Introdução
Este artigo discute os benefícios da utilização de estratégias de autorregulação da aprendizagem e de estratégias pedagógicas durante a realização de diferentes atividades propostas no decorrer dos cursos de formação de professores, de maneira a formar docentes competentes e preparados para enfrentar os desafios de atuar com os alunos na escola.
Cabe destacar que estudos encontrados na literatura mostram, a partir de seus resultados, que estudantes conscientes e controladores de suas aprendizagens obtêm melhores resultados escolares e acadêmicos comparados àqueles que aprendem por meio da regulação externa do professor (EMBUENA; AMORÓS, 2012; ZIMMERMAN, 2013). Isso reforça a ideia de que precisamos de professores competentes para ensinar e proporcionar aos alunos, durante as aulas, a utilização de estratégias de aprendizagem (BORUCHOVITCH, 2014; SANTOS; BORUCHOVITCH, 2011; VEIGA SIMÃO, 2012, 2013; ZIMMERMAN, 2013).
Tendo em vista as exigências atuais para ser professor, sugerimos que a estrutura dos currículos dos cursos de formação de professores seja repensada de maneira a formar profissionais competentes, reflexivos e analíticos sobre suas práticas e autônomos para elaborar diferentes estratégias para superar os obstáculos encontrados em sala de aula (VEIGA SIMÃO, 2004; VEIGA SIMÃO; FRISON, 2013).
Sendo assim, esta pesquisa, apoiada na autorregulação da aprendizagem, procurou apresentar e discutir as estratégias de autorregulação da aprendizagem e as estratégias pedagógicas reveladas nos resultados de dois estudos, dos quais participaram estudantes de licenciaturas em Matemática e em Educação Física. Diante disso, faz-se necessário a apresentação do que entendemos por estratégias de autorregulação da aprendizagem e estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores ao longo da atuação docente antes de apresentarmos os resultados encontrados em ambos estudos mencionados.
Estratégias de autorregulação da aprendizagem durante a formação do professor
A tomada de consciência é uma capacidade particular dos seres humanos. A consciência resulta de mudanças graduais e qualitativas no sistema psicológico das pessoas, sendo um construtor ativo de experiências. A consciência permite aos indivíduos controlar comportamentos, antecipar resultados, planejar e direcionar uma ação para uma meta não imediata (McCASLIN; HICKEY, 2001).
Por meio da consciência, as pessoas, ao planejarem alcançar objetivos e ao executarem uma tarefa, tendem a pensar em ações e a escolher diferentes instrumentos para serem utilizados durante sua atuação. Esses instrumentos, quando remetidos ao campo da autorregulação da aprendizagem, são denominados estratégias de aprendizagem.
A autorregulação da aprendizagem pode ser entendida, dentro do campo educacional, como o controle pessoal de pensamentos, sentimentos e ações planejadas e sistematicamente adaptadas, sempre que necessário, para incrementar a motivação e a aprendizagem dos estudantes (ZIMMERMAN, 2002). Uma das características fundamentais dos alunos que são autorregulados para aprender na escola e na universidade é a utilização de estratégias para alcançar seus objetivos de aprendizagem (ZIMMERMAN, 2002; VEIGA SIMÃO, 2004).
Podemos definir as estratégias de autorregulação da aprendizagem como uma sequência de atividades, operações ou planos mentais, planejados e controlados de forma consciente e intencional, os quais servem como guias de ação orientados para o alcance dos objetivos de aprendizagem de uma ou mais tarefas em um contexto específico (LOPES DA SILVA; VEIGA SIMÃO; SÁ, 2004; SANTOS; BUROCHOVITCH, 2011; VEIGA SIMÃO, 2004, 2005).
O uso de estratégias de aprendizagem, apesar de envolver o emprego de diferentes técnicas, não pode ser confundido com a simples aplicação de uma técnica no momento do estudo. A diferença que existe entre a utilização de estratégias de aprendizagem e a de técnicas de estudo é que enquanto nas primeiras há necessariamente o uso da consciência e da intencionalidade para alcançar, por exemplo, a aprendizagem de uma tarefa, na aplicação das segundas o indivíduo opera de forma mecânica sem o objetivo de alcançar a aprendizagem, mas apenas concluir uma tarefa (POZO, 1996; VEIGA SIMÃO, 2002, 2006).
