Ideias iniciais
Nas últimas décadas deste século, assistimos a um forte apelo midiático voltado para a questão da crise ambiental do planeta. A proliferação dos problemas ambientais que vivemos tem tomado força e potência em nossas vidas cotidianas, conduzindo nossas ações mais corriqueiras. Dessa forma, a mídia vem nos interpelando a cada momento, chamando a nossa atenção para tal problemática e nos convidando a participar dessa grande campanha mundial para salvar o planeta. Com isso, vamos nos responsabilizando por nossas atitudes individuais e coletivas.
A circulação de tais verdades na mídia se dá de diferentes formas, seja em propagandas publicitárias, em reportagens impressas, em programas de televisão, em gibis, em livros de literatura infantil e tantas outras, como já evidenciaram algumas pesquisas (HENNING, 2012a; HENNING et al., 2014; MAGALHÃES, 2016; PINHO JUNIOR, 2015; SAMPAIO, 2012; VIEIRA, 2013). Tais estudos auxiliam a compreender o regime discursivo construído pela mídia em torno da questão ambiental e do quanto se torna potente colocar em análise tais discussões. No caso da revista Veja, consideramos o quanto tal mídia é forte no cenário brasileiro, sendo a revista de maior circulação no país e que, além disso, apresenta plataformas digitais para acesso. Assim, compreendemos que a Veja é uma estratégia importante de proliferação de verdades.
Importante destacar que outras investigações já analisaram o material empírico em discussão aqui. A pesquisa de Rosana Silva (2010), por exemplo, debruça-se sobre imagens de capas de revistas de ampla circulação no intuito de identificar as concepções ambientais presentes nesses materiais. Tal investigação dedica-se a uma análise a partir do campo dos estudos críticos em Educação Ambiental. O artigo que ora apresentamos traz para discussão outro olhar teórico, problematizando um material empírico bem próximo a esse pensado por Silva (2010). Ocorre que o campo dos estudos pós-estruturalistas traz outras análises também possíveis para quem se dedica a pensar a temática ambiental a partir, especialmente, dos estudos foucaultianos.
Foi a partir desse desejo que nossa pesquisa foi elaborada. Colocamo-nos num exercício de problematizar as verdades hegemônicas e desnaturalizar determinados modos de olhar para o ambiental unicamente como uma questão problemática. Entendemos que tais formas hegemônicas, autorizadas a falar sobre o ambiental, apelam para um forte chamamento para os riscos e os perigos quanto à continuidade de vida na Terra atrelado ao convite para que participemos da grande campanha mundial, pois o futuro depende de nós. Com chamadas persuasivas, torna-se difícil resistirmos e não participarmos da ordem do discurso de crise ambiental tão em voga na contemporaneidade. Afinal, é a vida que está em perigo!
Com isso, a mídia vem se constituindo como uma Pedagogia Cultural, que ensina e educa. Essa pedagogia indica modos de fazer, de se comportar, de consumir e de desejar, produzindo e gerenciando a vida das pessoas. Assim, a mídia tem se constituído como referência e espaço privilegiado de circulação de novas aprendizagens. Não apenas exibe determinados gestos, informa acontecimentos, mas cria um novo jeito, uma nova e específica maneira de viver e experimentar o contemporâneo. A mídia entendida como Pedagogia Cultural se constitui em lugar de aprendizagem para além da escola, e, nesse caso, como lugar de aprendizagem para atitudes ecologicamente certas, produzindo, dessa forma, nossas vidas públicas e privadas.
Neste texto, apoiadas por algumas ferramentas da Análise do Discurso foucaultiana, colocamos em discussão um enunciado potente que compõe o discurso da crise ambiental na atualidade. Tal enunciado refere-se ao terror e ao medo pela perda do planeta. Examinamos algumas enunciações que o constituem e que o colocam em funcionamento em algumas reportagens da revista Veja. Entendemos o enunciado em questão como um “átomo do discurso” (FOUCAULT, 2002a, p. 90), que molda nossa maneira de constituir e compreender a crise ambiental, estando na ordem do discurso ambientalmente verdadeiro da atualidade.
As enunciações que compõem o enunciado de terror e medo pela perda do planeta, em discussão logo a seguir, aparecem em reportagens da revista Veja a partir do ano de 2001. Ao olhar as reportagens de capa e o conteúdo a que se destinam, identificamos que é a partir da virada do milênio, na reportagem intitulada “A vingança da natureza” (VEJA, 2001)2, que a questão ambiental passa a ser tratada de forma apocalíptica, instaurando uma visão terrorista e catastrófica sobre o futuro do planeta e da própria humanidade. Ao fazer tal análise, identificamos em outras reportagens do mesmo período algumas aproximações. Tais reportagens se inscrevem na ordem discursiva de terror e medo, seja pelo racionamento de energia ou pelo fanatismo religioso. Aliás, parece que, após o ataque às torres gêmeas em 11 de setembro, nos Estados Unidos, o mundo começa a se comportar de forma diferente, com mais rigorosidade nas questões relativas à segurança, tanto individual quanto coletiva. Os olhares estão cada vez mais atentos, e o medo provocado pelo terrorismo toma conta do globo terrestre.
