Introdução
Dialogar acerca da construção do processo inclusivo nas escolas regulares requer uma reflexão no que concerne à mudança paradigmática de participação social da pessoa com deficiência, uma vez que as práticas escolares permeiam e são permeadas pela mentalidade vigente (AZANHA, 1992). No decorrer temporal, episódios de segregação e exclusão transitaram em direção aos conceitos de normalização, integração e inclusão a partir do século XX (JANNUZZI, 2006). Tal modificação sociocultural ocorreu associada aos movimentos defensores dos direitos e da valorização aos grupos minoritários, sendo impulsionada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, que discorreu sobre todas as pessoas serem iguais perante a Lei, incitando o estabelecimento de ações político-mundiais concernentes aos menos favorecidos socioculturalmente (KASSAR, 2011; ONU, 1948).
Nos diversos cenários sociais, instigou-se que ações fossem delimitadas, como por meio da demarcação do ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, pela ONU, estipulando aos países que desenvolvessem ações em todas as esferas sociais relacionadas a essa população (ARAÚJO, 1998). No quetange à conjuntura educacional, uma das principais ações se refere à publicação da Declaração de Salamanca, em 1994, a qual propôs aos países que desenvolvessem medidas para a construção de uma educação inclusiva. Sistemas educacionais deveriam considerar a diversidade com uma pedagogia centrada no aluno e adequada às necessidades individuais. Para isso, expôs a urgência no desenvolvimento de pesquisas e procedimentos gestoriais mais flexíveis referentes ao trabalho cooperativo entre os variados profissionais escolares, à mobilização de recursos e a um contínuo treinamento de professores (BRASIL, 1994).
A inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares condiz com o processo de reconstrução da gestão enquanto atuação democrática, participativa e reflexiva. Stainback e Stainback (1999) orientaram que, para a construção de uma comunidade inclusiva, a gestão assumisse como propósito da escola a preparação da equipe para um trabalho cooperativo, com compartilhamento de conhecimentos e disponibilidade de momento reflexivo docente sobre a prática destinado ao planejamento e avaliação acerca dos resultados pretendidos.
A gestão apresenta por função a tomada de decisões, bem como o direcionamento e controle das mesmas, para que a instituição educacional atinja seus objetivos de melhoria no processo de ensino aprendizagem de forma consonante às novas exigências político sociais (LIBÂNEO, 2005). Aos gestores cabe refletir sobre as mudanças em vigor e contribuir com a construção de uma comunidade inclusiva, atuando na formação docente segundo o viés inclusivo e na articulação entre a escola e a comunidade, ou seja, se enveredando tanto no favorecimento de acessibilidade arquitetônica, estrutural e nos recursos pedagógicos quanto na construção de uma cultura colaborativa e cooperativa entre os membros da comunidade escolar, bem como orientando e organizando as funções e atuações dos profissionais de forma consonante ao alcance do objetivo inclusivo (SAGE, 1999).
É imperioso aos gestores, ainda, caracterizar o perfil e as necessidades dos alunos; implantar adaptações curriculares de grande porte como introduzir objetivos e conteúdo específicos, métodos e avaliações complementares e alternativos, além de considerar aspectos de temporalidade acerca da retenção ou progressão do aluno ao longo do ciclo pedagógico; fornecer suporte técnico e científico aos professores; assim como promover atividades de conscientização e envolvimento entre as famílias e membros da escola e comunidade, como palestras e eventos (BRASIL, 2000).
Nessa conjuntura, a inclusão escolar emerge como um novo desafio à gestão escolar, exigindo priorizações em aspectos variados como financeiros, materiais e de recursos humanos, mas autores como Carneiro (2006), Souza (2007) e Tezani (2009) identificaram significativa escassez de produção teórica que sustente um repensar dessa prática. Há, também, um déficit histórico das Constituições brasileiras a respeito do processo gestorial para a inclusão escolar do aluno com deficiência, sendo que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, não referenciou diretamente a atuação dos gestores para implantarem tal proposta (FREITAS; SCHECKENBERG, 2013).
Possui indiscutível importância pesquisas que fundamentem a atuação gestorial para a implantação inclusiva, já que esse profissional possui por função orientar e coordenar as ações dos demais profissionais escolares. Necessita-se de uma aproximação entre os aspectos acadêmicos e da realidade escolar, assim como uma organização dos estudos para que possam auxiliar na construção desse cenário educacional almejado. Afinal, sob respaldo de Omote (2018), uma adequada gestão de um ambiente escolar com a presença de alunos com deficiência dentre os demais possibilita possíveis transformações nas mentalidades das gerações seguintes, estimulando a reconstrução dos contextos sociais alicerçada pelo convívio entre as diversidades no paradigma inclusivo.
Tendo em vista a significância da atuação dos gestores em direcionar e sustentar a implantação de uma educação inclusiva, questiona-se como o plano acadêmico têm contribuído com a orientação da atuação gestorial escolar no que concerne à construção de uma educação inclusiva, e como os gestores escolares tem atuado na realidade educacional.
Isto posto, objetivou-se, com esse estudo, identificar o estado da arte do tema da gestão escolar com foco no viés inclusivo, associando a produção acadêmica sobre essa questão à atuação do gestor escolar e visando orientar a futura produção de conhecimento em direção à contribuição para a transformação da prática.
Material e métodos
Esse trabalho realizou-se alicerçado em uma pesquisa qualitativa (LUDKE; ANDRÉ,1986) composta por duas fases, sendo que em um momento inicial analisou-se a produção acadêmica dos programas de pós-graduação públicos nível stricto sensu do Estado de São Paulo a respeito da gestão escolar do contexto inclusivo; e em momento seguinte foi associada a produção acadêmica com a prática de um coordenador escolar de uma escola particular de uma cidade do interior de São Paulo, acerca da gestão da inclusão escolar por meio de um estudo de caso (LUDKE; ANDRÉ, 1986) com a aplicação de questionário ao gestor e observação da sua atuação durante um mês.
