INTRODUÇÃO
Este artigo analisa crenças de professores da educação básica sobre reprovação escolar. Para tanto, são estimadas crenças desses profissionais sobre reprovação, princípios de justiça e avaliação e verificados seus conhecimentos sobre efeitos da reprovação com base em amostra de docentes que lecionam Língua Portuguesa em escolas das redes públicas, indicando como tais crenças e conhecimentos se relacionam entre si. Também são identificadas características do perfil de professores e de contexto de políticas que podem estar influenciando essas crenças.
Estudos que buscam compreender a adesão do professor à prática da reprovação, por meio da investigação de um conjunto de crenças que se reportam a concepções relativas ao desenvolvimento do ensino, têm como referência conhecimentos sobre o fato de que, para agir sobre a situação de ensino, o professor mobiliza conhecimentos e crenças. Que tipo de crenças e conhecimentos é mobilizado em determinada situação, como elas se relacionam entre si, que características de perfil e que situações de contexto interferem, se tais crenças e conhecimentos se modificam ao longo do tempo são questões de pesquisa indicadas por Crahay e seus colaboradores (2010) como relevantes para o estabelecimento de estratégias efetivas de formação dos professores.
Esses autores entendem crenças como representações sociais por serem conteúdos mentais, compilações de conceitos e acepções que têm origem social. Elas implicam em adesão dos indivíduos, mas não repousam em sistema de validade rigoroso. Sua legitimidade está no fato de que são amplamente (re)conhecidas. Essa última característica é o que, para os autores, diferenciaria crenças de conhecimento. Este exige sistema rigoroso de validade, evidências empíricas advindas de pesquisa.
As pesquisas sobre crenças e relações entre crenças e conhecimento são raras no país - apesar de serem comuns internacionalmente. No Brasil, os estudos apresentam uma abordagem predominantemente qualitativa. A reprovação escolar é um tema de suma relevância de ser bem pesquisado dada a sua relação direta com o grande problema de inequidade escolar no país.
CRENÇAS DE PROFESSORES E REPROVAÇÃO ESCOLAR
Para discutir as crenças sobre reprovação escolar julgou-se importante fazer uma breve retomada sobre o tema da reprovação escolar a fim de permitir a formulação de hipóteses sobre a adesão dos professores a essa prática.
Pesquisadores afirmam que há associação entre fracasso escolar e algumas características dos alunos, entre elas sua origem social e racial (ALVES; ORTIGÃO; FRANCO, 2007; MACHADO; GONZAGA, 2007; LOUZANO, 2013). Para Souza et al (2010),os altos índices de reprovação são entrave à universalização do acesso e da conclusão na idade adequada do ensino médio no Brasil e constitui problema antigo da educação nacional. Nos anos de 1960 e 1970, estados como Santa Catarina, Minas Gerais e Rio de Janeiro adotaram políticas que visavam reverter os altos índices de reprovação (ARELARO, 1988). Sem continuidade, essas propostas ajudaram a colocar em pauta o debate sobre a reprovação escolar.
Nos anos de 1980, as redes estaduais de ensino de São Paulo, Minas Gerais, Pará, Paraná, Goiás implementaram o Ciclo Básico de Alfabetização com progressão continuada do primeiro para o segundo ano (MAINARDES, 2007). No início dos anos 1990 um estudo gerou mudanças no modo de compreender a reprovação escolar no país: Ribeiro (1991) concluiu que esse era um problema mais grave que a evasão, pois entre a 1ª e a 2ª série o índice de reprovação era de 52,5% enquanto que a evasão era de 2,3%. Novas experiências de políticas de não reprovação anual foram então implementadas. A rede municipal de São Paulo organizou o ensino fundamental em três ciclos com progressão continuada em 1992 antes da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996) que prevê diferentes formas de organização do ensino (BRASIL, 1996). Mas foi principalmente após a aprovação desta Lei que o Brasil teve o maior número de experiências de organização do ensino em ciclos. Contudo, em 2014, de acordo com dados do Censo Escolar, apenas 30,14% das escolas brasileiras, de redes públicas e privadas, tinham o ensino organizado em ciclos.
Pesquisas qualitativas indicam que, na sociedade e entre professores da educação básica, as experiências de ciclos e progressão continuada produziram mais posicionamentos contrários do que favoráveis à reprovação (SOUSA; BARRETTO, 2004; PARO, 2001; GLÓRIA; MAFRA, 2004; ARAÚJO, 2006).
A associação entre reprovação e piora da qualidade da educação na população e, por vezes, entre os professores “se deve à cultura da reprovação, que parece estar densamente incorporada no cotidiano escolar e no imaginário familiar como algo necessário e benéfico ao aluno em situação de fracasso escolar” (GLÓRIA; MAFRA, 2004, p. 235). Ferrão, Beltrão e Santos (2002) e Alavarse (2007) não encontraram evidências de que os alunos que estudam em escolas com reprovação anual tenham melhor desempenho do que aqueles que estudam em escolas com progressão continuada.
Ao analisar manifestação de professores da educação básica sobre progressão continuada, principalmente no estado de São Paulo, Jacomini (2004) categorizou os argumentos e explicações contrárias à progressão continuada em condicionantes materiais, ideológicos e institucionais-pedagógicos. Os condicionantes materiais dizem respeito às condições do trabalho pedagógico (número de alunos por professor, material didático, espaço físico, tempo de trabalho coletivo na escola e de preparação de aula adequados). Os condicionantes ideológicos compreendem concepções de escolarização e de relação da escola com a sociedade. Dois argumentos comuns em defesa da reprovação são: ela dá ao professor poder para controlar a disciplina dos alunos e condições de exigir dedicação aos estudos; a sociedade pratica a seleção por meio do mérito, portanto, a escola deve incutir nos estudantes a ideia de mérito e seleção, sendo a reprovação a principal forma de fazer isso. Os condicionantes institucionais-pedagógicos estão, para a autora, relacionados às condições de funcionamento da escola. Os professores dizem que a escola não foi organizada em termos de currículo, tempos e espaços escolares, avaliação e metodologia de ensino de acordo com os pressupostos do ensino organizado em ciclos e da progressão continuada expressos na literatura e na legislação, dificultando, portanto, uma nova prática pedagógica.
Esses condicionantes, afirma a pesquisadora, reforçam-se mutuamente criando uma série de resistências à superação dos processos de seleção e exclusão escolar. Premidos por condições materiais e institucionais-pedagógicas inadequadas ao desenvolvimento de um processo educativo que propicie aprendizagem a todos os estudantes, a maioria dos professores apoia-se nos condicionantes ideológicos para justificar a oposição à progressão continuada e afirmar que ela é inadequada à escola brasileira.
Segundo as pesquisas brasileiras mencionadas, a saída que a maioria dos professores tem encontrado é criticar a progressão continuada e atribuir a ela a responsabilidade pelas dificuldades que eles têm vivenciado na profissão, especialmente nos aspectos relacionados à disciplina e à aprendizagem.
Várias pesquisas apontam que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) - elaborado a partir da Prova Brasil - tem influenciado fortemente as políticas dos entes da federação brasileira (BAUER; ALAVARSE; OLIVEIRA, 2015; CENPEC, 2015; SOUZA; ARCAS, 2010). O Ideb traz embutida a noção de que as crianças devem aprender, com fluxo escolar adequado (OLIVEIRA, 2007). A adoção de políticas educacionais visando a melhoria do Ideb implica, necessariamente, em pressão pela não reprovação.
Pesquisas internacionais e nacionais indicam que a reprovação escolar é um dos principais entraves para o ingresso no ensino médio, conturba a trajetória escolar, é dispendiosa e gera resultados negativos, conduzindo a mais reprovação e a menos aprendizado (BORAITA; MARCOUX, 2013; XIA; GLENNIE, 2005; SOUZA et al, 2012). Ademais, no país, dados da Prova Brasil indicam que há mais negros, meninos e trabalhadores entre os repetentes, o que reforça evidências de se trata de uma prática que gera e/ou reforça a desigualdade escolar. Correa, Bonamino e Soares (2014) investigando, com dados do GERES 2005,2 se alunos que repetiram apresentaram ganhos de proficiência, constataram que repetentes apresentam médias inferiores e que, quando há situações que denotam ganhos, esses não têm relevância pedagógica e não se mantêm no tempo.
Draelants (2008), analisando os efeitos das políticas de não reprovação na Bélgica, constata que os professores continuam acreditando no efeito positivo dessa prática, apesar das evidências científicas contrárias. Crahay, Marbaise e Issaieva (2013) procuraram compreender que tipo de crença contribui para justificar a prática de reprovação entre professores da Bélgica francofônica. Parte-se da hipótese de que as crenças se comportariam de forma lógica fazendo com que, por exemplo, aqueles que defendem a reprovação, sustentem também o princípio de justiça meritocrática3, acreditam na ideia de dom e também na concepção normativa de avaliação.4 Por outro lado, seria lógico imaginar que os professores que aderem a uma concepção corretiva de justiça (igualdade de conhecimento adquirido) aderem a uma concepção formativa da avaliação e, consequentemente, não acreditam nas virtudes da repetição, especialmente se eles estiverem bem informados sobre a pesquisa científica a respeito do assunto. Dois resultados relevantes emergiram do estudo: a consciência da pesquisa sobre os efeitos da repetência tende a influenciar as crenças docentes sobre esta prática; e contrariamente às hipóteses estabelecidas, as crenças dos professores podem conter noções logicamente incongruentes entre si. Crahay, Issaieva e Monseur (2014) também fizeram o mesmo tipo de pesquisa junto a professores do primário do cantão de Genebra. As conclusões são similares: o conhecimento da pesquisa afeta positivamente as crenças e não há a coerência esperada entre distintas crenças.
Para Crahay e colaboradores (2010), as crenças constituem-se a partir de experiências vividas e informações, saberes, modelos de pensamento recebidos e transmitidos pela tradição, educação e comunicação social. Relacionam-se com a cultura, com a ação e experiência do professor, com a relação entre o indivíduo, a constituição de sua identidade e seu contexto. Segundo os pesquisadores, as crenças proporcionariam uma visão prática de como proceder, propiciando certo domínio sobre o ambiente. Para estar num contexto, os indivíduos buscam equilíbrio, e as crenças ofereceriam um quadro para a compreensão do que ocorre. Defender uma crença pode significar defender seu pertencimento social. Elas têm ainda a função de determinar o que é legítimo (o que é aceitável num dado contexto), compartilhado e que, portanto, “deve” ser defendido. Crenças também podem ser mobilizadas a título de autodefesa, para justificar ações ou comportamentos. Diante da situação de ensino, professores geralmente recorrem a crenças ou conhecimento, de forma indistinta, para solucionar seus problemas práticos.
A discussão feita por Crahay e colaboradores (2010) remete à complexidade da relação entre crenças, conhecimentos e práticas. A influência das crenças e conhecimentos sobre as situações de ensino não é algo que ocorre diretamente. Influenciados pelo contexto, processos de construção de suas identidades, questões de legitimidade e por sua experiência, professores fazem uso de suas crenças e conhecimentos para agir. E quanto mais experientes, mais esse uso pode denotar situações procedimentais que poderão simplificar formas, facilitar a memória. Os autores afirmam que nada indica que mudanças nas crenças dos professores vão necessariamente caminhando rumo a situações mais justas. A evolução dependerá das situações de ensino a serem enfrentadas, mas também de aspectos emocionais, lembranças pessoais e das funções que as crenças e conhecimentos têm no contexto, em termos de constituição da identidade, produção de legitimidade, orientação das condutas gerais.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foi aplicado um questionário com 189 itens cuja resposta exigia do professor concordância ou discordância a respeito de questões implicadas no processo de ensino e aprendizagem (ver Quadro 1) numa escala de Likert de seis pontos. O questionário foi desenvolvido sob liderança de Marcel Crahay da Universidade de Genebra a partir da realização de outras pesquisas. O instrumento foi traduzido do francês para o português por tradutor profissional e revisto pelos autores e por pesquisadora externa. Perguntas sobre o perfil do professor foram adaptadas para o contexto brasileiro.5 O questionário foi testado com oito professores e pessoas experientes em formação de professores, em junho de 2014.6 Não foram empregados procedimentos de validação do instrumento. Essa limitação deve ser considerada na análise dos resultados.
O instrumento foi aplicado junto a professores participantes da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLP).7 A escolha se deveu ao seguinte: (i) são indivíduos mobilizados pelo vínculo com o programa e, por isso, teriam, em princípio, maiores chances de responder com mais atenção e confiabilidade. (ii) Como o programa realiza formações à distância por meio da internet, possuem acesso e conhecimento suficiente para lidar com o formulário em que o questionário estava disponível; (iii) são de todos os estados do país.
O universo considerado na pesquisa se constitui de todos os professores inscritos no programa de 2014que atuam como docentes nos ensinos fundamental e médio. Analisados os 5.996 questionários respondidos (6% dos 95.056 professores inscritos no programa), a amostra final é de 5.493 professores.
A amostragem é de conveniência e entramos em contato com os professores do universo por e-mail, pedindo sua colaboração voluntária e fornecendo o link para o questionário.8 Para incentivar o retorno dos docentes, oferecemos, aos cem primeiros que respondessem completamente9 o questionário, livros que tratam de resultados de pesquisas sobre família e escola e sobre formação de professores. O questionário ficou disponível para os respondentes durante 24 dias (de 30 de junho a 24 de julho de 2014).
Para checar a compatibilidade dos dados colhidos com a estrutura conceitual do instrumento, todos os itens relacionados a um tópico como, por exemplo, reprovação, foram submetidos a uma análise fatorial exploratória, cujo método de extração de fatores foi o de componentes principais com rotação oblíqua. A partir desse exercício identificou-se a quantidade de crenças por tema e foram selecionados os itens usados para sua estimação.
Essa estimação foi feita por meio de Teoria de Resposta ao Item (TRI)10 devido ao fato de que 56% dos questionários têm, pelo menos, um item sem resposta dentre os 189 itens de crenças.11 Com a TRI foi possível estimar o escore do professor mesmo se ele não tivesse respondido a todos os itens relativos à crença.
Embora as 189 questões se reportassem também a outras crenças (Quadro 1), neste artigo tratou-se apenas das crenças relativas a “concepções de avaliação”, “princípios de justiça” e “reprovação” e sobre o conhecimento de pesquisas relativas a efeitos negativos da reprovação. A relação entre tais crenças e entre estas e o conhecimento de pesquisas foi analisada por meio de correlação e a identificação das características associadas à adesão à reprovação foi feita com análise de regressão. Os detalhes desses exercícios encontram-se nas próximas seções.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
PERFIL DA AMOSTRA
Na Tabela 1, apresentamos o perfil dos professores inscritos no programa, dos que fazem parte da amostra, dos docentes de língua portuguesa das séries contempladas no concurso (5º ao 9ª ano do EF e 1ª a 3ª série do EM) e de todos os docentes brasileiros.
Característica | Professores inscritos no programa - 2014 | Amostra - 2014 | Professores da rede pública que lecionam LP nas séries do programa - 2014 ** | Todos os professores da rede pública - 2014 |
---|---|---|---|---|
Idade média | 40.2 | 40.1 | 41.2 | 40.5 |
Mulher | 86.9 | 84.4 | 85.6 | 80.1 |
Mora nas capitais* | 12.0 | 15.0 | 16.5 | 17.6 |
Até Ensino Superior incompleto | 7.7 | 2.7 | 10.1 | 14.7 |
Até Ensino Superior completo | 39.4 | 32.7 | 45.7 | 44.7 |
Pós-graduação completa | 52.9 | 67.3 | 54.2 | 55.2 |
Quantidade média de alunos | 126.2 | 157.3 | 139.9 | 134.7 |
Escola da inscrição é / atua em federal | 0.5 | 2.7 | 0.5 | 1.5 |
Escola da inscrição é / atua em estadual | 43.9 | 55.8 | 52.5 | 41.8 |
Escola da inscrição é / atua em municipal | 55.6 | 54.3 | 60.9 | 63.8 |
Atua em escola particular | - | 9.6 | 6.9 | 5.2 |
Anos de experiência média na docência | 13.9 | 14.3 | - | - |
Total | 94954 | 5493 | 316935 | 1787410 |
Fonte:Programa (2014); dados da nossa amostra; Escolar/Inep. * No Censo Escolar, essa variável tem cerca de 20% de não resposta. ** Inclui 4ª série do Ensino Médio regular, integrado e Magistério/Normal.
Chama atenção o fato de o programa conseguir reunir quase 30% dos professores que lecionam português nas redes públicas do país nas séries contempladas. Em relação ao total de professores das redes públicas, os docentes de língua portuguesa representam 18%. Ao compararmos o perfil do professor inscrito no programa com o dos docentes de português das redes públicas das mesmas séries do concurso, destaca-se o fato de que os primeiros possuem maior escolaridade e de que os professores da amostra têm ainda maior escolaridade.
Conforme mostra a Tabela 2, a maioria dos professores da amostra é mulher, tem entre 30 e 49 anos de idade, tem mãe analfabeta ou escolaridade até o ginasial incompleto, tem renda familiar líquida mensal entre dois e dez salários mínimos, tem ensino superior completo e pós-graduação lato sensu, é concursada e tem mais de 10 anos de experiência como docente. Professores de todas as regiões do país responderam ao questionário.
