Introdução
Este estudo tem como objetivo analisar o desempenho acadêmico dos estudantes dos cursos de Matemática − licenciatura e bacharelado − da Universidade Federal de Goiás (UFG), Regional Goiânia, ao longo do curso. O propósito é identificar onde se encontram as principais fragilidades, bem como descobrir em quais grupos de estudantes e disciplinas o rendimento dos estudantes é menos satisfatório, apresentando notas mais baixas e maior número de reprovação.
O interesse por estudar uma graduação em Matemática se dá pelo fato de que, tradicionalmente, trata-se de um curso considerado de alto grau de complexidade, e, logo, dificuldade, no qual a taxa de reprovação é alta, o que culmina em retenção (prolongamento do tempo de conclusão) e evasão (abandono do curso).
Além disso, dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2017 revelam o baixo nível de proficiência em Matemática dos estudantes brasileiros desde a educação básica. Prova disso é que, ao final do 5º ano do ensino fundamental, apenas 15,52% dos estudantes das escolas públicas e privadas brasileiras tiveram nível de desempenho adequado. No 9º ano do ensino fundamental, esse percentual foi ainda menor, de apenas 4,5%, e no ensino médio não passou de 4,52%. Por assim ser, acredita-se que, ao longo de sua trajetória educacional, os estudantes, de modo geral, apresentam muitas dificuldades em Matemática, o que pode influenciar seu desempenho na universidade.
No mais, acredita-se que a importância de um estudo como este no âmbito da educação superior se dá pelo fato de que
[...] as universidades deveriam compreender o perfil de seus estudantes, relacionando-o com o desempenho durante o curso. Estes estudos também proporcionam ao educador parâmetros e conhecimentos específicos sobre a relação perfil do aluno-curso e assim o educador consegue agir de forma mais precisa. Somente após traçar essa relação que medidas podem ser tomadas, tendo como foco o educando e seu melhor aproveitamento dentro da universidade (SILVA, 2015, s/p).
É importante esclarecer que, para a realização desta pesquisa, foram selecionados os estudantes ingressantes no primeiro semestre de 2014 no curso de Matemática do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da UFG, visto que o período regular para integralização do curso é de oito semestres. Logo, no primeiro semestre de 2018, momento da coleta de dados para este estudo, finalizou o período para conclusão do curso em período regular. Todos os estudantes que ultrapassaram esse prazo são considerados estudantes retidos.
No primeiro semestre de 2014, ingressaram 99 estudantes nos cursos de Matemática da Regional Goiânia da UFG, sendo nove na modalidade bacharelado, 61 na licenciatura e 29 no grau não definido. Anualmente, são ofertadas 110 vagas para esse curso, considerando todas as modalidades, o que significa que 90% das vagas foram preenchidas.
Dos 29 ingressantes em Matemática (grau não definido), 26 (89,6%) desistiram do curso antes do momento da definição da habilitação, que pode ser feita do segundo ao quarto semestre da graduação. Outros dois (7%) definiram grau para bacharelado e um (3,4%) para licenciatura. Mesmo os que definiram grau, desistiram do curso, o que significa que a totalidade de estudantes que ingressaram em Matemática (grau não definido) não tiveram êxito na graduação.
Logo, foram analisados 11 históricos dos estudantes do curso de Matemática (bacharelado) e 62 históricos dos estudantes do curso de Matemática (licenciatura), todos ingressantes em 2014/1, considerando-se os três estudantes do grau não definido que fizeram definição de modalidade. E, tendo em vista os dados obtidos, foi feita uma análise de três principais indicadores: média global, desempenho nas disciplinas específicas de cada modalidade, e desempenho nas quatro disciplinas com pior rendimento acadêmico.
Para a análise dos dados, utilizou-se a análise exploratória, que:
[...] é o processo de uso das ferramentas estatísticas (tais como gráficos, medidas de centro e medidas de variação) para a investigação de conjuntos de dados com o objetivo de compreenderem suas características importantes (TRIOLA, 2008, p. 96).
Neste estudo, especificamente, utilizou-se estatística descritiva, o que permite analisar algumas medidas de centro e dispersão, como: média, mediana e coeficiente de variação. Todos os dados foram apresentados em forma de quadros e gráficos estatísticos, e analisados com o escopo de comparar o bacharelado e a licenciatura. Esses instrumentos foram utilizados por se acreditar que
[...] o conhecimento estatístico transforma a 'alteridade' em diferenças que se tornam comparáveis e mensuráveis. Com isso, as estatísticas comparativas tornam-se cada vez mais uma ferramenta que torna comensuráveis os diversos arranjos sociais e modos de vida [...] (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p. 118).
