INTRODUÇÃO
Os portfólios têm estado muito presentes como artefatos da formação de professores (VILLAS BOAS, 2004; ZEICHNER, 2008). O uso de portfólios se inicia nos Estados Unidos, intensificando-se nas avaliações somativas para certificação de professores. De acordo com Beck, Nava e Bear (2005), um levantamento mostrou que, em 90% das universidades americanas, os portfólios eram utilizados em alguma etapa de classificação dos estudantes e, em 40%, eram requisito para a certificação final. Disso se originou a preocupação de compreender o uso dos portfólios, levando à produção de pesquisas em diferentes contextos.
Este artigo é parte de um estudo mais amplo sobre os portfólios na formação de professores, em razão de, no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência em uma Instituição de Ensino Superior (Pibid/IES), os portfólios terem sido artefato da formação desde seu início, em 2009. As obras de Villas Boas (2004) e de Sá-Chaves (2005) foram inspiradoras para a adoção de portfólios nesse Pibid e, desde o primeiro edital da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (Capes), mais de uma centena de portfólios foi produzida. Os portfólios foram coletivos, um por subprojeto. Os estudantes e o professor supervisor (professor da educação básica) tinham a responsabilidade de registrar as atividades desenvolvidas nas escolas. Semanalmente, o portfólio circulava entre os participantes para uma nova escrita.
Tendo em vista o conjunto de portfólios produzidos, em 2018 iniciou-se o projeto de pesquisa “Portfólios Coletivos no Pibid/IES: escritas e processos de formação”, com o objetivo de compreender os processos de formação registrados nesses portfólios.
Inicialmente foi realizado um mapeamento (BIEMBENGUT, 2008) da produção científica sobre portfólios na formação de professores em revistas brasileiras on-line avaliadas com conceito Qualis1 A1, A2, B1 e B2 e em revistas com revisão por pares em língua espanhola e inglesa no Portal Periódicos da Capes. Resultou dessa etapa a seleção de 209 artigos publicados desde o fim dos anos de 1980.
Posteriormente ao mapeamento, o conjunto de artigos foi submetido à Análise Textual Discursiva (ATD) de Moraes e Galiazzi (2016), uma metodologia de análise de informações textuais e discursivas com abordagem fenomenológica e hermenêutica, com inspiração na Fenomenologia de Husserl (BICUDO, 2011) e na Hermenêutica Filosófica de Gadamer (SOUSA; GALIAZZI, 2018). De acordo com Galiazzi, Lima e Ramos (2020), a estrutura da ATD consiste em cinco etapas: leitura de cada texto, captando o sentido; discriminação das unidades de significado; delineamento e reescrita das unidades em função do fenômeno em estudo; aproximação por sentido, originando categorias para a análise; descrição e interpretação das categorias com a produção de metatextos.
Foram realizados os procedimentos de unitarização e de categorização recursiva dos resumos de cada artigo. O processo recursivo de categorização dos resumos originou 262 unidades de significado e 16 categorias intermediárias, as quais, por aproximação de sentidos, geraram sete categorias finais.2 Este artigo discute a categoria “Portfólios de avaliação por professores”. O objetivo é compreender o que se mostra nas pesquisas sobre o uso de portfólios de avaliação na formação de professores. Apresenta-se o tópico da metodologia de análise do corpus, seguido das sínteses dos artigos analisados, para mostrar o exercício hermenêutico de análise da avaliação formativa.
METODOLOGIA DE ANÁLISE DO CORPUS
A categoria “Portfólios de avaliação por professores” reuniu inicialmente 22 artigos, sendo 2 em espanhol, 6 em português e 14 em inglês. Os artigos, em sua maioria, provêm dos Estados Unidos (12), mas também de outros países, como Arábia Saudita (1), Argentina (1), Brasil (7), Costa Rica (1), Holanda (1), Inglaterra (1) e Noruega (2),3 como mostra o Quadro 1.4
A difusão do uso de portfólios na formação de professores, a partir de sua origem nos Estados Unidos, deve-se à forte iniciativa de Shulman (1988), o que se confirma pelos dados apresentados no Quadro 1, que mostra que artigos de outros contextos são mais tardios. Essa difusão nos Estados Unidos foi assinalada por Geiger e Shugarman (1988) e Zubizarreta (1994), e o uso de portfólios na formação de professores espalhou-se por diferentes instituições de formação de professores em diferentes países.
