Introdução
O desenvolvimento humano é um processo contínuo de mudanças, que envolve momentos de estabilidade e instabilidade ao longo de todo o ciclo da vida (Papalia; Feldman, 2013). Essas mudanças abrangem os três principais domínios do desenvolvimento: 1) cognitivo, que inclui padrões de mudança nas habilidades mentais; 2) psicossocial, que compreende padrões de mudança nas emoções, nos relacionamentos sociais e na personalidade; e 3) físico, que engloba o crescimento corporal e cerebral, bem como padrões de mudança nas habilidades sensoriais e motoras (Papalia; Feldman, 2013).
Quando as mudanças nas habilidades motoras não ocorrem ou sofrem atrasos que prejudicam a interação entre o indivíduo e o seu ambiente, é possível que estejamos diante do transtorno do desenvolvimento da coordenação (TDC) com consequentes perturbações no desempenho das atividades de vida diária - AVD - e das atividades de vida escolar - AVE (APA, 2013).
A alta prevalência de alunos com TDC nos primeiros anos de vida escolar nos contextos internacional (Girish; Raja; Kamath, 2016), nacional (Santos; Vieira, 2013; Silva; Beltrame, 2013; Valentini; Clark; Whitall, 2015) e amazonense, especificamente no Norte do Brasil (Souza et al., 2007; Santos et al., 2015; Cabral, 2018), levou-nos a refletir sobre: os efeitos negativos desse transtorno na vida escolar de adolescentes; como esses alunos são percebidos por seus professores; e quais abordagens são adotadas para minimizar os impactos negativos nas AVE.
Transtorno do desenvolvimento da coordenação
O TDC é um distúrbio comum e crônico que afeta 6% dos escolares (APA, 2013; Blank et al., 2019). Pelo menos 2% de todos os indivíduos com inteligência típica experimentam consequências graves na vida cotidiana, incluindo a produtividade acadêmica, e outros 3% têm um grau de comprometimento funcional nas AVD ou nas AVE (Lingam et al., 2012). No entanto, o TDC é pouco reconhecido pelos profissionais da saúde e, principalmente, da educação (Missiuna; Rivard; Barlett, 2006; Wilson et al., 2013).
As dificuldades motoras advindas do TDC são descritas como um sério comprometimento no desenvolvimento da coordenação motora, que não é explicável unicamente em termos de retardo intelectual, global ou qualquer transtorno neurológico congênito ou adquirido - a não ser aquela que possa estar implícita na anormalidade da coordenação (Pulzi; Rodrigues, 2015).
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5, quatro critérios devem ser atendidos para se obterem a identificação e o diagnóstico do TDC. Quando um desses critérios não é atendido, recomenda-se a utilização do termo “provável TDC” - pTDC (Smits-Engelsman et al., 2015).
Para a identificação e o diagnóstico do TDC, é necessário ter atenção a quatro critérios definidos pelo manual:
A aprendizagem e execução de habilidades motoras coordenadas estão substancialmente abaixo do esperado dada a idade cronológica da pessoa e oportunidade para aquisição e uso das habilidades motoras. As dificuldades manifestam-se por “desajeitamento” (por exemplo, deixar cair ou bater em objetos), bem como lentidão e imprecisão do desempenho de habilidades motoras, por exemplo, pegar um objeto, usar uma tesoura ou talheres, caligrafia, andar de bicicleta e participar de esporte. Os déficits nas habilidades motoras mencionados no critério A interferem significativa e perceptivamente nas atividades de vida diária adequada à idade cronológica (por exemplo, autocuidado e automanutenção), na produtividade acadêmica/escolar, nas atividades pré-profissionais e profissionais, de lazer e de jogos. Os primeiros sintomas acontecem no período inicial de desenvolvimento. Os déficits nas habilidades motoras não são explicados por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou deficiência visual e não são atribuíveis a condição neurológica que afeta o movimento (por exemplo, distrofia muscular, paralisia cerebral ou doença degenerativa). (APA, 2013, p. 74).
Desse modo, a percepção do docente quanto às dificuldades dos escolares com TDC passa a ter um papel fulcral na minimização dos efeitos do transtorno nas AVE.