Além do mais,
[...] os números permitem um planejamento administrativo à medida que fenômenos aparentemente disparatos e incomensuráveis são transformados em 'coisas' mensuráveis que são comensuráveis e comparáveis (POPKEWITZ; LINDBLAD, 2001, p. 118).
Sendo assim, ao serem divulgados esses dados neste artigo, espera-se que eles possam subsidiar ações que incidam principalmente nas disciplinas em que os estudantes apresentam maior fragilidade ao longo do curso.
Desempenho acadêmico no curso de Matemática: um comparativo entre a licenciatura e o bacharelado
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de Matemática, bacharelado e licenciatura (2001), é objetivo do curso de Matemática (bacharelado) garantir que seus egressos tenham:
Uma sólida formação de conteúdos de Matemática.
Uma formação que lhes prepare para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional (BRASIL, 2001, p. 3).
Já dos estudantes da Matemática (licenciatura) espera-se que possuam as seguintes características:
Visão de seu papel social de educador e capacidade de se inserir em diversas realidades com sensibilidade para interpretar as ações dos educandos.
Visão da contribuição que a aprendizagem da Matemática pode oferecer à formação dos indivíduos para o exercício de sua cidadania.
Visão de que o conhecimento matemático pode e deve ser acessível a todos, e consciência de seu papel na superação dos preconceitos, trazidos pela angústia, inércia ou rejeição, que muitas vezes ainda estão presentes no ensino-aprendizagem da disciplina (BRASIL, 2001, p. 3).
Isso é o que propõem as DCNs. Mas como é a formação desses estudantes? Eles têm uma formação realmente sólida? São mesmo capazes de enfrentar os desafios da sociedade e do mercado de trabalho? Têm um desempenho que lhes assegura formar outros indivíduos, no caso dos licenciados? Entende-se que o desempenho acadêmico durante o curso pode revelar fragilidades na formação dos estudantes.
Tendo isso em vista, este artigo objetiva analisar o desempenho dos estudantes dos cursos de Matemática - licenciatura e bacharelado - da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiânia, ingressantes em 2014, considerando principalmente três indicadores: média global, desempenho nas disciplinas específicas de cada modalidade, e desempenho nas quatro disciplinas com pior rendimento acadêmico.
O que está em questão neste estudo, portanto, é a dicotomia sucesso-fracasso escolar. Mas, como adverte Perrrenoud:
[...] seria de bom senso considerar que o sucesso ou fracasso não são características intrínsecas dos estudantes, mas o resultado de um julgamento feito pelos agentes do sistema educacional sobre a distância desses estudantes em relação às normas de excelência escolar em vigor (PERRRENOUD, 2003, p. 14-15).
No caso da instituição UFG, o parâmetro para avaliar o resultado dos estudantes será a nota 6,0, mínimo exigido para aprovação nas disciplinas de todos os cursos. Logo, o desempenho será mensurado em relação a esse valor numérico. Para calcular a Média Global dos Estudantes (MGE) da universidade em questão, somam-se os produtos das notas obtidas em cada disciplina cursada pela sua carga horária, dividida pela somatória de carga horária dessas disciplinas.
A análise da média global média para os cursos de licenciatura e bacharelado em Matemática do IME, do primeiro semestre de 2014 ao segundo semestre de 2017, revelou o seguinte:
A análise dos dados da licenciatura e do bacharelado mostra que, para a licenciatura, as médias globais médias aumentaram 55,8% no período de 2014/1 a 2017/2, enquanto no bacharelado, no mesmo período, diminuíram 25%.
O menor valor para a média global média da licenciatura, 3,4, ocorreu em 2014/1 e o maior valor, 5,3, aconteceu em 2017/1 e 2017/2. Significa, pois, que os estudantes tiveram maiores dificuldades no primeiro período do curso, ao passo que, no seu decorrer, foram melhorando seu desempenho. Isso acarretou um aumento importante da média global média nos dois últimos períodos regulares para integralização do curso, 2017/1 e 2017/2, em relação aos períodos anteriores.
No bacharelado, observa-se que a menor média global média ocorreu em 2017/1 e 2017/2, quando foi 4,8, e a maior em 2014/1, 6,4. Portanto, nesse caso aconteceu o inverso da licenciatura. Os estudantes tiveram melhor desempenho no início do curso e as notas foram diminuindo no seu decorrer, provocando a redução da média global média. Esse crescimento da média global média da licenciatura em relação ao bacharelado nos dois últimos semestres pode ser explicada pelo grau de dificuldade das disciplinas, que no bacharelado são consideradas mais áridas.