ABORDAGEM DE AVALIAÇÃO | METODOLOGIA DE PESQUISA | NÍVEL DE ENSINO | ARTIGOS |
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Autorregulação | Revisão bibliográfica | Licenciatura em Música | GRACIA, R. W. C. El portafolio electrónico como instrumento de evaluación y como estrategia de autorregulación en la formación de profesionales en música, 2018, Universidad de Costa Rica, Costa Rica |
Avaliação formativa | Ensaio | Formação continuada em Artes | TINOCO, E. F. V. Portfólios: mais um modismo na educação?, 2012, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil |
Pesquisa qualitativa | Ensino médio | RAPOSO, M. B. T.; SILVA, M. L. Avaliação no ensino médio: o portfólio como proposta, 2012, Universidade Brasília, Brasil. | |
Pedagogia | VILLAS BOAS, B. M. F. O portfólio no curso de pedagogia: ampliando o diálogo entre professor e aluno, 2005, Universidade Brasília, Brasil | ||
Pesquisa qualitativa/ Pesquisa-ação | Formação continuada | ALVARENGA, G.; ARAÚJO, Z. Portfólio: aproximando o saber e a experiência, 2006, Universidade Estadual de Londrina, Brasil | |
Pesquisa qualitativa/Estudo de caso | Licenciatura/Ciências Sociais | SHEPHERD, C. E.; HANNAFIN, M. J. Examining preservice teacher inquiry through video-based, formative assessment e-portfolios, 2008, University of Wyoming, University of Georgia, Estados Unidos | |
Avaliação construtivista | Pesquisa qualitativa/ Estudo de caso | Mestrado em Tecnologia na Educação | WANG, S.; TURNER, S. Learning experiences in developing electronic portfolios, 2006, University of Southern Mississipi, University of Ohio, Estados Unidos |
Pesquisa qualitativa/ Pesquisa-ação | Ensino fundamental | NASCIMENTO, L. A. L.; RÔÇAS, G. Portfólio: uma opção de avaliação integrada para o ensino de Ciências, 2015, Rede Estadual do Rio de Janeiro, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Brasil | |
Avaliação montessoriana | Pesquisa qualitativa | Educação básica | OLIVEIRA, D. L.; ELLIOT, L. G. O portfólio como instrumento de avaliação da aprendizagem em escola montessoriana, 2012, Fundação Cesgranrio, Brasil |
Avaliação por feedback | Relato de experiência | Licenciatura em Inglês | BANFI, C. Portfolios: integrating advanced language, academic, and professional skills, 2003, Universidad de Belgrano, Universidad Tecnológica Nacional, Buenos Aires, Argentina |
Avaliação como rememoração | Pesquisa narrativa | Pedagogia | NASCIMENTO, A. M.; BARBOSA, S. N. F. Portfólio na formação do pedagogo: memórias e docência na educação infantil., 2019, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil |
Não consta abordagem de avaliação | Pesquisa quali/quantitativa | Licenciatura em Inglês (ELS) | SMITH, K; TILLEMA, H. Use of criteria in assessing teaching portfolios: judgmental practices in summative evaluation, 2007, Oranim Academic College, Israel, University of Bergen, Noruega, Leiden University, Holanda |
Pesquisa quantitativa | Licenciaturas/Formadores | YAO, Y. et al. Validity evidence of an electronic portfolio for preservice teachers, 2008, University of Central Missouri, Estados Unidos | |
Licenciatura em Inglês (ELS) | ALSHAWI, A. T.; ALSHUMAIMERI, Y. A. Teacher electronic portfolio and its relation to EFL student teacher performance and attitude, 2017, King Saud University, Arábia Saudita | ||
Licenciaturas | DENNEY, M. K.; GRIER, J. M.; BUCHANAN, M. Establishing a portfolio assessment framework for pre-service teachers: a multiple perspectives approach, 2012, University of Florida, California State University, Estados Unidos/Inglaterra | ||
LOMBARDI, J. To portfolio or not to portfolio: helpful or hyped?, 2008, California State University-Northridge, Estados Unidos | |||
BECK, R. J.; NAVA, L. L.; BEAR, S. L. Teachers’ self-assessment of the effects of formative and summative electronic portfolios on professional development, 2005, University of California, Estados Unidos | |||
Ensaio | Licenciaturas | ZUBIZARRETA, J. Teaching portfolios and the beginning teacher, 1994, Columbia College, Estados Unidos | |
Estudo de caso/Pesquisa quantitativa | Pedagogia/Tecnologia da Informação | HAUGE, T. E. Portfolios and ICT as means of professional learning in teacher education, 2006, University of Oslo, Noruega | |
Relato de experiência | Pedagogia/Educação infantil | GELFER, J. I.; PERKINS, P. G. A model for portfolio assessment in early childhood education programs, 1996, University of Nevada, Estados Unidos | |
Licenciaturas | GEIGER, J.; SHUGARMAN, S. Portfolios and case studies to evaluate teacher education students and programs, 1988, University of Dayton, Estados Unidos | ||
Pedagogia/Educação infantil | MILLS, L. Educating undergraduate education majors in the use of portfolio assessment for preschoolers, 1996, Auburn University of Montgomery, Estados Unidos |
Fonte: Elaboração das autoras.
As informações do Quadro 1, retiradas dos artigos, indicam os níveis de ensino e os segmentos educacionais em que foram desenvolvidas as pesquisas: cursos experimentais (2), cursos de licenciatura em geral (10), Pedagogia (3), Licenciatura em Inglês (3), Licenciatura em Música (1), formação em serviço (1), educação básica (1) e ensino médio (1).
Com relação às metodologias de pesquisa informadas, foram encontrados: ensaios (2), relatos de experiência (4), pesquisas qualitativas (4), pesquisas quantitativas (5), pesquisas-ação (1), estudos de caso quantitativos (1), estudos de caso qualitativos (2), pesquisas quali-quantitativas (1), revisão bibliográfica (1) e pesquisa narrativa (1).