Vale destacar o quão significativa foi a série de modificações provocadas pelo 11 de setembro, relativas principalmente à segurança, repercutindo em todas as áreas. Entre elas, citamos: “Guerra ao Terror” declarada pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush; maior controle do tráfego aéreo mundial; maior inspeção de passageiros nos aeroportos; telefones e e-mails grampeados, entre outros. Toda essa movimentação acabou provocando um desconforto nos cidadãos. A sensação constante de insegurança, de desconfiança e de medo passou a fazer parte da vida das pessoas. O mundo todo voltou seus olhares para o ocorrido nos EUA. O efeito veio em cascata, e o medo se espalhou. As nações prestaram solidariedade ao povo americano, e o mundo ocidental passou a sentir-se cada vez mais ameaçado.
O medo do terrorismo que se dissipou a partir do atentado às torres gêmeas nos EUA, os graves desastres ambientais que marcaram o começo do milênio em diferentes partes do mundo, a crise financeira que se alardeia por diversos países fazem com que as pessoas passem a viver constantemente uma sensação de insegurança frente ao que ainda poderá vir a acontecer. Como viver diante dessa crise provocada pelos diferentes medos contemporâneos? Talvez essas sejam algumas condições para a emergência de um discurso apocalíptico referente à crise ambiental. Estaria aí outra oportunidade de provocar medo na sociedade moderna?
Bauman (2008) coloca que vivemos uma “síndrome do Titanic”, ou seja, estamos sempre prestes a sofrer um naufrágio.
Os temores emanados da “síndrome do Titanic” são os de um colapso ou catástrofe capaz de atingir todos nós, ferindo cega e indiscriminadamente, de modo aleatório e inexplicável, e encontrando todos despreparados e indefesos. Há, contudo, outros medos não menos, se é que não mais, aterrorizantes: o medo de ser pinçado sozinho da alegre multidão, ou no máximo separadamente, e condenado a sofrer solitariamente enquanto todos os outros prosseguem em seus folguedos. O medo de uma catástrofe pessoal. O medo de se tornar um alvo selecionado, marcado para a ruína. O medo de cair de um veículo em alta velocidade, ou de ser jogado pela janela, enquanto o resto dos viajantes, com os cintos de segurança devidamente afivelados, acha a viagem ainda mais divertida. O medo de ser deixado para trás. O medo da exclusão. (BAUMAN, 2008, p. 28, grifos do autor)
As análises que seguem dão visibilidade ao medo que se instaura referente à crise ambiental vivida por nós a partir de algumas reportagens da revista Veja. Destacamos que este estudo, que compõe uma tese de doutorado, dedicou-se a analisar as reportagens de capa que tratassem da questão ambiental no período de 2001 até 2012. Assim, chegamos a um recorte de 14 reportagens que versavam, como chamada de capa, sobre alguma temática atrelada ao campo ambiental. Dadas essas primeiras balizas, passemos às discussões!
Colocando luz no enunciado
No material em estudo, são recorrentes as enunciações que tratam da questão ambiental de forma apocalíptica. Comumente as chamadas das reportagens nos convidam a ver e a falar sobre a problemática ambiental. Com enunciações de terror e medo, somos interpelados, e a sensação que se instala é a de que não há escapatória, pois somos nós que destruímos o planeta e acabamos com os recursos naturais. Vimos aqui uma visão reducionista de Educação Ambiental se propagar, entendendo a divisão entre o homem e a natureza. Assim, por meio do apelo apocalíptico, vamos nos constituindo como sujeitos que precisam preservar o meio em que vivem, respeitar os recursos naturais e as leis da natureza, pois, caso contrário, acertaremos as contas no futuro.
Bauman (2008) nos ajuda a pensar como vimos vivendo o medo na atualidade líquida moderna. O medo está cada vez mais esparramado em nossa sociedade. O quão complexo é conseguirmos estancá-lo, detê-lo, barrá-lo, pois ele é escorregadio, vem de diferentes locais, toma uma proporção avassaladora em nossas vidas, a ponto de cada vez mais buscarmos segurança, espaços fechados, seguros, vigiados e protegidos de qualquer perigo. Cada vez mais, buscamos uma vida tranquila e segura, mas será essa uma vida possível no mundo em que vivemos? E quanto aos perigos que não podemos prever, aqueles que nos ameaçam diariamente e que não sabemos como enfrentar? Como lidar com tantos medos?
Entendemos que um desses medos líquidos modernos refere-se ao fim da vida no planeta, pois, se não fizermos algo em prol da continuidade e da preservação da vida, colocaremos as nossas próprias vidas pessoais e coletivas em perigo. É necessário agir hoje, agora, para que tenhamos um mundo habitável no futuro. Entendemos que enunciações como essas, que propagam o medo e o terror, referem-se muito mais a uma política da periculosidade do que a uma verdadeira consciência de crise ambiental, como pregam os amantes da natureza. É muito mais pelo medo do desconhecido, daquilo que não podemos conter, da nossa insegurança em relação às catástrofes ambientais que acabamos capturados por tais enunciações. Afinal, quando a questão refere-se ao “natural”, ao “ambiental”, à natureza se manifestando, todos estão em perigo, não há como escapar, a sensação de impotência toma conta de nossos corpos.