Característica | % |
---|---|
Mulher | 83.7 |
Homem | 15.5 |
Menos de 25 anos | 3.7 |
De 25 a 29 anos | 10.1 |
De 30 a 39 anos | 34.2 |
De 40 a 49 anos | 34.6 |
De 50 a 59 anos | 14.5 |
60 anos ou mais | 2.0 |
Branco | 49.9 |
Negro | 46.5 |
Amarelo ou indígena | 2.7 |
Norte | 5.8 |
Nordeste | 35.3 |
Sudeste | 36.1 |
Sul | 14.4 |
Centro-Oeste | 7.9 |
Mãe analfabeta/Primário incompleto | 29.4 |
Mãe com primário completo/Ginasial incompleto | 34.8 |
Mãe com ginasial completo/Colegial incompleto | 12.9 |
Mãe com colegial completo/Superior incompleto ou completo | 21.7 |
Renda de até R$ 1.356,00 | 12.6 |
Renda de R$ 1.357,00 a R$ 3.390,00 | 42.2 |
Renda de R$ 3.391,00 a R$ 6.780,00 | 33.6 |
Renda de mais de R$ 6.781,00 | 10.9 |
Até Ensino Superior | 32.4 |
Atualização ou Especialização | 60.7 |
Mestrado ou Doutorado | 6.2 |
Graduação em Letras | 67.2 |
Graduação polivalente | 34.6 |
Graduação em outras áreas | 13.8 |
Sem licenciatura | 4.5 |
Com licenciatura | 94.5 |
Atua na rede federal | 2.7 |
Atua na rede estadual | 55.5 |
Atua na rede municipal | 54.0 |
Atua na rede particular | 9.6 |
Não concursado | 26.5 |
Concursado | 72.7 |
Até 5 anos de experiência | 22.4 |
De 5 a 10 anos de experiência | 16.1 |
De 10 a 20 anos de experiência | 32.5 |
Mais de 20 anos de experiência | 26.3 |
Atua no EF1 | 33.0 |
Atua no EF2 | 58.6 |
Atua no EM | 39.4 |
Fonte: Elaboração própria.
Pela Tabela 3, vê-se que quase 30% dos professores afirmam ter reprovado quando estudava; mais da metade afirma que colegas e superiores são favoráveis à reprovação; e apenas 13% afirmam ter a mesma opinião sobre reprovação que tinha antes de exercer a profissão.
Característica | % |
---|---|
Ponto de vista de seus colegas e da direção a respeito da reprovação é favorável | 54.58 |
Desde que passou a exercer a profissão, acredita que sua opinião sobre a reprovação continua a mesma | 12.93 |
Não repetiu na educação básica | 70.47 |
Repetiu na educação básica | 27.73 |
Fonte: Elaboração própria.
RELAÇÕES ENTRE AS CRENÇAS E ENTRE CRENÇAS E CONHECIMENTO DAS PESQUISAS SOBRE REPROVAÇÃO
Para este artigo selecionamos para análise as crenças sobre reprovação, justiça e avaliação e o conhecimento sobre resultados de pesquisas acerca dos efeitos da reprovação (ver Quadro 2). Os itens do questionário que compõem cada crença são disponibilizados no Apêndice 1.
As crenças foram correlacionadas. Os resultados indicam coerência entre elas (ver Tabela 4) e se mostram um pouco distintos daqueles encontrados por Crahay, Marbaise e Issaieva (2013) e Issaieva e Monseur (2014). Nessas pesquisas, dados de professores da Bélgica e do Cantão de Genebra, respectivamente, não denotam coerências muito demarcadas entre as crenças de professores.
C1 | C2 | C3 | C4 + | C5 | C6 | C7 | C8 | C9 | C10 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
C1 | 1.0000 | |||||||||
C2 | -0.3466 | 1.0000 | ||||||||
C3 | 0.5760 | -0.2281 | 1.0000 | |||||||
C4+ | 0.6016 | -0.5381 | 0.4336 | 1.0000 | ||||||
C5 | 0.0924 | 0.1630 | 0.0926 | -0.1497 | 1.0000 | |||||
C6 | 0.1809 | 0.1401 | 0.1584 | -0.0834 | 0.6857 | 1.0000 | ||||
C7 | 0.4348 | 0.0139* | 0.3301 | 0.2678 | 0.1028 | 0.2156 | 1.0000 | |||
C8 | 0.2999 | 0.0220* | 0.2400 | 0.1841 | 0.0903 | 0.1375 | 0.5034 | 1.0000 | ||
C9 | 0.1209 | 0.2154 | 0.1253 | -0.0744 | 0.3909 | 0.3549 | 0.2022 | 0.1809 | 1.0000 | |
C10 | 0.0281 | 0.1238 | 0.0783 | -0.0771 | 0.3102 | 0.3224 | 0.0913 | 0.0536 | 0.1735 | 1.0000 |
Fonte: Elaboração própria. Nota: correlações são significativas a 5%, exceto as com asterisco. No C4, + indica o conhecimento. Significado das crenças constam no quadro 2.
A correlação entre C1, C2 e C3 mostra que quanto mais favorável à reprovação (C1) menos se considera que ela causa efeitos socioafetivos negativos (C2) e mais se acha que ela deve ocorrer precocemente (C3).
As correlações positivas entre o posicionamento geral sobre reprovação (C1), a concepção de avaliação normativa (C7) e a visão meritocrática do papel da escola (C8) também denotam coerência entre crenças: quanto mais favorável à reprovação, mais o professor adere à concepção normativa de avaliação e meritocrática de justiça.
Também há uma correlação positiva coerente entre a adesão ao princípio meritocrático (C8) e a avaliação normativa (C7). Ou seja, o professor que acredita na avaliação como meio de selecionar os melhores, tende também a apostar no princípio meritocrático como meio de distribuição do conhecimento. Considerando que a Sociologia da Educação afirma a correlação entre desigualdade social e desempenho educacional (BROOKE; SOARES, 2008), os resultados desta pesquisa indicam ser importante desenvolver junto aos professores a compreensão do significado do princípio de justiça meritocrático na Educação Básica que, segundo Dubet (2009) e Crahay (2000), é uma forma de distribuição de conhecimento incompatível com a noção de direito obrigatório e subjetivo.12
Outro resultado instigante é que acreditar que a reprovação tenha efeitos socioafetivos negativos (C2) ou que a reprovação deve ocorrer precocemente na vida escolar (C3) aparece correlacionado negativamente com ter conhecimento de pesquisas sobre os efeitos negativos dessa prática (C4). Esses resultados corroboram a relevância do investimento em formação para que o professor amplie seus conhecimentos sobre efeitos da reprovação.
Esse apontamento se torna ainda mais forte diante da afirmação de Crahay e colaboradores (2010) de que há relação entre ação do professor e crenças. Trabalhar, em processos formativos de professores, com evidências científicas sobre os malefícios da reprovação pode resultar em substituição de crenças pró-reprovação. Isto pode afetar positivamente a sua ação: diante de uma situação de ensino o professor irá recorrer a crenças que acredita funcionar. Mesmo não sendo a substituição de crenças uma garantia de que as práticas do professor se alteram, significa uma ampliação do conjunto de crenças e conhecimentos aos quais os professores recorrem para agir. Evidentemente, conforme os autores, essa possibilidade de mudança na prática cresce conforme há também situações, no contexto, que favorecem ações mais justas nos processos de ensino.
