No último quarto de século, a educação superior brasileira apresentou uma grande expansão, saindo de aproximadamente 1,5 milhão de matrículas para mais de 8 milhões (Ministério da Educação, 2019). Essa ampliação está transformando os indicadores de atendimento. No período 2000-2018, a parcela de jovens de 18 a 24 anos frequentando algum curso de graduação - taxa líquida - no país avançou de 7,4% (Corbucci, 2014) para 21,8% (Todos pela Educação, 2019a). Mais recentemente, em função de um conjunto de programas de democratização do acesso, como reserva de vagas nas instituições estatais federais (cotas) e de financiamentos não reembolsáveis do Programa Universidade para Todos (Prouni) e reembolsáveis do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) nas instituições privadas, o acesso de grupos de menor nível socioeconômico também apresentou avanço. Em 2002, nenhum estudante de graduação fazia parte dos 20% mais pobres da população, e somente 4% integravam o grupo dos 40% mais pobres. Em 2015, aproximadamente 15% dos estudantes do ensino superior estavam no grupo dos 40% mais pobres (Banco Mundial, 2017).
A expansão na educação superior brasileira ocorreu por meio tanto das instituições estatais como das privadas, sendo mais significativa as últimas, especialmente aquelas com fins lucrativos. Tal tendência pode ser observada pela participação das instituições privadas nas matrículas: cresceram de 58% em 1995, para 75% em 2018 (Ministério da Educação, 2019). As diferenças qualitativas entre as instituições de educação superior estatais e privadas vão noutro sentido. As primeiras congregam, por exemplo, mais professores com título de doutor e são responsáveis por quase a totalidade da produção científica do país, enquanto as segundas, excetuando-se o reduzido grupo das sem fins lucrativos, raramente desenvolvem pesquisas. Nos anos mais recentes, a expansão nas instituições privadas tem se sustentado na modalidade educação a distância (EaD). Em 2005, menos de 2% das matrículas desta categoria administrativa eram em cursos a distância; pouco mais de dez anos depois, em 2018, tal modalidade representava 30% das matrículas. Atualmente, as instituições não estatais possuem mais de 90% dos estudantes da EaD do sistema. Entre 2015 e 2018, o ingresso de alunos dobrou na modalidade a distância, passando de menos de 700 mil para aproximadamente 1,4 milhão, enquanto no ensino presencial tal número regrediu de 2,2 milhões para 2,1 milhões. Em 2018, o volume de vagas oferecidas nessa modalidade superou, pela primeira vez, o número registrado em cursos presenciais - 7,2 milhões ante 6,4 milhões (Ministério da Educação, 2019).
Não obstante, situações de ampliação quantitativa de acesso tenderem a gerar implicações qualitativas. Contextos que envolvam a expansão da modalidade a distância maximizam tal relação, visto que a variabilidade de tempo e espaço complexifica o processo de ensino-aprendizagem. No caso do crescimento do acesso à modalidade EaD no Brasil, ainda existe um agravante, porque os estudantes dessa modalidade, em geral, apresentam menor nível socioeconômico do que os da modalidade presencial. Na média, eles frequentaram mais escola pública no ensino médio - 80% x 60% -, fazem cursos com menor percepção de status pela sociedade (por exemplo, licenciaturas) e pagam mensalidades menores - a mensalidade média de um curso de bacharelado a distância é quase um terço de um presencial (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo [Semesp], 2019). Essa soma de fatores de expansão de modalidade de ensino com perfil específico de estudantes pode estar oportunizando, para grupos de menor nível socioeconômico, acesso de qualidade inferior. Assim, avaliar a qualidade da EaD torna-se fundamental no contexto de análise do sistema em termos de equidade.
Nesse sentido, considerando que há mais de meio século estudos têm demonstrado que o desempenho em exames é significativamente influenciado pelos contextos socioeconômico e cultural dos estudantes, o presente trabalho, por meio de dedução lógica das pesquisas de eficácia escolar e dos dados empíricos do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), busca analisar a diferença de possibilidades de aprendizagem e também de qualidade - entendida como performance em provas -, entre as modalidades presencial e a distância na educação superior brasileira.
O background e o efeito curso
No âmbito da educação superior, tem-se como quase consenso que o conceito de qualidade em educação superior é polissêmico. Como as literaturas nacional e internacional demonstram, tal termo tem sido referenciado e utilizado, até de forma indiscriminada, para justificar muitas coisas: reformas curriculares, projetos de pesquisa, conferências e congresso científicos, etc. Segundo Orden Hoz et al. (1997, p. 2), “todas estas atividades e outras muitas se colocam sob o manto da qualidade, porque obviamente ninguém pode objetar à qualidade como objetivo de um projeto, de uma instituição ou de um programa”. Há quase três décadas, Vroeijenstijn (1991) já afirmava que “é uma perda de tempo tentar definir qualidade”, visto que diferentes stakeholders têm diferentes prioridades e expectativas em relação à educação superior. As diferentes propostas de classificação publicadas no início da década de 1990 (Harvey & Green, 1993), bem como termos mais recentemente empregados para identificar propriedades, tais como eficiência, empregabilidade, diferenciação, relevância, pertinência, equidade, etc. (Bertolin, 2009), ou responsabilidade social - por meio da avaliação de cursos de graduação (Ministério da Educação, 2004), evidenciam uma trajetória e tendência de continuidade de grande variabilidade de compreensões sobre qualidade em educação superior.
Apesar de tal polissemia, mais recentemente a aplicação de exames em larga escala tem se tornado um elemento de destaque no estabelecimento da percepção de governos e sociedades sobre o valor qualitativo em diferentes níveis educacionais - por exemplo, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Exame Nacional de Desempenho do Ensino Superior (Enade), etc. Nesse contexto, o entendimento de qualidade em educação superior está relacionado à capacidade de um curso “pretensamente” viabilizar a aprendizagem dos graduandos, o que pode ser demonstrado por meio do seu desempenho dos mesmos em provas. Assim, um grupo de estudantes com performance acima da média numa avaliação de aprendizagem aplicada ao universo dos discentes de uma determinada carreira/profissão denotaria a certificação da qualidade do seu curso, como ocorre, por exemplo, com os resultados do Enade. Esse critério ou entendimento de qualidade na educação, além de ser passível de questionamento, pode gerar metodologicamente quimeras (Bertolin & Marcon, 2014), visto que, desde meados da segunda metade do século passado, estudos e pesquisas têm demonstrado que atributos e características da escola ou de curso de graduação não são os únicos fatores condicionantes do desempenho dos estudantes em exames.
Publicado em 1966, o Coleman Study transformou-se num marco da pesquisa sociológica, derrubando mitos e alterando o curso da pesquisa sobre fatores condicionantes da educação. Redigido com base em uma grande pesquisa survey, realizada com aproximadamente 640 mil alunos e quatro mil escolas, tal relatório foi encomendado por exigência da Lei dos Direitos Civis, que pressupunha significativa desigualdade qualitativa entre as escolas de negros e brancos e entre as escolas do Norte e do Sul dos Estados Unidos. Na época, acreditava-se que os insumos das escolas (equipamentos e outras condições de funcionamento) eram os principais fatores condicionantes da aprendizagem e desempenho dos estudantes. Entretanto, os resultados divulgados da pesquisa surpreenderam, visto que demonstraram que outra variável era mais importante: o background, ou seja, o “acúmulo” auferido pelos estudantes em função de seus contextos familiar, social, econômico e cultural (Coleman et al., 1966).
No mesmo sentido, outros estudos sobre a relação background e desempenho foram realizados na Europa, como, por exemplo, The Plowden Report, elaborado em 1967 pelo Central Advisory Council for Education da Inglaterra. Tal relatório também evidenciou que a escola tem um impacto menor na explicação do desempenho dos estudantes comparativamente às condições socioeconômicas. Os resultados apresentados após levantamento realizado junto a mais de cem escolas de ensino fundamental da Inglaterra indicaram que a porcentagem da variação de desempenho que podia ser explicada pelas condições do background dos estudantes era de quase 50%, enquanto os fatores que descreviam as condições das escolas explicavam pouco menos de 20% (Department of Education and Science, 1967).
Nesse mesmo período, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, ao propor um novo modo de interpretação da escola e da educação, definiu o conceito de “capital cultural” com base em evidências da forte relação entre a origem socioeconômica e cultural dos estudantes e desempenho escolar. Tomando por referência a frustração dos jovens de classe média e dos meios populares de falsas promessas dos sistemas de ensino, bem como pesquisas quantitativas como Coleman Study e The Plowden Report, Bourdieu argumentou que existem importantes elementos constitutivos do acúmulo cultural que é transmitido por meio da educação informal, especialmente no espaço familiar. Assim, afirma o autor, há um
. . . sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito. (Bourdieu, 1966, p. 326)
Esses estudos pioneiros subsidiaram discussões sociológicas amplas sobre o efeito do meio social nos percursos escolares, bem como fomentaram investigações sobre eficácia escolar que trataram os fatores associados ao desempenho dos estudantes com base em dois principais grupos: efeito escola e background. A discussão central relaciona-se ao poder de impacto de cada grupo e dos respectivos fatores condicionantes da performance. O efeito escola esteve quase sempre associado aos atributos do ambiente escolar, tais como infraestrutura física, recursos e ferramentas educacionais, projeto pedagógico, gestão e corpo docente. O background, por sua vez, incluiu, fundamentalmente, os contextos familiar, social e econômico dos estudantes, o que também pode ser entendido como condicionante do seu capital cultural.
