, do sentimento da disciplina e da ordem, da justiça, da própria dignidade em geral — o sentimento do dever e a consciência do direito. Nos princípios do século XX apenas um escasso número de crianças tinha acesso à escola, havendo taxas de analfabetismo superiores a 70%.

4Tradução do original (MARQUES, 1986, p. 99) "Se o organismo da criança está fraco e débil, não há nada de surpreendente a não ser que a influência das más condições do meio em que se desenvolve a empurra para manifestações mórbidas e antissociais, e a torna anormal. Todo o trabalho de educação deve, portanto, consistir em desenvolvê-la física e psiquicamente, em aumentar oseu poder de resistência às influências perigosas do meio envolvente, em torná-la forte em si e em si mesmo".

Recebido: 10 de Junho de 2022; Aceito: 17 de Agosto de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons