Considerações Iniciais
Em anos recentes, a experiência cearense do Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) despertou interesses de formuladores de políticas e estudiosos de diversos matizes (Gusmão; Ribeiro, 2011; Fonseca, 2013; Costa; Carnoy, 2015; Sumiya, 2015; Sumiya; Araujo; Sano, 2017). Criado originalmente no município de Sobral, o PAIC tornou-se conhecido por equacionar problemas de aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental. Posteriormente, seus princípios foram incorporados à agenda da política educacional do país, inspirando o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC- Brasil/MEC, 2012). Adotado como política estadual a partir de 2007, a melhoria do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais e finais do ensino fundamental no Ceará entre os anos 2005-2017 tem sido atribuída a esta iniciativa. Nesse período, o estado apresenta o maior crescimento do Ideb (117,9%) nos anos iniciais e o segundo maior crescimento (75%) nos anos finais do ensino fundamental entre os estados brasileiros. Em relação aos estados do Nordeste em 2005, nos anos iniciais do ensino fundamental, a rede pública do Ceará apresenta um Ideb de 2,8 com taxa de aprovação de 79,2%, sendo o melhor da região; em 2017, seus resultados se descolam da região, alcançando o Ideb de 6,1 com taxa de aprovação de 96,5%. Há, entretanto, uma longa trajetória de esforços no sentido de ampliação do acesso e melhoria da qualidade percorrida pela política educacional do estado antes da adoção de tal experiência como política estadual estratégica, em 2007.
Sem pretender aprofundar a referida iniciativa, o texto se propõe a analisar razões que contribuíram para a continuidade de alguns princípios da política educacional cearense, criando situações propícias à melhoria dos resultados de seus estudantes em avaliações nacionais de larga escala. Para tanto, explora-se o potencial explicativo da relação entre processos e resultados na política educacional do referido estado, recorrendo-se a um referencial advindo das teorias de governança e da dependência da trajetória.
Em um cenário marcado pela descontinuidade de políticas públicas e escassez de inovações, parece oportuno afirmar que a continuidade de determinados princípios e práticas tem contribuído para assegurar condições propícias à melhoria da qualidade da educação na referida unidade federada. Estudos diversos realizados ao longo da última década (Abrucio; Seggatto; Pereira, 2016; Fonseca, 2013; Calderón; Raquel; Cabral, 2015 e outros) têm se debruçado sobre o caso do Ceará, analisando alguns de seus avanços educacionais. Também têm surgido estudos que apontam tensões e contradições decorrentes das políticas adotadas pelo estado (Camarão; Ramos; Albuquerque, 2015; Mota, 2018).
O presente artigo aprofunda a trajetória de construção de tais políticas, situando-as em um contexto mais amplo de governo e governança em um intervalo de vinte anos (1995-2015). Nesse período, estiveram à frente do poder executivo no estado, quatro governadores filiados a partidos políticos com linhas programáticas e princípios ideológicos distintos. Tal situação, todavia, não impediu, pelo menos na política educacional, a permanência e consolidação de alguns processos de gestão, de trabalho colaborativo entre as instâncias de governo, de esforço de mobilização dos governos e das comunidades em torno de ações e de responsabilização pelos resultados alcançados.
A análise de iniciativas diversas ocorridas antes de 2007 visa oferecer elementos para desvelar algumas das razões que contribuíram para levar este estado a um reconhecimento por seus resultados. Ao deter-se sobre processos históricos que antecederam iniciativas recentes, o estudo sobre o período em foco permite identificar a existência de um contexto favorável no qual foram implementados processos de colaboração, mobilização e responsabilização que geraram circunstâncias propícias à melhoria de resultados. Compreende-se que a Figura 1 sintetiza o modelo de análise proposto.
A metodologia adotada, além da análise da literatura produzida acerca das políticas educacionais no período considerado (1995-2015) inclui, do ponto de vista conceitual, elementos advindos das teorias da governança (Rhodes, 1997; Jessop, 1997; Mayntz, 2003; Hooghe; Marks, 2003; Stephenson, 2013) e da dependência da trajetória (Pierson, 2000; Mahoney, 2000; Greener, 2005; Hoff, 2011). Para além de compreender um percurso histórico, o estudo procura identificar o modo pelo qual um conjunto de circunstâncias específicas veio a facilitar a emergência de formas próprias de governo e governança no Ceará.
A tese de que processos nem sempre perceptíveis aos observadores do presente geram condições para determinados resultados, foi abordada já no século XIX quando, ao deter-se sobre as origens da Revolução Francesa, Tocqueville (1997) mostrará que, por vezes, uma infinidade de pequenas e aparentemente desconexas ocorrências contribuem para criar circunstâncias propícias a mudanças que irão se materializar em momentos posteriores no tempo. De tal maneira, para conhecer determinados fatos históricos, é preciso deter-se sobre causas que podem resultar em combinações diferentes de modelos que as originaram.