Desde aquele período, quando uma interpretação um tanto radical dos estudos Coleman e Plowden se estabeleceu, visto que foram interpretados como “a escola não faz diferença”, até os dias atuais, muitas outras linhas de investigação e interpretação foram desenvolvidas, com importantes contribuições e avanços observados em diferentes países. Nessa trajetória, um conjunto significativo de estudos buscou demonstrar que, de alguma forma, a escola pode influenciar no desempenho (Summers, 1981; Mortimore, 1997) e que existem características que podem tornar uma escola mais eficaz (Macgilchrist et al., 2004). Atualmente, a opinião de que a escola não importa está praticamente ultrapassada, e existe uma ideia generalizada, em nível internacional, de que, apesar de o background ser um importante fator condicionante, a escola “pode fazer a diferença” (Sammons et al., 1995), impactar positivamente o desenvolvimento dos estudantes e “agregar valor”, sendo, por conseguinte, um importante desafio das políticas educativas melhorar de forma generalizada todas as escolas (Reynolds et al., 2002).
No âmbito da educação superior, embora em menor frequência do que no nível básico, também existem trabalhos que abordam a relação entre background e desempenho dos graduandos (Park & Kerr, 1990; Anderson et al., 1994; Smith & Naylor, 2001), bem como a relação entre aspectos dos cursos de graduação e seus atributos, tais como formação docente e qualidade de ensino, e a performance dos estudantes (Beekhoven et al., 2003). Nos Estados Unidos, por exemplo, o desempenho dos graduandos e seus condicionantes vêm sendo analisados por meio do Grade Point Average (GPA) (Betts & Morell, 1999; Cohn et al., 2004). Em geral, esses estudos coadunam as pesquisas da educação básica, ou seja, indicam que o background é relevante fator condicionante do desempenho, mas aspectos e atributos dos cursos também podem influenciar nos resultados.
No Brasil, com a construção da base de dados sobre avaliação de larga escala do Enade - provavelmente uma das maiores do mundo com informações que relacionam notas em exames, características dos cursos e nível socioeconômico e cultural dos estudantes -, trabalhos sobre fatores condicionantes do desempenho de graduandos começaram a surgir nos últimos tempos. As análises estatísticas das notas nas diversas edições do Enade têm demonstrado, sob distintas perspectivas, que os estudantes provenientes de contextos socioeconômicos mais elevados tendem a obter melhor desempenho, independentemente de áreas do conhecimento e da categoria administrativa da instituição. Quase como regra, a média geral dos concluintes aumenta à medida que a renda mensal da família seja maior, conforme o grau de escolaridade da mãe do concluinte se qualifique e à proporção que a cor da pele do aluno seja mais clara (Bertolin & Marcon, 2014).
Porém, de forma semelhante ao percurso das pesquisas da educação básica, estudos mais recentes demonstram que alguns cursos que participaram do Enade podem “fazer a diferença”. Bertolin et al. (2019), por exemplo, ao avaliarem possibilidades de ampliar a equidade na educação superior brasileira, demonstraram que um conjunto de cursos que atenderam preponderantemente a estudantes de menor nível socioeconômico conseguiu compensar defasagens de capital cultural e de background. Os resultados encontrados permitiram argumentar em favor de que cursos específicos podem proporcionar uma aprendizagem e um desempenho para além do esperado para a média dos cursos com mesmo perfil de estudantes com menor nível socioeconômico.
Assim, a partir das literaturas nacional e internacional sobre eficácia escolar, que apresentam o background como um importante condicionante (não determinante) da aprendizagem e do desempenho, pode-se inferir que a aproximação da ideia de qualidade como efeito escola (na educação básica) ou efeito curso (na educação superior) requer a desagregação da performance por grupos de níveis socioeconômicos e culturais de estudantes. Ao se considerarem apenas dois fatores que influenciem o resultado num exame, quando se consegue mitigar a influência de um deles (ex: o background), é, por óbvio, o outro fator (por exemplo, atributos do curso) o potencial causador da diferença de desempenho. Tal desagregação possibilita, então, atenuar o importante impacto do capital cultural nas notas e, por conseguinte, viabiliza a realização de comparações “qualitativas” entre diferentes cursos de instituições ou grupos da educação superior. Nesse sentido, no caso da comparação de desempenho entre diferentes modalidades de ensino no Enade, por exemplo, para se realizar uma avaliação mais justa, é fundamental analisar a performance dos estudantes dos cursos EaD e presencial que estão nas mesmas faixas de nível socioeconômico e cultural.
O questionamento da qualidade da EaD
A expansão de cursos a distância na educação superior é um fenômeno mundial que tem impactado os sistemas educacionais de várias formas. Países tão distantes e distintos como Estados Unidos, África do Sul e Austrália, por exemplo, apresentaram aumentos significativos de matrículas nessa modalidade (Bolton et al., 2019; Department of Education, 2010; Ziguras, 2018) que, apesar de não ser novidade, ganhou impulso na última virada de século com as novas tecnologias digitais de informação e comunicação. Além de ser explorada como uma oportunidade de negócio nos (quase-)mercados da educação superior, a educação a distância também pode representar uma importante alternativa de ampliação no acesso. Há quase 20 anos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (2002, p. 3, tradução nossa)1 já destacava que “a globalização da educação à distância oferece muitas oportunidades para os países em desenvolvimento alcançarem seus objetivos nos sistemas de educação”. Porém, a questão da ampliação quantitativa implica, na grande maioria das vezes, restrições qualitativas.