No Quadro 1, é possível perceber que os textos que não detalham metodologia e abordagens de avaliação são os mais antigos do conjunto. São, em sua maioria, pesquisas quantitativas realizadas com um grande número de participantes e portfólios em que as informações são tratadas estatisticamente a partir de respostas a questionários em escala Likert. Há também pesquisas quantitativas mais recentes sobre a avaliação somativa em outros países. Também se observa que a preocupação em esclarecer a abordagem de avaliação considerada no artigo foi maior em artigos brasileiros (7).
Assim, o corpus foi constituído por 11 artigos, sendo excluídos os que trataram de portfólios de avaliação somativa, com tratamento estatístico das informações, e os que tinham pouca informação teórica sobre a avaliação.
Cada artigo foi lido integralmente para a elaboração de uma síntese descritiva que considerou a pergunta: o que se mostra nas pesquisas sobre o uso de portfólios de avaliação na formação de professores? Durante o processo, uma inquietação emergiu. Os artigos focalizavam pesquisas e ensaios sobre o uso dos portfólios para avaliação dos estudantes, mas de que avaliação tratavam? Nos títulos dos textos, algumas palavras mostraram diferenças: avaliação formativa, avaliação somativa, autoavaliação e autorregulação. Isso orientou a intenção de compreensão hermenêutica de avaliação formativa, a mais presente nas pesquisas.
Considerando a complexidade de classificar as abordagens de avaliação, assumiu-se a abordagem informada nos artigos, que foram: a avaliação como autorregulação (1), a avaliação montessoriana (1), a avaliação construtivista (2), a avaliação por feedback (1), a avaliação por rememoração (1) e a avaliação formativa (5).
Gracia (2018) conceitua autorregulação como um processo em que o estudante desenvolve habilidades metacognitivas para que possa regular sua prática. O trabalho de Villas Boas (2005) se sustenta na conceituação de avaliação formativa, em que professor e aluno atuam em parceria e avaliam as atividades de um período de trabalho longo, em que o progresso do aluno é avaliado. É uma avaliação que não classifica nem pune.
Wang e Turner (2006) também assumem a avaliação construtivista como um processo ativo que aposta na oportunidade dos alunos de construir conhecimento por suas próprias experiências. A avaliação ocorre durante o processo e foca não somente naquilo que o aluno aprendeu, mas também nos modos como aprendeu.
Banfi (2003) apresenta a avaliação sem a atribuição de notas e realizada em um intenso processo de feedback. Nascimento e Barbosa (2019) apresentam a avaliação como processo de rememoração de histórias pessoais da infância. Já em uma escola montessoriana, afirmam Oliveira e Elliot (2012), avaliar é sempre um desafio, porque vai além de um modelo de avaliação baseado em provas, sendo o portfólio o recurso escolhido para a avaliação.
SÍNTESES DESCRITIVAS DAS PESQUISAS
A partir de cada artigo do corpus, no movimento analítico fenomenológico-hermenêutico, foi elaborada uma síntese descritiva, apresentada a seguir, que salienta em que situação foi proposto o portfólio de avaliação e os modos de pesquisa descritos nos trabalhos.
Banfi (2003) detalhou uma experiência de sala de aula, em cursos de Inglês como segunda língua em universidades argentinas, e não descreveu procedimentos de pesquisa. A autora descreveu como incentivou os alunos a ampliar suas habilidades de leitura com o uso do portfólio. Os estudantes produziram três portfólios ao longo da disciplina. O primeiro foi sobre um romance lido por todos os estudantes. O segundo, realizado em grupos de três a quatro estudantes, tematizou um romance escolhido pelo grupo de uma lista sugerida pela professora. O terceiro seguia as mesmas características dos anteriores, mas era um portfólio individual. Tais ações foram desenvolvidas por um período de três anos, com sete grupos de estudantes do último ano do curso. A composição dos grupos era de 10 a 25 alunos.
Os estudantes foram orientados a organizar os portfólios com os seguintes elementos: a) identificação bibliográfica; b) biografia do autor; c) avaliações de especialistas; d) questões oriundas do grupo; e) resumo da obra; f) atividades pedagógicas para compreender o livro; g) atividades pedagógicas sobre a obra; h) gravação de leitura de extratos da obra e atividades de leitura; i) seleção de conceitos com sentidos diferentes dos dicionarizados; j) materiais suplementares assinalados no romance, como filmes, músicas, poesias; l) leituras sobre a obra; e m) pequena história a partir do romance. Banfi (2003), considerando a flexibilidade de organização, assinalou a criatividade e a autoria apresentadas nos portfólios de seus alunos.
Os estudantes receberam retorno por cada elemento do portfólio, um processo intenso e que exigiu tempo, em intervalos curtos, já que os estudantes precisavam de feedback sobre o portfólio para que pudessem fazer o próximo. Não foram atribuídas notas para os portfólios. Ao final do ano, os estudantes avaliaram a atividade em uma reunião, em que uma nota foi atribuída ao trabalho desenvolvido nos portfólios como parte da avaliação final. Essa abordagem mostrou muitas vantagens, e os estudantes expressaram alto grau de satisfação com os resultados. A mesma organização também foi sugerida para outras disciplinas.