Mediante uma breve pesquisa de revisão na literatura sobre as estratégias de aprendizagem, percebemos que estas se apresentam em diferentes tipos, mas que alguns autores preferem classificá-las em duas grandes esferas: estratégias cognitivas e estratégias metacognitivas (BORUCHOVITCH, 1999; COSTA; BUROCHOVITCH, 2010; SANTOS; BUROCHOVITCH, 2011). As estratégias metacognitivas ou de apoio são empregadas pelos estudantes para analisar e tomar consciência das demandas da tarefa, planejar o seu processo de aprendizagem a partir dos recursos pessoais e do contexto social, monitorar e regular o próprio pensamento e avaliar o emprego das estratégias cognitivas, mantendo-os motivados durante a aprendizagem. Por outro lado, as estratégias cognitivas ou primárias estão diretamente relacionadas com a execução da tarefa e são os procedimentos empregados para o alcance das metas, auxiliando o estudante a organizar, elaborar e integrar as diferentes informações recebidas durante o processo de aprendizagem (BORUCHOVITCH, 2001; PORTILHO, 2011).
Lopes da Silva, Veiga Simão e Sá (2004) acrescentam que, além das estratégias metacognitivas e cognitivas, os estudantes podem empregar estratégias motivacionais e comportamentais durante o seu processo de aprendizagem. As estratégicas motivacionais auxiliam na compreensão das razões que movem seus esforços para aprender (o que querem e aonde querem chegar), assim como os auxiliam a lidar com o sucesso, o fracasso, a ansiedade e a desmotivação. Já as estratégias comportamentais auxiliam no controle do tempo, na organização do material e do local de estudo, e caracterizam-se pelo pedido de ajuda aos mais experientes (professores, colegas, amigos e pais).
Vários autores (BORUCHOVITCH, 2014; SANTOS; BORUCHOVITCH, 2011; VEIGA SIMÃO, 2004) defendem que uma das funções dos professores na escola deveria ser o ensino de diferentes tipos de estratégias de aprendizagem aos alunos. Zimmerman e Martinez-Pons (1986, 1988, 1990) conduziram as primeiras investigações visando encontrar quais as estratégias de aprendizagem mais utilizadas pelos estudantes para aprender os conteúdos e obter bons resultados acadêmicos. Seguindo uma linha de investigação sociocognitiva, esses autores, em 1986, a partir do autorrelato de estudantes do Ensino Médio, encontraram 14 tipos diferentes de estratégias de aprendizagem (QUADRO 1), utilizadas tanto no estudo em sala de aula como no estudo em casa.
Estratégias e Exemplos de aplicação | Definição |
---|---|
1. Autoavaliação “Reviso todo meu trabalho para ter certeza que ele está certo” |
Declarações indicando a iniciativa do estudante para avaliar a qualidade ou progresso do seu trabalho |
2. Organizar e transformar “Faço um esquema antes de escrever o meu texto” |
Declarações indicando a iniciativa do estudante para reorganizar, de forma clara ou não, os materiais de instrução para melhorar sua aprendizagem |
3. Estabelecer metas e planejamento “Primeiro começo estudando duas semanas antes dos exames, e sigo meu ritmo” |
Declarações indicando o estabelecimento de metas ou submetas educacionais pelo estudante, o planejamento de uma sequência, um tempo, e o desenvolvimento de atividades relacionadas com as metas |
4. Procurar informações “Antes de iniciar a escrita de um texto vou à biblioteca conseguir quantas informações forem possíveis sobre o tema” |
Declarações indicando iniciativa do estudante em se esforçar para garantir ainda mais informações da tarefa por meio de fontes não sociais quando realiza uma tarefa |
5. Manter registro e monitoramento “Tomo notas das discussões na classe” “Mantenho uma lista de palavras que eu erro” |
Declarações indicando esforços iniciados pelo estudante para registrar eventos ou resultados |
6. Estruturar o ambiente “Me isolo de qualquer coisa que me distraia” “Desligo o rádio e então eu posso me concentrar no que eu estou fazendo” |
Declarações indicando esforços iniciados pelo estudante para tornar a aprendizagem mais fácil |
7. Autoconsequências “Se faço bem um teste, me dou o prazer de assistir a um filme” |
Declarações indicando iniciativa do estudante para arrumar ou imaginar recompensas ou punições pelo sucesso ou pela falha |
8. Ensaiar e memorizar “Quando me preparo para o teste de Matemática, continuo escrevendo a fórmula até lembrar-me dela” |
Declarações indicando iniciativa de esforços do aluno para memorizar o material pela prática explícita ou não |
9.-11. Procura de ajuda “Se tenho problemas com os exercícios de Matemática, peço ajuda a um amigo” |
Declarações indicando iniciativa do aluno esforçando-se para solicitar ajuda de pares (9), professores (10) e adultos (11) |
12.-14. Revisar anotações “Quando me preparo para os testes, reviso minhas anotações” |
Declarações indicando iniciativa do estudante esforçando-se para reler testes (12), anotações (13) ou livros textos (14) para preparar-se para a aula ou testes |
15. Outras “Apenas faço o que o professor fala” |
Declarações indicando comportamentos de aprendizagem que são iniciados por outras pessoas, como os professores ou os pais, em que as respostas verbais não são claras |
Fonte: Zimmerman; Martinez-Pons (1986). *Adaptado pelas pesquisadoras.
