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Cadernos de Pesquisa

versão impressa ISSN 0100-1574versão On-line ISSN 1980-5314

Cad. Pesqui. vol.54  São Paulo  2024  Epub 11-Set-2024

https://doi.org/10.1590/1980531410545 

ARTIGOS

PROFISSIONAL DE APOIO ESCOLAR E POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

SCHOOL SUPPORT PROFESSIONALS AND PUBLIC POLICIES IN SPECIAL EDUCATION

PROFESIONAL DE APOYO ESCOLAR Y POLÍTICAS PÚBLICAS EN EDUCACIÓN ESPECIAL

LES PROFESSIONNELS DU SOUTIEN SCOLAIRE ET LES POLITIQUES PUBLIQUES DANS LE SECTEUR DE L’ ÉDUCATION SPÉCIALISÉE

Clarissa HaasI  , concepção, pesquisa, metodologia, análise de dados, redação do manuscrito original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-8526-7200

Claudio Roberto BaptistaII  , análise de dados, redação do manuscrito original, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-6673-4574

Cláudia Rodrigues de FreitasIII  , análise de dados, redação - revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-7105-8539

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil; haascla@gmail.com

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil; baptistacaronti@yahoo.com.br

IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre (RS), Brasil; freitascrd@gmail.com


Resumo

Neste estudo, problematizamos as motivações e justificativas que envolvem a demanda por profissionais de apoio escolar nos cotidianos das redes de ensino públicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Com ênfase na abordagem cognitiva de políticas públicas, caracterizamos a pesquisa como qualitativa, do tipo exploratória. Realizamos um estudo documental utilizando diretrizes legais e normativas associadas a notícias que abordam o profissional de apoio escolar veiculadas nas mídias. Identificamos nas referidas redes de ensino indícios da judicialização da educação a partir da demanda judicial pelo profissional de apoio escolar; de valorização excessiva do apoio individualizado na lógica da deficiência como incapacidade; e da consequente patologização da política pública.

Palavras-Chave: EDUCAÇÃO ESPECIAL; EDUCAÇÃO INCLUSIVA; POLÍTICAS PÚBLICAS; PROFISSIONAIS DE APOIO ESCOLAR

Abstract

In this study, we problematize the motivations and the justifications that involve the demand for school support professionals in the day-to-day of the public education network of Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Brazil). Focusing on the cognitive approach to public policies, we characterize the research as exploratory-qualitative. We carried out a documental study using legal and normative guidelines associated with news about school support professional in the media. We identified in the referred education networks evidence of judicialization of education based on the judicial demand for school support professionals; the excessive valorization of the individualized support in the logic of disability as incapability; and of the consequent pathologization of public policy.

Key words: SPECIAL EDUCATION; INCLUSIVE EDUCATION; PUBLIC POLICIES; SCHOOL SUPPORT PROFESSIONALS

Resumen

En este estudio, problematizamos las motivaciones y justificaciones sobre la demanda por profesionales de apoyo escolar en lo cotidiano de las redes de educación públicas de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Brasil). Con énfasis en el enfoque cognitivo de las políticas públicas, caracterizamos la investigación como cualitativa y exploratoria. Realizamos un estudio documental utilizando directrices legales y normativas asociadas a noticias sobre el profesional de apoyo escolar difundidas por los medios de comunicación. Identificamos en las referidas redes de enseñanza, evidencias de la judicialización de la educación a partir de la demanda judicial por el profesional de apoyo escolar, de la valorización excesiva del apoyo individualizado en la lógica de la deficiencia como incapacidad y de la consecuente “patologización” de las políticas públicas.

Palabras-clave: EDUCACIÓN ESPECIAL; EDUCACIÓN INCLUSIVA; POLÍTICAS PÚBLICAS; PROFESIONALES DE APOYO ESCOLAR

Résumé

Dans cette étude, nous problématisons les motivations et les justifications concernant la demande de professionnels du soutien scolaire dans le quotidien des réseaux d’écoles publiques à Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Brésil). Cette recherche, de type qualitatif et exploratoire, met en avant l’approche cognitive des politiques publiques. Nous avons mené une étude documentaire à partir des lignes directrices, à la fois juridiques et normatives, associées aux informations divulguées dans les médias sur les professionnels du soutien scolaire. Nous avons identifié des situations de judiciarisation dans ces réseaux éducatifs concernant des demandes judiciaires pour avoir accès à ces professionnels; une valorisation excessive du soutien individualisé selon une logique de capacitisme; et la pathologisation des politiques publiques qui en découle.