Vale lembrar também que a(s) reforma(s) ocorrida(s) na política educacional cearense merecem ser compreendidas à luz de um contexto e de um movimento mais amplo, que remonta ao fim dos anos 1980. Com o fim da ditadura civil militar e o encerramento de um ciclo político sob a égide de três coronéis, que desde a década de 1960 vinham se alternando no poder estadual, um jovem empresário (Tasso Jereissati) é eleito com um lema de campanha centrado em um governo das mudanças. Segundo Gondim (1995, p. 6):
[...] o modelo de gestão iniciado por Tasso Jereissati caracteriza-se por uma proposta de modernização política que configura um novo paradigma nas relações entre Estado, economia e sociedade. Assim, ao contrário do neopatriamonialismo até então vigente, este novo paradigma demarca um setor público gerido por princípios universalistas, configurando um modelo legal de dominação, com o seu correlato modelo burocrático de administração.
As mudanças na educação, nesse sentido, são associadas a processos que ocorrem na esfera do governo, fundamentados em três fatores estreitamente associados: 1) a busca permanente por equilíbrio fiscal que veio a permitir um gerenciamento eficiente da máquina pública; 2) a presença de princípios meritocráticos de recrutamento e ocupação de cargos na burocracia estatal; e, 3) uma gestão orientada para resultados.
O texto está assim organizado: a primeira parte apresenta considerações sobre o referencial teórico-metodológico adotado; a segunda, focaliza elementos do contexto mais geral da experiência do governo estadual; e, a terceira, discute os processos estratégicos à formulação e implementação da política educacional cearense: colaboração, mobilização e responsabilização.
Referencial Teórico-Metodológico
Para a realização do estudo, foram adotados procedimentos associados aos métodos qualitativos de pesquisa (Ludke; André, 1986; Flick, 2009; Stake, 2011), mais especificamente: pesquisa bibliográfica, análise documental e entrevistas. Do ponto de vista da concepção teórica, o trabalho tem como referência considerações advindas do debate sobre governança e aportes da teoria da dependência da trajetória, temática a ser aprofundada nos itens subsequentes. O recorte temporal compreendendo o período dos últimos vinte anos se deu pelo fato de, em política educacional, ser necessário uma observação mais prolongada para verificar como ações de governo nascem, se transmutam, se estabilizam e/ou se extinguem. A análise de tal movimento requer um olhar de longo alcance que ultrapassa o período de uma gestão governamental. Mais que isso, uma política deve passar pelo crivo de mudanças de governo, para que sobreviva ao teste da continuidade.
Governança
O debate sobre governança tem origens e matizes diversos (Hooghe; Marks, 2003; Mayntz, 2003; Stephenson, 2013), reportando-se a mudanças nas formas de interação e gerenciamento de políticas públicas iniciadas há cerca de três décadas (Diniz, 1996; Rhodes, 1997; Jessop, 1997; Mayntz, 2003). Tal reflexão está de algum modo articulada ao advento do neoliberalismo entre os anos oitenta e noventa do século XX, quando muitas atribuições do Estado foram questionadas e revistas. Por outro lado, a busca por novas formas de associação entre países, como ocorreu no caso do processo de construção da União Europeia, exerceu influência sobre a emergência de relações mais horizontais nas formas de governo.
O reconhecimento da participação de atores institucionais externos aos governos, tanto do ponto de vista de organizações não-governamentais, como de movimentos sociais, por sua vez, contribuiu para a emergência de novos pactos na formulação e implementação de políticas. Neste cenário destacou-se o protagonismo de agentes econômicos e políticos transnacionais que passaram a pautar agendas de desenvolvimento. Tal foi o caso, por exemplo, de bancos internacionais de fomento, de organizações de cooperação internacional, dentre outros. Finalmente, no âmbito dos estados-nação, as articulações entre diferentes esferas de governo e de governança, são propícias à emergência de novos modos de organização da esfera pública.
No caso brasileiro, pode-se dizer que todas essas influências vão provocar alterações significativas nos padrões de funcionamento do Estado, nas relações entre as esferas de governo e em suas interações com o setor produtivo e a sociedade.
É interessante observar que se em determinados contextos é possível falar da redução do papel dos Estados nacionais perante a influência crescente dos níveis de governança transnacional sobre as agendas de políticas (Migdal, 1988; Teodoro, 2012), outros têm detectado o seu fortalecimento na definição de agendas de políticas (Evans, 1995; Evans, Rueschemeyer; Skocpol, s. d.). Este seria o caso do Ceará, onde a instância subnacional - o governo estadual - exerceu protagonismo central na formulação e implementação de políticas, estimulando a participação de outros agentes e atores.
Este estudo argumenta que o Ceará representa um caso importante de governança multi-escalar (GME), contribuindo para compreender a “[...] interconectividade das atividades de elaboração de políticas” (Stephenson, 2013, p. 817). A importância da GME em educação tem sido destacada por diferentes estudos (Borges, 2003; Dale, 2010; Reis, 2013; Wildoszewski; Sundby, 2014, 2016; Seggatto; Abrucio, 2016; Santos et al., 2016) e é de especial significado para os interessados no papel do Estado em diferentes contextos, particularmente em cenários de globalização.