As respostas dos alunos que participaram dessa investigação (ZIMMERMAN; MARTINEZ-PONS, 1986) foram codificadas em categorias de acordo com as três formas pelas quais se pode autorregular a aprendizagem: estratégias pessoais, estratégias contextuais e estratégias comportamentais. As estratégias pessoais destacadas foram: estabelecimento de metas e planejamento, organização e transformação dos materiais de instrução, procura por informação, ensaio e memorização. As contextuais foram: estruturação de ambientes, procura de ajuda social e autoconsequências. Já as estratégias comportamentais foram: manter registros e monitorização, revisar anotações e autoavaliação (ZIMMERMAN; MARTINEZ-PONS, 1986).
Ao mesmo tempo que as quatorze estratégias de aprendizagem foram identificadas, os autores entenderam que além de potencializarem a aprendizagem dos estudantes, consequentemente, a utilização dessas estratégias influenciou a obtenção de um melhor rendimento escolar quando comparado com o rendimento dos alunos que não utilizaram estratégias para aprender (ZIMMERMAN; MARTINEZ-PONS, 1986). Esses mesmos resultados também foram encontrados nas pesquisas de Costa e Boruchovitch (2010), Onatsu-Arvilommi, Nurmi e Auonola (2002), Loranger (1994) e Rosário (2001), sendo as duas primeiras com estudantes do Ensino Fundamental e as duas últimas com estudantes do Ensino Médio.
Além dessas vantagens apresentadas pelos estudantes que utilizaram estratégias para aprender, outras pesquisas (SCHUNK, 2001; CASTRO, 2007; LOURENÇO, 2007) mostram que a utilização dessas estratégias colabora para aumentar o sentimento de autoeficácia, o que fortalece a motivação dos estudantes para persistirem ante os desafios ao realizarem tarefas escolares.
Diante dessas vantagens em relação à utilização de estratégias de aprendizagem no ambiente escolar e acadêmico, defendemos nesta investigação que os estudantes precisam ter a oportunidade de tornarem-se mais estratégicos para aprender, assim como estabelecer metas e objetivos para desenvolver a sua autorreflexão. Uma das maneiras de obter sucesso na preparação de estudantes, que saibam melhor autorregular sua aprendizagem a partir de um comportamento estratégico, é investir na formação de professores também autorregulados para ensinar, utilizando diferentes estratégias nas disciplinas por eles ministradas (VEIGA SIMÃO, 2006).
Inferimos que para se ter professores estratégicos para aprender e ensinar é necessário repensar a formação inicial e continuada dos docentes, a fim de que tais profissionais tenham capacidade de encorajar seus estudantes a identificarem e a utilizarem estratégias apropriadas às diferentes tarefas e contextos de aprendizagem (BORUCHOVITCH, 2014; SANTOS; BORUCHOVITCH, 2011; VEIGA SIMÃO; FRISON, 2013;). Uma das alternativas para que os professores possuam as competências requeridas acima seria inserir na formação desses profissionais, seja inicial ou continuada, o ensino e a utilização de estratégias de autorregulação para aprender os conteúdos das diferentes disciplinas oferecidas nos cursos realizados. Na medida em que os futuros professores e os já habilitados aprenderem um conjunto dessas estratégias, poderão tanto utilizá-las em benefício de seu aprendizado quanto adaptá-las ao ensino no contexto da sala de aula (VEIGA SIMÃO, 2006; BORUCHOVITCH, 2014).