Key words: ÉDUCATION SPÉCIALISÉE; ÉDUCATION INCLUSIVE; POLITIQUES PUBLIQUES; PROFESSIONNELS DU SOUTIEN SCOLAIRE

A trajetória de 15 anos da Política Nacional de Educação Especial (2008-2023) e seu processo de tradução e interpretação nos sistemas de ensino representaram a significativa ampliação do acesso à escolarização das pessoas com deficiência no Brasil (Baptista, 2019) em diferentes etapas, níveis e modalidades de ensino, sendo um dado expressivo da diretriz assumida pela política pública em prol da compreensão da deficiência como uma questão de direitos humanos (Diniz, 2007). Por outro lado, o grande contingente de estudantes que passaram a acessar a escola e a universidade a partir de um ordenamento legal e de diretrizes que reconhecem os direitos das pessoas com deficiência (Lei n. 13.146, 2015; Ministério da Educação [MEC], 2008; Resolução n. 4, 2009) não é garantia da coerência interna da atividade da política pública, isto é, de sua consonância com os valores humanitários e de respeito às singularidades humanas, que devem orientar as sociedades democráticas e inclusivas.

Especificamente, quando tratamos da pauta da profissionalização e formação dos agentes da educação para atuação nos processos escolares inclusivos, identificamos, a partir de estudos anteriores, a precarização do papel do profissional de apoio escolar quanto à sua formação e atribuições a serem desempenhadas (Bezerra, 2020; Fonseca, 2016; Haas, 2019; Haas & Delevati, 2018; Marquet et al., 2022).

A partir da tradução da política pública nos cotidianos, o profissional de apoio escolar vem sendo associado à figura de um agente auxiliar que executa funções de apoio necessárias para garantir a acessibilidade dos estudantes com deficiência nos ambientes da escola. Neste estudo, buscamos colocar em evidência e analisar iniciativas que envolvem o poder público, as instituições escolares, o Poder Judiciário e as famílias de pessoas com deficiência e que nos levam a questionar as motivações e as justificativas simplificadoras que tendem a valorizar excessivamente a necessidade do designado profissional de apoio nos cotidianos escolares, reconhecendo indícios de patologização da política pública. O campo empírico investigado que nos permite sustentar e desenvolver essa problematização é aquele que envolve as redes de ensino públicas de Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul (RS).

Com base em Muller e Surel (2002), a política pública, caracterizada como o Estado em ação, aborda um problema social por meio de matrizes cognitivas e normativas articuladas como um sistema de interpretação pelos diferentes agentes públicos e privados em interação. Assim, em um país continental como o Brasil, cuja gestão da política pública envolve um aparato jurídico-administrativo sofisticado a partir da organização nacional dos sistemas de ensino, por meio da necessária articulação entre os diferentes entes federados, parece inevitável que a política pública assuma contornos próprios em cada contexto. Além disso, compreendemos que a dinâmica da política pública do ponto de vista de sua natureza social complexa se constrói a partir de contradições que envolvem seus princípios, que, por vezes, revelam as tensões e os interesses dos diferentes grupos agenciadores dessa política. Desse modo, em alusão ao debate sobre “Despatologizar as políticas públicas”, proposto pelo Despatologiza - Movimento pela despatologização da vida, em ciclo de lives realizadas em novembro de 2020 e de 2021, consideramos possível expandir a pergunta: como despatologizar as políticas públicas, levando em conta os desafios que ganham visibilidade em um contexto específico como o de atuação do profissional de apoio escolar nas redes de ensino de Porto Alegre?

Com ênfase na abordagem cognitiva de políticas públicas (Muller & Surel, 2002), caracterizamos a abordagem metodológica deste estudo como qualitativa, do tipo exploratória, na medida em que nos dedicamos à análise contextual da rede de relações sociais que permeiam o fenômeno investigado como um processo inerente à reflexividade e às escolhas dos pesquisadores (Flick, 2009). Sob essa perspectiva, realizamos um estudo documental, elegendo como fontes os documentos oficiais em âmbitos nacional (Brasil) e local (Porto Alegre) associados a notícias que abordam o profissional de apoio escolar veiculadas em canais de comunicação ao longo do primeiro semestre de 2023. A busca pelas notícias foi motivada pela ampla repercussão que tiveram no âmbito das comunidades escolar e acadêmica.

Ao colocarmos em diálogo os documentos oficiais da política e as notícias veiculadas nos meios de comunicação, concordamos com Penteado e Fortunato (2015, p. 130) no tocante à possibilidade de a mídia constituir-se como “importante fator político e espaço de ação política na sociedade contemporânea, influente na dinâmica dos fenômenos sociais”. Por meio desses veículos de comunicação circulam alertas, divulgam-se circunstâncias pessoais ou institucionais que tendem a induzir processos decisórios que, muitas vezes, negligenciam a efetiva qualificação dos sistemas e miram a suposta resolução dos problemas imediatos.