As oportunidades de ter medo estão entre as poucas coisas que não se encontram em falta nesta época, altamente carente em matéria de certeza, segurança e proteção. Os medos são muitos e variados. Pessoas de diferentes categorias sociais, etárias e de gênero são atormentadas por seus próprios medos; há também aqueles que todos nós compartilhamos - seja qual for a parte do planeta em que possamos ter nascido, que tenhamos escolhido (ou sido forçados a escolher) para viver. (BAUMAN, 2008, p. 31)
Tais discussões nos levam a pensar na correnteza de Bauman (2008, 2009), entendendo que o medo, da forma como conhecemos hoje, toma conta de nossas vidas de forma avassaladora: o medo da crise ambiental, o medo da perda do planeta, o medo do fim da vida na Terra são alguns dos muitos medos que atormentam nossas vidas na atualidade. O mais aterrorizante desses medos seja talvez que não temos certeza de como lidar com eles, de como mudar seu percurso e evitar o próximo terremoto ou o próximo furacão ou as próximas inundações de água. Afinal, como conter a “Vingança da Natureza” (VEJA, 2001)?
Assim, parece que na atualidade líquida moderna na qual vivemos se torna cada vez mais urgente ter atitudes ecologicamente corretas. A partir de enunciações apocalípticas que se reverberam em diferentes espaços, as pessoas vão sendo culpabilizadas e se culpabilizando pelos grandes problemas ambientais, entendendo que têm o compromisso de dirigir ao máximo seus esforços para tentar minimizar o quadro calamitoso que se instala. Tais atitudes vão além de fechar a torneira, reciclar o lixo e plantar uma árvore. É preciso mais do que isso! Nesse sentido, a mídia vem constituindo novas formas de se tornar sujeito no século XXI, pois é preciso apostar na compra de produtos que colaborem com essa grande campanha mundial para que a vida na Terra não se esgote.
Para Bauman (2008, p. 173),
O medo nos estimula a assumir uma ação defensiva, e isso confere proximidade, tangibilidade e credibilidade às ameaças genuínas ou supostas, de que ele genuinamente emana. É nossa reação à ansiedade que reclassifica a premonição sombria como realidade cotidiana, dando ao espectro um corpo de carne e osso. O medo se enraíza em nossos motivos e propósitos, se estabelece em nossas ações e satura nossas rotinas diárias […]. Entre os mecanismos que afirmam seguir o sonho do moto-perpétuo, a autorreprodução de enredo do medo e das ações por ele inspiradas parecem ter um lugar de honra…
Assim, o medo vai tomando conta e se intensificando cada vez mais em nosso cotidiano. Precisamos agir para que ele desapareça, mas, como o próprio Bauman (2008) coloca, o medo já faz parte da nossa vida moderna, ele vai se modificando, se espalhando, é impossível detê-lo. Seria possível escaparmos do medo e do terror quanto ao fim de nossa existência? E quanto ao futuro? Como lidar com o medo em relação ao futuro, o medo do que poderá acontecer?
Não pretendemos aqui buscar respostas para tais questiona-mentos. Pretendemos, sim, exercitar o pensamento no sentido de estabelecer algumas relações e problematizar alguns efeitos produzidos pelo enunciado do terror e do medo da perda do planeta que reverberam em nossas vidas cotidianas. Olhar, examinar, problematizar e duvidar de tais enunciações tentando entender de que forma dão sentido ao enunciado são alguns dos movimentos do trabalho aqui apresentado.
Examinaremos alguns ditos da revista Veja sem estarmos preocupadas em demarcá-los como certos ou errados. Entendemos que esses dizeres fazem parte de nossa vida cotidiana e produzem nossos modos de ser e de viver o contemporâneo. Por meio deles, vamos participando de uma grande campanha mundial em prol do planeta, pois cada um precisa fazer a sua parte!
Logo abaixo, apresentamos algumas capas da revista em estudo que são emblemáticas para pensarmos a forma como a questão ambiental vem sendo trabalhada.
O derretimento das geleiras, com animais boiando em um pedaço de gelo no meio do mar (VEJA, 2001); um despertador pronto para tocar sem parar, com a imagem do globo terrestre em vez dos números que marcam as horas (VEJA, 2006b); ou o urso polar prestes a desaparecer (VEJA, 2006a). Essas e tantas outras imagens que nos são apresentadas pela mídia dão visibilidade ao enunciado apocalíptico, que nos coloca com uma sensação de medo e insegurança em relação ao futuro do planeta e ao nosso próprio futuro. Como resistiremos? O que fazer? Ainda dá tempo? São questões que talvez nos aterrorizem no interior de nossos lares, enquanto assistimos à televisão, lemos uma revista, escutamos o rádio. A crise ambiental invade nossas casas, e vamos sendo persuadidos a fazer algo em prol da vida.
A partir de tais chamamentos, somos convidados a pensar, ver e dizer sobre a crise que se instala e que interpela a todos nós, afinal, todos temos uma responsabilidade com o futuro do planeta. A sensação que se instala é muitas vezes de culpa; vamos nos responsabilizando pela rápida depredação ambiental, pelo aquecimento global nunca vivido anteriormente, pelas toneladas de lixo acumuladas, pelo desmatamento das florestas. Chamamentos como esses posicionam o homem como o grande destruidor da natureza, precisando urgentemente agir para que ainda seja possível salvar o planeta.
