Nas últimas décadas, a promoção de escolas mais inclusivas tem-se assumido como uma das prioridades dos sistemas educativos, conduzindo a alterações de políticas e de práticas educativas. Destaca-se a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, realizada em 1994, em Salamanca, como impulsionadora de uma escola inclusiva, onde os alunos possam aprender juntos, independentemente das suas características, potencialidades ou limitações. Enfatiza-se, ainda, a relevância da inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais na escola regular para a mudança de atitudes face à diferença, por meio de uma educação para todos, como base para uma sociedade justa e no combate a atitudes discriminatórias (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 1994).
Passados mais de 25 anos da Declaração de Salamanca, regista-se uma mobilização por parte dos países subscritores no sentido de adequar as políticas educativas e as práticas para a promoção de uma escola inclusiva. No contexto educativo português, assinalam-se sucessivas mudanças do ponto de vista legislativo - sendo a mais recente a de 2018, com a publicação do Decreto-Lei n. 54 (2018), relativo ao novo regime jurídico da educação inclusiva -, as quais permitiram criar condições nas escolas para assegurar não só o acesso das crianças e jovens à escola e às salas de aula, independentemente da sua condição, mas também a participação e aprendizagem de todos os alunos. Atualmente, são muito residuais as situações de alunos que não frequentam a escola regular com os seus pares (Alves et al., 2020). Ainda assim, reconhece-se que a educação inclusiva não se esgota em garantir a igualdade no acesso à escola (Juvonen et al., 2019). O movimento educativo de inclusão convoca os professores a criarem no seio das suas turmas um clima positivo, em que todos os alunos desempenham um papel ativo, se sentem aceites e valorizados pelos pares e desenvolvem amizades (Yu et al., 2012).
A participação social dos alunos tem vindo a ser identificada como uma dimensão crítica para o sucesso da educação inclusiva (Avramidis et al., 2018; European Agency for Special Needs and Inclusive Education [Easnie], 2014; Hassani et al., 2021; Organização das Nações Unidas [ONU], 2006), podendo ser vista como um termo genérico para: a aceitação dos alunos pelos pares (e.g., preferência social, rejeição); a presença de contactos e interações positivas com os pares; as relações de amizades com os pares; e a percepção dos alunos de quão bem são aceites (e.g., autopercepção social) (Koster et al., 2009). Essa definição aponta para o papel preponderante dos pares como agentes facilitadores da participação social e, consequentemente, da inclusão dos alunos com deficiência. No entanto, apesar de a inclusão ser hoje uma realidade em muitos países e proporcionar oportunidades de contacto com os pares, verifica-se que a participação social dos alunos com deficiência não ocorre espontaneamente (Alves, 2015; Rademaker et al., 2020).
A literatura tem vindo a mostrar que a participação social dos alunos com deficiência nas escolas é reduzida, comparativamente à dos seus pares com desenvolvimento típico. Os alunos tendem a ser menos aceites e, por isso, têm menos oportunidades para estabelecer interações sociais e relações de amizade com os pares (Avramidis et al., 2018; Hassani et al., 2021).
As atitudes dos pares em relação aos alunos com deficiência são apontadas na literatura como um dos fatores centrais para uma inclusão efetiva, bem como o ponto de partida para a promoção da participação social dos alunos com deficiência (De Boer et al., 2012; Gore, 2015; Omote, 2016; Vignes et al., 2009).
As atitudes podem ser entendidas como um julgamento ou avaliação subjetiva dirigida a um objeto ou sujeito, sendo determinantes no comportamento humano (Eagly & Chaiken, 1993). Trata-se de um construto multidimensional que envolve o que o sujeito pensa (dimensão cognitiva), sente (dimensão afetiva) e como se comporta (dimensão comportamental) perante uma determinada pessoa e/ou problema social (Alves et al., 2021; Eagly & Chaiken, 1993; Triandis, 1971).
As atitudes surgem como suporte ao estabelecimento de interações sociais positivas entre os pares, com ganhos dos pontos de vista académico (e.g., melhor nível de desempenho na compreensão de textos e no desempenho académico) e social (e.g., maior propensão de pertencer a um grupo de amizade, maior independência e competição na procura de emprego) (Dias et al., 2016; Schifter, 2015; Wagner et al., 2005). Além disso, os benefícios podem ser generalizados aos alunos sem deficiência (e.g., maior aceitação face à diversidade, diminuição de sentimentos de preconceito e capacidade de responder às necessidades dos outros) (Grütter et al., 2017; Ruijs & Peetsma, 2009). Em contrapartida, atitudes negativas são consideradas uma das principais barreiras à inclusão dos alunos com deficiência, traduzindo-se em comportamentos de discriminação, os quais favorecem a exclusão social e, em casos extremos, podem levar a situações de bullying, abuso e/ou agressão (De Boer et al., 2012; Hüg et al., 2019).