Assim, a partir da análise de notícias veiculadas nas três esferas governamentais, intentamos discutir a política pública sobre o profissional de apoio como um fenômeno contextual, influenciado por indivíduos, grupos ou organizações, para além dos limites institucionais, em atenção à premissa de Muller e Surel (2002, p. 20) de que uma “política pública constitui uma ordem local”. Nesse sentido, analisamos o município de Porto Alegre como um sistema vivo que produz contornos locais próprios à política pública sobre o profissional de apoio escolar no âmbito das três redes públicas de ensino - municipal, estadual e federal -, mesmo essas redes sendo distintas em muitos aspectos.

Diretrizes da política pública sobre o profissional de apoio escolar

Em âmbito nacional, é possível atribuir a regulamentação da denominação “profissional de apoio escolar” à Lei Brasileira de Inclusão - LBI - (Lei n. 13.146, 2015), o que entendemos como uma tentativa de esclarecimento necessária a partir das atividades da própria política pública:

Profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas. (Lei n. 13.146, 2015, art. 3º, XIII).

É possível perceber, nesse dispositivo normativo, a expressão de contornos permeados de indefinições, pois a formulação “atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária” tende a ser genérica e favorecer interpretações muito diferenciadas, ainda que haja a tentativa de limitar essa ação a partir daquilo que ela “não é”, uma vez que estão excluídas as “técnicas”, assim como os “procedimentos” adstritos a outros profissionais.

Anteriormente à LBI, desde o documento orientador da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008), é possível elencar um conjunto de diretrizes nacionais que abordam o papel desse profissional, fazendo uso de outras formas de denominação, tais como monitor ou cuidador educacional. No referido documento orientador consta:

Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia intér- prete, bem como de monitor ou cuidador aos alunos com necessidade de apoio nas ati- vidades de higiene, alimentação, locomoção, entre outras que exijam auxílio constante no cotidiano escolar. (MEC, 2008, p. 17).

No ano seguinte, o Conselho Nacional de Educação, mediante a Resolução n. 4 (2009), regulamentou as diretrizes operacionais do atendimento educacional especializado e nomeou os “outros profissionais da educação”, caracterizando-os como tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), guia-intérprete e outros que atuem no apoio principalmente das atividades de alimentação, higiene e locomoção.

Percebemos que, nos documentos supracitados, o profissional de apoio escolar vai se delineando como aquele responsável prioritariamente pelas atividades necessárias para garantir a participação e a autonomia apoiada das pessoas com deficiência, sendo que os documentos deixam margem para a definição de outras atribuições. Essa lacuna é interpretada pela Nota Técnica SEESP/GAB n. 19 (2010), que se manifesta sobre os profissionais de apoio para alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento matriculados nas escolas regulares, públicas e privadas. Conforme essa nota, os profissionais de apoio são aqueles necessários à promoção da acessibilidade às comunicações e aos cuidados pessoais de higiene, alimentação e locomoção, devendo atuar de modo articulado aos profissionais da educação:

A demanda de um profissional de apoio se justifica quando a necessidade específica do estudante público alvo da educação especial não for atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes. . . . O profissional de apoio deve atuar de forma articulada com os professores do aluno público alvo da educação especial, da sala de aula comum, da sala de recursos multifuncionais, entre outros profissionais no contexto da escola. (Nota Técnica SEESP/GAB n. 19, 2010, p. 2).

A nota é explícita ao apontar aquilo que não é atribuição do profissional de apoio, isto é: “desenvolver atividades educacionais diferenciadas, ao aluno público alvo da educação especial, e nem responsabilizar-se pelo ensino deste aluno” (Nota Técnica SEESP/GAB n. 19, 2010, p. 2).

O tema do profissional de apoio assume novos sentidos junto às diretrizes nacionais da política pública a partir da Lei Federal n. 12.764 (2012), que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e estabelece orientações sobre o “acompanhante especializado” de pessoas com TEA nas escolas comuns, quando comprovada a necessidade. No ano seguinte, o MEC emitiu a Nota Técnica n. 24 (2013), com o intento de esclarecer o perfil do “acompanhante especializado”, abordando-o como responsável por um serviço educacional destinado aos estudantes que não realizam as atividades de alimentação, higiene, comunicação ou locomoção com autonomia e independência. O Decreto Federal n. 8.368 (2014), que regulamenta a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA, manifesta-se em alinhamento com esse direcionamento:

Caso seja comprovada a necessidade de apoio às atividades de comunicação, interação social, locomoção, alimentação e cuidados pessoais, a instituição de ensino em que a pessoa com transtorno do espectro autista ou com outra deficiência estiver matriculada disponibilizará acompanhante especializado no contexto escolar, nos termos do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 12.764, de 2012. (Decreto n. 8.368, 2014, art. 4º, § 2º).