Um entendimento plausível de educação a distância relaciona-se ao processo educacional no qual os estudantes e os professores não estão numa mesma sala de aula, encontram-se a alguma distância e podem ou não se comunicar em “tempo real”, sendo que a mediação didático-pedagógica ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação. Por óbvio, tal variação de espaço e tempo pode complexificar o sempre desafiador processo de ensino e aprendizagem (Dean Nielsen, 1997). Nesse sentido, muitos estudos e trabalhos têm refletido e problematizado a questão da qualidade no âmbito da modalidade a distância. Os resultados, porém, nem sempre têm convergido.
Por exemplo, se, por um lado, levantamento realizado em 2012 indicou que quase 70% dos gestores acadêmicos acreditavam que a EaD gera resultados de aprendizagem semelhantes aos da modalidade presencial (Bolton et al., 2019); por outro, o estudo de Allen e Seaman (2013) demonstrou que apenas um terço dos professores reconheciam o valor e a legitimidade da modalidade a distância. Sob a perspectiva dos estudantes, enquanto uma metanálise apontou para a existência de preferência pelo modelo presencial (Allen et al., 2002), outra investigação, que aplicou três instrumentos a estudantes de dois cursos equivalentes, sendo um EaD e outro presencial, não encontrou diferenças significativas entre as preferências de estilo de aprendizagem. Os resultados sugeriram que estudantes podem aprender de forma semelhante em qualquer das modalidades, desde que o curso seja desenvolvido com base em teoria da aprendizagem de adultos (Aragon et al., 2002).
No Brasil, estudos comparativos entre as modalidades EaD e presencial começaram a surgir nos últimos anos, mas também sem univocidade nos resultados apresentados. Em favor da modalidade EaD, por exemplo, trabalho publicado por Figueiredo et al. (2017) sustentou que estatísticas aplicadas às bases de dados do Enade demostram que os cursos de graduação oferecidos na modalidade a distância estão sendo avaliados, na sua maioria, como melhores ou iguais aos mesmos cursos ofertados na modalidade presencial. Reforçam-se, assim, argumentos na direção de não haver diferenciação entre os cursos em função da modalidade de ensino. Em outro sentido, artigo de Bielschowsky (2018) sustentou que, em 2016, cinco instituições que eram responsáveis por 58% das matrículas EaD ofertavam cursos com conceito abaixo de 1,5 em edições do Enade. Tal análise permite argumentar que a maioria dos alunos de EaD estava frequentando cursos mal avaliados segundo critérios do próprio exame nacional de estudantes. O estudo também revelou que os cursos presenciais dessas mesmas instituições, de maneira geral, mostravam resultados superiores àqueles obtidos em seus cursos a distância, sugerindo que, na melhor das hipóteses, o tratamento entre as duas modalidades não seria equivalente.
Em edição mais recente do Enade, de fato, os cursos presencias registraram desempenho superior aos da EaD. Em 2018, por exemplo, quando concluintes especialmente das áreas de ciências sociais aplicadas (por exemplo, bacharelados em Direito e Administração e tecnólogos em Gestão) participaram, ao se considerarem os resultados das instituições públicas e privadas, apenas 2,4% dos cursos da modalidade a distância alcançaram, dentro da escala de 1 a 5, o conceito 5, enquanto na modalidade presencial a pontuação máxima da prova foi obtida por 6,1% dos cursos. Os mesmos dados demostraram que 46% dos cursos a distância obtiveram conceitos insuficientes (1 e 2), e apenas 15% alcançaram os graus mais altos (4 e 5), enquanto no ensino presencial tais proporções foram de 33% e 29%, respectivamente, sugerindo, dessa forma, existirem importantes diferenças de desempenho entre estudantes das distintas modalidades.
O questionamento da qualidade da EaD ganha relevância no Brasil, especialmente, no âmbito da formação docente, visto que a educação básica apresenta desempenho insuficiente nas comparações internacionais, e o curso de Pedagogia apresenta a maior quantidade de matrículas a distância.2 A necessidade de relações mais diretas com escolas, crianças e adolescentes, como recomendado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), gestores e educadores, e o acompanhamento de estágios são argumentos fortes em prol da formação presencial de docentes (Gatti et al., 2019). Segundo Claudia Costin (2019, p. 1), ex-diretora de educação do Banco Mundial,
Um professor precisa cada vez mais saber atuar em atividades que demandam constantes interações com alunos, por meio de metodologias ativas e ativação cognitiva, num processo que . . . requer pensamento de ordem mais elevada e resolução colaborativa de problemas. Ora, as competências para esse trabalho dificilmente podem ser desenvolvidas em um curso a distância. Seria o mesmo que esperar que um médico aprendesse a operar pacientes em cursos puramente teóricos e online. Muitos dos cursos oferecidos o são por instituições privadas que não produzem pesquisas e contam com currículos dissociados da realidade da escola.