Reconhecendo a relevância para a inclusão das atitudes em relação aos pares com deficiência, a investigação tem procurado avaliar e identificar fatores que as influenciam. Na generalidade, os estudos realizados com diferentes faixas etárias, em diversos países, incluindo Portugal, apontam para uma atitude positiva face à inclusão de pares com deficiência (Afonso, 2011; Alnahdi, 2019; Alnahdi et al., 2021; Alves, 2015; Amaral, 2009; Bossaert et al., 2011; Gore, 2015; Olaleye et al., 2012; Parada, 2014; Reis et al., 2020; Tirosh et al., 1997; Vignes et al., 2009). Ainda assim, os resultados de um estudo recente (Cevallos et al., 2021) realizado com alunos da educação básica no Equador encontraram uma elevada percentagem de alunos com atitudes negativas em relação aos pares com deficiência, com implicações ao nível do isolamento social desses alunos, particularmente evidente nos espaços de recreio e em atividades de natureza colaborativa. Esse resultado é alinhado com os dados encontrados anteriormente por Schwab (2017), que constatou que os alunos com deficiência são nomeados menos frequentemente para atividades conjuntas, tais como trabalhos colaborativos em projetos da escola.
O tipo de deficiência dos alunos é apontado como um dos fatores que interfere nas atitudes, na medida em que estas tendem a ser mais positivas em relação a pares com deficiências físicas ou sensoriais visíveis comparativamente com outras deficiências, como a intelectual ou perturbação do espectro de autismo (De Laat et al., 2013; Petri, 2018).
A investigação tem permitido identificar uma variabilidade de fatores de naturezas contextual e individual que influenciam as atitudes face à inclusão dos pares com deficiência (Alves, 2015; De Boer et al., 2012; Gonçalves & Lemos, 2014; Vignes et al., 2009). Para o presente estudo, optou-se por analisar variáveis de natureza individual, nomeadamente o sexo e a idade, a experiência de contacto e proximidade com pessoas com deficiência, e variáveis psicológicas, como a empatia, a autoestima e a satisfação global com a vida.
O sexo é uma variável apontada em vários estudos como determinante nas atitudes, com ações mais positivas no sexo feminino (Alnahdi et al., 2021; Alves, 2015; Blackman, 2016; Bossaert et al., 2011; Dias et al., 2016; Gonçalves & Lemos, 2014; Gümüs & Öncel, 2021; Olaleye et al., 2012; Vignes et al., 2009). Apesar dessa tendência, verifica-se alguma incongruência nos resultados dos estudos de análise da influência do sexo nas diferentes dimensões das atitudes (afetiva, cognitiva e comportamental). Blackman (2016) não encontrou diferenças estatisticamente significantes em função do sexo nas componentes afetiva e comportamental. Por sua vez, os resultados do estudo de Alves (2015) mostraram que as adolescentes apresentavam atitudes mais positivas em todas as dimensões, com exceção da afetiva, ao passo que Dias e colaboradores (2016) encontraram atitudes mais positivas das adolescentes em todas as dimensões, com exceção da comportamental. Os resultados de Gonçalves e Lemos (2014) são também dissonantes, ao apontarem pontuações mais elevadas para as adolescentes nas dimensões afetiva e comportamental.
Relativamente à idade, os resultados dos estudos apresentam algumas incongruências, cuja integração é dificultada pela variabilidade de faixas etárias dos participantes dessas análises. Vários trabalhos reportaram a ausência de associações entre a idade e as atitudes dos pares em relação aos alunos com deficiência (Blackman, 2016; Bossaert et al., 2011; Santos, 2014; Vignes et al., 2009). Um corpo significativo de estudos sugere que os alunos mais velhos tendem a apresentar atitudes mais positivas face aos pares com deficiência (Alnahdi, 2019; Alves, 2015; Gümüs & Öncel, 2021; Nabors & Larson, 2002; Nowicki, 2006). Contudo, outros trabalhos verificaram que as atitudes diante dos pares com deficiência são mais negativas quanto maior for a idade dos participantes (Afonso, 2011; Dias et al., 2016; Hughes, 2013; Ribeiro, 2015; Swaim & Morgan, 2001).