No Brasil, uma das pesquisas pioneiras sobre o uso de portfólios na formação de professores foi desenvolvida pela professora Benigna Maria de Freitas Villas Boas. No texto intitulado “O portfólio no curso de Pedagogia: ampliando o diálogo entre o professor e o aluno”, de 2005, apresentou os resultados de uma pesquisa realizada no curso de Pedagogia para Professores em Exercício no Início da Escolarização (PIE), oferecido pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. O curso era temático e não disciplinar.
Nesse curso, o portfólio foi adotado como procedimento de avaliação. Na primeira parte da pesquisa, foi aplicado um questionário a 36 dos 55 mediadores do curso sobre como eles e os professores-alunos se sentiam no desenvolvimento do portfólio. Na segunda parte, foram analisados questionários de 145 dos mil professores-alunos, constatando-se que o portfólio era um procedimento de avaliação desconhecido para todo o grupo; e que houve resistência por parte de alguns professores-alunos quanto à sua construção, mas, com o tempo, tanto os mediadores quanto os professores-alunos tornaram-se mais seguros no uso desse procedimento avaliativo. O portfólio passou a ser o eixo organizador do trabalho pedagógico do curso.
As respostas dos questionários permitiram formular algumas reflexões: mudar a cultura avaliativa é um processo longo, lento e coletivo. No estudo de Villas Boas (2005), embora o trabalho tenha sido colaborativo entre todos os mediadores, pois o portfólio era o artefato avaliativo, professores e alunos solicitaram que não fosse o único instrumento. Houve também resistência a que o portfólio fosse avaliado por outra pessoa. Assim, a autora concluiu que, para que o portfólio fizesse parte da avaliação comprometida com a aprendizagem do professor-aluno e apoiasse a construção, a reflexão, a criatividade, a parceria, a autoavaliação e a autonomia, seria necessário criar um trabalho pedagógico alicerçado nesses mesmos princípios.
Como resultado dessa pesquisa, Villas Boas (2005) assinalou o portfólio como um artefato que propicia a avaliação formativa, pois permite avaliar o pensamento crítico por meio de seus registros; apresentar, articular e encaminhar soluções para problemas complexos; intensificar o trabalho colaborativo; e colaborar no registro de projetos em que o estudante pode ter seus próprios objetivos de aprendizagem.
Villas Boas (2001, 2004, 2005, 2019) tem reforçado a importância de intensificar a discussão sobre avaliação nos cursos de formação de professores, uma vez que se observa que a avaliação continua um assunto marginalizado na formação de professores. Nesse sentido, o portfólio permitiria que a avaliação fosse mais transparente e processual. A autora também tem teorizado sobre avaliação formativa.
Em Alvarenga e Araújo (2006), discutiram-se dados referentes a uma pesquisa-ação de caráter qualitativo cujos objetivos foram: analisar e compreender a prática de professoras em exercício, seus saberes, suas experiências e suas reflexões acerca da avaliação da aprendizagem; discutir, propor e operacionalizar formas de avaliação inseridas no processo didático; implementar e analisar os possíveis usos do portfólio como ferramenta de avaliação. Não há, no texto das autoras, a indicação do número de alunas envolvidas, nem como foram obtidos os depoimentos, falas e textos escritos pelos professores. Alguns excertos dos portfólios também permeiam a análise da pesquisa-ação.
Professoras atuantes no ensino básico, coordenadores e supervisores, juntamente com o grupo de formadores, compuseram o grupo de participantes da pesquisa-ação. A metodologia do trabalho de Alvarenga e Araújo (2006) foram oficinas com discussões sobre a avaliação no cotidiano escolar, minicursos que ofereciam suporte para as atividades avaliativas implementadas e análise reflexiva sobre a própria prática. As professoras-alunas fizeram registros em um portfólio individual. Além disso, foram feitos portfólios coletivos sobre o trabalho com as crianças nas escolas, e as crianças também fizeram seus portfólios. O trabalho focalizou o potencial formativo das oficinas e das reflexões oportunizadas para a formação continuada do professor. Destacam-se a importância e a riqueza do uso dos portfólios como ferramenta de avaliação, bem como as dificuldades a serem superadas para sua utilização.
Com a intenção de analisar portfólios eletrônicos, Wang e Turner (2006) apresentaram um estudo de caso a partir de experiências e de processos de aprendizagem durante o desenvolvimento de portfólios eletrônicos em um Mestrado em Educação em Computação e Tecnologia. As informações foram produzidas por meio de entrevistas semiestruturadas em profundidade, de entrevistas face a face, de observações e de análise de documentos, como grade curricular e portfólios eletrônicos. A análise das informações consistiu na organização do que foi produzido, no estabelecimento de categorias, na comparação de teorias emergentes com as informações e na escrita do relatório.
Para guiar a interpretação dos significados atribuídos pelos alunos às suas experiências, adotou-se uma abordagem fenomenológica. As categorias dos significados foram: aprender fazendo, aprender com os pares, aprender com reflexão e aprender por meio de sínteses. Os resultados da pesquisa de Wang e Turner (2006) apontaram para a apropriação tecnológica dos envolvidos, assim como para a promoção do pensamento crítico e de habilidades de resolução de problemas. O desenvolvimento de portfólios eletrônicos promoveu alunos ativos, independentes e motivados. Os alunos relataram que aprenderam a fazê-los a partir de exemplos, que colaboraram com os colegas e que refletiram sobre os produtos finais.