Dependência da trajetória
A análise da história contemporânea do Ceará nos vinte anos (1995-2015) objeto deste estudo, permite constatar que um conjunto de circunstâncias criaram condições favoráveis a inovações no âmbito governamental, não apenas na educação, como também em outras áreas de intervenção pública. Parece apropriado afirmar que uma sequência de políticas contribuiu para criar um caminho para mudanças significativas em momentos posteriores no tempo. A teoria da dependência da trajetória (Pierson, 2000; Mahoney, 2000; Greener, 2005; Page, 2006), neste caso, poderia contribuir para explicar como depois de consideráveis inovações em processos ao longo do tempo, resultados começaram a surgir.
Embora a compreensão de que a história importa (Hoff, 2011; Tilly, 2013) seja objeto de alguma controvérsia entre intérpretes de políticas, no caso da educação no Ceará tem desempenhado um papel significativo. Muitos traços atribuídos a políticas correntes, de fato, têm origem no passado. Estudo recente sugere, a propósito, que um incrementalismo positivo contribuiu para criar o ambiente para as mudanças que ocorreram no Ceará. Segundo a compreensão de tais intérpretes a construção do regime de colaboração no Ceará “[...] pode apenas ser compreendida como uma longa trajetória marcada por uma combinação virtuosa entre continuidade e mudança” (Abrucio; Seggatto; Pereira, 2016, p. 26). Além disso, por razões associadas a condições próprias, o Ceará foi capaz de transformar problemas em questões da agenda de políticas (Rua, 2009) criando circunstâncias favoráveis para aproveitar janelas de oportunidade, como ocorreu, por exemplo, no caso do PAIC (Sumiya et al., 2017). Por outro lado, importa registrar que a despeito de mudanças na administração estadual, importantes princípios orientadores da gestão pública no estado foram preservados, contribuindo para a implementação de políticas que se consolidaram ao longo do tempo. Por isso mesmo, é oportuno examinar o contexto mais geral onde se insere a política educacional cearense.
Contexto
Conforme referido, o protagonismo recente da educação cearense tem origem em um ambiente institucional propício à boa governança, como já na segunda metade da década de noventa do século XX detectara Tendler (1998). A adoção de políticas de austeridade fiscal, associadas a outras medidas, contribuíram para criar um solo fértil ao desenvolvimento de iniciativas voltadas para a melhoria das condições de vida da população. Este tópico analisa alguns aspectos de tal contexto, considerando o fato de, nesse período, o governo do estado ter sido assumido por gestores pertencentes a extratos políticos partidários distintos, que em momentos diversos fizeram oposição entre si, mas deram continuidade a alguns princípios construídos ao longo do tempo na política educacional. A Figura 2 mostra a linha de tempo correspondente à administração de distintos governantes.
Equilíbrio fiscal no governo
Embora o foco deste artigo refira-se a um intervalo de vinte anos, pode-se afirmar que, com ênfases distintas, todas as administrações ao longo dos últimos trinta anos no Ceará dispensaram prioridade ao equilíbrio fiscal do estado, manifestando preocupação comum e uma constante política austera de gestão das finanças públicas.
Nos primeiros anos de tais mudanças (1986-1994), as medidas foram relacionadas à adoção de estratégias para assegurar a manutenção da máquina administrativa. Depois, medidas visando a melhoria da arrecadação e a recuperação da capacidade operacional do estado foram gradativamente implementadas. O projeto em curso se apoia num tripé sustentado em reformas de três ordens: fiscal, financeira e administrativa (Gondim, s.d.). Esses processos, iniciados nos fins dos anos 1980, vão evoluindo e se aperfeiçoando, criando um ethos favorável no plano operacional, que vai possibilitar ao estado realizar empréstimos junto a agências internacionais para financiamento de projetos prioritários, alternativa buscada pelas diferentes administrações no intervalo considerado.
Sendo um dos estados com menor renda per capita do país, o Ceará sofreu impactos das diferentes crises e recessões econômicas vividas pelo Brasil. É oportuno lembrar que, desde o início da década de oitenta, visando enfrentar situações de descontrole inflacionário, vários planos econômicos foram adotados pelos governos federais. Foi apenas na primeira metade da década seguinte que, com o Plano Real, o país foi capaz de retomar os trilhos do equilíbrio fiscal. Para o Ceará, que já vinha enfrentando dificuldades decorrentes de problemas do próprio estado, tal contexto apresentou limitações adicionais. Os constrangimentos vivenciados pela gestão governamental tiveram impactos sobre algumas políticas públicas, entre elas a educação, durante os primeiros dez anos do governo das mudanças.