Estratégias pedagógicas para superar os desafios do ensino
Da mesma forma que as estratégias de autorregulação da aprendizagem podem ser utilizadas pelos professores para aprender durante as diferentes disciplinas que compõem os currículos das licenciaturas, esses docentes podem se apropriar desse comportamento estratégico e transferi-lo para o ensino em sala de aula. Podemos considerar como um professor estratégico aquele capaz de mobilizar os conhecimentos adequados em frente do contexto educativo e adaptar as suas ações diante dos desafios que se apresentam (MONEREO et al., 2009).
Assim como a denominação já revela, um professor estratégico se caracteriza por utilizar diferentes estratégias pedagógicas durante o processo de ensino em sala de aula. As estratégias pedagógicas podem ser entendidas como um dos processos e instrumentos utilizados pelo professor para alcançar os seus objetivos de ensino aos alunos. Uma das maneiras do professor atuar de forma estratégica em sala de aula é deixar claro aos alunos os métodos que utiliza para promover a aquisição dos conhecimentos, assim como possibilitar aos estudantes que identifiquem e utilizem as estratégias que consideram mais adequadas para aprender os conteúdos oportunizados em sala de aula (VEIGA SIMÃO, 2013).
Conforme Anastasiou e Alves (2005), os professores estratégicos costumam estudar, selecionar, organizar e propor aos estudantes as melhores ferramentas para facilitar a apropriação do conhecimento. Quando os professores utilizam estratégias pedagógicas para alcançarem seus objetivos de ensino, precisam estar conscientes do conhecimento, do modo de ser, agir e estar dos estudantes a que atende. Dito de outro modo, a elaboração de estratégias pedagógicas precisa estar de acordo com o contexto de ensino e de aprendizagem em que o professor está inserido.
Em frente dos diferentes cenários de ensino, crenças, atitudes e objetivos do professor em sala de aula, a escolha por esse profissional de quais as estratégias pedagógicas utilizar pode variar. Alguns exemplos citados por Anastasiou e Alves (2005) são: solicitar aos alunos à construção de mapas conceituais sobre a matéria que estão estudando; realizar uma lista de discussão com os alunos sobre o tema estudado; propor um estudo dirigido com os alunos; sugerir aos alunos a formação de grupos de verbalização e observação, entre outras. Das sugestões pontuadas pelos autores (op. cit.), destacamos a estratégia de propor aos alunos uma aula expositiva dialogada. Com esta estratégia, o professor procura superar o modelo de aula tradicional, que se caracteriza apenas por um monólogo do professor com os alunos. Na aula expositiva dialogada, os alunos participam ativamente, dando opiniões, sugerindo atividades, realizando observações. Nela, há o clima de parceria, respeito e troca. A intenção de utilizar essa estratégia reside no fato de mobilizar as condições para a superação das dificuldades de aprendizagem dos estudantes, assim como proporcionar um ambiente que desperte a motivação do aluno para aprender.
Diante do que foi exposto e buscando a formação de professores competentes para atuar, acreditamos que uma das alternativas seria promover, durante o período de formação inicial, atividades, nas diversas disciplinas do currículo, que favoreçam o desenvolvimento de processos de autorregulação da aprendizagem, os quais possibilitem aos professores regularem suas ações para aprender e para beneficiar as aprendizagens dos alunos.
Metodologia
Esta pesquisa, de natureza qualitativa, visa apresentar e discutir as estratégias de autorregulação da aprendizagem e as estratégias pedagógicas reveladas nos resultados de dois estudos realizados com estudantes de licenciatura de uma Universidade pública no sul do Brasil.
O primeiro estudo ocorreu no ano de 2012 no âmbito do Pibid1 e envolveu três estudantes do gênero feminino do curso de licenciatura em Matemática que atuaram no desenvolvimento e na aplicação de uma oficina intitulada “Matemática Elementar: alicerce para um ensino de qualidade”. Essa oficina foi elaborada a partir das experiências realizadas nas monitorias, em que as bolsistas, após seis meses em contato direto com os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), identificaram as principais dúvidas dos estudantes e, em parceria com o professor coordenador do Pibid do curso de Matemática, elaboraram atividades. Nessas atividades, baseadas no ensino experimental da Matemática, foram trabalhados alguns conteúdos a partir de tarefas práticas com o uso de material manipulativo, já que as bolsistas percebiam nas monitorias que as explicações delas não estavam atendendo às necessidades de aprendizagem dos alunos. Para a realização da oficina as bolsistas criaram na escola um espaço de trabalho para os alunos e, com o aprofundamento e a contextualização de conteúdos, elas revisaram e (re)construíram oportunidades de aprendizagem com relação aos conteúdos de Matemática básica do Ensino Fundamental, especialmente relacionados a conceitos de raiz quadrada, frações, Mínimo Múltiplo Comum (MMC) e representação dos números na reta real.