Também vale ressaltar que em nenhum semestre do período estudado a média global média da licenciatura alcançou valor 6,0. E, enquanto na licenciatura a maior média global média foi 5,3, no bacharelado ela foi 6,4. Também se observa que a média do bacharelado foi superior à da licenciatura durante os cinco primeiros semestres. As médias foram iguais a 5,0 em 2016/2 e, a partir daí a média da licenciatura superou a do bacharelado nos dois últimos semestres de estudo. Por assim ser, pode-se dizer que desempenho geral dos estudantes do curso de bacharelado se mostrou superior na maior parte do curso.
Essa mesma análise em períodos de um semestre aponta que o maior aumento percentual nas médias da licenciatura aconteceu de 2014/1 para 2014/2 e correspondeu a 17,6%. Já o menor aumento se repetiu em dois períodos: de 2016/1 para 2016/2 e de 2017/1 para 2017/2. Nesses dois momentos, não houve variação. A maior variação da média do bacharelado ocorreu de 2014/2 para 2015/1, quando houve o decréscimo de 6,1 para 5,7, o que corresponde a 7%. No período de 2017/1 para 2017/2, não houve variação.
Além das médias globais médias, foi analisado o comportamento das médias globais medianas, uma medida de posição definida como o número que se encontra no centro do conjunto de dados, estando eles ordenados. O Gráfico 2, abaixo, mostra os resultados dessa análise:
A média global mediana da licenciatura aumentou 72,7% no período de 2014/1 a 2016/2, passando de 3,3 a 5,7. Em 2017/1, houve uma queda para 5,6, mas, em 2017/2, a mediana voltou a assumir o valor 5,7. É importante ressaltar que, em nenhum semestre do período estudado a média global mediana ultrapassou o valor 6,0. Isso significa que, no geral, o desempenho dos estudantes foi insatisfatório, pois, em todos os períodos analisados, pelo menos 50% dos estudantes da licenciatura obtiveram média global menor do que ou igual 5,6, inferior à média para aprovação na UFG, que é 6,0.
O comportamento da média global mediana no bacharelado foi diferente do da licenciatura, pois, no período de 2014/1 a 2016/2, a mediana decresceu 20,2%, passando de 6,9 para 5,5. Em 2017/1, a mediana subiu para 5,6, o que se manteve em 2017/2. Note-se que a mediana no bacharelado foi maior do que ou igual a 6,0 durante três semestres consecutivos: 6,9 em 2014/1; 6,6 em 2014/2 e 6,0 em 2015/1. A partir de 2015/2, ela ficou abaixo de 6,0 e isso se prolongou até 2017/2.
Observa-se que a maior mediana da licenciatura, de 5,7, em 2016/2 e 2017/2, foi apenas 3,5% maior que a menor mediana das médias globais do bacharelado, de 5,5 em 2016/2. Esse dado reafirma o fato de que, apesar dos estudantes da licenciatura terem melhorado seu desempenho no decorrer do curso e os do bacharelado diminuído, a maioria dos estudantes do bacharelado apresentou melhor desempenho no decorrer do período em análise, e apenas nesse grupo houve períodos em que pelo menos metade da turma teve média global igual ou superior a 6,0.
Outra medida importante e que diz respeito à variabilidade dos conjuntos de médias globais é o coeficiente de variação, medida de dispersão de uma distribuição de frequências que mostra a extensão da variabilidade em relação à média. O estudo desse aspecto é importante, pois, de acordo com Perrenoud (2003, p. 10), "Não podemos nos ater aos desempenhos de alto nível, nem mesmo aos de nível médio, e desconsiderar a dispersão". Isso é fundamental para que os fracassos individuais não sejam compensados com os êxitos dos que apresentam rendimento mais elevado.
O Gráfico 3, a seguir, apresenta a evolução dos coeficientes de variação das médias globais da licenciatura e do bacharelado do IME/UFG.
O coeficiente de variação das médias da licenciatura decresceu em grande parte do período estudado, começando com 84,5% em 2014/1, atingindo 37,1% em 2017/1 e alcançando 38,3% em 2017/2. Considerando o período de 2014/1 a 2017/2, a variação foi de 45,2%. O maior decréscimo foi observado de 2014/1 para 2014/2, quando o coeficiente diminuiu 24,8%. O menor decréscimo, de 0,9%, ocorreu de 2016/1 para 2016/2. Sendo assim, o coeficiente de variação mostra que as médias globais da licenciatura em 2014/1 formaram um conjunto com maior variabilidade em relação à média do que em 2017/2.
Já o coeficiente de variação do bacharelado aumentou durante todo o período. Em 2014/1, ele valia 38,3% e em 2017/2, 55,4%, o que consiste em um aumento de 44,7%. O maior aumento ocorreu de 2016/1 para 2016/2, quando o coeficiente aumentou 18,5%. Já o menor aumento foi de 2014/1 a 2014/2, quando o coeficiente aumentou somente 0,2%. Do ponto de vista da homogeneidade, as médias em 2017/2 formavam um conjunto mais heterogêneo do que em 2014/1.