No que diz respeito ao contacto e à proximidade com pessoas com deficiência, os resultados da investigação têm sugerido que atitudes mais positivas estão associadas a um maior contacto e proximidade com essas pessoas (Alves, 2015; Armstrong et al., 2016; Cevallos et al., 2021; Dias et al., 2016; Dias et al., 2020; Gonçalves & Lemos, 2014; Gümüs & Öncel, 2021; Hughes, 2013; Keller & Siegrist, 2010; McGregor, 2003; Reis et al., 2020; Vignes et al., 2009). Vários autores (Alves, 2015; Dias et al., 2016; Vignes et al., 2009) constataram que os participantes que tinham um familiar direto com deficiência apresentavam atitudes mais positivas do que aqueles que não tinham, sendo que as ações eram mais positivas quando o familiar se tratava de alguém próximo (e.g., pai, mãe, irmão). Alnahdi e colaboradores (2021) verificaram que ter familiares com deficiência não influenciava as atitudes das crianças, ainda que uma elevada frequência de contacto com eles estivesse associada a atitudes mais positivas. Em consonância com esse resultado, num estudo anterior, Schwab (2017) verificou que as atitudes dos alunos não diferiam em função de estarem ou não integrados em sala de aula com alunos com deficiência. O contacto próximo com pares com deficiência, traduzido na participação em atividades conjuntas, tende a estar associado a atitudes mais positivas. No seu conjunto, os resultados desses estudos evidenciam que, mais do que estar no mesmo espaço (escola e sala de aula), garantido pela acessibilidade dos alunos com deficiência ao contexto escolar, é o contacto próximo entre pares que é crítico para a formação de atitudes positivas em relação aos pares com deficiência.
A análise da influência do contacto e proximidade com pessoas com deficiência, nas dimensões das atitudes face à inclusão, permitiu verificar que os sujeitos com contacto com pessoas, familiares ou amigos com deficiência tendem a apresentar pontuações mais elevadas na dimensão afetiva (Dias et al., 2016; Dias et al., 2020; Gonçalves & Lemos, 2014). Os resultados mostraram ainda uma associação positiva com as dimensões cognitiva (Dias et al., 2016) e comportamental (Dias et al., 2020; Gonçalves & Lemos, 2014).
O estudo da relação entre as atitudes dos pares face aos alunos com deficiência e variáveis psicológicas, como a empatia, a autoestima e a satisfação global com a vida, é ainda escasso. Os resultados da investigação que analisaram a relação entre a empatia e as atitudes diante dos pares com deficiência parecem ser consistentes, indicando uma associação positiva. Assim, os alunos com níveis superiores de empatia tendem a apresentar atitudes mais positivas (Hughes, 2013; Rathbone, 2013). Essa associação positiva é igualmente evidente entre a autoestima e as atitudes face aos pares com deficiência (De Laat et al., 2013; Findler et al., 2007; Hughes, 2013). Tais estudos (Findler et al., 2007; Hughes, 2013; Rathbone, 2013), ainda que não incidam na faixa etária da adolescência, pois incluíram participantes mais velhos (ensinos secundário e superior), permitem constatar uma tendência de associação positiva entre as atitudes diante dos pares com deficiência e as variáveis psicológicas de empatia e autoestima. A mesma tendência é observada na relação entre a satisfação global com a vida e as atitudes, sendo os alunos com maiores níveis de satisfação global com a vida os que apresentavam ações mais positivas face aos pares com deficiência (Vignes et al., 2009).
Diante da pertinência das atitudes em relação aos pares com deficiência para a inclusão efetiva, bem como da escassez de investigação nesse tópico (Gümüs & Öncel, 2021), o presente estudo tem como objetivo geral contribuir para a compreensão da problemática das atitudes dos adolescentes diante dos pares com deficiência. Mais especificamente, procurou-se descrever as atitudes dos adolescentes em relação aos pares com deficiência e analisar a relação entre as atitudes dos adolescentes e variáveis sociodemográficas (i.e., sexo, idade), psicológicas (tais como a empatia, a autoestima e a satisfação global com a vida) e de experiência de contacto com pessoas com deficiência.
Método
Participantes
Participaram do estudo 190 alunos, dos quais 43,7% eram do sexo feminino, de idades entre 12 e 17 anos [média (M) = 13,43, desvio padrão (DP) = 1,26] e provenientes de duas escolas da região norte de Portugal - 137 (72,1%) frequentavam a escola A e 53 (27,9%) a escola B. Trata-se de uma amostra de conveniência, pelo que os resultados obtidos neste estudo não poderão ser generalizados, podendo traduzir as idiossincrasias da população estudantil que frequentava as duas escolas. No que respeita ao ano de escolaridade, 45,8% dos participantes frequentavam o 7º ano, 25,8% o 8º ano e 26,8% o 9º ano, sendo que 1,6% dos participantes não identificaram o ano de escolaridade.