Ao nos debruçarmos sobre as principais diretrizes orientadoras do Sistema Municipal de Educação de Porto Alegre e do Sistema Estadual de Educação do Rio Grande do Sul acerca da educação especial e do profissional de apoio escolar, identificamos, consecutivamente, a Resolução n. 13 (2013) e o Parecer n. 1 (2022). Ambos os documentos referendam as diretrizes nacionais acerca dessa matéria, sendo que a resolução municipal faz alusão explícita ao documento orientador da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008) e o parecer estadual traz o conceito de profissional de apoio escolar presente na LBI (Lei n. 13.146, 2015).

Como faceta da interpretação da diretriz nacional no contexto local, a resolução municipal aponta que as instituições de educação infantil já contam com “monitores(as) ou educadores(as) assistentes” que são responsáveis pela higiene, alimentação, locomoção e por outras atividades junto às crianças muito pequenas, sendo que nos ambientes em que houver uma criança com deficiência deve ser previsto outro profissional capacitado para atender às necessidades específicas dessa criança. Observamos que o Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre distingue o público-alvo a receber o apoio de profissional que executa as mesmas atribuições e possivelmente tem formação similar ou inferior ao(à) monitor(a) da educação infantil, uma vez que a resolução determina que o profissional de apoio escolar aos estudantes com deficiência tenha apenas formação inicial em nível médio (Resolução n. 13, 2013). Percebemos, nessa orientação, que a diferenciação recai no maior grau de dependência e necessidade de cuidado atribuído às crianças com deficiência do que necessariamente na qualificação dos profissionais que realizam esse apoio.

O parecer estadual, por sua vez, prevê que a presença do profissional de apoio escolar pode ser substituída pela redução do número de estudantes da turma em que há aluno público-alvo da educação especial. No parecer, fica evidente o seguinte:

Para a organização das turmas, recomenda-se às escolas e suas mantenedoras, visando a qualidade da educação ofertada, a inclusão de, no máximo, 3 (três) crianças/estudantes com deficiência, TEA e AHSD, devendo optar ou por profissional de apoio escolar ou pela redução do número máximo de crianças/estudantes por turma, conforme segue: - com a inclusão de até 2 (duas) crianças/estudantes, deve ter ou a redução de 10% ou o profissional de apoio escolar; - com a inclusão de 3 (três) crianças/estudantes, deve ter ou a redução de 20% ou o profissional de apoio escolar; Fica a critério da escola e sua mantenedora a abertura de novas turmas, de acordo com a demanda, desde que garantido o número de profissionais de apoio escolar, conforme necessidade. (Parecer n. 1, 2022, p. 5).

O Sistema Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, a partir do parecer mencionado, ainda que utilize como justificativa a “qualidade da educação ofertada”, estabelece lógica quantitativa e homogeneizadora para facultar a presença ou não do profissional de apoio escolar, o que parece indicar que a presença do aluno público-alvo da educação especial resultaria em um desafio ou ameaça à qualidade do trabalho pedagógico com o coletivo. Essa busca de alternativa, ao simplificar a análise, desconsidera quem são efetivamente os estudantes envolvidos, suas características e suas necessidades. Ao apontar a redução percentual, evita-se a pergunta que exigiria a reflexão sobre qual seria o quantitativo de alunos recomendado para o bom funcionamento do trabalho escolar. Quando indicada a possibilidade de um profissional de apoio em associação a um número de alunos diagnosticados - com deficiência ou outras características ou síndromes -, deixa-se de examinar a efetiva justificativa da presença desse profissional em função do trabalho que está previsto nas diretrizes educacionais daquele sistema.

A trajetória da política pública sobre o profissional de apoio escolar demonstra que o tema foi revisitado em momentos pontuais pelas diretrizes nacionais, buscando a elucidação das atribuições desse profissional e reforçando sua vinculação como um serviço educacional no contexto escolar. A consolidação da definição do profissional de apoio escolar na LBI, em 2015, apresenta-se como uma resposta tímida às tensões e contradições emergentes que envolvem a formação e as atividades desse profissional nos sistemas de ensino.