Shepherd e Hannafin (2008) analisaram a experiência de substituir um portfólio somativo por um portfólio formativo, pois as informações que obtiveram dos mediadores é que os alunos elaboravam seus portfólios somente nas semanas finais do semestre. A experiência foi realizada com três participantes que, durante um semestre, elaboraram um portfólio em três ciclos avaliativos. Ao final de cada ciclo, os portfólios foram recolhidos, e os participantes, entrevistados com o uso de um protocolo semiestruturado para identificar as percepções sobre o desenvolvimento do portfólio eletrônico, os argumentos para a inclusão dos artefatos e a análise do suporte recebido e das decisões tomadas para completar cada ciclo.
Ainda na pesquisa de Shepherd e Hannafin (2008), as entrevistas foram analisadas segundo os procedimentos usuais da pesquisa em Ciências Sociais, códigos abertos e comparação constante. A análise se iniciou imediatamente após um ciclo e continuou por todo o estudo. Vários conceitos e categorias foram identificados, definidos e redefinidos. Ao final da experiência, os mediadores foram entrevistados, e as informações foram trianguladas.
O estudo de Oliveira e Elliot (2012) teve por objetivo registrar o processo de construção, em tempo real, do portfólio de avaliação da aprendizagem de alunos de seis a nove anos do ensino fundamental I do Colégio Ágora, uma escola montessoriana. Segundo as autoras, o que caracteriza o portfólio como modalidade de avaliação não é o seu formato físico, mas a concepção de ensino que ele veicula. O estudo foi desenvolvido durante o ano letivo de 2009 em diferentes etapas: preparação, desenvolvimento e avaliação. Cada uma delas contribuiu, em importância, para a parceria entre os elementos do processo educacional - o educando, o educador e a família -, visou a transformar o método de avaliação no ensino fundamental I e favoreceu o trabalho coletivo e novas metas para o ensino e para a aprendizagem. No final do 3º trimestre, percebeu-se o quanto os alunos compreendiam claramente o caminho percorrido, suas dificuldades e suas conquistas.
Oliveira e Elliot (2012) relataram detalhadamente todas as etapas de preparação, desenvolvimento e avaliação, tanto do planejamento pelos professores, quanto da construção pelos estudantes. O portfólio, tratado como abordagem pedagógica didática realizada com fidelidade às etapas de desenvolvimento de cada criança, constituiu-se em um caminho facilitador de aprendizagens significativas, de descobertas e de construção de identidade pessoal, no sentido do desenvolvimento integral dos alunos.
Os artigos até aqui descritos apresentam muitos argumentos favoráveis ao uso de portfólios de avaliação. No entanto divergem, em parte, do posicionamento apresentado por Tinoco (2012), cujo trabalho emergiu de uma inquietação com os relatos de professores e alunos sobre seus portfólios. A autora perguntou-se: o que são portfólios? Como eles vêm sendo apropriados pelos professores nos diversos níveis de ensino? Como se avalia por meio desse instrumento? Esses questionamentos foram feitos a professores em diferentes turmas de formação continuada. Com base principalmente em Hernández (2000), o texto apresentou o portfólio como um instrumento que possibilita constante reflexão, possibilitando que aluno e professor possam visualizar os documentos tendo em mente os objetivos e critérios acordados e dialoguem com as soluções e os problemas a medida que surgirem a partir das tarefas solicitadas.
O objetivo do estudo de Tinoco (2012) foi contribuir para a compreensão desse instrumento de avaliação (portfólio), cujas práticas apresentam certa incoerência. No artigo são apresentados o conceito, os elementos que compõem um portfólio, a forma de avaliá-lo e ainda subsídios para a melhor utilização desse instrumento por professores e alunos nos diversos níveis de ensino.
O desenvolvimento de portfólios de avaliação na educação infantil e também a pluralidade de objetivos de um portfólio são aspectos questionados por Tinoco (2012). Esse texto propôs portfólios coletivos. A reflexão sobre a justificativa para a escolha de um ou outro documento também é imprescindível, segundo a autora. No entanto, para uma correta interpretação dos modos de se trabalhar com o portfólio, o investimento em formação continuada precisa ser contínuo, para que a educação não fique à mercê de interpretações superficiais. Seria por meio da formação continuada que cada professor poderia, por sua vontade e persistência, transformar-se em pesquisador, com uma forte base conceitual capaz de mudar, inclusive, sua postura política. A autora sugeriu um modo de avaliação pelos estudantes.
Raposo e Silva (2012), em uma pesquisa monográfica organizada na Universidade de Brasília, tiveram como objetivo analisar o uso do portfólio como instrumento de reflexão, de avaliação e de construção de conhecimento, com vistas a contribuir para o desenvolvimento integral do aluno. Analisaram a experiência de uma professora de Química em sala de aula no ensino médio. Com base nos pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa qualitativa como principais instrumentos de produção de informações, foram utilizadas a entrevista com a professora e a análise documental (projeto político pedagógico da escola). As informações construídas por esses meios ofereceram importantes referenciais para o alcance dos objetivos da pesquisa e conduziram a três categorias de análise, consideradas as principais contribuições do estudo. Foram elas: gestão do tempo pedagógico, interdisciplinaridade e formação do professor.