Instrumentos
Questionário sociodemográfico - elaborado para o presente estudo com o objetivo de recolher informação sociodemográfica dos participantes (sexo, idade, ano de escolaridade) e respetivas famílias (idade, profissão e habilitações literárias dos pais). Foram ainda incluídas questões relacionadas ao contacto com pessoas com deficiência dentro e fora da escola.
Chedoke-McMaster Attitudes Towards Children with Handicaps Scale (CATCH) - permite avaliar as atitudes face aos pares com deficiência. A versão original da escala é constituída por 36 itens (Rosenbaum et al., 1986). Neste estudo foi utilizada a adaptação portuguesa de Gonçalves e Lemos (2014), composta por 19 itens distribuídos em três dimensões: afetiva (6 itens), comportamental (7 itens) e cognitiva (6 itens). As respostas organizam-se numa escala tipo likert, variando de 0 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente). A pontuação total é realizada através da média dos itens multiplicando por 10, após a inversão dos itens 5, 8, 9, 12, 15 e 18, podendo variar de 0 a 40. As pontuações superiores equivalem à presença de atitudes mais positivas em relação à inclusão (Alves, 2015; Dias et al., 2016). Apesar de a solução fatorial publicada por Gonçalves e Lemos (2014) ser constituída por dois fatores (cognitiva e comportamental/afetiva) com valores de consistência interna adequados (alfa de Cronbach), isto é, de .66 para a subescala cognitiva (6 itens) e de .88 para a comportamental/afetiva (13 itens), optou-se, por recomendação das autoras, pela análise, no presente estudo, da pontuação total e de três fatores teóricos: escala global (α = .89); cognitiva (α = 0.65); afetiva (α = .80); e comportamental (α = .80). Outros estudos com populações portuguesas recomendam igualmente a análise tridimensional das atitudes (Alves et al., 2021; Dias et al., 2016).
Escala de Empatia Básica (BES) - permite avaliar a empatia em adolescentes dos 12 aos 8 anos de idade. É constituída por 16 itens distribuídos em duas dimensões - afetiva e cognitiva -, com 5 opções de resposta, que variam entre “discordo totalmente” e “concordo totalmente” (Anastácio et al., 2016). Esse instrumento apresenta boas qualidades psicométricas, com valores de alfa de Cronbach de .80 para a escala total, .70 para a dimensão afetiva e .80 para a dimensão cognitiva (Anastácio et al., 2016). No presente estudo, os valores de consistência interna se mostraram adequados: especificamente de .76 para a escala total; .73 para a dimensão afetiva; e .70 para a dimensão cognitiva.
Escala de Autoestima de Rosenberg (RSES) - constituída por 10 itens com 4 opções de resposta, numa escala tipo likert, avalia a autoestima em adolescentes e adultos (Pechorro et al., 2011). A consistência interna dos dados obtidos por meio desse instrumento na amostra escolar do estudo de Pechorro e colaboradores (2011) foi bastante satisfatória (α = .81), sendo muito semelhante ao índice de fidelidade obtido no presente estudo (α = .85).
Escala de Satisfação Global com a Vida (SLSS) - trata-se de uma escala de autorrelato, cujo objetivo é avaliar a satisfação global com a vida de indivíduos com idades entre 8 e 18 anos. É constituída por 7 itens com 6 opções de resposta em formato likert (Marques et al., 2007). Esse instrumento apresenta boas capacidades psicométricas, destacando-se que no estudo de Marques e colaboradores (2007) o valor do coeficiente de alfa de Cronbach foi de .86. No presente trabalho obteve-se igualmente um valor adequado de consistência interna dos dados (α = .82).
Procedimentos de recolha e análise de dados
A recolha de dados foi realizada entre março e junho de 2018. Após autorização da direção do agrupamento de escolas, obteve-se o consentimento informado dos encarregados de educação e dos alunos. Os participantes foram informados sobre os objetivos do estudo, os princípios de anonimato e de confidencialidade dos dados, assegurando-se a participação voluntária e a possibilidade de desistência em qualquer momento. Antes de responderem aos questionários, os alunos tiveram oportunidade de colocar questões. Os questionários foram aplicados em sala de aula, em turma, aos alunos que consentiram participar da pesquisa.
Os dados foram analisados com recurso ao software IBM SPSS Statistics 20. Para estimar as atitudes dos adolescentes nas diferentes dimensões recorreu-se à estatística descritiva. Para analisar a relação entre as atitudes face aos pares com deficiência e as variáveis sociodemográficas e psicológicas foram utilizados o test t para amostras independentes e a correlação de Pearson. Calculou-se, ainda, a magnitude do efeito (d de Cohen), tendo por referência para interpretação as recomendações de Cohen (1992): reduzida (< 0.50), moderada (de 0.50 a 0.79) e elevada (≥ .80). Para interpretação dos valores absolutos de correlação foram consideradas as recomendações de Cohen (1992): reduzida (< 0.30), moderada (de 0.30 a 0.49) e elevada (≥ .50).