Indícios da patologização da política pública do profissional de apoio escolar em Porto Alegre (RS)

Na referida live, “Despatologizar as políticas públicas”, Pedro Tourinho, um dos palestrantes, afirma que “medicalizar é justificar, a partir de uma explicação predominantemente biológica, e, portanto, localizada no indivíduo e no corpo, distintos aspectos da vida que podem se manifestar das mais diversas formas” (Despatologiza, 2021, 35’59’’). Afirma também que a patologização das políticas públicas está intrinsecamente relacionada a uma concepção de estado neoliberal que remete aos indivíduos a responsabilização por processos que são da alçada do coletivo e do Estado:

A medicalização segue muito intensamente ao propósito de remeter ao sujeito a responsabilidade ou determinação sobre processos que são, muitas vezes, falências ou insuficiências determinadas pela indisponibilidade de recursos de todas as dimensões para abordagem de problemas complexos que são estabelecidos na sociedade. (Despatologiza, 2021, 39’48’’).

Para Moysés e Collares (2021), a medicalização, ao tratar de questões sociais como se fossem biológicas e individuais, constrói um ideário em que o mundo da vida humana se iguala ao mundo da natureza, absolve a responsabilidade das instâncias de poder em que os problemas são gerados e perpetuados, e fragiliza os processos e as relações sociais, destruindo os direitos humanos.

Nesse sentido, quando nos remetemos aos processos de patologização a partir das políticas públicas no que tange ao profissional de apoio escolar, reconhecemos iniciativas simplistas que focalizam as supostas limitações individuais do estudante com deficiência e que resultam na extrema valorização da presença e da abordagem individualizada do profissional de apoio escolar junto a esses estudantes. Sustentamos essa pontuação abordando três episódios, ocorridos no primeiro trimestre de 2023, que foram divulgados em distintos canais de comunicação no município de Porto Alegre e que envolveram as redes públicas federal, estadual e municipal com relação à figura do profissional de apoio escolar, amplamente denominado monitor escolar.

Em reportagem publicada em 7 de março de 2023, no site oficial da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS), a manchete informa que a referida defensoria ingressou com ação pública solicitando ao município de Porto Alegre a contratação de monitores escolares para acompanhamento de “alunos atípicos” e a disponibilização de transporte escolar acessível. As motivações para a referida ação envolvem os diversos relatos protocolados pelas famílias com filhos matriculados na rede pública municipal junto à Vara do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Porto Alegre. O texto ainda confirma a valorização do saber médico em detrimento do saber pedagógico a partir do “laudo médico” como instrumento que determina a legitimidade da demanda: “Em todos os casos acompanhados pela Defensoria Pública, sem exceção, há laudo médico atestando, de forma expressa, que a criança ou adolescente necessita de acompanhamento de monitor escolar” (Schäfer, 2023, grifo nosso).

A DPE-RS alerta que, na ausência do monitor escolar, o tempo de permanência dos estudantes com deficiência na escola é reduzido. Consideramos que também é motivo de alerta o fato de a Resolução Municipal n. 13 (2013) prever a “frequência adaptada à escola” aos estudantes que “supostamente” não conseguem permanecer a totalidade de horas do turno no qual está matriculado, justificando no seu quadro normativo uma medida que pode representar alto risco para o afastamento dos alunos do ambiente escolar.

A defensoria ainda afirma que a média de estudantes atendidos pelos profissionais do atendimento educacional especializado, a partir da organização da Sala de Integração e Recursos (SIR), é de aproximadamente 25 (Schäfer, 2023). Esse destaque numérico tende a indicar a suposta precariedade de um trabalho de acompanhamento, sem discutir as linhas organizadoras de ação do professor de educação especial. Tais pontuações críticas deflagram a intensificação da demanda pelo profissional de apoio escolar, negligenciando a reflexão sobre os sentidos da presença desse profissional e intensificando a lógica que associa deficiência e incapacidade.

Nesse sentido, a medida da DPE-RS é disparada por um processo de patologização da política pública municipal de educação especial, mostrando-se como uma inciativa que é insuficiente para alterar a abordagem capacitista e medicalizadora dos processos escolares que envolvem os estudantes com deficiência.

Do despacho/decisão do juiz de direito da 1ª Vara do Juizado da Infância e Juventude do Foro Central da Comarca de Porto Alegre do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), consta que já totalizam 4 mil alunos público-alvo da educação especial na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, destacando-se a falta de monitores, professores da educação especial e capacitações aos profissionais da educação. Constam ainda as estatísticas educacionais apresentadas pelo município em sua defesa:

. . . a rede municipal de Porto Alegre é composta por 52 escolas regulares de ensino fundamental e 4 escolas especiais. Ainda referiu que atualmente há 3.099 estudantes cadastrados na Educação Especial municipal e há 1.420 turmas regulares que possuem alunos considerados atípicos matriculados. Contudo, afirma que apenas 931 turmas necessitam de algum apoio, pois nem todo aluno atípico precisa de apoio. O ente municipal ainda referiu que 304 turmas já possuem o profissional de apoio acompanhando e auxiliando o trabalho do professor, totalizando 707 profissionais realizando o apoio aos professores que trabalham com alunos atípicos. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul [TJ-RS], 2023, pp. 1-2).