Existe literatura internacional que ratifica tal reflexão, visto que relaciona o êxito nos estudos à necessidade de atributos psicológicos individuais, tais como atitude positiva e crenças, autodisciplina, motivação e confiança, bem como de domínio interpessoal referente à gama de aspectos sociais, psicológicos e sociológicos da interação social que precisam ser negociados e dominados no autodesenvolvimento. Estes incluem habilidades de comunicação, relações interpessoais, questões culturais e de diversidade, relações de poder, assertividade, reflexão crítica e autoconhecimento derivados da interação (Subotzky & Prinsloo, 2011).
As dúvidas sobre a EaD ser capaz de proporcionar uma aprendizagem adequada são de tal ordem que alguns países estão estabelecendo limites regulatórios para a modalidade a distância. Existem casos de governos, como, por exemplo, da China, Índia e Vietnã, que se recusam a admitir diplomas obtidos em instituições estrangeiras sob o argumento de que a modalidade a distância é de qualidade inferior (Ziguras, 2018). No Peru e no México, países com características semelhantes ao contexto brasileiro, a formação inicial dos professores é proibida por meio de cursos de licenciaturas a distância (Todos pela Educação, 2019b). No Brasil, conselhos profissionais começaram a aprovar resoluções que proíbem os estudantes formados na EaD de exercerem a carreira. Nesse sentido, entidades representativas de Arquitetura, Farmácia, Medicina Veterinária e Odontologia argumentaram que atividades práticas são essenciais e que, portanto, não é possível garantir formação de qualidade sem aulas presenciais. Em outubro de 2019, o próprio Ministério Público Federal encaminhou ao Ministério da Educação recomendação para que fossem suspensas autorizações para criar novos cursos a distância na área da saúde (Pinho, 2019), e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou ação solicitando que o Ministério da Educação (MEC) paralisasse a autorização de novos cursos de Direito na modalidade a distância.
Não obstante a abundância de críticas e questionamentos, investigações desenvolvidas sobre a qualidade da EaD construíram conhecimentos com vistas a viabilizar uma melhoria da aprendizagem que identificaram aspectos importantes para a modalidade, como, por exemplo, a influência do perfil dos estudantes. Nesse sentido, a máxima de que o estudante é o centro do processo educativo também vale para a modalidade EaD. De acordo com Simonson et al. (2019), geralmente, no contexto da educação a distância, a ênfase volta-se para a tecnologia, enquanto os estudantes são considerados somente após a organização do hardware, do conteúdo e do plano de ensino. Porém o estudante é o elemento central do sistema EaD. Logo, ele precisa ser considerado no início do planejamento e da implementação. Para os autores, conhecer bem os estudantes pode auxiliar o professor na superação da sensação de separação entre educador e educando e viabilizar uma experiência de aprendizagem mais positiva.
Nesse sentido, diversos estudos ratificam que o capital cultural, o habitus e características comportamentais dos estudantes constituem aspectos a serem considerados para um melhor desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem na modalidade a distância (Subotzky & Prinsloo, 2011; Lephalala & Makoe, 2012). Entretanto, são raros os trabalhos, até mesmo na literatura internacional, que, em esforços de comparação entre as modalidades EaD e presencial, levam em conta o perfil dos estudantes. No Brasil, apesar de o Enade conter uma ampla gama de informações sobre aspectos socioeconômicos e culturais dos participantes, também são raras as publicações que se baseiam na literatura da eficácia escolar - que indica como condição sine qua non a desagregação por nível socioeconômico - para avaliar e comparar as possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem entre as diferentes modalidades.
Uma rara exceção é a comparação realizada pela organização Todos pela Educação, intitulada Formação inicial de professores no Brasil, publicada em agosto de 2019, que, ao utilizar metodologia que limita o efeito do perfil dos estudantes, estimou a diferença entre as modalidades e indicou que o graduando em EaD tem maior probabilidade de estar entre o grupo com pior desempenho no Enade - 30,2%, contra 21,6% do presencial (Todos pela Educação, 2019b). Entretanto, tal estudo limita-se aos cursos de licenciaturas. Dessa forma, a seguir, considerando a evidente necessidade de desenvolvimento de mais estudos sobre a questão da qualidade da modalidade a distância, apresenta-se um estudo comparativo de desempenho entre estudantes EaD e presencial no Enade, tendo como critérios de análise subgrupos com diferentes perfis de backgrounds dos estudantes.