No segundo estudo, realizado ao longo dos dois semestres do ano de 2014, participaram doze estudantes do último ano do curso de licenciatura em Educação Física, sendo sete do gênero masculino e cinco do gênero feminino, que estavam realizando seus estágios curriculares supervisionados.2 A seleção dos estagiários exigiu dos estudantes, como critério para a participação na pesquisa, a matrícula na disciplina de estágio e a participação do Grupo de Pesquisa e Formação em Educação Física Escolar (GRUPESF).3 O GRUPESF visava discutir e buscar soluções para os desafios pedagógicos encontrados nos estágios obrigatórios realizados ao longo do curso.
Nos dois estudos apresentados, os estudantes participaram de forma voluntária e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, ficando cientes dos objetivos da pesquisa e autorizando a divulgação dos resultados encontrados.
Instrumentos de coleta e de análise dos dados
A coleta de dados do primeiro estudo foi caracterizada por uma entrevista semiestruturada com as bolsistas que desenvolveram a oficina. As entrevistas semiestruturadas são caracterizadas por permitir maior liberdade no momento da conversa, tanto para quem entrevista como para o entrevistado (FERREIRA; AMADO, 2013). Foi utilizado para as entrevistas um roteiro prévio, com algumas questões para norteá-la, e um gravador de áudio para registrar os comentários realizados pelas bolsistas. Ressaltamos que a oficina foi desenvolvida com alunos da EJA no ano de 2010, e as entrevistas foram realizadas no ano de 2012, tendo como objetivo identificar se a oficina desenvolvida no Pibid promoveu a aprendizagem autorregulada das bolsistas de Matemática, qualificou seus processos de aprender e possibilitou o desenvolvimento de competência para o efetivo desempenho docente.
No segundo estudo, foi utilizada para a coleta de dados a técnica de estimulação da recordação. Essa técnica se constitui na gravação, em áudio ou vídeo, de uma aula ou episódio de aula e posterior visualização pelos atores envolvidos (professor, alunos, estagiários) dos conteúdos registrados. A técnica pode ser realizada apenas com a presença do pesquisador que faz o registro e do professor/estagiário registrado ou pode envolver um grupo maior de participantes implicados na mesma situação (AMADO; VEIGA SIMÃO, 2013; VEIGA SIMÃO, 2002). A estimulação da recordação aconteceu em diferentes momentos da pesquisa e de diferentes formas. A primeira delas ocorreu no primeiro semestre de 2014, quando os estagiários estavam realizando os seus estágios nas séries finais do Ensino Fundamental, e de forma individual (pesquisador e estagiário). A segunda foi realizada ainda no primeiro semestre de 2014, e a terceira no segundo semestre de 2014. Em todos os encontros houve a participação dos estagiários envolvidos no estudo. Eles assistiram e opinaram sobre as aulas de seus colegas.
Em ambos os estudos utilizamos a metodologia de análise textual discursiva para analisar os dados obtidos. Essa metodologia consiste em um processo integrado de análise e de síntese cuja proposta é fazer uma leitura aprofundada de materiais textuais, com o objetivo de descrevê-los e interpretá-los, tencionando obter uma compreensão mais ampla dos fenômenos investigados (MORAES, 2003; MORAES; GALIAZZI, 2006, 2007).
Resultados dos estudos e discussão
Conforme já descrito anteriormente, entendemos nesta pesquisa que as estratégias de aprendizagem são aquelas empregadas pelos estudantes com o propósito de auxiliar na tarefa de aprender e as estratégias pedagógicas são aquelas empregadas pelos professores/futuros professores nas aulas buscando alcançar os objetivos de ensino.
Por meio dos dados revelados nas entrevistas realizadas com as três bolsistas do curso de licenciatura em Matemática (primeiro estudo), e na utilização da técnica de estimulação da recordação, com os doze estagiários do curso de licenciatura em Educação Física (segundo estudo), identificamos distintos tipos de estratégias de aprendizagem e estratégias pedagógicas utilizadas por esses futuros professores nos seus respectivos campos de atuação.