É preciso salientar que coeficientes de variação acima de 30% revelam elevada dispersão dos dados. Logo, tanto no bacharelado como na licenciatura as médias globais se mostraram muito dispersas. Porém, na licenciatura, essa dispersão foi extremamente acentuada no início do curso, atingindo 84,5% em 2014/1. Ao longo de todo o período analisado, apesar do decréscimo da dispersão, ela nunca foi menor que 37,1%, permanecendo, pois, muito alta.
Já no bacharelado, apesar de o coeficiente de variação das médias globais ter sido menor que o da licenciatura de 2014/1 a 2016/1, a dispersão foi aumentando ao longo do período em estudo até alcançar o máximo de 55,4% em 2017/2. Portanto, nas duas séries de dados a dispersão é alta e revela uma heterogeneidade relativa às médias globias.
As médias globais dos estudantes do curso de Matemática do IME/UFG, ingressantes em 2014, também foram divididas em duas classes para serem analisadas: 0 a 5,9 e 6,0 a 10, visto que 6,0 é a nota mínima para aprovação na UFG.
O Gráfico abaixo apresenta o panorama da licenciatura e do bacharelado.
Em 2014/1, a porcentagem de estudantes na licenciatura com médias globais maiores ou iguais a 6,0 correspondia a 24,2%. Esse percentual aumentou até 2017/1, quando alcançou 46,9%. Completando a análise do período de estudo, houve uma queda de 6,1% na passagem de 2017/1 para 2017/2. O maior aumento ocorreu de 2015/1 a 2015/2, quando o percentual de estudantes com notas maiores do que ou iguais a 6,0 passou de 28,9% para 42,6%, representando um aumento de 47,4%. Já o menor aumento ocorreu de 2016/2 para 2017/1, quando o porcentual subiu 2,6%. Esse, inclusive, foi o período que precedeu a única queda nas porcentagens.
No decorrer dos oito períodos analisados, o percentual de estudantes da licenciatura com notas iguais ou maiores que 6,0 foi aumentando, o que reafirma que os estudantes dessa modalidade melhoraram seu desempenho. Porém, em nenhum momento o percentual de estudantes com nota igual ou superior a 6,0 chegou a 50% da turma, o que revela um percentual de reprovação maior que o de aprovação.
Analisando o bacharelado em 2014/1, verificou-se que o percentual de estudantes com médias globais maiores ou iguais a 6,0 correspondia a 81,8% e esse percentual diminuiu até 2016/2, quando alcançou 37,5%. De 2016/2 para 2017/1, a porcentagem passou de 37,5% para 42,9%, um aumento de 14,4%, e esse número foi mantido no final do período analisado, de 2017/1 a 2017/2. A maior queda ocorreu de 2014/2 a 2015/1, quando a porcentagem de estudantes com notas maiores do que ou iguais a 6,0 passou de 72,7% para 54,5%, representando um decréscimo de 33,3%. Já a menor redução se deu de 2015/2 para 2016/1, quando o percentual diminuiu 2,4%. Os dados mostram que nos três primeiros semestres do curso mais de 50% da turma teve rendimento igual ou superior a 6,0. Todavia, nos outros cinco períodos, a maioria dos estudantes teve rendimento inferior, o que é sinal do aumento da reprovação no curso.
Comparamos o desempenho dos estudantes da licenciatura, ingressantes em 2014/1 no curso de Matemática, e a redução em número no grupo dos estudantes do bacharelado com o propósito de investigar as causas do melhor desempenho - consideramos as médias globais dos dois grupos. Analisamos as seguintes disciplinas didáticas e pedagógicas do curso de licenciatura: Didática da Matemática I, II e III; Psicologia da Educação I e II; Fundamentos Filosóficos e Sócio Históricos da Educação; Iniciação à Pesquisa em Educação Matemática e Políticas Educacionais no Brasil. As disciplinas áridas analisadas do currículo do bacharelado foram: Álgebra Linear II; Análise Real I e II; Física III; Laboratório de Física III; Equações Diferenciais Ordinárias II; Álgebra II e Geometria Diferencial.