Na Fase 1, realizou-se uma revisão sistemática de literatura, mapeando o conhecimento produzido acerca de uma questão específica, determinando o estado da arte do tema de estudo. Por esse processo, foram reunidas e sintetizadas as pesquisas acadêmicas desenvolvidas sobre a gestão escolar no contexto inclusivo, com a interpretação e organização dos resultados destas segundo suas similaridades e diferenças em prol da identificação de possíveis lacunas, reinterpretação de resultados e direcionamento do caminhar dos estudos futuros sobre tal temática (GOMES; CAMINHA, 2014). Para o procedimento de coleta de dados, a pesquisa estruturou-se em sete (7) passos, segundo a proposta de Higgins e Green (2011):
•Passo 1 - Formulação da pergunta: buscou-se responder à quais os conhecimentos produzidos pelas pesquisas acadêmicas de mestrado e doutorado em cursos de pós-graduação públicos paulistas, credenciados pelo Ministério da Educação (MEC) referentes à temática da gestão e a inclusão da pessoa com deficiência, assim como qual o caminhar trilhado por essa área de pesquisa.
•Passo 2 - Localização e seleção dos estudos: sendo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundação do MEC, responsável pela pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em todos os estados do Brasil, foram selecionados os programas de pós-graduação nível stricto sensu em funcionamento e com reconhecimento nacional. Na página oficial da CAPES, foram selecionadas as Instituições de Ensino Superior que atendiam aos seguintes critérios: gratuidade do programa, localização no Estado de São Paulo, modalidade presencial e em situação de atividade.Em cada um destes, realizou-se uma busca de suas teses e/ou dissertações produzidas, disponíveis no portal eletrônico da CAPES e na página eletrônica da biblioteca de cada instituição de ensino, utilizando a combinação dos termos gestão e inclusão ou inclusiva. Não foi pesquisado o termo administração escolar pelo mesmo se referir a um entendimento anterior da atuação dos gestores possível de recair em conceitos obsoletos de participação da pessoa com deficiência na sociedade.
•Passo 3 - Avaliação crítica dos estudos: Como critério de inclusão, incorporou-se nessa pesquisa os estudos produzidos nos programas de pós-graduação das instituições de ensino superior (IES) públicas paulistas, credenciados pelo MEC, com temática relacionada à gestão escolar do processo inclusivo da pessoa com deficiência, produzidos desde a criação de cada programa até dezembro de 2019. Todos os trabalhos finais de pós-graduação de cada instituição de ensino superior foram verificados quanto a sua temática para a seleção dos referentes à pessoa com deficiência, por meio da leitura do título e resumo. Foram excluídos os trabalhos que não trouxeram como assunto principal o tema da gestão escolar no contexto inclusivo e os que não possuíam disponibilização do resumo ou trabalho completo eletronicamente.
•Passo 4 - Coleta de dados: Nessa fase, foram caracterizadas as IES e seu respectivo programa de pós-graduação, especificando também os estudos selecionados para essa pesquisa quanto a sua instituição, data de publicação e temática.
•Passo 5 - Análise e apresentação dos dados, 6 - Interpretação dos dados e 7 - Aprimoramento e atualização da revisão: As três últimas fases desenvolveram-se conjuntamente com a apresentação e discussão dos dados, elencando sugestões para o direcionamento dessa área de pesquisa.
Na Fase 2, delineou-se um estudo de caso (LUDKE; ANDRÉ, 1986) no qual a população foi composta por um gestor escolar de um local de pesquisa definido com uma escola particular de uma cidade do interior de São Paulo, para a aplicação de questionário e acompanhamento da sua rotina de trabalho.
Para a coleta de dados, aplicou-se um questionário ao gestor da instituição com questões referentes à escolaridade, atuações gestoriais com alunos com deficiência e acesso às pesquisas acadêmicas.
A identificação da escola deu-se pela facilidade de acesso do pesquisador e de concordância da escola à realização da pesquisa, além de atender aos critérios de possuir alunos com deficiência e que os gestores consentiram em participar.
Para isso, inicialmente ocorreu o encaminhamento e aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP), com parecer de aprovação número 3.902.663.
Sequentemente, a escola foi contatada via telefônica e presencial para o agendamento de uma data para reunião com os gestores da escola, na qual a pesquisa foi explicada pela própria pesquisadora. Dos dois gestores em atuação, um concordou com a participação na pesquisa e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), respondendo, na sequência, o questionário que foi aplicado pelo próprio pesquisador.
O instrumento de coleta de dados foi composto por questões abertas e fechadas, objetivando a obtenção de conhecimentos, aspirações, comportamentos, dificuldades e sentimentos sobre o tema investigado. A construção do questionário foi feita de forma a abarcar apenas o número necessário de itens, almejando evitar desconfortos por sua possível extensão, com as perguntas estruturadas pela técnica do funil, com questões gerais direcionando às específicas (GIL, 2008). Anteriormente à aplicação do questionário, foi aplicado um projeto piloto - pré-teste - com dois professores da área acadêmica intencionando validar a precisão do mesmo, no qual houve a exclusão de uma pergunta e a incorporação de duas perguntas como uma única questão.
Já a observação da rotina do gestor que consentiu em participar da pesquisa ocorreu durante um mês, com a coleta de dados por diário de campo preenchido pelo próprio pesquisador, com registro dos acontecimentos na medida em que eles ocorreram na realidade acompanhada. Assim, previamente às observações, houve uma explicação ao gestor sobre o que seria observado e os motivos de observação. Nesse período, foram analisados os seguintes pontos:
- Rotina: tipo de ações desempenhadas pelo gestor durante o seu dia-a-dia;
- Processo inclusivo: ações desempenhadas e entendimentos do gestor no que se refere ao processo de inclusão de alunos com deficiência.