Face a uma grave crise financeira, em 2003, o governo do estado do Ceará inicia uma reforma de rígida adequação fiscal. Ao analisar iniciativas do governo estadual no período, Brandão (2014) registra tal situação:
O estado do Ceará vinha sofrendo com seguidas quedas nas receitas, as quais, somadas aos déficits, cerceavam sua capacidade de investimento. O contexto nacional e internacional de 2003 levaram a um desaquecimento econômico; a arrecadação de ICMS caiu em 2002 e 2003; houve diminuição na cota-parte do Fundo de Participação do Estados (FPE) e nas transferências tributárias previstas constitucionalmente. Do lado da gestão fiscal, para sair da crise sem afetar a qualidade de vida da população, foi feita uma proposta de ajuste fiscal que contava com três estratégias: (i) elevação das receitas, (ii) redução das despesas de custeio correntes e (iii) endividamento saudável (Holanda, Petterini; Barbosa, 2006 apud Brandão, 2014, p. 24).
A segunda metade da primeira década dos anos 2000 traria condições mais satisfatórias à economia nacional e estadual. O Ceará, pela sua longa trajetória de responsabilidade fiscal soube beneficiar-se desse contexto, conquistando reconhecimento nacional pela boa gestão pública quando, depois de tempos de abundância, em 2015 tempos de escassez voltam a bater à porta dos brasileiros.
As medidas governamentais contínuas, no sentido de manter sob controle as despesas da máquina pública e a melhoria na arrecadação, permitiram que o estado equilibrasse suas receitas e despesas, cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal e sofrendo efeitos menores da crise que atingiu grande parte dos estados brasileiros na segunda década do século XX. Um estudo realizado por Manoel; Neto; Neto (2016), a respeito da situação fiscal dos estados brasileiros, coloca o Ceará no período 2009-2015 em situação fiscal forte, ou seja, se caracteriza como um estado com condições de contrair empréstimos internacionais, entre 11 das 27 unidades da Federação, sendo quatro da região Nordeste.
O equilíbrio fiscal do Estado, conquistado sob circunstâncias adversas, contribuiu para a melhoria na capacidade de investimento com recursos do tesouro estadual. Tais condições tiveram impacto sobre a educação, sobretudo em período mais recente. Outros fatores específicos do campo educacional contribuíram para o progressivo alcance de condições mais satisfatórias à manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme será possível verificar nas considerações sobre as mudanças no financiamento da educação básica.
Equilíbrio fiscal na educação
Se no plano mais amplo da máquina de governo o equilíbrio fiscal foi buscado como fator de sustentabilidade das iniciativas estaduais, o financiamento da educação no Ceará, no período considerado, foi influenciado por duas variáveis: de um lado, as condições econômicas do país e do estado; de outro, as mudanças na estratégia de operacionalização do repasse de recursos das receitas provenientes de impostos relativo ao financiamento das despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme previsto pela Constituição Federal. A criação de fundos contábeis em cada uma das unidades federadas visando assegurar o financiamento da educação, contribuiu para promover a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade dos serviços.
Se as oscilações gerais do país motivadas por crises diversas tiveram efeitos nefastos sobre a educação, por outro lado, a obrigatoriedade da aplicação de recursos, inicialmente para o ensino fundamental (1998-2006) e, depois para o conjunto da educação básica (2007 em diante) representou um divisor de águas para os sistemas de ensino. O Gráfico 1 mostra a evolução do financiamento da educação no Ceará sob a vigência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)1 entre o primeiro ano de sua aplicação e 2015.
Uma análise do Fundef/Fundeb no Ceará mostra que no período 1998-2006, os recursos aportados no ensino fundamental cresceram 151%, sendo que na rede estadual caíram 3,6% e nas redes municipais aumentaram 236,8%, situação decorrente do processo de municipalização do ensino fundamental, adotado pelo estado. A transição Fundef/Fundeb nos anos 2006-2007 representou um crescimento, de um ano para outro, de 45,1%, com um aumento dos recursos para rede estadual de 113,6% e de 34,2% para as redes municipais. O período 2007-2015, correspondente aos últimos dez anos do período focalizado pelo estudo, foi marcado por um crescimento dos recursos do Fundeb no Ceará de 208,9%, sendo tal crescimento de 285,2% para a rede estadual e de 189,7% para as redes municipais. Na rede estadual, o período foi marcado por investimentos no parque escolar, melhoria das condições de trabalho docente, aquisição de equipamentos para as escolas, e apoio aos municípios, ampliando e fortalecendo o regime de colaboração, tema aprofundado no artigo.
Meritocracia
Outro aspecto importante a ser mencionado na trajetória dos últimos vinte anos no Ceará diz respeito à busca de qualificação da máquina pública apoiada em políticas de valorização do mérito dos servidores. Os professores da rede estadual são selecionados por concurso público, tendo sido realizadas diversas iniciativas de tal natureza, a exemplo de concursos públicos para o cargo de professor de ensino médio, em 2003, 2009 e 2013. São também realizados processos que envolvem etapas seletivas para o cargo de diretor de escola e de coordenador de desenvolvimento regional de educação. Além disso, cargos importantes na burocracia das Secretarias, como o das posições chaves dos dirigentes (Secretário, Secretário Adjunto e Secretário Executivo) tendem a ser preenchidos por requisitos técnicos.
Importante mencionar que em estudo pioneiro sobre as mudanças em curso nas políticas governamentais do Ceará, Tendler (1998) destacou o compromisso e reconhecimento dos técnicos como importante elemento do que a estudiosa então denominou de bom governo nos trópicos.