Em apelos como esses, vemos uma visão dicotômica entre homem e natureza se propagar. Aqui, o homem não faz parte da natureza, do meio ambiente. Existe, sim, um mundo natural em oposição ao mundo humano, da cultura e do social. Tomando os estudos de Carvalho (2008), pensamos que essa é uma forma equivocada de entendermos a relação homem e natureza, uma visão antropocêntrica, que precisa urgentemente ser repensada. Ainda provocando esse modo naturalista, Félix Guattari (2009) nos propõe pensar numa ecosofia, a partir dos três registros ecológicos3, uma junção da ecologia com a filosofia. (Re)inventaríamos outras possibilidades de nos relacionar com o meio ambiente, perpassando pelos eixos sociais, ambientais e da subjetividade humana. Nos excertos abaixo, apresentamos algumas enunciações que reforçam as imagens apresentadas acima:
A natureza está agora cobrando a conta pelos excessos cometidos na atividade industrial, na ocupação humana dos últimos redutos selvagem e na interferência do homem na reprodução e no crescimento dos animais que domesticou. (VEJA, 2001, p. 93, grifos nossos)
Para onde vamos com nossas agressões ao Planeta? O pessimismo da resposta varia, mas há um consenso: a hora de agir é já. (VEJA, 2005, p. 84, grifos nossos)
Nas reportagens das próximas páginas, Veja traça um panorama das armadilhas produzidas pelos homens para si mesmos, desde a exaustão dos recursos vitais como a água até os efeitos incontornáveis do aquecimento global, que podem ser amenizados na melhor das hipóteses, ou agravados em proporções dantescas, na pior. Duas reportagens registram também pequenas réstias de esperança que podem vir a ser a salvação do planeta. (VEJA, 2005, p. 85, grifos nossos)
Novas pesquisas científicas dissiparam a mínima dúvida de que o aumento repentino da temperatura planetária se deve à ação humana, com escassa contribuição de qualquer outra influência da natureza. Até os ecocéticos aceitam agora a ideia assustadora de que o tempo disponível para evitar a catástrofe global está perigosamente curto. (VEJA, 2006b, p. 139, grifos nossos)
Tais enunciações nos interpelam de forma avassaladora, nos colocam a viver cotidianamente a problemática ambiental que emerge na contemporaneidade. O homem é o culpado! Ao colocar tal consigna em análise, não queremos nos eximir de nossas responsabilidades, mas, sim, problematizar tal entendimento, que separa o mundo natural do mundo social e cultural. Entendemos que a crise ambiental vivenciada por todos nós é decorrente do nosso modo de vida, da forma pela qual interagimos com o meio ambiente, devido à cultura consumista da vida moderna, por exemplo. Entretanto, percebemos que não há como separar do social, do cultural e do político as questões relativas ao ambiental. Assim, gostaríamos de provocar o pensamento acerca de tais questões, entendendo que o homem faz parte da natureza, produz modificações, mas também é produzido por elas. Nesse sentido, concordamos que é nos atravessamentos culturais que se dão tais relações.
Aqui, trabalhamos com o conceito de “cultura” a partir dos Estudos Culturais e com autores que enveredam para o mesmo campo de estudos, tais como Maria Lúcia Wortmann (2001, 2010), Leandro Belinaso Guimarães (2007, 2010), Eunice Kindel (2007), entre outros. Nesse sentido, vale destacar que
[…] os Estudos Culturais ocupam-se analiticamente com a cultura vislumbrando-a como um campo de lutas em torno do significado, buscando indicar, nas variadas situações por esses focalizadas, quais grupos, instituições, processos e práticas conseguem fazer circular, preponderantemente, determinados significados e, desse modo, atuar na sua produção discursivamente. (Wortmann, 2010, p. 17)
Olhar a forma pela qual aprendemos o que são a natureza, o meio ambiente e a própria Educação Ambiental está atrelado à circulação de tais concepções na e pela cultura. Nossa cultura foi nos ensinando a ver e a dizer de determinadas maneiras as questões relativas ao ambiental e ao natural. É importante salientar que essa cultura não está dada, muito pelo contrário! A cultura é construída e modificada por meio de nossas intervenções, de nossas lutas e batalhas por determinados significados. Assim, problematizar a concepção conservacionista de meio ambiente perpassa por tais questões, uma vez que entendemos que tal visão faz parte do jogo pelo verdadeiro e também é uma construção cultural. Em determinado momento, tal concepção foi preponderante no campo de estudos da Educação Ambiental. Defende a ideia de que o homem está à parte da natureza, e esta se constituiria em uma natureza intocada. A ênfase sob essa perspectiva se refere ao natural em oposição ao humano, de modo que se travaria uma busca constante por manter a natureza intocada. Segundo Carvalho (2005, p. 8, grifos nossos):
É interessante observar que, para além das memórias pessoais, essa sensibilidade naturalista com as plantas e os animais pode ser reencontrada como elemento destacado na vertente conservacionista do campo ambiental. O movimento conservacionista, por sua vez, é o ponto em relação ao qual se diferencia o ecologismo, afirmando-se como movimento social que, tendo uma crítica política, não se restringe às ações de conservação da natureza, mas pretende transformar a sociedade. No entanto, apesar dessa diferença, a visão ética e estética que entende a natureza como portadora de direitos e tendo um valor em si mesma para além de sua utilidade para os humanos permanece como elemento de continuidade entre estes dois movimentos dentro do campo ambiental. Desde este lugar de contraponto do movimento ecológico, o conservacionismo mantém-se disponível como uma visão de mundo que informa, não apenas ações de mobilização contra o desaparecimento de espécies, proteção dos animais etc., mas também é particularmente evocado na ação do Estado, que tende a identificar sua política ambiental a uma política de proteção ambiental.