Resultados
A partir dos valores médios obtidos (Tabela 1), é possível concluir que as atitudes dos adolescentes face aos pares com deficiência são tendencialmente positivas (M = 29,00; DP = 5,17). Foi calculado o coeficiente de variação (CV) para cada dimensão a fim de comparar a variabilidade dos dados em relação às médias. Os valores apurados são indicadores de uma moderada dispersão relativa nas dimensões afetiva e comportamental das atitudes e de uma baixa dispersão relativa (< 15%) na dimensão cognitiva e na escala total das atitudes, o que significa que a dimensão cognitiva tem dados mais homogêneos se comparada às outras duas dimensões.
Dimensões | ɑ | M | DP | Mínimo | Máximo | CV |
---|---|---|---|---|---|---|
Afetiva | .80 | 26,13 | 6,56 | 0.00 | 40.00 | 25,1 |
Cognitiva | .65 | 31,99 | 4,96 | 16.67 | 40.00 | 15,5 |
Comportamental | .80 | 28,87 | 6,64 | 0.00 | 40.00 | 23,0 |
Escala total | .89 | 29,00 | 5,17 | 5.26 | 40.00 | 17,8 |
Fonte: Elaboração dos autores.
CATCH = Chedoke-McMaster Attitudes Towards Children with Handicaps Scale; α = alfa de Cronbach: índice de consistência interna; M = média; DP = desvio padrão; CV = coeficiente de variação (%).
Foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os adolescentes dos sexos masculino e feminino em todas as dimensões e na pontuação total obtida nas atitudes face aos pares com deficiência, com valores de magnitude de efeito entre reduzido e moderado. Tendo por base os valores médios obtidos por cada um dos grupos, é possível concluir que as adolescentes relataram atitudes significativamente mais positivas em relação à inclusão dos pares com deficiência, comparativamente aos adolescentes, em todas as dimensões das atitudes e na escala total (Tabela 2).
Masculino (n = 105) |
Feminino (n = 83) |
||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Dimensões | M | DP | M | DP | t (gl=186) | p | d |
Afetiva | 24,90 | 7,23 | 27,49 | 5,21 | 2.75 | .007 | 0.41 |
Cognitiva | 31,15 | 5,35 | 33,06 | 4,20 | 2.66 | .009 | 0.40 |
Comportamental | 27,11 | 7,21 | 31,05 | 5,08 | 4.22 | < .001 | 0.63 |
Escala total | 27,69 | 5,78 | 30,57 | 3,76 | 3.93 | < .001 | 0.59 |
Fonte: Elaboração dos autores.
CATCH = Chedoke-McMaster Attitudes Towards Children with Handicaps Scale; M = média; DP = desvio padrão; t(gl=186) = estatística do teste t-Student (graus de liberdade); p = valor p; d = tamanho de efeito (d de Cohen).
De acordo com os resultados apresentados na Tabela 3, verifica-se uma correlação reduzida negativa (r = -.153, p < .05) entre a idade e a dimensão afetiva, o que indicia que os alunos mais velhos tendem a relatar atitudes mais negativas face aos pares com deficiência.
Ainda conforme a Tabela 3, observa-se uma correlação positiva moderada entre a medida de empatia total e a dimensão afetiva (r = .315, p < .01) e correlações positivas reduzidas com tendência a moderadas entre a empatia total e a dimensão comportamental (r = .285, p < .01), entre a empatia cognitiva e a dimensão afetiva (r = .292, p < .01) e entre a empatia cognitiva e a dimensão comportamental (r = .255, p < .01). Isso sugere que os alunos com mais empatia tendem a apresentar atitudes mais positivas. Nas demais medidas de empatia e dimensões das atitudes, a correlação é reduzida, exceto entre a dimensão cognitiva das atitudes e a empatia afetiva, em que não se verifica associação estatisticamente significante (r = .087, p > .05). Por sua vez, não se verificam associações estatisticamente significantes das atitudes diante dos pares com deficiência com a autoestima e com a satisfação global com a vida (Tabela 3).
Dimensões | Idade | Empatia afetiva |
Empatia cognitiva |
Empatia total |
Autoestima | Satisfação global com a vida |
---|---|---|---|---|---|---|
Afetiva | -.153* | .234** | .292** | .315** | .026 | .080 |
Cognitiva | .045 | .087 | .202** | .166* | -.062 | -.064 |
Comportamental | -.119 | .217** | .255** | .285** | -.042 | .007 |
Escala total | -.101 | .223** | .301** | .313** | -.029 | .015 |
Fonte: Elaboração dos autores.