Características de contexto e do perfil docente que podem interferir nas crenças sobre reprovação: regressões
Para entender o posicionamento dos professores sobre a reprovação a partir de seu contexto, seu perfil socioeconômico e do conhecimento de pesquisas sobre os efeitos da reprovação, usamos análise de regressão.13 Foram estimados modelos lineares por mínimos quadrados ordinários com erros robustos e com a seguinte forma funcional:
Onde Cji denota a crença j (j = 1,2,3) do professor i (escore estimado pela TRI com base nos itens do questionário, conforme descrito na seção de procedimentos metodológicos) padronizada (com média zero e desvio padrão um); P i é o escore de conhecimento dos resultados das pesquisas sobre efeitos da reprovação (também padronizado); D i denota o conjunto de características contextuais e de perfil dos docentes; ei é um termo de erro. Estudou-se características dos professores que pudessem trazer informações sobre elementos que, segundo Crahay e colaboradores (2010), podem influenciar as crenças de professores. Considerando essa literatura, as características trazem indicações sobre identidade pessoal, profissional, contexto e formação dos professores. As variáveis explicativas da regressão estão detalhadas no Quadro 3.
A variável de experiência com políticas de não reprovação dos anos 1990 se baseou nas políticas de progressão continuada que constam em Barretto e Mitrulis (2001): Rio de Janeiro (capital); estado do Rio de Janeiro; estado de São Paulo; estado de Minas Gerais; São Paulo (capital); Belém; Belo Horizonte; Porto Alegre; Blumenau; estado do Ceará.
A variável “experiência com políticas de não reprovação atuais” se baseou nos dados do Censo Escolar 2014 e identifica o professor que atua em uma escola que implementa política de não reprovação. Ambas as variáveis visam captar se o professor teve algum contato com tais políticas. Pouco mais de 12% da amostra ingressou na carreira docente até o ano de 2000 e trabalha numa rede que implantou políticas de não reprovação ao longo dos anos 1990. 34% da amostra atuavam em escola que reportou no Censo Escolar de 2014 ter o EF organizado em ciclos.
As regressões permitem identificar variáveis associadas às crenças, porém seus coeficientes não indicam uma relação causal. O tamanho dos coeficientes informa a variação da crença em função da variação na característica em unidades de desvio padrão. O que mais nos interessa com relação aos coeficientes são seus sinais e significância, que indicam se as variáveis explicativas respectivas estão associadas a um aumento ou a uma redução do grau de adesão com a crença e se tal relação tem significância estatística.
Na Tabela 5 vemos os modelos estimados para explicar as três crenças sobre reprovação. Na primeira coluna de cada crença, o modelo não inclui as variáveis de experiência com políticas de não reprovação; na segunda coluna o modelo inclui tais variáveis. Com respeito à crença de posicionamento geral (C1),é possível apreender que o professor que discorda da reprovação tende, em média, a conhecer mais a pesquisa sobre os efeitos da reprovação, ter mestrado ou doutorado, não atuar no EF1, termais de 20 anos de experiência docente, ser mais velho, homem, negro, residir na região Sul,14 ter mãe analfabeta ou com primário incompleto, ter maior renda familiar líquida e ser concursado.
Covariadas | C1 Posicionamento geral com respeito à reprovação | C2 Efeitos socioafetivos da reprovação | C3 Efeitos da reprovação precoce | |||
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | |
Desconhecimento da pesquisa | 0.481*** | 0.485*** | 0.390*** | 0.401*** | ||
Experiência docente de 5 a 10 anos | -0.031 | -0.029 | 0.023 | 0.025 | 0.007 | 0.000 |
Experiência docente de 10 a 20 anos | -0.054 | -0.073* | 0.126*** | 0.118** | 0.031 | 0.033 |
Experiência docente de mais de 20 anos | -0.105** | -0.118** | 0.146*** | 0.137** | -0.004 | -0.018 |
Idade | -0.017** | -0.012 | -0.019** | -0.023*** | -0.023** | -0.013 |
Idade ao quadrado | 0.000** | 0.000 | 0.000*** | 0.000*** | 0.000*** | 0.000** |
Repetiu na EB | -0.001 | -0.003 | -0.030 | -0.039 | -0.018 | -0.041 |
Homem | -0.055* | -0.062* | 0.058 | 0.047 | -0.126*** | -0.152*** |
Negro | -0.058** | -0.061** | 0.065** | 0.085** | -0.067** | -0.053 |
Amarelo ou indígena | -0.108* | -0.109 | 0.123* | 0.127 | -0.082 | -0.107 |
Norte | -0.025 | -0.008 | 0.257*** | 0.282*** | -0.026 | -0.033 |
Nordeste | 0.005 | 0.018 | 0.289*** | 0.291*** | 0.004 | 0.02 |
Sul | -0.066* | -0.044 | 0.082** | 0.103** | -0.027 | -0.014 |
Centro-Oeste | 0.034 | 0.034 | 0.145*** | 0.174*** | -0.028 | -0.063 |
Educação da mãe Analfabeta /Primário incompleto | -0.062* | -0.070* | 0.046 | 0.07 | -0.06 | -0.092** |
Educação da mãe Primário completo / Ginasial incompleto | -0.035 | -0.043 | 0.019 | 0.003 | -0.026 | -0.064 |
Educação da mãe Ginasial completo / Colegial incompleto | -0.06 | -0.085* | -0.001 | 0.014 | -0.037 | -0.067 |
Renda até R$ 1.356,00 | 0.124** | 0.115* | 0.075 | 0.087 | 0.283*** | 0.307*** |
Renda de R$ 1.357,00 a R$ 3.390,00 | 0.056 | 0.022 | 0.007 | -0.007 | 0.210*** | 0.190*** |
Renda de R$ 3.391,00 a R$ 6.780,00 | 0.086** | 0.057 | 0.026 | 0.017 | 0.139*** | 0.113** |
Atualização ou Especialização | -0.042 | -0.049 | 0.014 | 0.031 | -0.015 | -0.011 |
Mestrado ou Doutorado | -0.251*** | -0.234*** | -0.013 | -0.004 | -0.209*** | -0.155** |
Letras | 0.011 | 0.011 | -0.004 | -0.002 | -0.053 | -0.042 |
Polivalente | -0.007 | -0.017 | 0.100*** | 0.090** | -0.024 | -0.007 |
Licenciatura | -0.001 | 0.005 | -0.007 | -0.02 | -0.034 | -0.048 |
Estadual | -0.054 | -0.067* | 0.057 | 0.038 | -0.026 | -0.038 |
Municipal | -0.034 | -0.035 | 0.035 | 0.01 | 0.018 | -0.017 |
Concursado | -0.083** | -0.101*** | -0.018 | -0.004 | -0.111*** | -0.138*** |
Atua no EF1 | 0.076* | 0.103** | -0.045 | -0.028 | 0.124*** | 0.120** |
Atua no EF2 | 0.031 | 0.067* | -0.009 | 0.014 | -0.023 | -0.035 |
Atua no EM | 0.046 | 0.049 | 0.000 | -0.03 | -0.024 | -0.022 |
Políticas anos 90 | 0.231** | 0.083 | -0.034 | |||
Políticas 2014 | -0.207** | -0.013 | 0.051 | |||
Interação: só políticas 2014 | 0.247** | 0.015 | -0.006 | |||
Observações | 4974 | 4063 | 4984 | 4072 | 4974 | 4063 |
R-quadrado | 0.385 | 0.388 | 0.046 | 0.046 | 0.220 | 0.230 |
Fonte: Elaboração própria. Notas: *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1; erros padrão robustos; todos os modelos têm constante.