A probidade com a coisa pública referida por Gondim (1995) em relação ao início do ‘governo das mudanças’ se consolidou no Ceará, especialmente no segmento educacional. Em 1997, o governo do estado realizou um concurso público para professores da educação básica com adesão de 124 municípios, atendendo não só orientações das constituições federal e estadual, como também fortalecendo o regime de colaboração com os municípios, mediante apoio técnico e exemplo de governança onde prevaleceram princípios da administração pública. Essa experiência, pouco destacada na literatura educacional que estuda o período, evidencia um processo que mais tarde vai marcar de forma positiva a implementação de novas iniciativas.
Em relação à sua própria rede, em 2003, a Secretaria de Educação (Seduc) realizaria concurso público para professores, com 6.488 vagas distribuídas pelas disciplinas do ensino médio. Em 2009, diante da situação de um contingente expressivo de docentes em processo de aposentadoria e de vagas não preenchidas no concurso de 2003, foi realizado novo concurso para ocupação de 4.000 vagas nas disciplinas de ensino médio; em 2013, mais um concurso foi lançado, desta feita com oferta de 3.000 vagas.
Os dados analisados a partir dos três últimos concursos públicos para professores do ensino médio da rede estadual do Ceará apontam para a admissão de docentes de acordo com as exigências da legislação para o exercício nesta etapa da educação. Mostram também que, na proporção em que a concorrência cresce a cada edição de concurso, a tendência é selecionar melhores candidatos para ocupação dessas vagas.
Gestão por resultados
Outro importante componente da responsabilização diz respeito ao que se convencionou denominar de ‘gestão por resultados’ (Holanda, 2006), um modelo de gestão pública implementado durante o governo Lúcio Alcântara (2003-2006), que teve como referência a experiência canadense
[...] voltada para o cidadão como cliente e buscando padrões ótimos de eficiência, eficácia e efetividade, com ética e transparência. É uma gestão que busca reduzir custos para a sociedade e compromete o Estado com a satisfação dos cidadãos. É um modelo em que o governo é um meio e não um fim em si mesmo. Neste modelo, o poder público precisa dialogar continuamente com a sociedade e utilizar intensamente os procedimentos de monitoramento e avaliação, inclusive sob o ponto de vista do cidadão como cliente principal (Rosa, Holanda; Maia Junior, 2006, p. 39).
A Seduc foi uma das primeiras setoriais a começar a implementar o modelo proposto e para isso iniciou ampla reestruturação de processos e fluxos tanto nas escolas de sua rede como nos órgãos central e intermediários. No processo de implementação da Gestão por Resultados (GPR), a Seduc conta com o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica (Spaece), uma avaliação de larga escala de âmbito estadual, instituída no início da década de noventa do século XX, a qual galgou importância crescente na política educacional nos anos 2000 (Vidal; Vieira; Galvão, 2016).
A GPR que, em termos teóricos, poderia representar uma contradição com o modelo de gestão democrática e participativa das escolas, iniciada em meados dos anos 1990, e que tinha forte poder de mobilização, foi assimilada como um suporte teórico-instrumental para apoiar o modelo vigente. Por outro lado, o modelo de gestão que a Seduc já vinha trabalhando permitiu que algumas iniciativas com uso da GPR pudessem ser implementadas de imediato, como a divulgação pedagógica de resultados da avaliação realizada pelo Spaece para municípios e escolas, com o estabelecimento de metas para o desempenho escolar e a criação de um modelo de premiação de escolas, medidas tomadas e disseminadas durante este período e fortalecidas pela administração subsequente.
A GPR representa uma atualização dos princípios que orientaram as mudanças na gestão pública cearense, pois mantém o foco no “equilíbrio orçamentário, eficiência da máquina administrativa e probidade no trato com a coisa pública” (Gondim, s. d., p. 4). No campo da educação, ela é fortalecida pela inflexão em curso no país e no estado, em especial, da política de avaliação de larga escala, que se associa em maior ou menor grau, a políticas de accountability. O fato de o governo do estado, a partir de 2007, ter sido assumido por um grupo que comandava importante município com política educacional fortemente centrada em políticas de avaliação e de bônus contribui para a criação de um ambiente em que tais iniciativas floresceram e se consolidaram.
Política Educacional - processos estratégicos
Tendo discutido elementos do contexto que gerou circunstâncias favoráveis à emergência de iniciativas alinhadas a uma perspectiva de mudanças, é oportuno focalizar processos estratégicos à criação de condições propícias ao desenvolvimento das políticas educacionais no Ceará. Três processos estratégicos merecem destaque no campo educacional: a colaboração, a mobilização e a responsabilização, como se vê na Figura 3.
Colaboração
Ao dispor sobre organização da educação nacional, a Constituição de 1988 prevê e a LDB referenda que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração seus sistemas de ensino” (CF, Art. 211 e LDB, Art. 8º). O entendimento desta pactuação tem sido objeto de muitos estudos e controvérsias. Teoricamente, existe uma hierarquização entre as esferas do Poder Público, entretanto, assim como a União e os Estados, os Municípios são também instâncias de elaboração de políticas, o que aponta para a “governança multiescalar” como eixo orientador da colaboração entre as esferas federativas.