Conforme análise dos relatos das bolsistas (primeiro estudo), observamos que durante o planejamento da oficina elas utilizaram as seguintes estratégias de aprendizagem: a) planejar o desenvolvimento da oficina e traçar objetivos para cada atividade; b) estudar e pesquisar para aprender os conteúdos das atividades da oficina e decidir o material didático a ser utilizado; c) pedir ajuda aos colegas de graduação e aos professores do curso para preparar a oficina.
Em relação aos estagiários de Educação Física (segundo estudo), as estratégias de aprendizagem identificadas durante a atuação nos estágios foram: a) planejar as aulas do estágio para alcançar os objetivos traçados; b) antecipar resultados que poderiam encontrar para desenvolver o plano de aula elaborado, entre eles o comportamento dos alunos e a gestão das atividades; c) procurar ajuda tanto de professores e colegas como de materiais acadêmicos que pudessem auxiliar nas respostas aos desafios encontrados; d) refletir para avaliar os comportamentos e as aprendizagens realizadas durante a execução dos estágios.
Quanto às estratégias pedagógicas, as bolsistas do primeiro estudo revelaram utilizar durante a execução da oficina as seguintes estratégias pedagógicas: a) criar um contexto propício à aprendizagem dos alunos; b) fomentar a linguagem utilizada na oficina, superando a timidez diante dos alunos; c) gerir o tempo de duração de cada atividade da oficina; d) modificar o modo de explicar a atividade quando percebiam que os alunos não estavam compreendendo.
No que se refere às estratégias pedagógicas utilizadas pelos estagiários do segundo estudo, observamos: a) criar um contexto propício à aprendizagem dos alunos, por meio da introdução e da finalização da aula como forma de manter à atenção dos alunos; b) criar situações afetivo-positivas com os alunos, como conversar e tentar ser amigo deles; c) gerir o tempo das atividades da aula conforme o planejado; d) utilizar exemplos práticos e de vídeo para explicar a matéria e melhorar a compreensão dos alunos; e) reformular procedimentos que haviam sido previstos no planejamento.
De acordo com o Quadro 2, observamos que, mesmo atuando em contextos diferentes, os futuros professores das disciplinas de Matemática e de Educação Física utilizaram estratégias para autorregularem o seu aprender (estratégias de aprendizagem) e gerenciarem o ensino aos alunos na oficina e nos estágios (estratégias pedagógicas).
Estudantes de Matemática | Estudantes de Educação Física | ||
Estratégias de Aprendizagem | Estratégias Pedagógicas | Estratégias de Aprendizagem | Estratégias Pedagógicas |
Planejar a oficina | Criar um contexto propício à aprendizagem dos alunos | Planejar as aulas do estágio | Criar um contexto propício à aprendizagem dos alunos |
Estudar e pesquisar para aprender os conteúdos de Matemática | Fomentar a linguagem utilizada nas oficinas | Antecipar resultados sobre o comportamento dos alunos e gestão das atividades | Criar situações afetivo-positivas |
Procurar ajuda dos pares | Gerir o tempo das atividades da oficina | Procurar ajuda dos pares e de materiais acadêmicos | Gerir o tempo das atividades da aula |
Modificar explicações | Refletir sobre comportamentos e aprendizagens | Utilizar exemplos práticos e em vídeo para explicar o conteúdo | |
Reformular procedimentos |
Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras, 2016.
Em relação às estratégias de autorregulação da aprendizagem utilizadas pelas bolsistas e pelos estagiários, notamos a utilização de diferentes estratégias cognitivas e metacognitivas (BORUCHOVITCH, 2001; PORTILHO, 2011), como a realização do planejamento antes da atuação, antecipação de resultados, autorreflexão sobre as ações, o estudo do conteúdo que seria lecionado e pedido de ajuda, a qual também é considerada na literatura como uma estratégia comportamental (LOPES DA SILVA; VEIGA SIMÃO; SÁ, 2004).