Nota: Correlação não nula a níveis descritivos
*p < .05 ou
**p < .01.
Relativamente à experiência de contacto com pessoas com deficiência dentro da escola, verificou-se que a maioria (n = 158, 83,2%) tinha pelo menos um colega na escola com deficiência, sendo que apenas 40,1% (n = 63) destes costumavam conviver com esse colega (note-se que um participante não respondeu a essa questão). Cerca de 46,8% (n = 87) dos adolescentes relataram ainda ter um colega com deficiência na turma (quatro participantes não responderam à questão). Não se registaram diferenças estatisticamente significantes nas atitudes em relação aos pares com deficiência em função de ter ou não contacto com um colega de turma com deficiência (Tabela 4).
Contacto com pessoas com deficiência na turma | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Sim (n = 87) |
Não (n = 99) |
|||||
Dimensões | M | DP | M | DP | t (gl=184) | p |
Afetiva | 25,80 | 6,77 | 26,20 | 6,36 | -0.41 | .680 |
Cognitiva | 32,36 | 5,25 | 31,67 | 4,64 | 0.94 | .348 |
Comportamental | 28,58 | 7,18 | 28,97 | 6,14 | -0.39 | .695 |
Escala total | 28,90 | 5,66 | 28,95 | 4,71 | -0.06 | .951 |
Fonte: Elaboração dos autores.
CATCH = Chedoke-McMaster Attitudes Towards Children with Handicaps Scale; M = média; DP = desvio padrão; t(gl=184) = estatística do teste t-Student (graus de liberdade); p = valor p.
Em relação ao contacto com pessoas com deficiência fora da escola, apenas 28,9% (n = 55) dos adolescentes afirmaram ter contacto, dos quais 40% eram amigos (n = 22). A maioria desses adolescentes costumava conviver com essas pessoas pelo menos uma vez por semana (n = 21, 38,2%) ou menos de uma vez por mês (n = 20, 36,4%). Apenas foram encontradas diferenças estatisticamente significantes quando o contacto era estabelecido com pessoas fora da escola, na dimensão comportamental e na escala total, ainda que com valores de magnitude de efeito reduzidos. Os resultados indicam que os alunos com experiência de contacto com pessoas com deficiência fora da escola relataram atitudes mais positivas face aos pares com deficiência, comparativamente aos alunos sem esse tipo de experiência (Tabela 5), embora os valores de magnitude de efeito sejam reduzidos, de acordo com os critérios recomendados por Cohen (1992).
Contacto com pessoas com deficiência fora da escola | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Sim (n = 55) |
Não (n = 135) |
||||||
Dimensões | M | DP | M | DP | t (gl=188) | p | d |
Afetiva | 27,53 | 6,12 | 25,56 | 6,67 | 1.89 | .060 | 0.30 |
Cognitiva | 32,45 | 4,87 | 31,80 | 5,00 | 0.83 | .407 | 0.12 |
Comportamental | 30,54 | 6,23 | 28,19 | 6,70 | 2.23 | .027 | 0.37 |
Escala total | 30,22 | 4,70 | 28,50 | 5,29 | 2.09 | .038 | 0.34 |
Fonte: Elaboração dos autores.
CATCH = Chedoke-McMaster Attitudes Towards Children with Handicaps Scale; M = média; DP = desvio padrão; t(gl=188) = estatística do teste t-Student (graus de liberdade); p = valor p; d = tamanho de efeito (d de Cohen).
Discussão
O presente estudo teve como objetivos explorar as atitudes dos adolescentes face aos pares com deficiência e analisar a relação entre as atitudes e variáveis sociodemográficas, psicológicas e de experiência de contacto.
Relativamente ao primeiro objetivo, os resultados permitiram concluir que as atitudes dos adolescentes diante dos pares com deficiência são, em média, positivas. Esses resultados estão alinhados com dados de investigações anteriores (Afonso, 2011; Alnahdi, 2019; Alnahdi et al., 2021; Alves, 2015; Amaral, 2009; De Laat et al., 2013; Gore, 2015; Parada, 2014; Reis et al., 2020; Vignes et al., 2009) e suscitam novas questões de pesquisa, no sentido de compreender se as atitudes positivas conduzem não só a uma intenção comportamental de contacto com pares com deficiência, mas se se traduzem igualmente num efetivo contacto e interação. Essa questão é recorrente na literatura, com vários autores defendendo que os resultados das suas investigações poderiam ser reforçados e complementados com uma avaliação das atitudes dos alunos por meio da observação dos seus comportamentos (Adibsereshki et al., 2010; Holtz & Tessman, 2007; Martinez & Carspecken, 2007).