Quanto mais o docente conhece pesquisas, menos é favorável à reprovação. Apesar de não ser possível determinar se é o professor que menos concorda com a reprovação que busca conhecer mais os resultados das pesquisas ou o inverso, o fato de a associação existir pode ser um indício de que o contato com a pesquisa atue substituindo crenças favoráveis à reprovação.
A correlação entre ter feito pós-graduação stricto sensu e a escala de reprovação poderia, em tese, reforçar a importância da pesquisa para a formação da opinião do professor. Pois, em princípio, são nos cursos desse tipo que o contato e a produção de pesquisa estão mais presentes, até porque a pesquisa, especialmente a de fronteira, não está acessível a todos (por estar em língua estrangeira ou em bases de dados pagas). Contudo, quando regredimos o conhecimento de pesquisa nas mesmas covariadas descritas no quadro 2 (não reportado), ter cursado o mestrado ou o doutorado não se relaciona com o conhecimento da pesquisa. Apesar da lógica relação entre pesquisas de ponta e pós-graduação, as temáticas que são tratadas nestes cursos não necessariamente se reportam às pesquisas sobre os efeitos negativos da reprovação propriamente ditas. Se o conhecimento desse tipo de pesquisa está correlacionado a posições mais justas sobre reprovação, talvez seja elemento de reforço à substituição de crenças de professores sobre reprovação, que programas de pós-graduação abordem os conhecimentos de pesquisa sobre esse assunto. Os resultados de que conhecimento de pesquisas sobre o efeito da reprovação e ter feito mestrado ou doutorado estão associados à menor adesão à reprovação é um indicativo de que a formação de professores influencia as crenças sobre reprovação.
A atuação ou não no EF1 é elemento de contexto que influencia na adesão dos professores à reprovação: são os professores dos anos iniciais da educação básica que tendem a ser mais favoráveis à prática. Talvez sejam mais cobrados pela sociedade tendo em vista que lidam com a aprendizagem de saberes bem demarcados e, portanto, mais visíveis: o domínio do sistema da escrita pelo aluno, das habilidades de leitura e produção de texto e dos saberes básicos da matemática. Outra explicação possível é que sobre esses profissionais pesam mais os efeitos da massificação escolar (quase 100% das crianças em idade para essa etapa estão matriculadas), o que pode reforçar tensões que afetam os professores, observadas por Jacomini (2004): por exemplo, a evidência de que se percebem situados entre a necessidade de educar a todos, as condições de trabalho adversas e a dificuldade de gerar homogeneidade na aprendizagem.
Para averiguar se o contato com políticas de progressão continuada influencia as crenças sobre reprovação, introduzimos as duas últimas variáveis do Quadro 2 nas regressões. Na coluna 2 da Tabela 5 consta o modelo com as variáveis de política e vemos que elas explicam a crença de posicionamento geral quando incluímos ambas e a interação entre elas. Neste caso, os professores estão divididos em quatro categorias: (i) sem contato com políticas (omitida); (ii) com contato apenas com a política de 1990; (iii) com contato apenas com a política em 2014; e (iv) com contato com a política em ambos os momentos. O que a regressão mostra é que o professor que teve contato somente com a política da década de 1990 tende a ser mais favorável à reprovação. Considerando os estudos qualitativos que afirmam que as políticas de progressão podem favorecer posicionamentos favoráveis à reprovação, seria esperado que o contato com a política em 2014 também determinasse uma posição favorável em relação ao grupo que não foi exposto à política. Isto sugere que a experiência mais recente com a política pode ter gerado alguma alteração nas crenças daqueles que experimentaram a política no passado, porque ter tido contato com as políticas em ambos os momentos não implica em maior adesão.15 Sabendo da relação entre contexto e crenças, da influência do Ideb sobre as políticas educacionais mais recentes e da pressão pró-regularização do fluxo nesse índice, pode-se levantar a hipótese de que, por alguma razão a ser investigada, esse atual contexto estaria gerando ambientes mais favoráveis a crenças contrárias à reprovação.
Nas subamostras por etapa (Tabela 6), temos o mesmo padrão de resultados em relação às variáveis de política para o EF1; no EF2, só há relação entre “Política anos 90” e a crença quando se controla também pela “Política 2014” e a interação; no EM, as variáveis de política não se associam a C1. Esses resultados sugerem que as políticas têm alguma influência para o posicionamento geral quanto à reprovação do professor do EF, mas não para docentes do ensino médio. Resultado dentro do esperado, uma vez que o EF é a etapa mais exposta às intervenções que visam impedir à reprovação.