A decisão do TJ-RS aponta que todas as turmas das escolas municipais com estudantes com deficiência devem ter um monitor escolar, salvo quando o município comprovar que o aluno realmente não necessita desse apoio, cabendo ao município disponibilizar os profissionais no prazo de 60 dias sob pena de fixação de multa por dia de atraso. Portanto, via de regra, estariam faltando 1.116 monitores escolares na rede municipal de ensino. Essa posição enfática do TJ-RS não se confirma quando se trata do professor de educação especial, que atua em SIRs e no acompanhamento de turmas nas quais os alunos atendidos estão matriculados. A decisão salienta que o esclarecimento da Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre de haver um profissional em cada uma das 52 escolas de ensino fundamental da rede somado ao fato de, costumeiramente, não haver demandas judiciais protocoladas pelas famílias sobre os professores de educação especial, por ora, esclarece a questão. Em contrapartida, são recorrentes as demandas por profissional de apoio escolar, tendo sido registrados 92 processos individuais, que tramitavam na 1ª Vara do Juizado da Infância e Juventude em 2022 (TJ-RS, 2023).

A demanda da DPE-RS por formação continuada e capacitação dos profissionais da educação também não ganha o mesmo tratamento de relevância direcionado aos profissionais de apoio escolar no despacho do TJ-RS. O juiz de direito decide pelo indeferimento da tutela antecipada nesse assunto, afirmando que o município tem autonomia administrativa para organizar sua política de gestão, desenvolvimento e aperfeiçoamento de seu quadro de servidores e profissionais terceirizados (TJ-RS, 2023).

Reafirma-se, assim, a suposta legitimidade da demanda por uma tipologia de apoio menos qualificada em termos de formação, centrada no aluno, considerando suas supostas limitações e demandas de cuidado, que, em geral, se dissociam do trabalho pedagógico em sentido estrita- mente escolar.

Em 8 de maio de 2023, houve a publicação de uma notícia no site da DPE-RS a respeito do acordo de cooperação estabelecido entre o referido órgão, a Secretaria Estadual de Educação, a Procuradoria Geral do Estado, o Poder Judiciário e associações (Rede Gaúcha Pró-Autismo e Mães e Pais pela Democracia) para o fornecimento de monitores escolares na rede pública estadual de ensino para os estudantes público-alvo da educação especial. Consta, ainda, que as diretrizes do termo de cooperação serão estabelecidas (DarILO, 2023).

Em notícia veiculada também em 8 de maio de 2023, originalmente no site do Portal Unificado da 4ª Região, envolvendo a instituição escolar da rede federal de ensino de Porto Alegre, lemos o seguinte:

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve liminar que determinou a contratação de monitor especializado para um menino de 12 anos que possui transtorno do espectro autista (TEA) e estuda no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAP-UFRGS). (Tribunal Regional Federal da 4ª Região [TRF4], 2023).

Conforme a notícia, a mãe solicitou judicialmente a contratação de acompanhante ou de monitor especializado que tivesse formação como docente, pedagogo ou psicopedagogo, com especialização em educação especial e capacitação em “métodos específicos de atendimento a pessoas com TEA”. A decisão da 3ª Vara Federal de Porto Alegre foi favorável à família, todavia a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) recorreu ao TRF4, pedindo a suspensão da liminar. O recurso foi negado e a decisão foi mantida, fundamentada na Lei n. 12.764 (2012).

Essa decisão mostra-se em sintonia com a compreensão de que a centralidade do apoio estaria no acompanhamento individualizado, dirigido ao aluno e não ao coletivo da classe, em detrimento de um debate pedagógico que insiste em valorizar a ação dos diferentes professores que atuam com esse aluno. O novo elemento presente nessa decisão é o referendo de uma ação que atribuiria à família o poder de decidir o perfil profissional e acadêmico dos contratados pela escola, desconsiderando que as diretrizes do trabalho pedagógico são uma prerrogativa da instituição escolar.

Além disso, igualmente nesse caso, o laudo médico foi o instrumento principal para a decisão em âmbito judicial:

No caso dos autos, restou comprovado, através de avaliação neuropsicológica e atestado médico, que o menor necessita de acompanhamento especializado no ambiente escolar, para suporte pedagógico, a ser realizado por pessoa com conhecimento pedagógico ou psicopedagógico suficiente para contribuir para a obtenção do máximo rendimento possí- vel por parte do aluno. (TRF4, 2023).