Assim, tal visão, como destaca a autora, se inscreve numa política de defesa e proteção à “natureza”, que precisa ser preservada. Nessa vertente do campo ambiental, o homem é apenas um agente de exploração do meio ambiente, e sua ação é apenas da ordem da destruição. Nesse sentido é que provocamos pensarmos nessa construção de natureza intocada, protegida e preservada, afinal, o homem não faz parte dela? De que forma a mídia apresenta a relação homem X natureza? Geralmente o que visualizamos são enunciações de oposição entre ambos, nas quais é necessária uma ação para salvar o que ainda resta do mundo natural.
Na continuidade de tais discussões, os excertos em destaque abaixo nos provocam, constantemente, a pensar na relação que estabelecemos com a natureza e no quão importante é projetarmos o futuro. Em tais ditos, são constantemente afirmadas nossas responsabilidades por toda a degradação realizada até o momento. Precisamos agir urgentemente, caso contrário, não teremos este planeta para viver ou, pelo menos, para viver de forma digna.
[…] Sem se dar conta, os 6 bilhões de pessoas tornaram-se um fardo pesado demais para o planeta, tanto sobre o solo, quanto no mar e no ar. Agora a natureza está mandando a conta. O efeito mais apocalíptico dessa mensagem é o aquecimento global, cuja causa mais provável é a concentração na atmosfera de gases produzidos pela queima de gasolina, óleo e outros combustíveis por fábricas e veículos. (VEJA, 2001, p. 94, grifos nossos)
O homem está tirando da natureza mais do que ela pode dar: 1 - Água - em 100 anos seu consumo multiplicou-se por seis e hoje um terço da humanidade vive em áreas onde falta água limpa. 2 - Mudança Climática - A temperatura média da Terra elevou-se em 1 grau nos últimos 120 anos, fazendo derreter o gelo das calotas polares e aumentando a intensidade dos furacões. 3 - Biodiversidade - 840 espécies catalogadas de seres vivos foram extintas nos últimos 500 anos. 4 - Poluição - A concentração de gás carbônico na atmosfera cresceu 30% nos últimos 150 anos e as mortes relacionadas ao ar poluído chegam a 3 milhões por ano. 5 - Energia - O consumo de energia aumentou 32 vezes no último século. (VEJA, 2005, p. 91, grifos nossos)
Antes que você acabe de ler essa frase, terão nascido no mundo quarenta bebês, enquanto vinte de nós terão deixado o plano material para prestar as contas com Deus. O saldo é a chegada, a cada dez segundos, de vinte novos moradores da Terra, prontos para crescer, estudar, trabalhar, namorar, casar e ter filhos. (VEJA, 2009, p. 135, grifos nossos)
Os extratos do corpus de análise em destaque acima nos levam a pensar na correnteza dos estudos de Michel Foucault (1985, 2005, 2008a, 2008b) sobre o que ele cunhou como biopoder - um poder sobre a vida. Entendemos que tais enunciações são colocadas em circulação produzindo e legitimando verdades acerca da catástrofe ambiental. Dessa forma, uma tecnologia de poder é posta em funcionamento, pois é necessário que se pense na crise ambiental, no futuro do planeta e nos perigos a que estamos submetidos caso não façamos nada para contê-los. É preciso que se pense na coletividade de indivíduos e nos riscos apresentados pela crise ambiental para a continuidade da vida na Terra. O próprio autor argumenta que
[…] a nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. (FOUCAULT, 2005, p. 289)
Tal estratégia de poder - centrada na vida da população - precisa calcular, antecipar, medir e prever o que poderá colocar a vida em risco. Agir, intervir e prevenir são ações do biopoder que visam ao futuro. Assim, estabelecer as probabilidades futuras torna-se uma ferramenta indispensável para tal tecnologia.
Visualizamos nos extratos destacados acima o quanto os números, as porcentagens e as probabilidades estatísticas produzem um discurso potente, que nos coloca a pensar na crise ambiental e na necessidade de agirmos em prol da vida da coletividade. Assim, o biopoder tem nos mecanismos de previsão, estatística e probabilidade importantes ferramentas de mapeamento e diagnóstico. Essas ferramentas possibilitam traçar, calculadamente, as estratégias de prevenção, garantindo a seguridade dos indivíduos, prevendo o que poderá ocorrer no futuro e agindo para impedir que algo coloque em perigo a vida da população. Está aí uma característica forte de tais enunciações acerca do futuro da vida no planeta: pensar nas probabilidades do que irá ocorrer no futuro e em como devemos agir mediante a crise que nos acomete.
Na tentativa de um diagnóstico do presente, seria produtivo pensarmos nas relações e nas experiências que estamos travando hoje com as questões ambientais. Parece que, segundo os ditos midiáticos aqui em discussão, precisamos urgentemente viver, pensar e experimentar o presente, mas exclusivamente olhando para o futuro, para o que poderá acontecer. Não temos tempo a perder! “Trabalhar com o futuro […], levar em conta o que pode acontecer” (FOUCAULT, 2008a, p. 26) é uma das características fortes das estratégias biopolíticas para o gerenciamento e o planejamento da vida coletiva.