Em ambas as Fases dessa pesquisa, os dados foram apreciados através de uma análise integrativa, composta por uma fundamentação qualitativa, mas com uso de procedimentos quantitativos para maior compreensão das informações, buscando diferentes perspectivas para a interpretação de um fenômeno (GOMES; CAMINHA, 2014). No âmbito qualitativo, os dados foram analisados por categorização, a qual, segundo Ludke e André (1986), correspondem a uma organização dos mesmos em categorias ou temas de análise com descrição seguida da interpretação dos fenômenos. Já o complemento de análise estruturou-se por procedimentos quantitativos do software Iramutec (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) (RATINAUD, 2009), hospedado no software R (R Development Core Team, 2011), o qual consiste em um programa destinado à apreciação de dados textuais, com o tratamento de material verbal transcrito ou materiais já escritos como textos, documentos e entrevistas. Neste programa, foi explorada a Nuvem de Palavras, a qual representa graficamente e organiza as palavras de acordo com as suas frequências, possibilitando rápida análise por meio da figura gerada a partir do corpus; a Análise de Similitude, fundamentada na teoria dos grafos (teoria matemática estudiosa das relações entre objetos) identificado as co-ocorrências entre as palavras e resultando em indicações de conexões entre elas; e a Análise Estatística de Formas Ativas, com frequência das formas gramaticais (CAMARGO; JUSTO, 2013).
Resultados e discussão
A inclusão educacional pressupõe o oferecimento de uma educação de qualidade para todos, reconhecendo a heterogeneidade dos alunos e valorizando as suas diversidades; considerando as individualidades em seu processo de construção de conhecimento, repensando e refazendo a educação em âmbito educacional e político (MANTOAN, 2002; STAINBACK; STAINBACK, 1999). Imprescinde a atuação de toda a equipe escolar para a efetivação deste ideal - professores, gestores, familiares, alunos, funcionários administrativos e da limpeza, dentre outros.
Entre esses profissionais, o gestor possui atuação imperativa para a contribuição e direcionamento do contexto escolar em direção ao viés inclusivo, já que a construção de uma cultura inclusiva exige, antes de tudo, condições democráticas de permissão da participação de todos, estabelecendo condições favoráveis para a transformação escolar de forma permissível ao contexto inclusivo. Sabendo que as características pessoais e as ações dos gestores interferem na construção da cultura escolar e na possibilidade de construção dos ideais inclusivos (SILVA; LENE, 2009), uma investigação recaindo sobre esse profissional tornou-se significativa. Isto posto, seguem os dados resultantes da mesma.
Produção acadêmica sobre a gestão inclusiva
Partindo da mutabilidade permanente dos contextos socioculturais, a produção acadêmica dos programas de pós-graduação nível stricto sensu tornou-se contributiva com a construção contínua de conhecimentos orientadores da área a que se referem, assim como para capacitar os futuros profissionais e os já em atuação fornecendo delineamentos teóricos para a transformação de sua prática segundo as diferentes exigências vigentes. A retomada da produção sobre a gestão escolar quanto ao contexto inclusivo incita à reflexão sobre o estado da arte desse tema, reunindo conhecimentos e desprendendo dilemas urgentes de serem explorados.
Sob fundamentação dos aspectos metodológicos previamente descrito, identificaram-se sete IES, das quais quatro apresentaram-se como produtoras de estudos acerca da temática da gestão inclusiva, cujas produções encontram-se na Tabela 1.
INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR | PROGRAMA - ÁREA DE CONCENTRAÇÃO | QUANTIDADE DE ESTUDOS (ANO) |
---|---|---|
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) | Educação Física - Educação Física Adaptada | 2 (2009; 2014) TOTAL: 2 estudos |
Universidade Estadual Paulista (UNESP) | Educação - Educação Especial no Brasil Educação - Processos Formativos, Ensino e Aprendizagem Ensino e Processos Formativos - Tecnologias, Diversidades e Culturas Planejamento e Análise de Políticas Públicas - Desenvolvimento Social | 1 (2015) 1 (2018) 1 (2018) 1 (2018) TOTAL: 4 estudos |
Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) - Ciências da Atividade Física | Educação - Fundamentos da Educação Educação Especial - Implementação e Avaliação de Programas Alternativos de Ensino Especial Educação - Teorias e Fundamentos da Educação Educação Especial - Educação do Indivíduo Especial | 2 (2004; 2008) 1 (2005) 1 (2015) 2 (2006; 2015) TOTAL: 6 estudos |
Universidade de São Paulo (USP) -Ciências da Atividade Física | Psicologia - Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano | 1 (2006) TOTAL: 1 estudo |
Fonte: Resultados originais da pesquisa, elaborado pelas autoras (2023).
Os dados apresentaram-se em consonância com os resultantes de Souza (2007) e Tezani (2009), atestando uma timidez na produção acadêmica sobre o tema da gestão inclusiva. Destas produções, 35,5 % dos estudos (cinco) estiveram alocados em programas ou áreas de pesquisa delineados por temas concernentes à pessoa com deficiência, induzindo ao entendimento de que linhas de pesquisa específicas para a temática inclusiva contribuíram com a produção sobre as diferentes vertentes que permeiam o tema, como a gestão. A ocorrência de significativos 64,5% dos estudos sobre a gestão inclusiva em linhas de pesquisa com temáticas educacionais generalizadas denota uma conquista de espaço desse tema dentre os objetos alvo de pesquisas possíveis no contexto educativo.
Os estudos produzidos associando a temática gestorial à inclusiva desenvolveram-se a partir de 2004 (Figura 1).
A gestão inclusiva despontou como um objeto de investigação relativamente recente, mas entremeado por variáveis justificáveis dessa condição, dentre as quais destacaram-se dois fatores contundentes - a construção socioeducacional do princípio inclusivo e a redefinição da gestão enquanto democrática.