Covariadas | EF1 | EF2 | EM | Não repetiu | Repetiu |
---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
Desconhecimento da pesquisa | 0.495*** | 0.493*** | 0.478*** | 0.498*** | 0.460*** |
Experiência docente de 5 a 10 anos | -0.046 | -0.02 | -0.03 | -0.04 | -0.008 |
Experiência docente de 10 a 20 anos | -0.046 | -0.094* | -0.131* | -0.094* | -0.016 |
Experiência docente de mais de 20 anos | -0.086 | -0.145** | -0.097 | -0.186*** | 0.015 |
Idade | -0.012 | -0.021** | -0.007 | -0.018* | 0.008 |
Idade ao quadrado | 0.000 | 0.000** | 0.000 | 0.000 | 0.000 |
Repetiu na EB | -0.019 | 0.011 | -0.002 | ||
Homem | -0.110* | -0.010 | -0.046 | -0.035 | -0.092 |
Negro | 0.011 | -0.083** | -0.146*** | -0.064* | -0.07 |
Amarelo ou indígena | -0.091 | -0.087 | -0.001 | -0.170* | 0.036 |
Norte | 0.011 | 0.007 | -0.061 | 0.044 | -0.07 |
Nordeste | 0.075 | -0.008 | 0.022 | 0.041 | 0.005 |
Sul | -0.014 | -0.071 | 0.006 | -0.048 | -0.016 |
Centro-Oeste | 0.076 | 0.011 | -0.02 | 0.062 | 0.000 |
Educação da mãe Analfabeta / Primário incompleto | 0.051 | -0.121*** | -0.03 | -0.093** | 0.015 |
Educação da mãe Primário completo / Ginasial incompleto | 0.128** | -0.133*** | -0.046 | -0.045 | -0.005 |
Educação da mãe Ginasial completo / Colegial incompleto | -0.034 | -0.150*** | 0.06 | -0.101** | -0.031 |
Renda até R$ 1.356,00 | 0.088 | 0.058 | -0.041 | 0.019 | 0.330*** |
Renda de R$ 1.357,00 a R$ 3.390,00 | 0.002 | -0.004 | -0.083 | -0.018 | 0.138 |
Renda de R$ 3.391,00 a R$ 6.780,00 | 0.009 | 0.039 | 0.053 | 0.04 | 0.117 |
Atualização ou Especialização | -0.081* | -0.035 | -0.098* | -0.006 | -0.149*** |
Mestrado ou Doutorado | -0.371*** | -0.224*** | -0.206** | -0.152** | -0.522*** |
Letras | 0.024 | -0.029 | -0.022 | 0.030 | -0.020 |
Polivalente | -0.063 | 0.035 | 0.043 | -0.006 | -0.038 |
Licenciatura | 0.045 | 0.067 | -0.065 | -0.028 | 0.078 |
Estadual | -0.012 | -0.050 | -0.079 | -0.072 | -0.055 |
Municipal | 0.060 | -0.049 | -0.045 | -0.032 | -0.032 |
Concursado | -0.073 | -0.107** | -0.211*** | -0.117*** | -0.066 |
Atua no EF1 | 0.119** | 0.089 | |||
Atua no EF2 | 0.052 | 0.096 | |||
Atua no EM | 0.053 | 0.058 | |||
Políticas anos 90 | 0.287** | 0.207* | 0.238 | 0.299** | 0.132 |
Políticas 2014 | -0.271* | -0.160 | -0.216 | -0.250* | -0.139 |
Interação: só políticas 2014 | 0.347** | 0.171 | 0.192 | 0.293** | 0.169 |
Observações | 1522 | 2516 | 1292 | 2894 | 1169 |
R-quadrado | 0.400 | 0.395 | 0.428 | 0.399 | 0.377 |
Fonte: Elaboração própria. Notas: *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1; erros padrão robustos; todos os modelos têm constante. Cada coluna contém as estimativas para a subamostra identificada. Por exemplo, a coluna 1 contém resultados para a subamostra de professores que lecionam no EF1, na coluna 2 para os professores de EF2 e assim por diante.
As regressões indicam que a experiência docente é fator que influencia duas das crenças do professor sobre reprovação (C1 e C2). Esse achado corrobora Crahay e colaboradores (2010) quando afirmam que o tempo tensiona as crenças dos professores. Com base nisso, novas pesquisas poderiam se perguntar porque na medida em que os professores vão tendo mais experiência, eles vão passando a acreditar que a não reprovação é mais eficiente para lidar com as situações de ensino. Será que, junto aos profissionais que já se encontram mais fortalecidos em termos de identidade profissional, a possibilidade de expressar suas crenças contrárias à reprovação ganharia peso? Que os concursados, ou seja, aqueles que têm mais estabilidade na carreira, tendam também ao posicionamento contrário à reprovação, fortalece essa possível relação entre identidade profissional mais fortalecida e possibilidade de expressar posição desfavorável à reprovação.
Os resultados da Tabela 6 (colunas 4 e 5) apontam que, em função de experiências pessoais com a reprovação, pode haver situações distintas de adesão à crença de reprovação. Quando o professor afirma ter repetido, fatores como experiência, raça, educação da mãe, situação funcional e etapa da educação básica em que o professor está lotado, deixam de se mostrar como relevante para influenciar a crença na reprovação. E novas relações parecem surgir: docentes que repetiram, mas têm maior renda e cursam atualização ou especialização aderem menos à reprovação.
Resultados para as demais crenças sobre reprovação constam nas colunas 3 a 6 da tabela 5. Nas regressões para a crença de efeitos socioafetivos da reprovação (C2) não incluímos o conhecimento de pesquisas, pois os itens de ambas as crenças são muito próximos. Vemos que professores com mais de 10 anos de experiência, negros e polivalentes tendem a acreditar mais que a reprovação tem efeitos socioafetivos negativos; mais velhos e residentes no Sudeste aderem menos à crença. Louzano (2013) afirma que, no Brasil, entre 2001 e 2011, meninos pretos têm mais propensão ao fracasso escolar, conceituado como expressão de retenção e abandono. Se esse for um padrão que vem de anos anteriores, poder-se-ia levantar a hipótese de que os atuais professores negros talvez tenham passado mais pela experiência de reprovação, permitindo-os questionamentos sobre sua eficácia, com base em sua própria experiência pessoal. Vale citar que o R quadrado do modelo para C2 é bem inferior aos dos outros modelos. Isto indica que, na amostra, uma parcela menor da variância de C2 é explicada pela regressão.