Reafirmamos a compreensão de que “acompanhamento especializado” seria sinônimo de um cuidador ou de acompanhante representado pelo profissional de apoio escolar. Os três episódios envolvendo as três redes públicas de ensino em Porto Alegre mostram um conjunto de iniciativas que elucidam modos de compreender a atuação e a formação do profissional de apoio, bem como os critérios definidores da necessidade desse profissional. É perceptível que predomina um entendimento compartilhado entre as redes a partir da judicialização da educação. Tanto na ação civil pública (no caso da rede municipal de ensino de Porto Alegre) como na ação civil de natureza individual (no caso do CAP-UFRGS), os critérios definidores à contratação do profissional de apoio foram o laudo de profissional da área médica como instrumento de prescrição da ação pedagógica.

Embora os movimentos de judicialização desencadeados pelas famílias sugiram o entendimento de que a “escola regular” é o lugar para seus filhos estarem e aprenderem, voltamo-nos à necessidade desta ponderação: como ultrapassar esse primeiro movimento de judicialização que identifica apenas a inserção de um profissional de apoio, o qual, via de regra, é um profissional com menos formação que os demais profissionais da educação especial e da educação geral? Vale destacar que o empoderamento de famílias, a partir de diretrizes voltadas à garantia de acesso, permanência e aprendizagem de seus filhos no contexto escolar comum, se mostra como movimento que sinaliza novos “ventos”. Desse modo, o uso desses dispositivos pode não ser o mais indicado para assegurar a inclusão escolar, no entanto remete ao fato de que as normativas podem dar sustentação para as escolas encontrarem rumos diferentes a quem, em momentos anteriores, teria apenas a institucionalização em espaços especializados. Os movimentos de judicialização desencadeados pelas famílias de “filhos atípicos” indicam a ação de quem reconhece o direito de seu filho aprender no espaço comum e não encontra ainda esteio de acolhida.

Pelo exposto, as tensões em torno do profissional de apoio escolar experienciadas nas três redes públicas de ensino ensejam, a partir de Muller e Surel (2002), a análise da política pública como “um constructo político relativamente autônomo”, cuja forma se dá nas relações interorganizacionais e ultrapassa a dimensão jurídica ou institucional.

Considerações finais: Reafirmar os princípios para “Despatologizar a política pública”

A partir do contexto político da educação pública de Porto Alegre, reiteramos nosso questionamento inicial quanto às justificativas simplificadoras de valorização excessiva da necessidade do profissional de apoio escolar no cotidiano das instituições de ensino. A atuação do profissional de apoio escolar, ao caracterizar-se como forma de acompanhamento permanente ao estudante com deficiência nas suas atividades escolares, intensificando uma relação de dependência e restringindo as interações sociais entre os pares com o potencial de aprendizagem e de desenvolvimento, suscita o questionamento: é possível afirmar que o beneficiário desse “apoio” é o estudante com deficiência? Em que medida esse “apoio” reforça a suposta manutenção da “normalidade” como padrão de comportamento aceitável e desejável de um grupo a ser reproduzido pela instituição escolar? Entre a primeira e a segunda perguntas, retomamos o limiar tênue que evidencia os processos de patologização e despatologização da política pública do profissional de apoio escolar. Não se trata de negar a necessidade da figura do profissional de apoio escolar, mas sim de propor uma reflexão criteriosa sobre suas atribuições, resguardando as singularidades de cada caso e os fins de sua atuação como mediador que favorece efetivamente a participação e a aprendizagem das pessoas com deficiência em igualdade de condições com os demais estudantes.

Nesse sentido, entendemos ser pertinente o adensamento da reflexão sobre as justificativas para a presença do profissional de apoio escolar na escola em paralelo ao conceito de “adaptações razoáveis”, presente na legislação brasileira a partir da Convenção Internacional do Direito das Pessoas com Deficiência (Lei n. 13.146, 2015; Resolução n. 4, 2009). As adaptações razoáveis são:

. . . adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais. (Lei n. 13.146, 2015, art. 3º, VI).

À luz desse dispositivo, a presença do profissional de apoio escolar deve ser necessária e adequada e não pode “acarretar ônus desproporcional e indevido” aos estudantes, devendo ser analisada a sua necessidade “em cada caso”, na medida em que a meta da inclusão escolar em sua radicalidade perscruta oferecer apoios que possam auxiliar à progressiva participação e à autonomia das pessoas com deficiência.