Percepção docente
No contexto escolar, a percepção irá definir o método de ensino do professor de acordo com a observação acerca da linguagem e das atitudes dos alunos. O olhar perceptivo do professor sobre o processo de aprendizagem é importante, pois sua postura e sua atitude podem ajudar ou prejudicar o desenvolvimento e a aprendizagem do estudante, principalmente se este apresentar algum transtorno de aprendizagem (Drouet, 1995; Chauí, 2000).
Os professores devem estar preparados, principalmente quanto à identificação de alunos que necessitam de atendimento escolar especializado em razão das dificuldades cognitivas e comportamentais relacionadas ao processo de aprendizagem, bem como das complicações decorrentes de transtornos motores (Porath, 1996), como o TDC, que impacta negativamente a vida dos estudantes - sobretudo na fase da adolescência - durante a realização de atividades na sala de aula e nos intervalos escolares (Missiuna; Rivard; Barlett, 2003).
Entendemos que, se os professores acreditarem que incluir significa quebrar barreiras e que cruzar fronteiras permite trocas no processo de construção do conhecimento, eles promoverão, de fato, os direitos propostos pela educação inclusiva (EI). Assim, este estudo objetivou investigar qual a percepção dos professores sobre o desempenho escolar de adolescentes com pTDC.
Metodologia
Esta pesquisa é classificada como de caracterização com abordagem qualitativa (Volpato, 2007) e foi devidamente aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Os dados empregados são oriundos de uma dissertação de mestrado 1.
O objetivo geral deste estudo foi conhecer a percepção dos professores sobre o desempenho escolar de adolescentes com provável TDC. Para atingir esse propósito, traçamos os seguintes objetivos específicos: 1) identificar a percepção dos professores sobre os adolescentes com pTDC em relação ao seu desempenho em tarefas de Matemática; 2) determinar a percepção de professores sobre adolescentes com pTDC quanto ao seu desempenho em tarefas de Língua Portuguesa; 3) descrever a percepção de professores sobre adolescentes com pTDC considerando seu desempenho em tarefas de habilidades motoras.
Participantes
Participaram da investigação 11 professores do ensino fundamental - anos finais (6º ao 9º ano), responsáveis pelas seguintes disciplinas escolares: Língua Portuguesa (LP), Matemática (MA) e Educação Física (EF). As duas primeiras disciplinas (LP e MA) foram escolhidas por comporem a base de avaliação externa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e ocuparem maior carga horária semanal; logo, com mais oportunidades de observação do desempenho escolar dos estudantes. Já a disciplina de EF possibilita aos docentes a observação dos alunos quanto à manifestação de diversos comportamentos, em especial do domínio motor.
Utilizamos os seguintes critérios de inclusão: a) professores do ensino fundamental - anos finais; b) professores que atuavam no local da pesquisa há pelo menos um ano; e c) professores que ministravam aulas para adolescentes com identificação de pTDC. Excluímos os substitutos ou auxiliares, aqueles que lecionavam de forma complementar as disciplinas e os que não possuíam pós-graduação.
Conforme o Quadro 1, cada escola contribuiu com três professores (exceto a Escola 4, da qual um professor se recusou a participar). Para proteger as identidades, todos os participantes foram descritos como do sexo masculino.
Participaram também, de forma indireta, oito alunos do ensino fundamental - anos finais, sendo quatro com indicativo severo de provável TDC, os quais foram escolhidos a partir de uma amostra de 400 estudantes de 11 a 14 anos que responderam a um questionário para reconhecimento de adolescentes com pTDC, realizado pelo Laboratório de Desenvolvimento Motor Humano (LECOMH). Esta pesquisa atendeu aos critérios A e B do DSM-5.
Local da pesquisa
Escolhemos quatro escolas da rede pública estadual de ensino situadas nas regiões leste, norte, sul e oeste da cidade de Manaus, Amazonas.
Instrumento de coleta das informações
Utilizamos a entrevista narrativa não estruturada como instrumento de coleta das informações, na qual o entrevistador, após fazer a pergunta, concede tempo indeterminado ao participante para respondê-la (Moraes; Galiazzi, 2011).