Diante desses resultados, acreditamos que o conjunto dessas estratégias de aprendizagem utilizadas pelos futuros professores durante a oficina e os estágios trouxe resultados positivos para a aprendizagem de como agir na prática pedagógica. Observamos que ao planejar, antecipar resultados e refletir para/sobre a ação na sala de aula, as bolsistas e os estagiários foram capazes de tomar consciência sobre a demanda da tarefa que tinham a executar (McCASLIN; HICKEY, 2001). Enquanto o planejamento auxiliou esses estudantes a guiar suas ações na tarefa e a antecipação de resultados ajudou-os a prever os possíveis obstáculos na prática com os alunos, a autorreflexão os permitiu autoavaliar comportamentos e a buscar modificá-los em futuras situações.
As estratégias cognitivas, como estudar e pesquisar os conteúdos de Matemática presentes em cada atividade da oficina, auxiliaram as bolsistas a organizarem as informações recebidas (BORUCHOVITCH, 2001; PORTILHO, 2011). A procura de ajuda dos pares e de materiais acadêmicos fez com que as bolsistas e os estagiários pudessem exercer o autocontrole sobre as suas práticas, evidenciando o papel dos recursos internos para determinar quando a ajuda era necessária (SERAFIM; BORUCHOVITCH, 2010; ZIMMERMAN, 2013). Identificamos na literatura que os estudantes, ao recorrerem à estratégia de pedido de ajuda, mostram que são autorregulados ao se beneficiar com a ajuda de outros para conseguirem lidar com as dificuldades do seu processo de aprendizagem (SERAFIM; BORUCHOVITCH, 2010).
Percebemos que as estratégias pedagógicas utilizadas pelas bolsistas e pelos estagiários auxiliaram no alcance dos objetivos que haviam traçado para atuação junto aos alunos nos contextos de intervenção. Em ambos os estudos, os participantes envolvidos, tanto futuros professores como alunos, avaliaram positivamente as intervenções pedagógicas desenvolvidas.
Percebemos que os estagiários e as bolsistas agiram de forma consciente no processo de ensino, uma vez que souberam escolher estratégias para criar um contexto propício à aprendizagem dos alunos, estabeleceram um vínculo afetivo com os estudantes, geriram o tempo para que as atividades programadas fossem realizadas e reformularam procedimentos durante a aula, sempre que necessário. Por meio dessas ações, os futuros docentes dos estudos analisados demonstram que consideram o processo de aprendizagem como algo complexo (SCHUNK, 2001; VEIGA SIMÃO, 2002) e que a aprendizagem e o ensino são ações com especificidades próprias (POZO, 2002). Compreenderam, da mesma forma, que o ensino, apesar de ser uma atividade exercida pelo professor, influencia a forma como os alunos aprendem, uma vez que a aprendizagem não depende apenas da atividade do aluno ou do ensino do professor, mas da associação da motivação do aluno para aprender e do contexto propício para que essa aprendizagem ocorra.
Inferimos, portanto, que estar em contato com a prática pedagógica, ainda durante o curso de formação, pode ter representado aos participantes dos dois estudos uma das chances iniciais de desenvolver um pensamento estratégico para lidar com os desafios que surgem na aula com os alunos. Ter a oportunidade de conhecer e elaborar diferentes estratégias, as quais podem ter sido aprendidas no próprio contexto do curso, assim como no decorrer da prática do estágio ou das oficinas, pode ajudá-los a ter uma maior consciência e controle sobre a tarefa de dar aula (VEIGA SIMÃO, 2006).
Considerações finais
Percebemos nesta investigação, por meio da análise dos estudos, que tanto as bolsistas do curso de Matemática como os estagiários do curso de Educação Física tiveram a oportunidade, nos diferentes contextos em que atuaram, para utilizarem estratégias que intencionavam autorregular o aprender a ser professor e estratégias pedagógicas para controlar o ambiente de ensino.
Analisamos que o contexto de realização das oficinas e a atuação nos estágios permitiu que os estagiários e as bolsistas pudessem ser mais ativos e reflexivos sobre as suas ações. Podemos dizer que os contextos mencionados contribuíram para o desenvolvimento de competências autorregulatórias, as quais auxiliaram esses futuros professores, envolvidos nas duas propostas de trabalho, autorregular o aprender a ser professor, assim como transferir esse comportamento apreendido para a atuação de ensinar os alunos.
Diante da necessidade de termos professores que saibam aprender e ensinar de forma estratégica, consideramos os resultados desses estudos bastante positivos. Acreditamos que a utilização dessas diferentes estratégias contribuíram para a formação de professores autônomos, conscientes e estratégicos para atuar na escola.