Em termos de média das médias finais, observou-se o seguinte Quadro:
Licenciatura | Bacharelado | ||
---|---|---|---|
Psicologia da Educação II | 8,3 | Física III | 6,7 |
Didática da Matemática III | 7,6 | Laboratório de Física III | 6,5 |
Psicologia da Educação I | 7,5 | Geometria Diferencial | 6,3 |
Políticas Educacionais no Brasil | 7,5 | Álgebra Linear II | 5,2 |
Didática da Matemática I | 7,4 | Análise Real I | 4,9 |
Fundamentos Filosóficos e Sócio-Históricos da Educação | 7,4 | Topologia | 4,8 |
Didática da Matemática II | 7,3 | Equações Diferenciais Ordinárias II | 4,6 |
Prática de Ensino Orientada | 6,5 | Análise Real II | 2,8 |
Iniciação à Pesquisa em Educação Matemática | 5,8 | Álgebra II | 2,3 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Foram analisadas nove disciplinas em cada um dos grupos - licenciatura e bacharelado - e se identificou que, na licenciatura, a média das médias finais em cada disciplina foi superior a 6,0 em oito disciplinas. E mesmo quando essa média das médias foi menor que 6,0, ela foi muito próxima a esse valor, apenas 0,2 pontos abaixo. Já no bacharelado, a média das médias finais foi superior a 6,0 em apenas três disciplinas. Nas demais disciplinas, a distância em relação à média foi de, pelo menos, 0,8 pontos, chegando a atingir 3,7 pontos abaixo dessa média mínima exigida para aprovação. Isso mostra a superioridade de desempenho dos estudantes da licenciatura nas disciplinas específicas do curso, do mesmo modo que reafirma a dificuldade dos estudantes do bacharelado nas disciplinas características da área.
Ademais, tendo em vista essas médias finais em cada disciplina, foram observados nos dois conjuntos as médias, as medianas e os coeficientes de variação, como apresentado no Gráfico a seguir:
Quando se analisa o grupo das disciplinas da licenciatura, nota-se que a média das médias finais, 7,4, é bem superior a do bacharelado, que é 4,9. Quando se trata da mediana, a diferença no rendimento entre as modalidades é ainda maior, visto que na licenciatura, em pelo menos 50% das disciplinas a média final da turma foi de, pelo menos, 7,4, enquanto no bacharelado foi de 4,9. No que se refere ao coeficiente de variação, identificou-se uma elevada dispersão nas médias finais nas disciplinas específicas do bacharelado, de 31%, enquanto na licenciatura essa dispersão pode ser considerada baixa, pois foi de apenas 10%. Uma vez que na licenciatura a média das médias foi de 7,3 e o coeficiente de variação, de 10%, significa que as médias finais nesse agrupamento de disciplinas não se distanciaram muito em relação ao 7,3, de modo que houve uma homogeneidade no desempenho dos estudantes das turmas. Já no bacharelado, além da média das médias ter sido mais baixa, 4,9, o grupo se mostrou bem mais heterogêneo, o que significa que os desempenhos finais se distanciaram bastante da média final em cada disciplina.
Além desse estudo com as médias globais e com a média das médias nas disciplinas específicas de cada grupo, foi analisado o desempenho nas 20 disciplinas comuns ao bacharelado e à licenciatura do curso de Matemática do IME/UFG São elas: Álgebra I, Álgebra Linear I, Cálculo 1A, Cálculo 2A, Cálculo 3A, Cálculo Numérico, Equações Diferenciais Ordinárias, Estatística, Física I, Funções de uma Variável Complexa, Fundamentos de Geometria, Fundamentos de Matemática, Geometria Analítica, Geometria Euclidiana, História da Matemática, Introdução à Computação, Introdução à Teoria dos Números, Laboratório de Física I, Matemática Elementar e Probabilidade.
Para tanto, considerando o período de 2014/1 a 2017/2, verificou-se a quantidade de estudantes que cursou cada disciplina, o número de vezes em que cada disciplina foi cursada, e o número total de aprovações e reprovações. Foram excluídos da análise os aproveitamentos. O objetivo, ao examinar essas disciplinas, foi identificar aquelas com mais baixo desempenho, o que abre possibilidades para novas pesquisas com o propósito de identificar as razões pelas quais as dificuldades dos estudantes são maiores em determinadas áreas.