A comparação entre EaD e presencial por background
Desde 1996, com o Exame Nacional de Cursos (ENC), conhecido também como Provão, os estudantes concluintes de graduações no Brasil são avaliados por meio de testes padronizados aplicados em escala nacional. Em 2004, com a implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), o ENC foi substituído pelo Enade. Inicialmente, com vistas a apreender o “valor agregado” durante o curso, de forma inédita, tanto estudantes ingressantes como concluintes participavam do Enade. A partir de 2011, entretanto, o desempenho dos ingressantes passou a ser inferido pelo Enem. O Enade é um instrumento dividido em dois componentes: componente específico, com questões que abordam o conteúdo de cada carreira/profissão, representando 75% da nota final do estudante na prova, e formação geral, que engloba conhecimentos gerais e temas exteriores ao âmbito específico da profissão a ser exercida pelo graduando, cujas questões equivalem a 25% da nota do exame.
Além da prova, o Enade também é composto por questionários para estudantes e coordenadores de curso responderem. O questionário dos estudantes contém questões diversas sobre a sua condição socioeconômica e cultural e sobre as impressões qualitativas dos cursos frequentados. Aspectos relativos a cor da pele, condições de vida, renda familiar, condições de estudo, a educação básica cursada e o nível de formação dos pais são abordados, juntamente com outros aspectos, em mais de 60 questões. As análises das respostas registradas pelos estudantes no questionário socioeconômico permitem inferir o seu background e o capital cultural.
O uso do Enade para comparar o desempenho de diferentes grupos de estudantes requer, além da desagregação por background, distinção entre as notas dos componentes formação geral e específico. Tal necessidade deve-se ao fato de que a nota da formação geral pode informar mais sobre o background e o capital cultural do estudante do que sobre a aprendizagem proporcionada pelo curso, visto que conhecimentos gerais tendem a ser adquiridos também em ambientes não acadêmicos. Assim, a nota mais adequada do Enade para realizar comparações que procuram apreender a capacidade de um curso em proporcionar aprendizagem para os estudantes é aquela atribuída ao componente específico. Por conseguinte, faz-se necessário que as comparações ocorram exclusivamente no escopo dos participantes dos cursos de uma mesma carreira/profissão,3 uma vez que as diversas provas do Enade de componente específico apresentam diferentes níveis de dificuldades, tornando incomparáveis desempenhos entre cursos de distintas áreas.
Assim, com o objetivo de comparar a aprendizagem proporcionada pelas modalidades a distância e presencial, num primeiro momento, realizou-se a seleção de todos os participantes do Enade - independentemente de modalidade (identificados nos microdados na variável tp_pres com o valor 555) - pertencentes a cursos de carreiras/profissões com a maior quantidade de concluintes na modalidade EaD, em cada uma das edições do ciclo 2015-2016-2017, quais sejam: concluintes de Administração (variável co_grupo=1), em 2015, com quase 123 mil participantes - 99 mil presenciais e 24 mil EaD -; concluintes de Serviço Social (variável co_grupo=38), em 2016, com quase 28 mil participantes - 15 mil presenciais e 13 mil EaD -; e concluintes de Pedagogia (variável co_grupo=2001), em 2017, com aproximadamente 114 mil participantes - 56 mil presenciais e 58 mil EaD. Na sequência, como indicador para avaliação da diferença de desempenho, foram calculadas, para cada uma das três carreiras/profissões selecionadas como amostra, as médias da nota bruta no componente específico (variável nt_ce, que varia de 0,0 a 100,0) obtidas pelos estudantes concluintes no exame exclusivamente dos cursos das instituições privadas,4 desagregadas, primeiro, por modalidades de ensino (variável co_modalidade, sendo 0=EaD e 1=presencial) e, segundo, por subgrupos considerados de maior e menor nível de background:5 cor da pele (variável QE_I2) - brancos e negros/pardos -; renda total da família (variável QE_I8) - mais de 4,5 salários mínimos e menos de 3 salários mínimos -; escolaridade da mãe (variável QE_I5) - graduação/pós-graduação e nenhuma formação -; rede escolar frequentada no ensino médio (variável QE_I17) - particular e pública -; e situação de trabalho (variável QE_I10) - apenas estudando e estudando/trabalhando.
Tal desagregação por modalidade de ensino e background dos cálculos das médias obtidas pelos estudantes no componente específico possibilitou observar que o desempenho dos concluintes da modalidade presencial foi significativamente6 superior ao dos concluintes da modalidade a distância, nos três cursos analisados. No curso de Serviço Social, por exemplo, nas dez comparações realizadas (Tabela 1), tanto nas cinco entre subgrupos de background alto (cor da pele branca, renda familiar maior que 4,5 salários mínimos, mãe com escolaridade em nível de educação superior ou pós-graduação, ensino médio frequentado na rede particular e apenas estudando) quanto nas cinco entre subgrupos de background baixo (cor da pele negra ou parda, renda familiar inferior a 3 salários mínimos, mãe sem nenhuma escolaridade, ensino médio frequentado na rede pública e estudando e trabalhando ao mesmo tempo), os resultados evidenciaram médias mais altas nas notas do componente específico de estudantes que frequentaram cursos na modalidade presencial em relação àqueles que cursaram EaD. Em média, os subgrupos de background da modalidade presencial apresentaram desempenho 10,0 pontos superior entre os concluintes dos cursos de Serviço Social.