Procedimentos
Após a identificação dos estudantes com e sem pTDC, escolheu-se uma dupla composta por um adolescente com pTDC e um adolescente livre dessa condição, matriculados no mesmo ano, turno e turma, para cada uma das quatro escolas.
Como o foco do nosso estudo foi a percepção do professor, questionamos aos docentes sobre pares de estudantes expostos aos mesmos estímulos e condições escolares durante as entrevistas. Como resultado, chegamos a uma amostra de oito adolescentes que contribuíram indiretamente para esta investigação.
Acreditamos ser fundamental entrevistar professores sobre adolescentes com pTDC e sobre os não acometidos pela condição, sendo estes últimos um grupo de controle, para fortalecer a credibilidade dos relatos coletados.
Em um primeiro momento, a questão geradora indagaria a percepção do professor acerca dos dois adolescentes, simultaneamente: “Como é o desempenho dos alunos X e Y na sua disciplina e em que ponto você percebe as dificuldades deles?”. No entanto, após a realização do estudo-piloto, decidimos entrevistar os professores acerca de cada adolescente separadamente. Ressaltamos que, para evitar qualquer viés ou influência nas respostas dos entrevistados, eles não foram informados a respeito de qual adolescente tinha pTDC, mas foram informados que a entrevista seria acerca do desempenho escolar dos alunos.
Nesse percurso, chegamos às seguintes questões geradoras: 1) Como está o desempenho do aluno X na sua disciplina e em que ponto você percebe as dificuldades dele?; e 2) Como está o desempenho do aluno Y na sua disciplina e em que ponto você percebe as dificuldades dele?
Para a execução da entrevista narrativa, seguimos as orientações de Moraes e Galiazzi (2011). A entrevista foi realizada em dia, local e horário acordados com os entrevistados, individualmente, com filmagem e gravação de áudio, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
No início, os professores receberam um formulário de apoio contendo informações sobre o adolescente: nome, turma e turno escolar que frequentava. Com o docente de posse da ficha de apoio, líamos a primeira questão. A duração média das entrevistas foi de 40 minutos, sendo que, na fase final (a fala final), as filmagens foram interrompidas e foi realizada uma conversa mais informal, incluindo os agradecimentos.
Análise de dados
Os textos gerados pelas narrativas dos participantes foram analisados por meio da análise textual do discurso (ATD), a qual tenta construir um metatexto descritivo e interpretativo por meio do conjunto de textos produzidos durante a coleta de informações (Moraes; Galiazzi, 2011). A etapa seguinte foi a interpretação, que, segundo os autores, é um exercício de construção e expressão, um aprofundamento seguido da construção do metatexto, que denominaremos de “discussão de resultados” (Figura 1).
Ao finalizarmos as etapas, obtivemos o metatexto, que nos permitiu interpretar e discutir os achados deste estudo acerca das percepções dos professores sobre os adolescentes com pTDC.
Resultados e discussão
Com base no conceito de percepção de Chauí (2000) - uma observação seguida de uma atitude -, respondemos à nossa questão de pesquisa afirmando que os professores percebiam comportamentos, ações e atitudes relacionadas ao pTDC, mas não intervinham, orientavam ou ajudavam os alunos de forma eficaz, em razão do desconhecimento do fenômeno e dos fatores a ele associados.
Em seguida à pergunta geradora da entrevista “Como está o desempenho do aluno na sua disciplina e em que momento você percebe as dificuldades dele?”, as respostas dos professores foram transcritas e separadas em três categorias: 1) percepção inicial do adolescente (Quadros 2, 3, 4 e 5); 2) a que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente (Quadros 6, 7, 8 e 9); e 3) atitudes tomadas em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares (Quadros 10, 11, 12 e 13).
Categoria 1 - Percepção inicial do adolescente
Falta de atenção, ausência de concentração, agitação, dificuldade no manuseio de materiais e inquietação foram expressões utilizadas pelos professores para descrever os alunos com pTDC (Missiuna et al., 2007).
Segundo Goulardins et al. (2015), os indivíduos com TDC apresentam graus variados de déficit motor desde a infância, podendo ou não se combinarem com outros transtornos, como déficit de atenção, linguagem, aprendizagem e questões psicossociais, mas a característica comum entre eles é variável: lentidão, menor acuidade motora e dificuldade em aprender habilidades motoras típicas da infância, como atividades práticas nas aulas de Educação Física.