Respeitante à influência de variáveis sociodemográficas nas atitudes, os resultados permitiram concluir que as adolescentes apresentam atitudes mais positivas face aos pares com deficiência em comparação com os adolescentes, tal como era esperado de acordo com vários estudos prévios (Alves, 2015; Alnahdi et al., 2021; Blackman, 2016; Bossaert et al., 2011; Dias et al., 2016; Gonçalves & Lemos, 2014; Gümüs & Öncel, 2021; Olaleye et al., 2012; Vignes et al., 2009). Esses resultados podem estar relacionados com as características associadas ao sexo, uma vez que os adolescentes tendem a ser mais competitivos e as adolescentes mais predispostas a ajudar, o que as levam a apresentar comportamentos de maior cooperação diante de pessoas com deficiência (Alves, 2015; Pratas, 2014; Silva, 2014).
No que concerne à relação entre a idade e as atitudes dos adolescentes face aos pares com deficiência, importa sublinhar que apenas se verificou uma correlação estatisticamente significante com a dimensão afetiva das atitudes, sendo essa uma correlação negativa, o que indicia atitudes mais positivas quanto mais novos forem os alunos. Esse resultado é consistente com estudos realizados anteriormente (Afonso, 2011; Dias et al., 2016; Hughes, 2013; Ribeiro, 2015; Swaim & Morgan, 2001). A intensidade e a complexidade das interações com os pares na adolescência podem contribuir para explicar esse resultado (Alves, 2015; Carter & Hughes, 2005). Tal como sublinham Dias et al. (2020), essa fase desenvolvimental caracteriza-se por uma maior seletividade nas interações, que pode, por um lado, conduzir a uma maior restrição dos contactos sociais e, por outro, à exclusão de pares, nomeadamente aqueles com deficiência. A redução do contacto com estes poderá, assim, justificar atitudes menos positivas.
Relativamente às variáveis psicológicas, como a empatia, a autoestima e a satisfação global com a vida, foi possível verificar uma associação positiva entre a empatia e as atitudes face aos pares com deficiência. Essa relação não se registou nas restantes variáveis psicológicas. Tais dados vão ao encontro dos resultados de estudos prévios (Hughes, 2013; Rathbone, 2013) que sugerem que adolescentes com níveis superiores de empatia tendem a apresentar atitudes mais positivas face à inclusão dos pares com deficiência. Esse resultado remete para a relevância da promoção de ambientes educativos de suporte ao desenvolvimento dessa competência.
No que concerne aos resultados relativos à autoestima, os dados deste estudo reforçam os resultados obtidos por Keller e Siegrist (2010), indicando que níveis mais elevados de autoestima não se encontravam associados a atitudes mais positivas diante dos pares com deficiência. Esses resultados, no entanto, não estão alinhados com outros estudos anteriores (De Laat et al., 2013; Findler et al., 2007; Hughes, 2013). A autoestima é uma variável apontada na literatura como essencial para o desenvolvimento de relações interpessoais de qualidade (Duclos, 2006; Pratas, 2014), pelo que seria esperado que estivesse associada às atitudes.
Os resultados obtidos ao nível da satisfação com a vida reforçam os dados do estudo de Keller e Siegrist (2010), ao sugerir que níveis superiores de satisfação global com a vida não se encontram associados a atitudes mais positivas face aos pares com deficiência. Ainda assim, Vignes e colaboradores (2009) encontraram uma relação positiva entre as duas variáveis, apontando que níveis mais elevados de satisfação com a vida tenderiam a conduzir a atitudes positivas. A partir desses resultados, considera-se pertinente a realização de estudos adicionais que permitam clarificar tais associações e explorar variáveis pessoais e contextuais moderadoras dessas relações.
Os resultados deste estudo mostram que a proximidade com pessoas com deficiência fora da escola está associada a atitudes mais positivas, corroborando dados de trabalhos anteriores (Alves, 2015; Armstrong et al., 2016; Cevallos et al., 2021; Dias et al., 2016; Gonçalves & Lemos, 2014; Gümüs & Öncel, 2021; Reis et al., 2020; Vignes et al., 2009), que reforçam a importância do contacto e da proximidade na promoção de atitudes positivas, na medida em que o contacto direto pode contribuir para um maior entendimento e sensibilidade diante de pessoas com deficiência (McDougall et al., 2004; Vignes et al., 2009). No entanto, não se registaram diferenças nas atitudes entre os adolescentes com ou sem contacto com pares com deficiência na escola, o que parece ser indicador de que o contacto com pares com deficiência não é suficiente para promover atitudes positivas. Em consonância com dados de investigações anteriores (Alves, 2015; Dias et al., 2022; Petri, 2018; Rademaker et al., 2020; Schwab, 2017), o acesso dos alunos com deficiência à escola e à sala de aula é um fator essencial para estimular o contacto entre alunos, mas não garante, por si só, que tal ocorra. A intencionalidade, a quantidade e a qualidade das atividades promovidas na escola e em sala de aula, com enfoque na interação e cooperação entre alunos, são cruciais para potenciar o contacto próximo e uma atitude empática. Nessa linha, Dias e colaboradores (2020) encontraram atitudes mais positivas nos alunos que brincavam e conversavam com alunos com deficiência, o que reforça o papel da proximidade e das interações positivas nas atitudes face a esses alunos.