Quanto mais o docente conhece pesquisas, menos ele adere à ideia de que a reprovação deve ocorrer no início da vida escolar. O mesmo ocorre para professores homens, mais ricos, com mestrado ou doutorado, concursados e que não atuam no EF1.
POSICIONAMENTO EM RELAÇÃO À REPROVAÇÃO
As três escalas TRI (crenças) sobre a reprovação (C1, C2 e C3) e o conhecimento da pesquisa (C4) foram submetidos a uma análise de classes latentes usando o Software Mplus16 para verificar a existência de grupos de pessoas com uma determinada posição em relação à reprovação. Os índices de ajuste e o significado conceitual das classes sugeriram a adoção de três classes latentes. Cada professor foi atribuído à classe latente com maior probabilidade de pertencer. Com base na interpretação das médias das escalas da TRI relativas às crenças e conhecimento de pesquisas, as três classes latentes foram nominadas Contrário à Reprovação; Concordância / discordância parcial; A favor da reprovação. A tabela 7 contém a distribuição de professores nas três classes latentes e as médias das escalas da TRI.
Posição | Contra | Concordância parcial / discordância parcial | A favor |
---|---|---|---|
Número de professores (percentual em parênteses) | 702 (12,8%) | 4270 (77,8%) | 518 (9,4%) |
C1 - posicionamento geral à reprovação | -1,24 | 0,06 | 1,01 |
C2 - reprovação tem efeitos socioafetivos negativos sobre os alunos | 0,80 | -0,09 | -0,30 |
C3 - reprovação precoce | -1,47 | 0,04 | 1,77 |
C4 - conhecimento de pesquisas sobre os efeitos da reprovação | -0,93 | 0,06 | 0,38 |
Fonte: Elaboração própria.
Como se vê na tabela 7, um percentual menor de professores (9,4%) é claramente favorável à reprovação. Esses docentes se caracterizam pelo desconhecimento de pesquisas sobre os efeitos dessa medida. Aproximadamente 13% são claramente contra a reprovação. Já a maior parte (quase 78%) adota uma postura intermediária, concordando ou discordando parcialmente dessa prática. Essa maioria, conforme mostra a média da escala TRI (próxima de zero), desconhece a pesquisa sobre os efeitos negativos da reprovação. Aqueles que rejeitam a repetição têm um bom conhecimento da investigação. E o padrão de suas crenças se mostra coerente, uma vez que além de serem contra repetição (-1,24), são também conscientes de seus danos sociais e emocionais (0,80) e se opõem à repetição precoce (-0,93). Aqueles que apoiam a repetição também denotam um padrão coerente e inverso de crenças ao apresentado acima.
Em relação à quantidade massiva de professores que não se posicionaram claramente frente à reprovação é preciso também fazer a seguinte ponderação: é possível que tenha pesado sobre os respondentes um efeito de censura. Em um contexto de políticas contrárias à reprovação, os professores podem ter evitado demarcar suas opiniões sobre o assunto. Quando se tratou de falar da opinião de outrem, os respondentes não se furtaram em indicar uma posição de adesão: mais de 50% dos professores disseram que seus colegas são favoráveis à reprovação. Ou seja, poucos assumem que são declaradamente favoráveis, mas afirmam que seus colegas o são.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma amostra de mais de cinco mil inscritos na Olimpíada de Língua Portuguesa em 2014, investigou-se crenças docentes sobre reprovação, avaliação e justiça e se identificou características de perfil e contexto que podem estar influenciado as crenças desses professores sobre reprovação.
Diferentemente das pesquisas realizadas com professores belgas por Crahay, Marbaise e Issaieva (2013) e genoveses por Crahay, Issaieva e Monseur (2014), as crenças estimadas para os brasileiros se mostraram coerentes entre si: quem referenda a meritocracia como critério de distribuição de conhecimento, por exemplo, tende a apostar na avaliação normativa e acreditar na reprovação como meio de lidar com situações de ensino. Seria interessante averiguar se há elementos nos contextos dos países que propiciam essa diferença de resultados.
Entre os fatores relevantes para compreender a adesão à reprovação está a experiência em sala de aula: quanto mais experiente é o professor, menos ele adere à reprovação. Considerando a teoria que aponta que, na medida em que o tempo passa, os professores vão se filiando a crenças que avaliam ser capazes de solucionar situações de ensino, seria importante investigar o que ocorreu em suas trajetórias que foi capaz de gerar a percepção de que a reprovação não é eficiente para lidar com tais situações.
A experiência com políticas de progressão continuada e a atuação no EF1 são elementos que influenciam na adesão dos professores à reprovação. Quem somente teve contato com as políticas de ciclos nos anos 1990 tende a aderir mais; aqueles que se relacionaram apenas com as políticas mais recentes, ao contrário, tendem a aderir menos. Seria a influência do Ideb (com seu constitutivo contrário à reprovação) sobre as políticas atuais um elemento de contexto que colabora com a disseminação de concepções contrárias à reprovação? Quanto ao fato dos professores do EF1 aderirem mais à reprovação, uma hipótese explicativa é que sejam mais premidos pelas políticas de progressão e também porque ensinam um tipo de conhecimento bem concreto e cobrado socialmente: a aprendizagem da leitura e da escrita.
Um resultado importante desta pesquisa é que ter título de mestrado ou doutorado e ter maior conhecimento acerca de resultados de pesquisas sobre os efeitos da reprovação estão associados a uma menor adesão à prática. Portanto, a formação de professores se relaciona com o posicionamento a respeito da reprovação. Considerando ainda a coerência verificada entre crenças sobre avaliação, reprovação e princípios de justiça para a distribuição do conhecimento fica reforçada a importância de incluir nos cursos de formação de professores conhecimentos advindos de pesquisas a respeito dos efeitos da reprovação sobre os alunos.
Dar continuidade a esse caminho de pesquisa que investiga elementos que incidem nas crenças dos professores pode oferecer, em médio prazo, pistas mais precisas para as políticas educacionais.