Ao descreverem o Aluno 3, os professores notaram ilegibilidade de sua caligrafia, irritação e tristeza com sua limitação, condição que pode levar a uma baixa autopercepção de suas habilidades. A discalculia, transtorno que pode coocorrer no TDC (Visser, 2003), também foi mencionada.
A coocorrência de dificuldades de aprendizagem e outros transtornos com transtorno motor não é incomum em indivíduos com TDC, assim como falta de atenção; hiperatividade (Piek; Pitcher; Hay, 1999; Dewey et al., 2002); dislexia (Geuze; Kalverboer, 1994); transtorno de linguagem (Hill; Brown, 2013); dificuldade de aprendizagem (Polatajko; Fox; Missiuna, 1995); problemas perceptivos motores e questões sociais e afetivas (Piek; Pitcher; Hay, 1999).
O Aluno 3 evita participar de aulas práticas de Educação Física, possivelmente por dificuldades com atividades com bola, com situações em que há comparação de desempenho e jogos em equipe, atividades que são desagradáveis para quem tem TDC (Henderson; Sugden; Barnett, 2007).
Nas impressões iniciais dos docentes sobre o Aluno 5, notamos sinais de ciclo de autoexclusão e irritação, que provavelmente são causados por dificuldades motoras. Eles relataram o envolvimento do adolescente em brigas, atitude que pode mascarar sentimentos de insatisfação e fracasso, comuns em adolescentes com TDC (Piek; Pitcher; Hay, 1999). Crianças com TDC apresentam maior índice de introversão, baixa competência física, comportamento social negativo e alto nível de ansiedade (Schoemaker; Kalverboer, 1994), o que suscita a possibilidade de amplificação desses sentimentos e comportamentos na adolescência.
Carvajal (1998) define a adolescência como um período de instabilidade hormonal e emocional causada pela busca de aceitação e pela necessidade de inserção em um grupo. O autor destaca que, na adolescência, as opiniões do ciclo familiar deixam de ser tão importantes quanto as do ciclo de amigos e que o peso e a necessidade de aceitação em determinados grupos da mesma faixa etária logo se tornam maiores.
Os adolescentes demonstraram uma variedade de comportamentos associados ao pTDC em todos os relatos transcritos. A baixa capacidade deles de ler, copiar textos, usar tesouras, organizar o próprio material escolar e concluir tarefas em sala de aula no tempo exigido reflete negativamente em sua participação nas atividades da vida escolar (Huau; Velay; Jover, 2015).
Como consequência, apresentam desempenho escolar pior do que seus pares da mesma idade cronológica. Assim, identificamos que, ao se referirem aos aspectos comportamentais dos adolescentes, os professores percebiam as dificuldades, mas as atribuíam apenas ao desinteresse dos alunos e de seus familiares pelos estudos.
Categoria 2 - A que/quem o professor atribui o comportamento do adolescente
Ao refletir sobre a que ou a quem atribuía o comportamento dos adolescentes, apenas um professor fez menção ao déficit de atenção, sugerindo avaliação médica como forma de confirmação de sua suspeita. Outro professor (EF) atribuiu as dificuldades de seus alunos ao excesso de peso. Lembramos que essa característica pode ser uma das consequências do TDC, pois os adolescentes são mais propensos a adotar hábitos de vida sedentários em razão dos transtornos motores (Allison et al., 2007).
A maioria dos professores atribuiu o mau desempenho dos adolescentes às suas famílias. Segundo Oliveira e Marinho-Araújo (2010), o bom desempenho dos alunos é resultado de uma “boa” dinâmica familiar. Assim, essa abordagem focaliza os determinantes psicológicos presentes na estrutura familiar como os principais responsáveis pelas congruências e dissonâncias entre objetivos e valores nas duas instituições. Tais determinantes estão relacionados ao funcionamento familiar em termos da capacidade da família em ser flexível para lidar com as demandas da vida cotidiana, demonstrar proximidade afetiva e engajar-se na comunicação profunda entre seus membros.