Na licenciatura, identificou-se que, das 20 disciplinas analisadas, o percentual de reprovação foi igual ou maior a 50% em onze delas, o que é bastante expressivo. Já no bacharelado, esse fato ocorreu em apenas em seis disciplinas, como detalhado no Quadro abaixo:
Licenciatura | % | Bacharelado | % |
---|---|---|---|
Física I | 64,7 | Física I | 75,0 |
Geometria Analítica | 64,0 | Laboratório de Física I | 70,0 |
Matemática Elementar | 63,3 | Probabilidade | 55,6 |
Álgebra Linear I | 59,3 | Introdução à Teoria dos Números | 54,5 |
Cálculo 1A | 58,0 | Cálculo 2ª | 50,0 |
Geometria Euclidiana | 56,8 | Funções de uma Variável Complexa | 50,0 |
Álgebra I | 55,9 | Fundamentos de Geometria | 41,7 |
Probabilidade | 55,2 | Álgebra Linear I | 41,7 |
Laboratório de Física I | 55,0 | Cálculo 1ª | 36,4 |
Fundamentos de Matemática | 53,2 | Cálculo 3ª | 33,6 |
Cálculo 2A | 50,0 | Geometria Analítica | 30,8 |
Introdução à Teoria dos Números | 48,8 | Matemática Elementar | 30,8 |
Fundamentos de Geometria | 46,8 | Introdução à Computação | 30,0 |
Equações Diferenciais Ordinárias | 42,9 | Cálculo Numérico | 25,0 |
Estatística | 42,9 | Estatística | 25,0 |
Cálculo 3A | 41,4 | Álgebra I | 20,0 |
Cálculo Numérico | 35,3 | Equações Diferenciais Ordinárias | 20,0 |
Funções de uma Variável Complexa | 35,3 | Geometria Euclidiana | 18,2 |
Introdução à Computação | 29,3 | Fundamentos de Matemática | 00,0 |
História da Matemática | 27,6 | História da Matemática | 00,0 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Considerando a reprovação na licenciatura e no bacharelado em Matemática do IME/UFG, é notório que na licenciatura não houve nenhuma disciplina do grupo analisado com percentual de reprovação menor que 25%, ao passo que no bacharelado sete disciplinas tiveram percentual de reprovação igual ou menor que 25%, e em duas delas sequer houve reprovação. Mais uma vez, os dados indicam que o desempenho dos estudantes do bacharelado, de modo geral, é superior.
Outro destaque importante é a disciplina Física I, que apresentou maior percentual de reprovação nos dois grupos, ambos superiores a 60%. Costa e Barros (2015) entendem que, no ensino médio, apesar de os conteúdos da Física abrangerem desde a mecânica ao eletromagnetismo, surgem carência crônicas quando são avaliados no final desse nível de ensino. Além disso, Borba e Costa (2018) destacam que até mesmo a falta de conhecimentos matemáticos pode fazer com que os estudantes tenham dificuldades em aprender conteúdos de disciplinas com Física, Química, Estatística e outras, que requerem uma base de fundamentos matemáticos.
Também é importante registrar que, considerando esse grupo de disciplinas com reprovação igual ou maior que 50%, quatro são comuns aos dois grupos: Física I, Laboratório de Física I, Probabilidade e Cálculo 2A. Logo, optou-se por analisar detalhadamente o desempenho nessas disciplinas, como mostra o Gráfico 6:
Nota-se que a maior diferença entre a média das médias finais nas disciplinas analisadas foi em Física I, 1,1 pontos. A segunda maior diferença se mostrou em Probabilidade, 0,6 pontos; seguida de Laboratório de Física I, 0,3 pontos; e, por fim, Cálculo 2A, com diferença expressa de apenas 0,1 ponto.
Outro aspecto importante a ser observado é o número de vezes em que essas disciplinas foram cursadas até que os estudantes fossem aprovados, como mostra o Quadro seguinte:
Aprovados na 1ª vez (%) | Aprovados na 2ª ou 3ª vez (%) | Reprovados de uma a quatro vezes, sem aprovação no período analisado (%) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Lic. | Bach. | Lic. | Bach. | Lci. | Bach. | |
Física I | 34,6 | 28,6 | 11,5 | 14,3 | 53,8 | 57,1 |
Laboratório de Física I | 36,0 | 0,0 | 36,0 | 60,0 | 28,0 | 40,0 |
Probabilidade | 54,2 | 57,1 | 0,0 | 0,0 | 45,8 | 42,9 |
Cálculo 2A | 39,1 | 42,9 | 39,1 | 14,3 | 21,7 | 42,9 |
Fonte: elaborado pelos autores.
No grupo dos estudantes da licenciatura, na disciplina Física I, 34,6% foram aprovados na primeira vez que a cursaram, 11,5% na segunda ou terceira vez, e 53,8% não obtiveram aprovação, mesmo tendo cursado a disciplina de uma a quatro vezes. Em Laboratório de Física I, o percentual de aprovação na primeira vez foi de 36,0%, e na segunda e terceira tentativas também de 36,0%. Logo, o percentual de estudantes que cursaram a disciplina no período analisado, mas que não foram aprovados, foi menor que em Física I, 28,0%. Em Probabilidade, houve o maior percentual de aprovação na primeira vez em que cursaram a disciplina, 54,2%. Porém, nenhum estudante foi aprovado na segunda ou terceira vez que a cursaram. Desse modo, o percentual de reprovados de uma a quatro vezes na referida disciplina foi de 45,8%. Por fim, em Cálculo 2A, 39,1% foram aprovados na primeira vez que cursaram a disciplina, 39,1% na segunda ou terceira vez que a cursaram, e 21,7% a cursaram de uma a quatro vezes, sem obter aprovação. Com isso, depreende-se que a disciplina em que os estudantes mais têm problemas de aprovação é Física I, que está no fluxo do quarto período do curso.