Nascimento e Rôças (2015) apresentaram uma pesquisa-ação desenvolvida no âmbito de duas escolas públicas estaduais no Rio de Janeiro, em que alunos elaboraram seus portfólios individuais de avaliação a partir de atividades pedagógicas diversas. Uma das turmas foi de ensino normal, com 14 alunas, e a outra foi de ensino médio, com 15 alunos. Assumidos o viés metodológico da pesquisa-ação e a abordagem qualitativa da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011), foi analisada a linguagem escrita nos portfólios. Esse foi um dos poucos artigos em que se mostrou a análise dos portfólios, com a apresentação de vários fragmentos e ilustrações extraídos deles.
Entre os dois artigos em revistas em língua espanhola, um teve foco nos estudantes de Música, os quais requerem estratégias de autoavaliação não apenas para perceber se houve melhora, mas também para selecionar estratégias de prática mais adequadas para superar desafios técnico-musicais. Por sua vez, o corpo docente responsável necessita de instrumentos de avaliação válidos e confiáveis para realizar uma avaliação objetiva, realista e justa do desempenho dos alunos.
No artigo de Costa Rica, Gracia (2018) fez uma revisão aprofundada da bibliografia sobre quatro estratégias de autoavaliação de elevado nível metacognitivo: a audiogravação, a videogravação, a avaliação por pares e a lista de cotejo. Propôs o uso do portfólio eletrônico a partir de duas perspectivas: a) como uma estratégia de autorregulação que ajuda os alunos a assumirem maior responsabilidade pelo seu próprio aprendizado, monitorando e autoavaliando seus esforços por meio da coleta de evidências que permitem reflexão e uma percepção mais realista de suas realizações; e b) como instrumento que auxilia o professor a realizar uma avaliação mais abrangente do progresso dos alunos.
A conclusão da pesquisa de Gracia (2018) foi que o uso de portfólios na formação de músicos pode melhorar a prática efetiva tanto dos formadores quanto dos estudantes. Além disso, enfatizou mais o processo de aprendizagem do que o produto, que, segundo o autor, poderia produzir um acompanhamento contínuo e uma comunicação mais direta e honesta entre o professor e o aluno. Poderia também ser uma estratégia de autorregulação, fomentando a responsabilidade e o encontro consigo mesmo, além de conciliar os enfoques educativos de professores e estudantes.
A formação de professores para a educação infantil foi foco de análise do trabalho de Nascimento e Barbosa (2019), que apresentaram a experiência de formação de professores no curso de Pedagogia de uma universidade federal. A Pedagogia tem uma diversidade de possibilidades de atuação que pode favorecer uma formação superficial. As autoras contrapõem-se a uma formação generalista e apontam as especificidades da formação em diferentes níveis educacionais. A partir de uma revisão bibliográfica em busca de procedimentos de formação como um espaço de experiência mediante o processo de rememoração, foi utilizada como estratégia metodológica a elaboração de portfólios. Segundo as autoras, o portfólio é um instrumento de avaliação que traz o sujeito para o centro do processo de aprendizagem.
As informações foram produzidas por 25 estudantes e articuladas às histórias pessoais de suas infâncias, em que destacaram um cheiro, um gosto, um objeto e um lugar no registro de suas lembranças escolares, na descrição de um momento em que se adaptaram a uma nova realidade e na escrita de uma aprendizagem com histórias coletivas, trazendo a possibilidade de discussão sobre as infâncias que tiveram e as infâncias contemporâneas. Como resultado, Nascimento e Barbosa (2019) destacaram que o uso do portfólio abriu perspectivas para a construção de novos conhecimentos ao cruzar história pessoal, pesquisa acadêmica, conhecimento das políticas públicas e investigação de práticas pedagógicas.
Do que foi descrito com relação aos artigos que compõem este tópico, salienta-se que todos os estudos partiram das salas de aula dos autores ou de situações em que estavam implicados, como o estudo de Gracia (2018) a respeito do ensino de Música. Os relatos, os ensaios e as pesquisas referem-se a uma sala de aula específica, e cada uma delas é diferente. Banfi (2003) relata a aula de inglês e literatura; Villas Boas (2004) fala de um curso de Pedagogia com professores em exercício; Alvarenga e Araújo (2006) desenvolvem o portfólio em um curso de extensão; Wang e Turner (2006) analisam as aulas de um mestrado em Ciência e Tecnologia; Shepherd e Hannafin (2008), incomodados com a avaliação somativa, substituem um dos portfólios somativos por um portfólio avaliativo; Oliveira e Elliot (2012), em uma perspectiva de educação montessoriana, analisam os portfólios desenvolvidos em turmas da educação básica.