COR DA PELE | |||
---|---|---|---|
(1) Branco | (2) Negro/Pardo | ||
Presencial | EaD | Presencial | EaD |
49,5 | 39,6 | 48,3 | 38,1 |
RENDA FAMILIAR | |||
(3) 4,5 SM* ou mais | (4) 3 SM ou menos | ||
Presencial | EaD | Presencial | EaD |
50,9 | 42,4 | 47,1 | 36,6 |
ESCOLARIDADE DA MÃE | |||
(5) Educação superior/pós-graduação | (6) Nenhuma | ||
Presencial | EaD | Presencial | EaD |
49,5 | 38,2 | 44,8 | 36,6 |
ESCOLA ENSINO MÉDIO | |||
(7) Privada | (8) Pública | ||
Presencial | EaD | Presencial | EaD |
50,8 | 40,6 | 47,9 | 37,8 |
CONDIÇÃO DE TRABALHO | |||
(9) Só estuda | (10) Estuda e trabalha | ||
Presencial | EaD | Presencial | EaD |
48,3 | 37,0 | 48,3 | 38,7 |
Fonte: Elaboração do autor, com base em Microdados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (Ministério da Educação, 2019).
* SM: salário mínimo.
Nos casos dos cursos de Administração e Pedagogia, a superioridade de desempenho dos estudantes da modalidade presencial também ocorre. Porém, as diferenças das médias entre as modalidades de ensino nos subgrupos de background são inferiores às observadas no curso de Serviço Social. Os concluintes de Administração apresentaram desempenho 5,1 pontos superior aos da modalidade a distância, e os dos cursos de Pedagogia, 3,7 pontos superior. Não obstante, em ambos os casos, em todas as dez comparações realizadas para cada conjunto de cursos, os estudantes de ensino presencial obtiveram médias no componente específico do exame superiores às médias dos que frequentaram cursos EaD. Apenas numa comparação do curso de Pedagogia a diferença de performance entre os estudantes das diferentes modalidades não apresentou significância estatística, apesar de, ainda assim, em termos de valor absoluto ser superior. Trata-se da comparação do subgrupo que frequentou rede escolar privada no ensino médio, considerado de background alto. Nesse subgrupo, os concluintes de Pedagogia da modalidade presencial ficaram com média 46,5, e os da modalidade EaD, com 46,0. Não obstante, considerando as 30 comparações realizadas no conjunto das três carreiras/profissões de cursos analisadas, em 29 casos a performance dos estudantes da modalidade presencial foi significativamente superior à dos estudantes da EaD.
Para além da diferença significativa entre as modalidades dentro dos subgrupos de background encontrada no estudo, os dados revelaram outra condição de diferença de desempenho importante. Como demonstrado anteriormente, a performance dos estudantes tende a estar correlacionada de forma mais visível ao background do que a outros fatores condicionantes. No caso das comparações realizadas, entretanto, o fator modalidade de ensino se revelou forte o suficiente para superar o capital cultural. A análise dos dados demonstrou que, não raro, estudantes com menor nível socioeconômico que frequentam a modalidade presencial conseguem obter melhores notas no componente específico do que aqueles com maior nível socioeconômico que estudaram na modalidade EaD (Tabela 2).
Subgrupo de background / modalidade de ensino | CURSOS | ||
---|---|---|---|
Administração | Serviço Social | Pedagogia | |
Negros e pardos / presencial | 36,8 | 48,3 | 41,2 |
Brancos / EaD | 33,7 | 39,6 | 39,7 |
3 SM ou menos / presencial | 35,9 | 47,1 | 41,3 |
4,5 SM ou mais / EaD | 35,6 | 42,4 | 46,3 |
Mãe sem estudo / presencial | 35,1 | 44,8 | 38,9 |
Mãe com educação superior/ EaD | 34,7 | 38,2 | 41,4 |
Escola pública / presencial | 37,3 | 47,9 | 42,3 |
Escola privada / EaD | 36,8 | 40,6 | 46,0 |
Estuda e trabalha / presencial | 38,0 | 48,3 | 43,0 |
Só estuda / EaD | 32,0 | 37,0 | 37,0 |
Fonte: Elaboração do autor, com base em microdados do Inep (Ministério da Educação, 2019).
Especialmente nos contextos dos cursos de Administração e Serviço Social, em todos os aspectos socioeconômicos considerados - cor da pele, renda familiar, escolaridade da mãe e rede em que frequentou o ensino médio e situação de trabalho -, constatou-se superioridade da influência da modalidade de ensino, ou seja, nesses casos estudantes com background inferior do ensino presencial superaram aqueles com background superior da modalidade EaD. Essa improvável possibilidade de estudantes de menor nível socioeconômico obterem melhor desempenho também foi observada nos cursos de Pedagogia, porém, não em todos os aspectos analisados.