Chamamos atenção, ainda, para o fato de quanto os números destacados nos excertos em análise acima - “6 bilhões de pessoas tornaram-se um fardo pesado demais para o planeta”; “Água - em 100 anos seu consumo multiplicou-se por seis e hoje um terço da humanidade vive em áreas onde falta água limpa”; “A concentração de gás carbônico na atmosfera cresceu 30%”; “O consumo de energia aumentou 32 vezes” - constituem-se verdades acerca da problemática ambiental e da forma destrutiva pela qual o homem tem se relacionado com o meio ambiente. Aqui trabalhamos com a ideia de fabricação, de invenção, pois entendemos que os números, os índices, as porcentagens não são simplesmente dados que representam a “verdadeira realidade”. Entendemos que essas grandezas são construídas sempre em relação a algo e é sempre em relação que produzem verdades. Os dados estatísticos são sempre um recorte, uma parcela que foi analisada e colocada em comparação com outras parcelas. Tal processo não é realizado de forma aleatória, mas com propósitos e intencionalidades produzindo e gerenciando a vida das pessoas.
Na modernidade, a mágica das estatísticas enquanto tecnologia de governança não ocorre sem hesitações nem reflexividade. Nas contribuições das estatísticas para a política e a ciências modernas, há um reconhecimento de que os números não são simples espelhos da realidade, mas refletem pressupostos e teorias sobre a natureza da sociedade. As estatísticas intervêm nos processos de governo, uma vez que os números moldam nossa maneira de “ver” as possibilidades de ação, de inovação e até nossa “visão” de nós mesmos. São produtos de interesses sociais, políticos e econômicos, sensíveis às decisões metodológicas de organizações complexas com verbas limitadas. (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p. 117)
Entendemos, portanto, que os dados estatísticos comumente apresentados acerca da questão ambiental produzem o modo pelo qual a olhamos e a concebemos como um problema, como uma crise, como uma catástrofe. Dessa forma, os números constroem certa realidade e são uma forma sutil de levar a condutas para algo desejável, algo que seja em prol da vida e da coletividade.
Comparações, ordenações, distinções, classificações são práticas que possibilitam a invenção de estratégias de controle e gerenciamento do social, do político, do econômico, do cultural e do ambiental. Conforme os já referidos autores acima, “as estatísticas não são ‘meros’ sistemas lógicos, mas um campo de práticas culturais que normaliza, individualiza e divide” (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p. 126). Para o gerenciamento da população em prol do ambiental, a estatística se torna uma ferramenta indispensável para o governo da vida individual e coletiva. Por meio dela, podemos estabelecer o que é perigoso, o que é risco e quais são as probabilidades futuras, tomando como princípio os dados extraídos dos fenômenos já ocorridos. Não colocamos em questionamento os fenômenos ambientais em si.
Vale destacar que a materialidade dos problemas ambientais é sofrida por nós nos dias atuais: o aquecimento global, o derretimento de geleiras, a extinção de espécies animais, etc. O que queremos discutir é o quanto essa estratégia dos números é forte e, muitas vezes, nos conduz a olhar o ambiental apenas pelo viés da periculosidade. Trata-se de demarcar que os números se valem de um discurso caro ao tempo atual e presente em nossos modos de existir desde o século XVII: a ciência. A própria ciência vem hoje se revisitando e entendendo que as verdades por ela proferidas podem ser - e muitas vezes são! - colocadas em xeque, redefinidas, refutadas e, por vezes, até equivocadas (HENNING, 2012b). Ainda hoje perguntamo-nos: o ovo faz bem ou mal à saúde? O café causa aumento da pressão arterial? Esses são pequenos exemplos de que as invenções científicas são fruto do nosso mundo, pensadas por homens e mulheres passíveis de erros. Frente a isso, provocamo-nos a pensar: podemos/devemos nos alarmar frente às visões catastróficas estabelecidas pela ciência? Que discursos são acionados para quem as lê? Que modos de relacionarmo-nos com o meio ambiente são travados ao serem demarcadas visões apocalípticas e destruidoras do planeta Terra?
Ainda provocando o discurso verdadeiro que se pauta em estatísticas, Popkewitz e Lindblad (2001) tensionam essa ferramenta demarcando que, muitas vezes, ela assume o caráter de ficção, ordenando relações, definindo áreas de rico, gerindo populações e, com isso, auxiliando na resolução de problemas do mundo moderno em que vivemos. Assumindo essa posição, tomamos o conhecimento da estatística como uma ficção, pois as categorias são “[…] representações elaboradas para identificar e ordenar relações e permitir planejamentos sociais” (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p. 112), tal como é o caso do problema ambiental que se instala na contemporaneidade: a crise ambiental.
Assim, compreendemos que, ao enunciar a questão ambiental a partir do medo e do terror pelo fim da vida no planeta, a revista Veja se utiliza de dados estatísticos para descrever e prever a realidade. Dessa forma, coloca em operação uma relação de poder/saber, pois, por meio dos números, vai constituindo o real e direcionando as ações dos indivíduos.