O primeiro se refere à recenticidade das discussões acerca da inclusão socioeducacional. A ampliação das discussões internacionais sobre a inclusão da pessoa com deficiência desdobrou-se, contundentemente, apenas a partir da década de 1980, com a declaração do ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, pela ONU. Sequentemente às ações internacionais, apenas a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da LDB de 1996 que se garantiu à pessoa com alguma condição de deficiência a sua participação na escola comum brasileira (BRASIL, 1988 e 1996). Por conseguinte, ações expressivas originaram-se nos variados aspectos relacionados ao processo de inclusão escolar dessa população nos anos seguinte, exaltando dificuldades e o empenho em pesquisas a serem realizadas nos próximos anos.
Associado a esse precedente, Drabach (2009) alegou que o conceito de gestão se firmou em período recente, o que possibilitou estudos acerca de seus variados aspectos e funções somente de forma posterior a sua consolidação terminológica. A referida autora apontou que, a partir da década de 1980, estudos questionaram o tecnicismo da administração escolar, estruturando as bases do conceito da gestão democrática, associados por uma reinvindicação social de redemocratização do Brasil. Na década de 2000, o novo conceito passou a ser explorado, ainda que de forma concomitante ao de administração, alicerçado por promulgações na legislação nacional que oficializaram a gestão democrática na instituição escolar destinada a atuar de forma permissiva da participação de todos em seu contexto, visando o atendimento de todos os alunos com qualidade, inclusive daqueles com condições de deficiência (BRASIL, 1988, 1996).
Sob respaldo de seu início de investigação ser recente, os temas abarcados pelos estudos delimitaram-se em quatro, conforme apresentado na Figura 2.
A maioria dos estudos (61%) investigou os conhecimentos e ações da gestão para a inclusão, analisando de forma geral a atuação e entendimentos dos gestores para o contexto inclusivo. No segundo tema mais pesquisado, 23% dos autores refletiram sobre a gestão no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Com menor expressão, 8% dos estudos focaram na Formação de Gestores e na Relação Família-Gestão vinculados ao processo inclusivo. Estes temas podem ser melhor compreendidos pela ilustração da Figura 3, contendo as palavras-chaves mais empregadas pelos títulos dos estudos.
Da totalidade das temáticas investigadas, 84,6% dos estudos (11 pesquisas) apresentaram caráter avaliativo, analisando a situação vivenciada, com 15,4% (2 estudos) se debruçando acerca de estratégias de intervenção para contribuir com a transformação do cenário atual (sendo um deles sobre o tema de Conhecimentos e Ações da Gestão para a Inclusão e outro sobre Gestão no AEE).
Sendo um tema de recente investigação, compreende-se a fragilidade em pesquisas de caráter prático interventivo, porém é imprescindível destacar a necessidade de redirecionamento das pesquisas predominantemente avaliativas para investigações associadoras da construção de novos conhecimentos com explorações de aplicações, de metodologias e de experiências para atender às demandas já bem relatadas na literatura (GLAT; PLETSCH, 2010; MENDES et al., 2003)
Aprofundando a discussão sobre os aspectos metodológicos pelos quais foram estruturadas as pesquisas, as suas especificidades segundo as terminologias empregadas pelos próprios pesquisadores responsáveis por cada estudo foram delineadas na Tabela 2.
ASPECTOS METODOLÓGICOS | |
---|---|
Tipo de pesquisa | 92,30% - Qualitativa 7,70% - Quantitativa e Qualitativa |
Definição da pesquisa | 38,50% - Estudo de caso 15,40% - Etnografia 7,70% - Pesquisa-ação 7,70% - Pesquisa participante 30,70% - Sem definição |
Coleta de dados | 69,20% - Entrevista 46,10% - Documentos 38,50% - Questionário 30,70% - Observação 15,40% - Diário de campo 7,70% - Fotografia 7,70% - Grupo de discussão 7,70% - Observação participante 7,70% - Sem definição |
Análise dos dados | 46,10% - Análise de conteúdo 23,10% - Análise estatística 15,40% - Triangulação de dados 7,70% - Análise documental 7,70% - Análise textual discursiva 7,70% - Análise descritiva 7,70% - Análise taxonômica 7,70% - Sem definição |
Fonte: Resultados originais da pesquisa, elaborado pelas autoras (2023).
Nos estudos investigados, houve um predomínio de pesquisas qualitativas, esboçadas por meio de estudo de caso, com dados coletados por entrevista e apreciados por análise de conteúdo. Esses resultados encontraram similitude ao notado por Manzini (2011), ao apontar que a produção acadêmica sobre Educação Especial tem prevalência em pesquisas qualitativas por estudo de caso e emprego de instrumentos tradicionais, como a entrevista; bem como ao estudo de Silva (2016) ao notar, neste mesmo tema, uma quantidade significativa de pesquisas qualitativas descritivas baseadas em entrevistas, apontando para a existência de uma exploração histórica dessa metodologia ao longo do desenvolvimento das pesquisas em educação.
Apesar de metodologias qualitativas terem atestadas as suas contribuições para os estudos socioeducacionais, por autores como Flick (2009), ao possibilitar a análise de contextos de forma associada à originação de possibilidades de intervenções para solucionar conflitos identificados, a variação metodológica mostrou-se necessária. Manzini (2011) assegurou que a exploração de diferentes vertentes metodológicas pode contribuir com a investigação e a identificação de propostas condizente com as necessidades apresentadas. Neste sentido, avanços são esperados quando retomado a constatação de Souza e Mendes (2017) que as pesquisas colaborativas, problematizadoras e contribuidoras da transformação da prática tem tido um aumento substancial nas últimas décadas, principalmente a partir de 2012, instigando o surgimento de um novo propósito de pesquisar para além de ações descritivas. Por sua vez, Silva (2016) alertou para a cautela no emprego de metodologias investigativas para que não sejam propostas alicerçadas tão somente em soluções pontuais, mas que a fundamentação crítica reflexiva permeie todo o processo investigativo, considerando as variáveis de contextos e realidades em suas resoluções.