Dessa forma, considerando as teorias que destacam a importância do background e do capital cultural no desempenho de estudantes em exames, bem como as comparações realizadas neste trabalho e no estudo da organização Todos pela Educação entre as modalidades presencial e EaD no Enade, que indicaram um desempenho superior dos estudantes que frequentaram ensino presencial, independentemente de nível socioeconômico, torna-se plausível argumentar em favor da premissa de que a modalidade presencial tende a possibilitar melhores condições de aprendizagem.
Conclusão
O Brasil é um dos países social e economicamente mais desiguais do mundo. Para contribuir para a superação desse cenário adverso e injusto, os sistemas educacionais, para além de proporcionar acesso e ensino de qualidade para todos, precisariam ser capazes de compensar as perdas decorrentes das diferenças de origem familiar e cultural dos estudantes. Porém, o que se observa, na maioria das vezes, é exatamente o contrário. Na educação básica, famílias ricas matriculam suas crianças e seus jovens nas melhores escolas, que são privadas, enquanto as crianças e os jovens pertencentes a contextos de pobreza estudam em escolas públicas, que, frequentemente, possuem importantes deficiências. Na educação superior, a qualidade troca de lugar; por isso, para os ingressantes com melhores condições socioeconômicas, são as universidades federais estatais o destino provável, e, para muitos jovens de “meios populares”, a alternativa praticamente se restringe a instituições privadas com fins de lucro, com limitações acadêmicas. A iniquidade tem sido, assim, uma característica dos sistemas educacionais brasileiros.
Não obstante a emergência de políticas de ações afirmativas, como cotas e Prouni, a educação superior brasileira ainda está longe de uma condição de democratização adequada. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2017), em 2014, apenas 5% dos filhos de pais sem instrução conseguiam concluir um curso de nível superior. Já entre os filhos de pais graduados, 70% alcançavam um diploma de graduação. Nesse sentido, estudo recente demonstrou que a educação superior brasileira tem apresentado limitações para gerar mobilidade social (Mccowan & Bertolin, 2020). Logo, qualquer mudança deveria vir de encontro a essa realidade de reprodução da desigualdade. A significativa expansão da educação superior que vem ocorrendo por meio da modalidade a distância está noutro sentido. Ela está induzindo muitos estudantes com menor nível de background a acessarem cursos de modalidade e em instituições que podem ser classificados como de “segunda classe”.
Os resultados gerados pelo estudo apresentado nesse artigo permitem argumentar em favor da possibilidade de a modalidade a distância apresentar condições inferiores para proporcionar aprendizagem para os estudantes em relação à modalidade presencial. Por meio da necessária desagregação dos estudantes por níveis socioeconômicos numa amostra dos três cursos com maior quantidade de concluintes no ciclo 2015-2016-2017 do Enade - Administração, Serviço Social e Pedagogia -, realizaram-se comparações de desempenho entre as modalidades presencial e EaD que possibilitaram inferências relevantes. Dentro de subgrupos de background equivalentes, estudantes que frequentaram cursos presenciais obtiveram desempenho significativamente superior aos concluintes de cursos de EaD. Nas comparações entre subgrupos de background diferentes, contrastando estudantes presenciais de menor nível socioeconômico com estudantes a distância de maior nível socioeconômico, a performance dos primeiros foi além do esperado, visto que o fator modalidade superou, na maioria dos casos, o fator background. Dessa forma, pode-se dizer que existe diferença de qualidade - quando essa é entendida como sinônimo de desempenho em exames - entre as modalidades presencial e EaD na educação superior brasileira.
Ao considerar que o perfil dos estudantes da modalidade EaD é de menor nível socioeconômico, completa-se o quadro de reprodução da desigualdade social presente no bojo do processo de expansão privada da modalidade EaD. Especialmente nos cursos de formação inicial de professores (licenciaturas), a expansão da EaD é preocupante. O fato de aqueles que cuidarão da formação básica e estruturante das futuras gerações receberem formação inicial em cursos de menor qualidade é um evidente disparate. Nesse sentido, está se estabelecendo um círculo vicioso, visto que crianças originárias de contextos de dificuldade e carências terão como mestres aqueles que não receberam a melhor formação docente.
Portanto, não obstante o reconhecimento de que a EaD pode ser importante para a ampliação do acesso em locais específicos, as evidências da existência de dificuldades no processo de ensino-aprendizagem da modalidade a distância não devem ser ignoradas. Afinal, enquanto a maior parcela dos estudantes com trajetórias de vida marcadas por dificuldades e carências, exatamente aqueles que mais precisam da presença do professor, estiver pagando instituições mercantis para aprender longe dele em cursos de qualidade duvidosa, estaremos, como sociedade, reforçando e perpetuando injustiças e, por conseguinte, caminhando na contramão da mobilidade e equidade social.