A partir disso, entendemos que os discursos midiáticos colocados em circulação legitimam verdades que se reverberam como opinião pública - e esses jogos de verdade acabam por engendrar e produzir modos de vida. Vemos que a crise ambiental constitui-se como um desses discursos legitimados pela mídia e que operam no nível do coletivo para atingir o indivíduo em suas ações diárias. Assim, a mídia vai ensinando as formas supostamente corretas de fazer e se comportar frente à problemática ambiental.
SOS TERRA
Países e pessoas agem…
… mas alguns ainda duvidam. (VEJA, 2007a, p. 86)
A realidade do aquecimento global criou uma preocupação com o ambiente como nunca se viu: todo mundo quer fazer a sua parte para salvar o planeta. (VEJA, 2007a, p. 87, grifos nossos)
Levar os produtos usados de volta aos fabricantes é tendência natural - falta apenas combinar com o consumidor. (VEJA, 2009, p. 246)
É possível perceber nesses excertos que a mídia ensina e constitui formas de ser e viver; ela dita o que fazer e como fazer e, assim, vai direcionando e conduzindo a vida de cada um. Olhamos para tais enunciações, colocamo-nos a pensar sobre a fabricação de verdades acerca da crise ambiental. Muitas dessas verdades acabam funcionando como estratégias de controle da vida social, tão bem difundidas pelos meios de comunicação, no caso deste estudo, pela revista Veja. Tais estratégias funcionam a partir de técnicas de prevenção e seguridade pelo bem-estar da massa de indivíduos. O biopoder tem como alvo a população, mas para isso precisa capturar individualmente cada sujeito, para que juntos ajam em prol do planeta. Todos e cada um fazem parte desse jogo.
Os discursos proliferados na revista Veja acerca das problemáticas ambientais e da recorrente preocupação com o fim do planeta nos levam a pensar que tais ditos não se dirigem apenas para um sujeito, mas para o coletivo, que deve, junto, se mobilizar para que ações individuais repercutam na transformação do meio ambiente e contribuam para “Salvar a Terra” (VEJA, 2007b). Percebemos, então, que em tais enunciações tanto a disciplina quanto o biopoder são colocados em funcionamento: uma endereçada ao corpo individual, outra vinculada a estratégias de controle que têm como alvo a população.
Salvar a Terra - como essa ideia triunfou
Militância ecológica: dos “verdes” aos radicais do “planeta sem gente”
Consciência ambiental: filho único; camiseta de fibra reciclada; sacola de fibra natural; fralda de pano; alimentos orgânicos; cantil (para evitar garrafas pet); calça de algodão orgânico feita à mão; bicicleta 0 de CO²; sandálias com lona de pneu reciclado. (VEJA, 2007b, capa)
Consumir menos
Uma lâmpada feita com os modernos LEDs (sigla em inglês para Light Emitting Diode) emite a mesma quantidade de luz de uma lâmpada incandescente tradicional usando apenas 25% de energia. Além disso, sua vida útil é estimada em 50.000 horas, contra apenas 1.000 horas das concorrentes. Mas ela ainda custa até vinte vezes mais do que as lâmpadas comuns. Subsidiá-la pode ser uma saída.
Redução: se todas as lâmpadas de Nova York fossem substituídas por LEDs, a economia seria de 264 TW/h, que, gerados por usinas termelétricas, jogam na atmosfera 200.000 toneladas métricas de gás carbônico por ano, o equivalente ao consumo anual de uma frota de 36.000 veículos. (VEJA, 2009, p. 136-137)
Aqui se indica ser necessário que cada um faça a sua parte pelo planeta, comprando e consumindo produtos “ecologicamente corretos”, andando de bicicleta para não poluir o ar, tendo apenas um filho, utilizando lâmpadas mais econômicas. Com tais ações, o planeta Terra e, consequentemente, a população serão beneficiados. Percebemos em chamadas como essas um forte apelo para que o sujeito disciplinado atenda ao convite apresentado, realizando ações diariamente, pensando no bem-estar da maioria dos indivíduos. Assim, o biopoder captura-nos para que, em nosso cotidiano, façamos o melhor para que a vida não esteja em perigo.
Na esteira com Foucault (1985, 1990, 1995, 2002b), pensamos no poder como ação que se exerce entre sujeitos livres, sujeitos num mesmo jogo, um poder que incita, suscita, é criativo. Nesse caso, o poder colocado em circulação pela revista Veja, seja da ordem do biopoder ou da disciplina, não é um poder opressor, manipulador, é um poder que nos coloca num jogo, num campo de forças, nos persuadindo a fazer algumas escolhas.
Dessa forma, operamos com os conceitos de “poder disciplinar” e “biopoder” os entendendo como importantes tecnologias de governo, seja do governo de cada um, seja do governo das populações. Vimos no exercício das estratégias biopolíticas uma arte de governar, uma governamentalidade que tem como foco principal a manutenção da vida e que, para tanto, se utiliza de dispositivos de segurança para garantir o bem-estar da população, protegendo-a e prevenindo-a contra os males e os prováveis perigos que possam vir a acontecer.