Haja vista essa fundamentação metodológica, os estudos apresentaram um panorama do estado da arte da gestão inclusiva no Brasil, identificando dificuldades, bem como empregando orientações solucionadoras, como disposto na Tabela 3.
DATAS | TEMAS | DIFICULDADES RELATADAS | ORIENTAÇÕES SUGERIDAS |
---|---|---|---|
2004 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Gestor com ausência de referencial teórico, ações burocráticas para os problemas cotidianos, prática autoritária. Falta de clareza quanto às ações necessárias à inclusão. | Implantação de gestão democrática, estimulando o diálogo com a equipe, a comunidade e o respeito. Apoiar professores e buscar profissionais especialistas para atuação conjunta. |
2005 | Relação família-gestão | Desconhecimento dos gestores sobre as necessidades da inclusão, com dificuldade em promover participação da família. | Gestor deve conhecer a realidade da família e a legislação inclusiva, construir possibilidades de participação conjuntamente com as mesmas. |
2006 | Formação de gestores | Gestor com atuação burocrática e centralizada, desconhecedor das exigências inclusivas, dissociação entre teoria e prática. | Formação de gestores com informações, reflexão crítica e trabalho em equipe colaborativo, como por meio de resolução de situações-problemas. |
2006 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Dificuldades da inclusão advém de entraves oriundos da prática tradicional e da dificuldade para efetivar uma escola democrática. | Gestão inclusiva facilitada por concepção de educação democrática e de inclusão como direito de todos, com trabalho coletivo e ação educadora. |
2008 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Gestor com funções administrativas e centralizador, ausência de articulação entre necessidades e disponibilização de recursos. | Discurso político inclusivo precisa estar alinhado à prática democrática da gestão para se estabelecer com ações coletivas. |
DATAS | TEMAS | DIFICULDADES RELATADAS | ORIENTAÇÕES SUGERIDAS |
---|---|---|---|
2009 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Fragilidade de formação de gestores para atuação inclusiva, de conhecimento específico e emocional. | Formação estimulando o comprometimento político, social e econômico, articulada com a nova concepção de educação e inclusão social. |
2014 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Fragilidade de conceitos e compreensões sobre o processo inclusivo, com práticas superficiais. | A gestão pode facilitar a implantação de ações inclusivas pela resolução de problemas complexos, ao expressar a complexidade de um processo, fazendo simulações e gerando alternativas. |
2015 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Desconhecimento dos gestores sobre leis e ações necessárias para viabilizar a inclusão, desconexas com a legislação. | União da teoria com a prática pelos gestores, com uma perspectiva filosófica para orientar a equipe escolar na superação de barreiras. |
2015 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Gestor com ações burocráticas, desconhecedor das exigências legais, pedagógicas e sociais do contexto inclusivo. | Aquisição de uma teoria pedagógica consoante à transformação social e à formação crítica dos professores, repensando a educação e atuando de forma favorável à inclusão. |
2015 | Gestão no AEE | Falta de clareza quanto às responsabilidades dos profissionais no processo inclusivo. AEE não organizado, nem assistido, com falta de colaboração entre o AEE e os professores e família. | Capacitação dos gestores e membros da equipe escolar com construção de conhecimentos sobre o AEE, suas finalidades e possibilidades de trabalho conjunto. |
2018 | Gestão no AEE | Falta de recursos financeiros e de formação para implantação do AEE. | Proposta para formação de professores de AEE, abarcando conceitos históricos e legais, características da deficiência e orientação na elaboração de atividades. |
2018 | Gestão no AEE | Fragilidades na estrutura escolar, na formação docente e na aproximação entre membros da comunidade escolar para efetivar a inclusão. Formação continuada e o AEE feitos por ações pontuais. | Utilizar momentos de encontro para formação continuada e trabalho em equipe, estabelecer parceria entre professor da sala regular e da sala de recursos. |
2018 | Conhecimentos e ações da gestão para a inclusão | Gestores desconhecem os recursos necessários para implantar a inclusão. | Gestor deve compreender a função histórica e social da escola e do processo inclusivo, reorganizar o espaço escolar, estar presente na vida escolar e desenvolver parcerias com os profissionais. |
Fonte: Resultados originais da pesquisa, elaborado pelas autoras (2023).
As produções acadêmicas analisadas apontaram sobre um mesmo eixo originador das dificuldades na gestão inclusiva - a formação frágil e insuficiente. Com uma formação precária, os gestores têm recaído em dois fossos de erros contínuos: a falta de conhecimentos e as ações inadequadas. O desconhecimento das teorias educacionais, da legislação e do contexto sociopolítico educacional inclusivo impede que os gestores organizem práticas e forneçam os recursos necessários para a implantação inclusiva. Por sua vez, as consequentes ações inadequadas traduziram-se em práticas centralizadoras, com ações predominantemente burocráticas e ineficazes às exigências educacionais vigentes.Para a superação de tais entraves, os estudos ressaltaram a necessidade de efetivação dos procedimentos de fato democráticos pela gestão escolar, a formação de gestores fundamentada na associação da teoria com a prática, como por meio de resolução de problemas e o desenvolvimento de parcerias da escola com profissionais multidisciplinares.
Carece de construção de um referencial teórico atualizado com as mudanças socioeducacionais vigentes para fundamentar práticas de fato consonantes às exigências inclusivas. Afinal, conforme Sartoretto e Sartoretto (2010), a ação inicial a ser empreendida para a construção de uma escola inclusiva é refletir criticamente sobre a concepção de uma escola que temos e construir a concepção da escola almejada.
Prática dos gestores no que se refere à educação inclusiva
Na instituição investigada, dois gestores - um coordenador e um diretor - atuavam e concordaram em participar da pesquisa. Contudo, apenas o coordenador aderiu em responder ao questionário, uma vez que o diretor alegou compromissos pessoais e não disponibilizou nova data.