Além de configurar-se como instância de formulação e coordenação da política nacional de educação a União exerce função supletiva e redistributiva em relação a Estados, Distrito Federal e Municípios (LDB, Art. 9º III). Na prática, diferentes estados e municípios definem suas próprias políticas com apoio de recursos da União ou, de forma independente, com recursos oriundos de suas próprias fontes. O exercício do regime de colaboração é um desafio permanente para os entes federados e poucos são os estados exitosos na colaboração com seus municípios. Em um cenário não necessariamente propício à busca de articulação entre as esferas de governo, requisito de uma governança exitosa, como se viu no referencial teórico que fundamenta a reflexão (Governança) deste artigo, o Ceará foi capaz de construir alternativas de cooperação entre o Estado e os Municípios que representaram exemplos de governança na condução de suas políticas de educação básica.
No caso cearense, a colaboração entre o Estado e os Municípios é prática que remonta aos anos 1970 do século XX (Vieira, 2010; Vieira; Vidal, 2013; Seggatto; Abrucio, 2016). No período correspondente aos vinte anos do objeto de análise, o pacto federativo entre o Estado e os Municípios foi se construindo historicamente, transformando-se ao longo do tempo em política de Estado e abrindo caminho para importantes iniciativas, das quais a mais recente - o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) - veio a tornar-se referência nacional em termos de regime de colaboração.
Em estudo sobre o tema, além de situar as raízes históricas da municipalização, Vieira e Vidal (2013) identifica três distintas etapas no regime de colaboração: a instituição (1995 - 2002), a organização (2003 - 2006) e a consolidação (2007 em diante).
Sob diferentes formas e circunstâncias, a colaboração entre o governo estadual e os municípios tem uma longa trajetória no Ceará e é anterior ao próprio regime de colaboração instituído pela Constituição de 1988 (Art. 211) e referendado pela LDB (Art. 8º). Historicamente, muitos acordos de cooperação técnica e financeira foram firmados tendo propiciado uma aproximação entre os entes federativos capaz de superar interesses político-partidários que, via de regra, pautam as relações entre as diferentes esferas do Poder Público. Com a aprovação de uma legislação específica (Lei nº 12.452/95) e a transferência de recursos por parte do estado aos municípios para a oferta de ensino fundamental, gradativamente foi se firmando uma cultura de colaboração, facilitada pelo papel exercido pelas instâncias regionais de educação, organismos de atuação estratégica do governo estadual. A despeito da aproximação conquistada nos últimos vinte anos, o pacto colaborativo entre estado e municípios não tem sido isento de dificuldades. A despeito dos avanços, muitos obstáculos políticos e técnicos permanecem.
No âmbito municipal, instância de exercício do poder local, traços de uma cultura política fortemente marcada pelo patrimonialismo permanecem (Vieira, 2011). Assim, embora a cooperação entre Estado e Municípios tenha sido exitosa em muitos aspectos, em outros não foi possível avançar. Elementos decisivos à mudança do contexto da máquina estadual, a exemplo do equilíbrio fiscal e da meritocracia, raramente encontraram contrapartida na gestão municipal. Nesse sentido, a permanência de práticas clientelistas na esfera local, não deixa de representar um desafio permanente à sustentabilidade da governança conquistada em campos como o da política de Alfabetização na Idade Certa. A ação de colaboração, por sua vez, requer a mediação do respeito à independência entre as esferas do Poder Público onde o município é um ente federado autônomo.
Mobilização
O processo estratégico de mobilização na política educacional teve início no segundo governo de Tasso Jereissati (1995 - 1998), quando o Ceará concebeu um modelo de gestão democrática para suas escolas estaduais, fundamentado na seleção e escolha de diretores, incluindo eleição pela comunidade escolar. Com algumas modificações ao longo do tempo, tal modelo tem se mantido, com exceção das escolas de educação profissional, criadas a partir do governo Cid Gomes (2007 - 2014).
Antes de tal mudança, a nomeação de dirigentes era uma prerrogativa da Secretaria de Educação que dispunha de forte poder discricionário para indicar diretores politicamente alinhados com o governo. A aprovação de uma legislação específica que estabelecia critérios para a escolha de dirigente escolares representou marco importante, no sentido de estimular a participação dos diversos segmentos da comunidade escolar e romper com a cultura clientelista, traço marcante da política estadual de educação até então. É de se ressaltar, todavia, que se tais práticas oxigenaram de modo visível as escolas da rede estadual, algo semelhante pouco ou raramente aconteceu naquelas pertencentes às redes municipais, onde práticas de indicação política para cargos de gestão escolar tendem a prevalecer. Dados obtidos por meio do Questionário do Diretor 20152, aplicado quando da realização da Prova Brasil, mostra que 63,3% dos diretores das escolas municipais do Ceará ocupam o cargo por indicação apenas, 17% por processo seletivo e indicação, 13,5% por processo seletivo apenas, 2,9% por concurso público apenas, e 0,4% por eleição apenas. Como já comentado anteriormente, o poder local não abre mão de suas prerrogativas discricionárias de indicação de diretores, por representar um forte trunfo nos arranjos políticos no âmbito municipal.