Esses resultados abrem caminhos para investigações futuras. Em particular, importará perceber o papel dos agentes educativos na promoção do contacto próximo e da interação positiva entre alunos com e sem deficiência. Desenvolver uma cultura de escola inclusiva e clima de aula positivo é fundamental para tornar o contexto educativo favorável ao desenvolvimento de atitudes positivas diante da diversidade e dos alunos com deficiência, em particular. Tal condição é essencial para maximizar a participação social e, consequentemente, o desenvolvimento social e académico desses alunos (Sette et al., 2020; Wentzel, 2017).
Conclusões
O presente estudo procurou contribuir para a compreensão da problemática das atitudes de adolescentes face aos pares com deficiência, analisando especificamente a sua relação com variáveis de natureza individual, nomeadamente, idade e sexo, variáveis psicológicas como a empatia, a autoestima e a satisfação global com a vida e variáveis relacionadas com a experiência de contacto com pessoas com deficiência. Os estudos focados nessa temática são escassos, sobretudo com a população portuguesa e nessa faixa etária em particular. Os resultados obtidos permitiram constatar que as atitudes dos adolescentes face aos pares com deficiência são, em geral, positivas, o que poderá ser um indicador de comportamentos de maior aceitação da diversidade, fator fundamental para a interação e inclusão social desses alunos. Adicionalmente, os resultados sugerem que o sexo, a experiência de contacto com pessoas com deficiência fora da escola e a empatia constituem fatores de natureza individual de influência nas atitudes dos adolescentes, ainda que os efeitos dessas variáveis sejam reduzidos a moderados em função da dimensão das atitudes avaliada. Verificou-se, ainda, uma associação negativa reduzida entre a idade e a dimensão afetiva das atitudes.
A partir dos resultados deste estudo é possível apontar algumas implicações para a prática e investigações futuras. Destaca-se a importância das intervenções educativas, com enfoque na escola e em sala de aula, de modo a intencionalizar práticas pedagógicas promotoras do contacto, da proximidade e da interação positiva efetiva entre os alunos. O acesso dos alunos com deficiência à escola e às salas de aula é uma realidade nas escolas portuguesas, no entanto os dados deste trabalho reforçam a necessidade de uma ação intencional e numa fase precoce do desenvolvimento para estimular e sustentar o contacto próximo e o envolvimento entre pares. A participação dos alunos com deficiência e a implementação de dinâmicas de cooperação entre pares poderão potenciar a empatia e o desenvolvimento de atitudes de inclusão, essenciais para o combate à discriminação.
Destacam-se algumas limitações desta pesquisa, com implicações para trabalhos futuros. No presente estudo recorreu-se a uma amostra de conveniência, o que limita a generalização dos resultados. Assim, os dados podem traduzir a idiossincrasia das escolas, ao nível das suas opções organizacionais, cultura e práticas pedagógicas. Nessa linha, sugere-se, em estudos futuros, a análise de fatores de natureza ambiental, tais como a cultura de escola, as práticas pedagógicas em sala de aula, as atitudes das famílias e dos profissionais de educação (e.g., pessoal docente e não docente) e o seu impacto nas atitudes face à diversidade. Neste trabalho, o enfoque circunscreveu-se a fatores de natureza individual.
O uso de medidas de autorrelato, apesar de facilitar o processo de recolha de dados pela sua rápida aplicação, acarreta algumas limitações, nomeadamente, a resposta aleatória, questões ignoradas, a dificuldade em interpretar alguns dos itens e a desejabilidade social, o que pode ter influenciado os resultados obtidos. Nesse sentido, poderá ser relevante, em estudos futuros, complementar com outras medidas de recolha de dados, em particular com medidas de observação das interações entre alunos com e sem deficiência, a fim de analisar em que medida a intenção comportamental se traduz em comportamentos positivos efetivos.
No presente estudo, os dados recolhidos centraram-se na perceção dos alunos sem deficiência. Considera-se, contudo, pertinente, em pesquisas futuras, analisar a perceção de alunos com deficiência em relação à sua inclusão pelos pares, bem como comparar essas perceções com a dos alunos sem deficiência.