Portanto emergem, no contexto político e institucional analisado, evidências de descompasso entre a educação especial e a perspectiva da educação inclusiva. O cômputo estatístico da presença da pessoa com deficiência na sala de aula e sua ligeira associação à demanda por profissionais de apoio escolar deixam de considerar a deficiência como uma categoria analítica em evolução, em interação com as barreiras sociais, bem como com os múltiplos marcadores sociais identitários que, em inter-relação, podem agravar a desvantagem social das pessoas com deficiência. Ademais, as certezas deterministas que incidem na atividade do profissional de apoio escolar como responsável pelo êxito do processo de inclusão escolar das pessoas com deficiência na escola podem operar como um mecanismo de discriminação e de exclusão das pessoas com deficiência, uma vez que as “soluções” são externas ao processo formativo individual e subjetivo de cada pessoa.

A demanda do profissional de apoio escolar, portanto, não pode se constituir alheia ao processo formativo de cada estudante, devendo ser justificada a partir de um criterioso trabalho de planejamento, acompanhamento e avaliação do atendimento educacional especializado como serviço pedagógico especializado, cujo papel na gestão das práticas da educação especial na escola regular é primordial. Nesse sentido, a demanda por profissionais de apoio escolar, ao constituir-se como a agenda pública prioritária, secundariza o necessário investimento no atendimento educacional especializado e na formação continuada docente como pilares da transformação dos contextos escolares.

O caso específico da validação da demanda por profissional de apoio escolar em instituição da rede federal - campo empírico sobre o qual é possível encontrar registros que evidenciam os benefícios disparados pela organização do atendimento educacional especializado e pela formação do profissional da educação especial para todo o sistema escolar (Silva et al., 2021) - sinaliza, de modo ainda mais evidente, as relações de poder instituídas entre os saberes da medicina e da educação, sendo importante frisar a questão: os docentes da educação especial têm tido voz e participação nas decisões - em âmbito escolar e judicial - a respeito da necessidade do profissional de apoio escolar como acompanhamento individualizado contínuo aos estudantes com deficiência? As evidências materiais exploradas neste estudo apontam que têm atuado prioritariamente nesse debate, como partícipes com legitimidade de fala, as famílias dos estudantes, os gestores do poder público e o Poder Judiciário, indicando uma assimetria na relação com os profissionais da educação que atuam no contexto da prática, que necessita ser amplamente discutida.

A ação política patologizante desvia o foco das ações capazes de instigar o exercício da educação inclusiva como um aprendizado institucional a médio e longo prazos, pois investe em medidas imediatistas que se colocam como soluções a curto prazo e não atuam com radicalidade ou na raiz dos problemas educacionais. Nesse contexto, vale exemplificar: a contratação de profissionais de apoio escolar, impondo a rotatividade dos quadros de recursos humanos e o caráter de provisoriedade institucional, identificado em estudos anteriores, tais como o de Bezerra (2020), tornam ainda mais complexa a caracterização do papel do profissional de apoio escolar e a garantia de uma educação escolar pautada na educação inclusiva.

Pelo exposto, consideramos que a demanda por profissionais de apoio escolar pautada estritamente nos indicadores estatísticos dos estudantes com deficiência na escola é medida que recupera a lógica biomédica quanto à supremacia de um estatuto estandardizado e aceitável para descrever o que é ser e viver em um ambiente coletivo e, desse modo, dificulta o reconhecimento aos direitos humanos em uma dimensão humanística plural e interseccional.

Entendemos que despatologizar a política pública dos profissionais de apoio escolar passa pela valorização da formação desse profissional e pelo reconhecimento de que tal agente é partícipe de um projeto educativo cuja perspectiva da educação inclusiva é suplantada no trabalho coletivo entre docentes das áreas curriculares atuantes no ensino comum, docentes especializados em educação especial e profissionais de apoio escolar. Portanto despatologizar uma política pública requer, antes de tudo, questionarmo-nos a respeito dos princípios orientadores dessa política. Reconhecemos a necessidade de os sistemas de ensino estabelecerem diretrizes orientadoras mais claras a respeito do perfil desse profissional como forma de coibir a patologização da política pública em educação especial. Por fim, também nos parece salutar o reconhecimento de que a judicialização do profissional de apoio escolar, embora seja decorrência de uma dinâmica que tencionamos e tratamos como patologização da política pública, faz emergir a confirmação da sociedade brasileira de que estar na escola comum, participando e aprendendo com efetividade, é um direito inalienável das pessoas com deficiência.

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Como citar este artigoHaas, C., Baptista, C. R., & Freitas, C. R. (2024). Profissional de apoio escolar e políticas públicas em educação especial. Cadernos de Pesquisa, 54 Artigo e10545. https://doi.org/10.1590/1980531410545

Recebido: 03 de Setembro de 2023; Aceito: 08 de Maio de 2024

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