A interação dos fatores que definem a dinâmica familiar se manifesta em maiores ou menores níveis de funcionalidade na relação família-escola (Wagner; Tronco; Armani, 2011). No entanto, as concepções de senso comum, vistas no discurso dos docentes, tendem a dicotomizar as relações familiares em normais e patológicas e, consequentemente, presumir resultados no desempenho escolar dos adolescentes. Isso indica que a família tanto apoiou quanto foi responsabilizada pelo sucesso escolar de seus filhos (Oliveira; Marinho-Araújo, 2010).
Ao olharmos mais de perto os relatos dos professores, percebemos que as características associadas às dificuldades dos adolescentes não foram atribuídas ao pTDC, e, sim, ao desleixo, à preguiça adolescente e à falta de envolvimento da família. Essa atitude por parte dos professores revela o desconhecimento do fenômeno e de como suas características afetam os adolescentes com essa condição. Por outro lado, afirmamos que o desconhecimento sobre o fenômeno TDC não os exime da assistência a esses adolescentes, muito menos justifica a transferência dessa responsabilidade para a escola e os familiares dos alunos.
Historicamente, a escola tem apresentado um modelo de educação que privilegia uma minoria; ao mesmo tempo, tem reforçado um processo de inclusão legitimado pelas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. E, apesar do processo de democratização, esse modelo de educação tem se mostrado ambíguo, pois os mesmos sistemas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola e da sociedade.
Entender os conceitos de educação inclusiva (EI) e educação especial (EE) não é uma tarefa simples. A EE é destinada ao público-alvo da educação especial (ex.: alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação), enquanto a educação inclusiva visa a todos (ex.: alunos que não conseguiram concluir a educação básica na idade certa e, por esse motivo, optaram pela educação de jovens e adultos; alunos indígenas, quilombolas, do campo, alunos público-alvo da educação especial, alunos com dificuldades de aprendizagem, entre outros). Dessa forma, consideramos pertinente tratar estudantes com TDC como um público integrante da educação inclusiva, conforme as Diretrizes do MEC (Brasil. MEC, 1997) e Farias (2020), Cabral (2018), Lafayette (2020), Morais (2020), Rodrigues (2019) e Souza (2018).
O desconhecimento do TDC no contexto escolar favorece a desassistência e promove a exclusão de adolescentes. Isso nos leva às ideias de Stainback e Stainback (1999), que definem a EI como a prática de incluir “todos”, independentemente de talento, deficiência, origem socioeconômica ou cultural, em escolas e salas de aula em que suas necessidades são atendidas.
No entanto, acreditamos que o simples conhecimento do TDC não garante que atitudes efetivas sejam adotadas pelos docentes, pois eles próprios reconhecem suas dificuldades no atendimento aos alunos público-alvo da EE e da EI, bem como àqueles com pTDC, o que demonstra limitação na concretude da EI para todos os seus alunos e mostra, também, a ausência de políticas públicas voltadas para essa população.
Categoria 3 - Atitudes em relação aos adolescentes os quais os professores sinalizaram ter dificuldades escolares
No que se refere à tomada de atitudes, observamos que os professores frequentemente terceirizaram as responsabilidades, há falta de envolvimento pedagógico/familiar e de compromisso para a tomada de atitudes que possam minimizar tais dificuldades dos adolescentes. Esses fatores confirmam a invisibilidade dos transtornos motores no contexto escolar e a negligência quanto à assistência a adolescentes, ignorando suas dificuldades escolares e violando seus direitos constitucionais.
Os professores relataram a troca de informações sobre o desempenho dos adolescentes entre os colegas em busca de sugestões de melhorias na metodologia de ensino e a superlotação das turmas como barreiras para o atendimento às necessidades educacionais dos adolescentes. Alegaram ter encaminhado observações referentes às dificuldades dos adolescentes e à sua situação escolar, em termos de comportamentos e notas, à direção da escola e ao apoio pedagógico. No entanto, não receberam nenhum feedback sobre os casos.