Quadro semelhante se mostra no bacharelado, visto que Física I também foi a disciplina com maior percentual de reprovados de uma a quatro vezes, 57,1%. Nessa disciplina, 28,6% dos estudantes foram aprovados na primeira vez que a cursaram e 14,3% na segunda ou terceira vez. Já em Laboratório de Física I, é interessante observar que nenhum estudante foi aprovado na primeira vez que a cursou, sendo que 60% foram aprovados na segunda ou terceira vez, e 40% não foram aprovados, mesmo tendo a cursado de uma a quatro vezes. Um quadro peculiar também se apresentou em Probabilidade. 57,1% dos estudantes foram aprovados na primeira vez que cursaram a disciplina, mas depois, mesmo tendo-a cursado de uma a quatro vezes, não mais obtiveram aprovação. Por fim, em Cálculo 2A, 42,9% dos estudantes foram aprovados de primeira, 14,3% na segunda ou terceira vez, e 42,9% não foram aprovados no período analisado.
Comparando o desempenho nas quatro disciplinas, portanto, o que mais chama a atenção é o resultado em Probabilidade, visto que nos dois grupos de estudantes observados - licenciatura e bacharelado - apesar de o percentual de aprovação na primeira vez que cursou a disciplina ser o maior, no conjunto das disciplinas analisadas, os que ficaram retidos não conseguiram aprovação em nenhum dos casos.
Tendo em vista que Estatística é uma disciplina que está no sétimo período regular do curso de Matemática do IME/UFG, e que demanda conhecimentos da disciplina Probabilidade, como explicar que na primeira o percentual de reprovação foi de apenas 25% na licenciatura e 42,9% no bacharelado? O que justifica um desempenho melhor em uma disciplina que requer conhecimentos de uma anterior, cujo rendimento é ruim? Tem-se como hipótese que isso se explica pelo fato de que os conteúdos da disciplina Estatística são menos abstratos, o que justifica o melhor rendimento dos estudantes.
Posto esse quadro de reincidência de reprovação, Santos (2017) adverte que é preciso considerar que isso pode afetar negativamente o desempenho dos estudantes, pois a reprovação é sempre considerada como algo perdido, nem sempre é vista como possibilidade de recuperação do que se perdeu, podendo ser reduzida a retrabalho. Na mesma direção, Dubet afirma que:
Os estudantes malsucedidos descobrem pouco a pouco que seu trabalho 'não se paga', que eles não conseguem obter resultados honrosos apesar de seus esforços. Descobrem que as exigências dos professores quanto ao 'trabalho insuficiente' são apenas um modo de proteger a dignidade deles. Descobrem assim que os esforços para remediar não são eficazes. Então os estudantes decidem não mais fazer o jogo, não mais participar de uma competição na qual eles não têm nenhuma chance de ganhar (DUBET, 2003, p. 41).
Essa é uma questão que desponta sobremaneira com o ingresso de estudantes cotistas, a maioria proveniente dos estratos socioeconômicos baixos, oriundos de escolas públicas, e que têm o desafio, segundo Dubet (2003) de, ao ingressar em uma instituição tida como democrática, perceber-se como responsáveis pelo seu próprio desempenho, e, se for o caso, pelo seu fracasso.
Por assim ser, acredita-se que a reprovação deve ser percebida como um indício de que devem ser exploradas as causas do problema, para que se possa enfrentá-lo de forma mais efetiva, de modo que os estudantes e professores não passem a encarar o fenômeno do fracasso acadêmico como natural. Por assim ser, espera-se que, como observam Borba e Costa (2018), as reflexões desta pesquisa não sejam simplesmente empilhadas, sem que haja ao menos uma reflexão, um direcionamento dos seus resultados para ações concretas no ambiente universitário.
Ainda, concorda-se com Borges e Moretti (2016), quando afirmam que as relações vivenciadas com professores, ambiente escolar, colegas, familiares, e mesmo a imagens da mídia, influenciam a relação que o aluno cria com o conhecimento matemático. São, pois, essas distintas relações estabelecidas com o saber matemático que determinam a qualidade da aprendizagem, e, também, o rendimento escolar. Desse modo, "Admitir que o universitário está em formação é admitir a possibilidade de que ele possa se transformar mediante as atividades pedagógicas" (BORGES; MORETTI, 2016, p. 586).
Nesse sentido, defende-se que "[...] o fracasso não é um problema que deve ser explorado na sua superficialidade, mas sim na sua complexidade por camadas que se expressam por meio de inúmeras variáveis" (PROCÓPIO, 2014, p. 161). A partir desta pesquisa, a questão passa a ser explorar as causas que levam ao baixo desempenho em determinadas disciplinas do curso de Matemática, principalmente naquelas que são comuns à licenciatura e ao bacharelado.