Tinoco (2012), em seu ensaio, problematiza a difusão dos portfólios e alinha sua preocupação com a importância da formação continuada, que é a mesma de Raposo e Silva (2012), em uma pesquisa na sala de aula de Química no ensino médio, ou de Nascimento e Rôças (2015), em uma pesquisa-ação em turmas de escola normal e ensino médio. A invenção e a criatividade que se desejou ressaltar nessa síntese apresentam-se também na sala de aula da Pedagogia, na narrativa das infâncias e no portfólio como sendo um espaço para rememorar vivências. Assim, o portfólio de avaliação mostra-se como artefato do professor (VILLAS BOAS, 2004), distanciando-se de normalizações de como deve ser.
As informações, em sua grande maioria, foram obtidas por meio de entrevistas semiestruturadas e questionários. Quando informado o modo de análise, foi a codificação aberta, a triangulação ou a Análise de Conteúdo, que podem ser desenvolvidas com os mesmos elementos (BARDIN, 2011). Os portfólios foram foco de análise em poucos artigos. Considerando que os pesquisadores eram os professores, é preciso ter cautela, pois a relação entre professor e aluno, tendo a avaliação como substrato inextricável dos processos de ensino e de aprendizagem, é uma relação de poder.
Com o que foi até aqui apresentado, entende-se ter realizado a descrição fenomenológica dos estudos. O exercício hermenêutico proposto na Análise Textual Discursiva pode ser desenvolvido em dois movimentos interpretativos: do conceito à palavra, em que se intenta compreender o sentido atribuído ao conjunto das informações empíricas; e um movimento da palavra ao conceito, na interlocução teórica com o objetivo de compreender melhor o conceito. O resultado desse movimento é o metatexto (GALIAZZI; SOUSA, 2020), como segue.
AVALIAÇÃO FORMATIVA: A PALAVRA E O CONCEITO EM DIÁLOGO
Para professores experientes, a avaliação somativa está tão impregnada na lida profissional que, como mostraram especialmente as pesquisas quantitativas, não houve necessidade de conceituar o termo. Muito se tem discutido e produzido sobre práticas e concepções de avaliação para contrapor-se a concepções cujo objetivo seja principalmente classificar e certificar.
Do conjunto de pesquisas qualitativas analisadas, a abordagem de avaliação mais frequente foi a avaliação formativa, como destacado no Quadro 1. Das 11 pesquisas, 5 tinham aportes claros de avaliação formativa e 3 apresentavam algumas características desse tipo. O que será apresentado a seguir é um movimento hermenêutico em direção a uma maior compreensão do significado de avaliação formativa.
A origem da expressão avaliação formativa tem sido apontada repetidamente por vários autores em um artigo de Scriven de 1967 (PINTO; ROCHA, 2011; VILLAS BOAS, 2004). A história do conceito foi detalhada por Pinto e Rocha (2011), e uma arqueologia foi realizada por Gama (2004).
Harlen e James (1997) assinalaram que a avaliação formativa é aquela conduzida pelo professor para promover a aprendizagem. O desenvolvimento do aluno é considerado, e aquilo que na avaliação somativa é visto como erro, na avaliação formativa é considerado possibilidade de intervenção de modo a promover a aprendizagem.
Para Villas Boas (2004), o que diferencia a avaliação somativa da avaliação formativa são seus objetivos. A avaliação formativa não tem como foco apenas o aluno - ela integra também o professor e a escola. Nas palavras da autora:
A avaliação formativa é a que usa todas as informações disponíveis sobre o aluno para assegurar sua aprendizagem. A interação entre professor e aluno durante todo um período ou curso é um processo muito rico, oferecendo oportunidade para que se obtenham vários dados. Cabe ao professor estar atento para identificá-los, registrá-los e usá-los em benefício da aprendizagem. (VILLAS BOAS, 2004, p. 36)
Os artigos estudados deram destaque a alguns aspectos da avaliação, de que se extraíram conceituações e características. Por exemplo, da sala de aula de Banfi (2003), extrai-se a importância do feedback aos estudantes no desenvolvimento de seus portfólios, processo exigente e continuado. O feedback é elemento inextricável de uma avaliação formativa em sala de aula (VILLAS BOAS, 2019).
Villas Boas (2005) assinalou que, na formação de professores, estudos sobre a avaliação têm recebido pouca atenção. Ela exige uma mudança, em que o professor e os estudantes atuem em parceria, o que vai além da atribuição de notas em testes e exames. Para isso, é preciso autonomia intelectual e condições de trabalho adequadas. O portfólio é um artefato que propicia a avaliação formativa, pois permite avaliar o pensamento crítico por meio de seus registros, possibilitando apresentar, articular e encaminhar soluções para problemas complexos, bem como intensificar o trabalho colaborativo e o registro de projetos em que o estudante pode ter seus próprios objetivos de aprendizagem.
Alvarenga e Araújo (2006) argumentam sobre a necessidade de uma formação efetiva sobre a avaliação, que precisa ser um compromisso com o ensino e com a aprendizagem; por isso, apostam em cursos de extensão. A avaliação assumida é de ação orientadora e reguladora do processo educacional (PERRENOUD, 1999). Apesar de o artigo não explicitar seu entendimento sobre a avaliação, a leitura de todo o texto mostra que está subjacente uma compreensão processual e acompanhada.