Com as respostas do coordenador participante e a observação da rotina, estabeleceram-se cinco categorias de análise: a Organização da Rotina Gestorial, o Perfil Profissional, a Gestão Escolar em Perspectiva Inclusiva, a Relação da Gestão Escolar com a Produção Acadêmica e a Associação dos Resultados Obtidos pelos Estudos da Produção Acadêmica sobre Gestão em um Viés Inclusivo com a Prática dos Gestores Escolares.
De acordo com a Organização da Rotina Gestorial, o tempo de atuação do gestor se decompôs em três ações principais, sendo que cada uma delas pode ter mais de uma ocorrência por dia.
Em 62,5% das observações foram desempenhadas atuações para a solução de conflitos interpessoais, como desentendimento entre alunos e dificuldades da sala de aula relativas às regras e boa convivência. Em 37,5% dos momentos, realizaram-se ações burocráticas, como a elaboração de bilhetes e a atualização do sistema dos alunos referentes às faltas. Já em 12,5% do período de acompanhamento, ocorreram conversas com professores sobre os alunos com deficiência, contudo, tais diálogos delinearam-se nos corredores da escola, sem planejamento prévio gestorial das orientações a serem fornecidas. Com isso, muitas informações aprovisionadas demonstraram-se frágeis, com o gestor relatando obtê-las por meio de vídeos da internet.
O processo de inclusão escolar desdobra-se por alterações consubstanciais na estrutura e funcionamento da educação básica, exigindo reflexões e reconstruções significativas e grandiosas nas ações escolares. Por outro lado, as ações referentes à questão inclusiva não se apresentaram na maioria das ações empreendidas pelo gestor da escola investigada.
No que se refere ao Perfil Profissional, o coordenador apresentou 47 anos de idade, com formação há 25 anos (1995), pós-graduação nível especialização em Desenvolvimento Moral Infantil há oito anos e atuante há quatro anos na gestão escolar. Esses dados encontraram similitude aos apresentados por Placco et al. (2012), que mostrou uma predominância na coordenação pedagógica brasileira por mulheres, entre 36 e 55 anos, com pedagogia e especialização em alguma área da educação e atuação há aproximadamente 5 anos na gestão.
O participante declarou já ter trabalhado com alunos com deficiência ou outras condições (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Deficiência Intelectual e Autismo), mas não se considerar preparado para conduzir a gestão do processo inclusivo. Sob essa fundamentação, definiu a inclusão como o focar em que a criança seja inserida socialmente na sala e na escola.
Nesses itens iniciais é possível identificar fragilidades na formação, a qual finalizou-se antes da implantação da LDB vigente (BRASIL, 1996), que estabeleceu as bases iniciais da inclusão escolar brasileira e, consequentemente, não abarcou as posteriores normas legais de definição e organização do processo inclusivo escolar (BRASIL, 1999). Ademais, não foram empreendidas formações complementarem acerca das modificações inclusivas ocorridas após a data de formação, o que justifica o fato desse gestor se sentir despreparado. Isto posto, sequentes entendimentos equivocados acerca do processo inclusivo transpareceram, como ao direcionar o processo inclusivo aos aspectos de socialização.
A inclusão é a oportunização de acesso e permanência, na escola, de todos os alunos, independentemente de suas diferenças ou da presença de condições de deficiências, visando o aprendizado acadêmico preferencialmente. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999), a inclusão escolar objetiva promover o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, adaptando os currículos e flexibilizando o processo de ensino aprendizagem. Aspectos relacionados à socialização são considerados, como em qualquer outra estrutura social, contudo não compõe a finalidade do processo educacional inclusivo.
A insatisfatória formação do gestor despontou como um entrave à construção de um contexto educacional inclusivo, com as próprias orientações gestoriais aos docentes realizadas por fundamentação de vídeos de internet, e não conhecimentos acadêmicos, inaptas, portanto, para promover transformações qualitativas na prática docente.
É urgente uma capacitação gestorial adequada visto que, segundo Placco et al. (2012), a função primordial do gestor é a formação docente. Impossibilita-se, sem a dada capacitação, o exercício de uma atuação qualitativa e de fato contributiva à construção do cenário inclusivo, mas os mesmos autores atestaram que, para muitos gestores, não há clareza sobre como fazer essa formação docente, nem capacitação suficiente para organizar esse processo.
Alusivo à categoria de Gestão Escolar em Perspectiva Inclusiva, o participante relatou interesse em mudanças na atuação gestorial, mas sem ações contundentes até então. O Projeto Político Pedagógico (PPP) foi elaborado pelos gestores, sem abarcar a questão inclusiva nem projetos de valorização da diversidade. O coordenador citou como proposta única de inclusão uma ideia de implementação de uma sala de apoio aos alunos com deficiência e a consciência da carência de contratação de professores auxiliares, mas confirmou que a sua atuação permanece direcionada a solucionar conflitos do dia a dia. Com atuação burocrática e centralizadora impondo ações pontuais, a escola apresentou dificuldades, como a ausência de acessibilidade arquitetônica física (com alunos com deficiência física não acessando ambientes devido às escadas) e de professores auxiliares que realizassem um trabalho de qualidade ao aprendizado do aluno.
A inclusão escolar impõe uma transformação sociocultural e educacional de valorização e respeito da diversidade, com programas longitudinais de aceitação das diferenças. É inexequível uma construção inclusiva por ações pontuais, já que estas não serão de todo compreendidas em sua significância, nem refletidas e incorporadas ao cotidiano das pessoas. No entanto, para essa compreensão e implantação, mais uma vez uma capacitação gestorial é necessária para organizar as ações e orientar os membros da comunidade escolar em direção a essa transformação de mentalidades e atitudes.