Considerações finais
Este artigo objetivou analisar o desempenho dos estudantes dos cursos de Matemática - licenciatura e bacharelado - da Universidade Federal de Goiás, Regional Goiânia, que ingressaram em 2014, ao longo do período regular para integralização do curso, que é de oito semestres. Na pesquisa, foram considerados aspectos como: média global, desempenho nas disciplinas específicas de cada modalidade, e desempenho nas quatro disciplinas com pior rendimento acadêmico.
Analisando os resultados da investigação, constatou-se que, em termos da média global média, os estudantes da licenciatura apresentaram um aumento, ao passo que os do bacharelado, durante todo o período analisado, apresentaram um decréscimo. Mesmo assim, o desempenho dos estudantes do bacharelado pode ser considerado superior visto que, dos oito semestres analisados, em cinco, o desempenho do bacharelado foi superior ao da licenciatura, em um igual, e apenas em dois semestres o desempenho da licenciatura mostrou-se superior.
Ao analisar a mediana das médias globais, também se verificou um aumento no grupo dos estudantes da licenciatura e um decréscimo nos do bacharelado. Do mesmo modo, em apenas dois semestres a média global mediana da licenciatura superou a do bacharelado, mas nunca ultrapassando o valor 5,7. Esse é mais um indicativo da superioridade do desempenho dos estudantes do bacharelado em comparação aos da licenciatura.
Considerando dois grupos de estudantes, aqueles com médias até 5,9 e aqueles com médias maiores ou iguais a 6,0, constatou-se que, a despeito de as notas maiores ou iguais a 6,0 terem aumentando ao longo do curso de licenciatura, elas nunca alcançaram 50% da turma. Sendo assim, o melhor desempenho não atingiu a maioria da turma. Já no bacharelado, mais que 50% da turma teve rendimento igual ou superior a 6,0 nos primeiros períodos do curso, mas depois, em razão da queda no desempenho, houve um aumento da reprovação.
Esse cenário de melhor desempenho dos estudantes da licenciatura e queda de desempenho no grupo dos estudantes do bacharelado se relaciona com características e nível de dificuldade das disciplinas específicas de cada uma dessas modalidades. Nesse aspecto, constatou-se que das nove disciplinas da licenciatura, a média das médias finais dos estudantes foi superior a 6,0 em oito delas, o que aconteceu com somente três disciplinas no bacharelado, reafirmando o maior nível de dificuldade que os estudantes deste curso apresentam ao longo do curso.
Além disso, constatou-se que, do grupo das 20 disciplinas que são comuns ao bacharelado e à licenciatura, em quatro delas - Física I, Laboratório de Física I, Probabilidade e Cálculo 2 - o percentual de reprovação foi maior que o de aprovação em ambos os cursos. Considerando que essas são as disciplinas nas quais os estudantes das duas modalidades do curso de Matemática do IME/UFG mais apresentam fragilidades, seria importante o desenvolvimento de ações institucionais com o propósito de minimizar essas fragilidades. Além do mais, ações focais nas disciplinas específicas de cada uma das modalidades contribuiriam para um melhor do rendimento, considerando as particularidades de cada uma das formações.
Ainda, destaca-se o elevado percentual de estudantes que, mesmo após cursarem as disciplinas Física I e Probabilidade de uma a quatro vezes, não conseguiram aprovação. Mas também não se deve desconsiderar o fato de que menos de 40% dos estudantes foram aprovados em Física I, Laboratório de Física I e Cálculo 2A na primeira vez que a cursaram. A aprovação imediata, portanto, não é uma constante.
Considerando o exposto, emergem algumas questões. A que se deve o elevado percentual de reprovação na primeira vez em que os estudantes cursam uma disciplina? Falta uma base consolidada de conhecimentos matemáticos que deveriam ter sido desenvolvidos na educação básica? As disciplinas do curso realmente são muito difíceis, árduas? O mito que o curso de Matemática é difícil e que é comum ser reprovado em algumas disciplinas é internalizado pelos estudantes, que acabam assumindo como natural essa reprovação? A instituição olha para esses estudantes reprovados apenas como números, como percentuais, ou são encarados como sujeitos, que enfrentam não só dificuldades acadêmicas, mas também sociais, econômicas, familiares, de relacionamento e que, por isso, precisam de uma rede de apoio institucional?
Como resultado, este estudo apresenta questionamentos e respostas para o problema do desempenho acadêmico. Desse modo, representa um esforço de colocar em debate, no que diz respeito à construção de uma trajetória de sucesso por parte dos estudantes, os desafios que estão postos para serem enfrentados, especialmente pelo corpo docente e gestor das instituições de educação superior brasileiras.