Tiba (1998, p. 164) está correto quando diz que “a escola deve informar os pais sobre o significado de sua participação. Um dos principais motivadores para que eles estudem é o interesse em acompanhar os estudos dos filhos”. Segundo o autor, deve-se destacar a importância da participação da família e a força que ela tem no âmbito da garantia indiscriminada dos direitos de todos os alunos, independentemente de qual seja sua deficiência ou dificuldade escolar.
No que diz respeito à proteção dos direitos educacionais dos alunos, de maneira geral ou para grupos específicos, como pessoas com deficiência, transtornos do desenvolvimento ou transtornos motores, todos eles são defendidos por leis que, em sua maioria, decorreram do envolvimento e da manifestação dos familiares. Acreditamos e enfatizamos a importância de refletir sobre o papel da família na garantia de melhorias na qualidade do ensino dos alunos, bem como de reconhecer a força de sua voz e suas atitudes para sustentar a inclusão do adolescente com pTDC na escola.
É necessário demonstrar que, quando os professores encontravam dificuldades, procuravam auxílio, entretanto, muitas vezes, isso resultava em abstenção, delegando responsabilidades e decisões à coordenação pedagógica e aos familiares dos adolescentes. Isso nos permitiu refletir sobre a importância da comunicação entre essas três esferas (coordenação pedagógica, professores e famílias) na busca de melhorias que beneficiem e ajudem não só os alunos com transtornos motores, mas todos aqueles com dificuldades escolares, independentemente da causa.
Notamos que as percepções dos docentes acerca do desempenho de adolescentes com pTDC em tarefas de Matemática indicaram alunos com dificuldades em operações básicas, interpretação de resolução de problemas e baixo desempenho escolar. Diante do desconhecido, os professores, por unanimidade, eximiram-se da responsabilidade pelas dificuldades dos adolescentes, atribuindo-as à família e aos próprios alunos, mas não à condição de pTDC.
Em relação ao desempenho dos adolescentes com pTDC em tarefas de Língua Portuguesa, verificamos, na fala de todos os professores, a dificuldade que os alunos apresentavam para copiar conteúdo do quadro-negro e ler, o que foi atribuído à preguiça, ao desinteresse e à desorganização destes, bem como à falta de envolvimento dos responsáveis com a vida escolar das crianças.
Quanto ao desempenho em tarefas motoras de adolescentes com pTDC, com base nos depoimentos dos docentes, entendemos o constante relato de autoexclusão, da parte dos alunos, descrita pelos professores de Educação Física como apenas falta de interesse pela disciplina e pela prática de esportes.
Conclusão
Concluímos que os professores conseguem perceber as diversas ações, reações, atitudes e comportamentos dos adolescentes com pTDC, no entanto, o desconhecimento do TDC e dos fatores a ele relacionados parecem dificultar a tomada de decisão e a implementação de ações interventivas que sejam efetivas para auxiliá-los em suas necessidades cognitivas, afetivas, sociais e motoras.
O desconhecimento sobre o TDC mostra a diferença de papéis que os domínios do comportamento humano ocupam no contexto escolar, em especial o motor e o cognitivo. Enquanto o primeiro é negligenciado, o segundo é superdimensionado, o que evidencia a “ignorância” sobre a interdependência entre esses domínios, necessária para um bom desempenho escolar.
Por outro lado, conhecer o fenômeno e os aspectos que o cercam é insuficiente para os docentes. É fundamental que haja uma combinação de ações envolvendo os atores escolares, a formação de redes de apoio e a participação ativa da família. Como o domínio motor é desvalorizado no contexto escolar, os transtornos motores são ignorados, assumidos como um problema menor, e essa situação pode causar sérias complicações afetivas e sociais a partir da adolescência.
Até que a EI chegue a esses adolescentes, eles continuarão a enfrentar as altas demandas provenientes dos diferentes ambientes que frequentam com seus recursos pessoais limitados, o que alimenta seus sentimentos de fracasso e aumenta o número daqueles que abandonam o ambiente escolar.
Este estudo nos proporcionou, também, refletir acerca da importância da inserção dessa temática (TDC), e de outras mais, na formação inicial de docentes, possivelmente com uma abordagem mais intensa e transversal; outrossim, acreditamos no benefício da formação continuada, com a promoção de cursos de capacitação, de aperfeiçoamento, de especialização etc.