Além do processo de escolha dos gestores se dar por meio de seleção técnica e eleição pela comunidade nas escolas estaduais, a partir de 1995, a Seduc estabelece mecanismos para assegurar a implantação de Conselhos Escolares em todas as escolas. Trata-se de estratégia de apoio e fortalecimento da gestão escolar, que “[...] assumida de forma democrática, tem o gerenciamento pedagógico e administrativo-financeiro feito com a participação efetiva e organizada de todos os segmentos da comunidade escolar” (Naspolini, 2001, p. 182). No âmbito escolar, a participação tem sido fortemente estimulada entre os estudantes, mobilizados através dos Grêmios Estudantis e outras estratégias de envolvimento de jovens.
A mobilização como estratégia de participação, de fato, representa um importante diferencial na formulação e implementação de políticas educacionais no Ceará. Ao referir-se às estratégias orientadas pelo princípio da participação, o secretário de educação responsável pela adoção e disseminação de tais práticas, se refere às mesmas como uma estratégia de reforma, como se vê na passagem a seguir:
O Ceará adotou um terceiro tipo de reforma, baseado na imagem de uma espiral, em que são combinados os fluxos vertical e horizontal. Nesse modelo, as decisões transitam tanto a partir dos níveis hierárquicos superiores (como as secretarias municipais e estadual de educação), como a partir da base (conjunto de escolas). Embora o percurso possa parecer mais longo e demorado, este modelo mostra-se mais resistente às pressões políticas e econômicas, o que demonstra a sua capacidade de garantir a sustentabilidade e adaptabilidade às mudanças. A construção desse modelo só é possível, portanto, se for feita de maneira coletiva e dialética: ao mesmo tempo todos participam e tomam decisões que consideram tanto a experiência local, na escola, como as demandas de estado (Naspolini, 2001, p. 170).
A imagem sugerida pode ser visualizada na Figura 4. O movimento espiralado sugere a existência simultânea de processos de cima para baixo (top down) e de baixo para cima (bottom up).
Estimulado e mantido ao longo do tempo, o processo de mobilização tem sido um facilitador em momentos chave da política educacional cearense estimulando o protagonismo dos diferentes atores envolvidos - dirigentes educacionais e escolares, equipes técnicas, professores, estudantes e servidores. Exemplo ilustrativo da mobilização tem sido o envolvimento de todos os segmentos do sistema de ensino pela participação dos estudantes cearenses no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) em anos recentes. Tal participação tem colocado o Ceará como um dos estados de maior presença neste exame entre jovens da escola pública, assim contribuindo para estimular e facilitar seu ingresso na educação superior. Em outros momentos, a mobilização tem contribuído para o estado atingir metas em campanhas nacionais e estaduais, caso da universalização do ensino fundamental, do cadastro no Programa Bolsa Família e da busca ativa de alunos evadidos.
Responsabilização
Afonso (2010) entende as políticas de accountability a partir dos pilares da avaliação, da prestação de contas e da responsabilização. Para o autor esses pilares compõem um modelo que busca fornecer informações sobre algo, imputando responsabilidades, desde punições até recompensas materiais e simbólicas. O pilar da prestação de contas é considerado a dimensão informativa e de publicização de resultados, podendo ocorrer em diferentes níveis hierárquicos; a responsabilização refere-se ao grau de recompensas, formas de indução e normas de condutas, incluindo o papel e ação de professores; e o nível da avaliação é condição para desenvolvimento de processos de prestação de contas e de responsabilização.
Os processos associados à responsabilização aqui tratados referem-se a duas políticas mutuamente relacionadas: de um lado, a criação de um sistema de avaliação externa que adquiriu consistência e relevância ao longo do tempo na agenda governamental; de outro, a gestão por resultados, implementada no decorrer da administração do governador Lúcio Alcântara (2003 - 2006) e desde então, ampliada e viabilizada nos governos subsequentes.
O Ceará foi um dos primeiros estados brasileiros a integrar um debate sobre avaliação de larga escala que teve início sob os auspícios do governo federal. O Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica (Spaece) foi originalmente concebido como um projeto piloto para acompanhar a performance de escolas estaduais e subsidiar a formulação de políticas visando a melhoria da educação pública. No decorrer do tempo este veio a tornar-se um sistema que inclui a avaliação de todas as escolas de educação básica públicas do estado (Lima, 2007; 2012; Vidal; Vieira; Galvão, 2016), com significativo impacto sobre o desempenho da rede pública.
Os avanços nos modelos de avaliação de larga escala ocorridos no país suscitaram mudanças no Spaece no que diz respeito à dimensão metodológica. Por outro lado, o fortalecimento e o crescente protagonismo da política de avaliação de larga escala em âmbito nacional contribuem para reposicionar tal exame no âmbito da gestão da educação estadual. Este passou, então, a ser incorporado como mecanismo de mensuração para alguns indicadores educacionais, como se poderá ver em detalhamento adiante, associado a uma forte política de premiação e bônus.