Na sociedade de segurança, a população não é vista como uma massa de indivíduos que ocupa determinado território. A vida entra em cena com todos os aspectos que lhe são próprios: econômicos, sociais, culturais e ambientais. O foco é fazer crescer, é multiplicar as forças, melhorando a situação da população, aumentando as riquezas, prolongando a vida, investindo na saúde, cuidando do meio ambiente.
O biopoder é uma modalidade de ação que, como as disciplinas, é endereçada a uma multiplicidade qualquer. As técnicas disciplinares transformam os corpos, ao passo que as tecnologias biopolíticas se dirigem a uma multiplicidade enquanto massa global, investida de processos coletivos específicos da vida, como o nascimento, a morte, a produção, a doença. (LAZZARATO, 2006, p. 74)
Nas estratégias biopolíticas, há uma gerência da vida muito mais sutil, muito mais espalhada por todo o corpo social; são estratégias de defesa da sociedade. Olhamos para a crise ambiental e enunciações tão em voga na mídia em análise e visualizamos tal estratégia de gerenciamento da vida em operação, convocando cada um e todos a fazerem a sua parte para que não ocorra “O fim do mundo” (VEJA, 2009).
As enunciações tratadas nas reportagens em análise nos apresentam a situação que temos para enfrentar e a probabilidade de que piore muito nos próximos anos. Por isso, precisamos intervir logo, cada um fazendo a sua parte, em benefício da vida futura. Nossa provocação aqui é no sentido de nos colocarmos a pensar em tais ditos e de que forma eles produzem nossas vidas. Será que, ao atendermos ao convite, ao chamamento midiático do “ecologicamente correto”, estamos entendendo que é necessária outra forma de nos relacionar com o ambiente ou fazemos por medo e culpa? Será que com tais chamamentos apocalípticos a mídia nos convida a pensar nas relações sociais, culturais e ambientais que estamos produzindo? Pensar em tais questões é o que tem movido nossas pesquisas.
Considerações finais
Ao analisarmos as enunciações da revista Veja que colocam em dúvida a continuidade de vida na Terra, produzindo uma sensação de angústia e insegurança que invade as nossas vidas, problematizamos que a sensação que nos acomete é um medo constante do que poderá acontecer, de como enfrentaremos o desconhecido, aquilo que não podemos conter. Nesse caso, como conteremos “O fim do mundo” (VEJA, 2009) ou “A vingança da natureza” (VEJA, 2001)? Parece-nos que não sabemos lidar muito bem com essas questões, pois não temos certeza de quando o próximo furacão atacará, ou o próximo tremor de terras destruirá cidades, ou quando o mar invadirá as casas. Os desastres ambientais são cada vez mais imprevisíveis, o que nos torna cada vez mais inseguros.
“‘Medo’ é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito - do que pode e do que não pode - para fazê-la parar ou enfrentá-la, se cessá-la estiver além de nosso alcance” (BAUMAN, 2008, p. 8, grifos do autor). Esse sentimento cada vez mais faz parte de nossa vida e tem sido, em algumas reportagens da revista Veja, uma estratégia potente para colocar a população em alerta quanto à crise ambiental. Embora não saibamos muito bem quando seremos surpreendidos pela “Fúria da natureza”, os dados estatísticos têm nos mostrado que, se não agirmos rápido, nosso futuro será calamitoso.
Assim, neste trabalho, tentamos colocar em discussão o modo como os textos da revista Veja têm tratado a crise ambiental. Não queremos nos posicionar a favor ou contra seus ditos, mas os colocar em exame, entendendo que, de alguma forma, constituem nossas vidas e fazem parte de nosso cotidiano. Quisemos nos colocar a refletir que talvez nosso grande desafio na atualidade seja pensarmos possibilidades de enfrentar esses medos líquidos modernos, produzindo outros modos de nos relacionar com o social, o cultural, o ambiental e o político.
Olhar com desconfiança para o modo como a revista Veja vem falando da crise ambiental e constituindo uma maneira de entendermos o meio ambiente é o propósito deste trabalho. Provocar o pensamento e problematizar verdades tão caras ao discurso de crise ambiental nos parece necessário em tempos contemporâneos, entendendo que é nos atravessamentos culturais que as verdades são fabricadas e tomadas como legítimas pelos sujeitos que vivem o século XXI.
Desse modo, entendemos que o trabalho aqui discutido é uma contribuição para olhar o campo ambiental a partir de outra perspectiva, não global, não hegemônica, mas de combate e de luta. Não pretendemos trazer outra verdade acerca da Educação Ambiental (EA), instituindo como ela deveria ser. Nossa pretensão é bem mais modesta: provocar o pensamento sobre as discursividades que constituem e instituem verdades sobre a EA, colocando-nos nessa trama discursiva e entendendo que não estamos fora dela. Ao problematizá-la, também a estamos constituindo e sendo constituídas enquanto pesquisadoras. E mais do que isso: ao vivermos neste mundo, somos tramadas pelas verdades que se fabricam nele.
Ante o discurso da periculosidade, nosso combate está em dar potência à vida. Talvez possamos pensar na potência de criar outra Educação Ambiental, uma educação menor (DELEUZE; GUATTARI, 2014), uma educação que agencie outros modos de vida preocupados com o planeta em que vivemos, justo por ser nosso espaço, nosso lugar no mundo. Talvez possamos criar outros modos de experiência estética, de cuidado da vida, que passem por pensar na necessária conexão com o mundo da vida.