Segundo Azanha (1992), para que a democracia seja assumida pela escola, a autonomia deve se sobressair aos vários obstáculos, dos quais alguns são encontrados na instituição pesquisada, como a centralização do poder e a burocratização da rotina.
Para Veiga (2002), o PPP necessita ser construído de forma democrática para que os objetivos coletivos sejam abarcados e as ações de todos convirjam em direção ao alcance dos mesmos. Nessa construção, o ideal inclusivo necessita ser considerado e discutido coletivamente já que se refere a uma das principais transformações do sistema educacional das últimas décadas, sendo obrigatoriedade do gestor mobilizar a comunidade escolar para atender aos anseios e possibilitar as condições necessárias para a inclusão de todos, inclusive dos grupos minoritários (DUTRA; GRIBOSKI, 2005).
Por sua vez, na categoria Relação da Gestão Escolar com a Produção Acadêmica, o participante afirmou não possuir acesso às pesquisas acadêmicas sobre a atuação gestorial inclusiva, continuando que as pesquisas acadêmicas necessitariam fornecer dados sobre o desenvolvimento das crianças e sobre as suas características.
Apartado das produções intelectuais, o participante desconhece o fato de que esses dados há tempos são amplamente investigados pelos trabalhos acadêmicos, seja em livros (DEA; DUARTE, 2009; VIGOTSKI, 2011; WHITMAN, 2015), teses/dissertações (FOLQUITTO, 2013) ou artigos científicos (BISSOTO, 2005; KLIN; MERCADANTE, 2006; ROHDE et al., 2000).
Essa dicotomia entre a teoria acadêmica e a prática escolar mostrou-se presente igualmente no estudo de Carvalho (2018), em que, entrevistando os professores da rede pública do ensino fundamental de uma cidade do interior paulista, identificou que 83,3% dos profissionais afirmaram não acessar as pesquisas acadêmicas. Da mesma forma, Souza (2013) confirmou esse posicionamento ao verificar que os professores investigados apresentaram desconhecimento a respeito das teorias acadêmicas e também das legislações que estabeleceram a inclusão.
Na observação da rotina, há um contínuo de fragilidades, em que a formação profissional deficitária não ofertou conhecimentos suficientes sobre o processo inclusivo e tal desconhecimento, consequentemente, não possibilitou que o gestor identificasse nem empregasse as ações necessárias para implantar a inclusão.
O entendimento gestorial acerca da inclusão mostrou consciência das variáveis de exigências atribuídas ao professor e de necessidades das crianças, mas desdobrou-se associado a um entendimento negativo das possibilidades de atuação da gestão, como notado pela associação dos vocábulos apresentados na Figura 4.
Essa afirmativa é corroborada pelas informações da análise estatística acerca dos vocábulos empregados no questionário pelo respondente, aqui delineadas na Tabela 4. Nessa análise, como forma temos os vocábulos citados pelo respondente, como frequência o número de vezes em que a palavra foi citada, e tipo corresponde à classificação gramatical da palavra, sendo nom o substantivo, adv o advérbio, adj o adjetivo e nr um numeral.
FORMA | FREQUÊNCIA | TIPO | FORMA | FREQUÊNCIA | TIPO |
---|---|---|---|---|---|
Inclusão | 8 | nom | Pesquisa | 1 | Nom |
Não | 6 | adv | Muito | 1 | adv |
Gestão | 5 | nom | Mudança | 1 | nom |
escola | 5 | Nom | Já | 1 | adv |
deficiência | 5 | Nom | Junto | 1 | adj |
professor | 4 | Nom | Interesse | 1 | nom |
criança | 4 | Nom | Intelectual | 1 | adj |
político | 3 | Adj | Inclusivo | 1 | adj |
dificuldade | 3 | Nom | Hiperativo | 1 | nr |
FORMA | FREQUÊNCIA | TIPO | FORMA | FREQUÊNCIA | TIPO |
---|---|---|---|---|---|
aluno | 3 | Nom | Grupo | 1 | nom |
principal | 2 | Adj | físico | 1 | adj |
pedagógico | 2 | Adj | função | 1 | nom |
material | 2 | Nom | formação | 1 | nom |
estudo | 2 | Nom | especificidade | 1 | nom |
específico | 2 | Adj | educacional | 1 | adj |
escolar | 2 | Adj | down | 1 | nr |
coordenador | 2 | Nom | diversidade | 1 | nom |
auxiliar | 2 | Nom | dentro | 1 | adv |
ainda | 2 | Adv | dado | 1 | nom |
acadêmico | 2 | Adj | curricular | 1 | adj |
valorização | 1 | Nom | contexto | 1 | nom |
trabalho | 1 | nom_sup | como | 1 | adv |
total | 1 | Adj | científico | 1 | adj |
tentativa | 1 | Nom | característica | 1 | nom |
tempo | 1 | nom_sup | bom | 1 | adj |
síndroma | 1 | Nom | avaliação | 1 | nom |
socialmente | 1 | Adv | autista | 1 | adj |
respeito | 1 | Nom | aprendizagem | 1 | nom |
relação | 1 | Nom | apoio | 1 | nom |
proposta | 1 | Nom | anual | 1 | adj |
processo | 1 | Nom | além | 1 | adv |
preparado | 1 | Adj | adaptação | 1 | nom |
preocupação | 1 | Nom | acesso | 1 | nom |
projeto | 1 | Nr | acessibilidade | 1 | nom |
plano | 1 | Nom | abarcado | 1 | adj |
pesquisa | 1 | Nr |
Fonte: Resultados originais da pesquisa, elaborado pelas autoras (2023).