Já em 2004, a ampliação do Spaece para todas as escolas da rede pública estadual viabilizou um acompanhamento mais próximo do desempenho de alunos, que passou a ser discutido com escolas, sob supervisão das Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Crede). Foi então que, pela primeira vez, o governo estadual premiou escolas de sua própria rede mediante a instituição de um 14º salário para as unidades com melhor desempenho. Tal iniciativa, relativamente modesta, foi repetida em 2006.
Desde 2007, com a ascensão de Cid Gomes (2007-2014), o Spaece foi ampliado, estimulado e adotado como política para toda a rede, servindo, inclusive, como indicador de resultado para alteração dos critérios de distribuição da cota-parte dos municípios no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por meio de uma nova lei estadual que condicionou parte do repasse do imposto a indicadores de educação, saúde e meio ambiente. A Lei nº 14.023/073 vinculou o percentual da cota parte do ICMS a dois novos critérios:
II - 18% (dezoito por cento) em função do Índice Municipal de Qualidade Educacional [IQE] de cada município, formado pela taxa de aprovação dos alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental e pela média obtida pelos alunos de 2º e 5º ano da rede municipal em avaliações de aprendizagem.
A modificação da lei não prevê dinheiro novo, mas uma nova forma de distribuição dos recursos, o que leva municípios a, em função de seus resultados educacionais, terem reduzida a parcela a ser recebida, enquanto outros, também em função dos seus indicadores educacionais, conseguirem aumentar os valores a receber do ICMS.
O modelo denominado de Gestão por Resultados (GPR), explicado anteriormente, passa a ser componente estratégico da gestão financeira e administrativa do estado, orientando todo o planejamento governamental. Na Seduc, se articula com o Spaece e com as bases de dados do Censo Escolar para a criação de indicadores educacionais de qualidade e quantidade, a serem monitorados do ponto de vista de investimentos, ações prioritárias e alocação de equipes técnicas.
A experiência mais ousada tendo como base a GPR e apoiada pelo regime de colaboração com os municípios, foi o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), traduzido na celebração de um pacto entre o governo do estado e os 184 municípios cearenses acerca da alfabetização das crianças, a partir de 2008. Esse pacto teve por fundamento uma forte política de accountability, a partir dos três pilares aludidos por Afonso (2010): avaliação, prestação de contas e responsabilização. O protagonismo do estado foi marcado também por modificações na realização do Spaece, que passou a ser aplicado às crianças matriculadas no 2º ano do ensino fundamental. Elementos decisivos de tais processos foram a publicização e hierarquização de tais resultados sob a forma de boletins, mapas e outros mecanismos de divulgação e pela alteração na legislação do ICMS com a criação de bônus associados a resultados.
Se elementos de uma cultura de responsabilização contribuíram para avanços nos resultados do Ideb, registrados na Introdução deste artigo, tal processo não foi isento de tensões e contradições. A política de bonificação tem sido objeto de controvérsias entre os estudiosos do campo (OCDE, 2012). Há registros de que, do ponto de vista prático, no caso do Ceará, tem contribuído para o aumento de competividade entre escolas (Mota, 2018).
Importante destacar também que, ao incluir essa política como agenda prioritária e na expectativa de atingir metas previstas, o governo estadual cria mecanismos que possibilitam apoio técnico e remuneração de equipes, atuando no âmbito da gestão das secretarias de educação municipais. Esse tipo de colaboração não pode representar intervenção na gestão municipal, e por isso exige uma relação complexa e muito bem articulada, com limites claramente estabelecidos e sem provocar constrangimentos ao ente municipal, talvez o maior desafio desse tipo de ação.
Considerações Finais
Ao aprofundar a análise sobre os processos de colaboração, mobilização e responsabilização iniciados em meados da década de noventa do século XX, pretendeu-se lançar luzes em aspectos pouco explorados nos estudos contemporâneos sobre política educacional no Brasil, qual seja, o de que a trajetória das iniciativas gera circunstâncias favoráveis para que, em momentos posteriores no tempo, surjam e sejam aproveitadas determinadas ‘janelas de oportunidade’, como bem observa Sumiya (2015), a exemplo do PAIC.
O círculo virtuoso de um bom governo cria não apenas condições que asseguram a sustentabilidade de iniciativas como também um cenário propício à inovação. A reconstrução de processos estratégicos à trajetória da política educacional cearense, permite constatar que nesta unidade federada foram criadas circunstâncias propícias à mudança, mediante o desenvolvimento de uma cultura de colaboração entre o Estado e os Municípios à qual se associaram outros ingredientes como a mobilização e a responsabilização. Percebe-se, nesse sentido, que, no caso do Ceará, como por certo também em outros contextos, a história importa (Hoff, 2011; Tilly, 2013). Tal constatação ilustra o potencial explicativo das teorias da governança e da dependência da trajetória para compreender os processos de formulação e implementação de políticas educacionais.