O discurso docente apresentou-se fundamentado por vocábulos que mostraram uma associação da inclusão e da gestão com a negativa não. Com o vocábulo deficiência, como o quinto em maior frequência, pode-se deduzir que ainda há uma visão médica das condições com foco em seus aspectos biológicos e limitações, que direcionam o olhar do gestor para as dificuldades de uma atuação em prol dos ideais inclusivos. Silva e Araújo (2012) identificaram que os primeiros atendimentos direcionados à população com deficiência possuía um caráter médico, visando inclusive sanar as diferenças em prol de um modelo de estrutura e funcionamento corporal tido como ideal. Os autores relataram ainda que, com o desenvolvimento científico e cultural, as diferenças passaram a ser compreendidas como inatas e particulares de cada indivíduo, e outros modelos de atendimento surgiram buscando oferecer ações adequadas a todos. Dentre eles, a visão pedagógica social trouxe as discussões sobre a necessidade de direcionar o olhar para as potencialidades de cada aluno e oferecer as adaptações necessárias para o seu desenvolvimento. Nesta visão está fundamentada a educação inclusiva, que estabelece o oferecimento de práticas pedagógicas adequadas às diferentes particularidades dos alunos em prol do seu desenvolvimento e aprendizagem efetivos, sejam elas de características de gênero, etnia, classe social ou deficiência (BRASIL, 1996). Contudo a mesma ainda transpareceu negligenciada, com os vocábulos pertencentes às possibilidades de atuações práticas (como proposta, projeto, mudança, apoio e adaptação), se configurando como os de menor frequência em aparecimento no discurso.
Refletindo sobre a associação dos resultados obtidos pelos estudos da produção acadêmica sobre gestão em um viés inclusivo com a prática dos gestores escolares, os dados apresentados pelos estudos foram corroborados pelo estudo de caso, que confirmou a formação frágil e despreparada para uma atuação gestorial que de fato contribua com a implantação de ações e com a formação da equipe escolar em direção à implantação de procedimentos para viabilizar a inclusão escolar.
Urge a necessidade de uma reconstrução nas funções e estrutura da escola investigada. A se começar pela cultura organizacional que carece de substituir a atuação tradicional centralizado por uma ação democrática e participativa, com distribuição de responsabilidades e decisões coletivas, em um chamamento de toda a comunidade escolar para o interesse coletivo dos grupos minoritários. Por sua vez, uma formação continuada é indispensável para que os gestores se conscientizem das especificidades do processo inclusivo e organizem ações para a adequação escolar e atendimento desses alunos com qualidade, inclusive contribuindo com maior significância com a capacitação do seu corpo docente. Neste quesito, uma associação com profissionais estudiosos da temática inclusiva pode se mostrar contributiva tendo em vista a carência de conhecimento gestorial inicial. Também carece uma alteração da formação inicial para que amplie o espaço de discussões sobre a atuação gestorial e proporcione maiores fundamentos para essa prática.
Às pesquisas acadêmicas, impera a construção e organização de conhecimentos para a remodelação da formação inicial e continuada, investindo em pesquisas interventivas elaboradas de forma a associar a teoria com a prática e a compartilhar práticas de sucesso. Alterações são necessárias, pois os alunos com deficiência já estão matriculados nas escolas comuns brasileiras à espera do atendimento educacional de qualidade a que possuem por direito, segundo promulgado pela LDB (BRASIL, 1996). Além disso, vale ressaltar que, apesar da presente pesquisa se voltar a análise da prática direcionada aos alunos com deficiência, a educação inclusiva se refere a todos os alunos, independentemente de suas diferenças, que podem ser étnicas, de gênero, dentre outras. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1945) preconizou o direito de todos à educação e, especificamente no contexto educacional, a Declaração Mundial de Educação para Todos salientou a urgência em satisfazer as necessidades de aprendizagens de todos, com atenção especial aos pertencentes às pessoas com deficiência e aos grupos excluídos, como as minorias étnicas, populações de periferia e povos indígenas (BRASIL, 1990). A Declaração de Salamanca (BRASIL, 1994), por sua vez, especificou a necessidade dos processos educativos considerarem a diversidade presente em toda criança, com suas particularidades e diferenças inatas, eliminando qualquer tipo de preconceito. É estabelecida legalmente uma escola de todos, que se conscientiza da diversidade presente entre os alunos, os acolhendo e se adequando para oferecer um ensino de qualidade para todos. Isto posto, confirma-se que os conhecimentos são a porta para a elucidação das possibilidades de transformação da realidade e direcionamento de ações para o alcance da educação inclusiva já tão detalhada nos documentos oficiais.
Considerações finais
A produção acadêmica sobre a gestão escolar no contexto da educação inclusiva apresentou-se em tímidos passos iniciais, com escassos estudos sobre o tema da formação dos gestores para essa atuação e ainda mais ausentes os com propostas de intervenções. De forma associada, e até mesmo consequente, a atuação do gestor denotou uma base frágil de formação carecendo de construção de concepções de escola e de educação democrática e crítica, assim como desconhecimento a respeito do processo educacional inclusivo e das produções acadêmicas. A superação da dicotomia entre as teorias acadêmicas e a prática gestorial urge para a transformação da realidade, necessitando de pró-atividade dos gestores para buscarem por essa indispensável capacitação, bem como de contínuas novas pesquisas para orientar a atuação dos gestores no contexto inclusivo e acompanhar a transformação dessa prática.
Sabe-se que esse abismo por vezes apresentado entre área acadêmica e prática profissionais não se restringe à educação inclusiva, mas tem sido presente por longo período em todo o contexto educacional. Dessa forma, o contexto visualizado nessa pesquisa encontra uma base já frágil do contexto educacional como um todo, somado às particularidades presentes na implantação da educação inclusiva. Um possível caminho é a articulação entre a pesquisa acadêmica e prática profissional por meio de pesquisa-ação e outras metodologias que permitam conhecer a realidade e especificidade do cenário inclusivo, e ao mesmo tempo que os docentes se apropriem dos conhecimentos e desenvolvam uma pró-atividade em busca de conhecimentos e variadas opções metodológicas e práticas frente aos diversos desafios enfrentados.