Wang e Turner (2006) afirmam que a perspectiva teórica da pesquisa envolveu a compreensão de avaliação com fundamentos no construtivismo de Piaget (1977) e a relação entre os pares fundamentada em Vygotsky (1978). A pesquisa é descrita com cuidado e foi feita com sete estudantes, entrevistados durante o processo, e com análise de documentos. As informações foram agrupadas e as categorias, construídas em uma perspectiva fenomenológica (PUNCH, 2000). Nessa perspectiva teórica, a avaliação precisa acompanhar todo o processo. Avaliar a aprendizagem a partir de uma perspectiva construtivista é avaliar no momento em que a aprendizagem ocorre, focando não somente no que os alunos aprenderam, mas também em como aprenderam, informam os autores. Destaca-se o papel da reflexão, o que se torna não somente uma alternativa para uma avaliação tradicional, mas uma estratégia para aprender.
Shepherd e Hannafin (2008), apesar de terem realizado uma pesquisa sobre um portfólio formativo, não informaram o aporte teórico que fundamenta a avaliação. Ao questionar se o portfólio não é somente mais um modismo na educação, Tinoco (2012) apresenta claramente o entendimento de avaliação como processo investigativo dos processos de ensino e de aprendizagem. Com essa concepção, Tinoco (2012, p. 460) salienta que “[...] a avaliação inclui reflexão, compromisso e ação para que o professor possa redefinir os rumos de sua prática educacional”. Essa modalidade de avaliação é denominada avaliação formativa (ALVES, 2004; BOUGHTON, 2005; HARGREAVES; EARL; RYAN, 2001; ESTEBAN, 2003; GERALDI, 2003; HADJI, 2001; HERNÁNDEZ, 2000; PARO, 2001; PERRENOUD, 1999; VASCONCELLOS, 2003; ZIMMERMAN, 2005).
Oliveira e Elliot (2012), ao proporem o portfólio para avaliação do processo de ensino e de aprendizagem,5 apresentaram entendimento de que se trata de um processo aberto para promover a aprendizagem. O aporte teórico para essa compreensão foi Villas Boas (2004), que defende como principal função da avaliação ajudar a aprendizagem, uma compreensão obviamente muito diferente do que normalmente ainda se apresenta como instrumento de classificação e aprovação. As autoras argumentaram que a avaliação formativa se aproxima da avaliação montessoriana. É um relato da experiência, fundamentado e com informações sobre todo o processo. A decisão de produzir o portfólio de aprendizagem, como as autoras o denominam, foi da equipe diretiva da escola. Ainda, segundo o que consta do artigo, o portfólio de aprendizagem coloca em prática a avaliação por competências e habilidades.
O estudo monográfico apresentado por Raposo e Silva (2012) reforça a importância da avaliação como um processo investigativo com discussão, argumentação e contra-argumentação, em uma reflexão conjunta. As autoras fundamentam-se em Vasconcellos (2003), que apresenta cinco princípios para uma avaliação formativa: a) alterar a metodologia em sala de aula; b) diminuir a avaliação classificatória; c) redimensionar o conteúdo da avaliação; d) alterar a postura diante dos resultados; e) esclarecer a comunidade educativa.
Raposo e Silva (2012) concluíram que, embora a marca da avaliação tradicional por nota tenha sido ainda encontrada, os discursos dos alunos estavam permeados pela concepção da avaliação integrada ao ensino e à aprendizagem. A utilização do portfólio como instrumento de avaliação foi considerada uma novidade pedagógica, mas poderia ser empregada como instrumento de avaliação no ensino de Ciências, pois sua implementação se mostrou possível e bem-sucedida.
A análise do artigo de Raposo e Silva (2012) também mostrou que o processo avaliativo não está imune às avaliações externas. As formas de colocação no mercado de trabalho por concursos inserem a avaliação nas escolas em um processo de submissão à competição, tornando a avaliação por instrumentos tradicionais sempre presente.
O entendimento de avaliação que se compreende de Nascimento e Rôças (2015, p. 757) é que “[...] a concepção construtivista da avaliação deve ser dialógica, mediadora, formativa e integrada aos processos de ensino e de aprendizagem”. Essa compreensão sustenta-se em Hadji (2001), Luckesi (2002) e Hoffmann (2001, 2011).
Gracia (2018) apresentou uma revisão bibliográfica como estratégia de autorregulação dos estudantes de Música e como artefato de avaliação dos professores. No entanto não conceitua autorregulação e avaliação. A proposição de análise dos portfólios de Nascimento e Barbosa (2019) foi a narrativa, não abordando a avaliação nem como procedimento, nem como aporte teórico.
Da análise realizada com base nos artigos, pode-se sintetizar que nem sempre os autores que assumem o portfólio como artefato de avaliação expressam com clareza o conceito de avaliação, ou que, como se mostrou, não têm a preocupação de expressar suas compreensões. Alguns autores apenas usaram a expressão avaliação formativa, sem a conceituar; outros apresentaram abordagens distintas, como avaliação construtivista e avaliação montessoriana; outros ainda mencionaram características, sem nomear articulação com alguma abordagem teórica. Ou seja, embora o conceito de avaliação formativa tenha sido o mais citado, não foi o único.
Em uma revisão bibliográfica sobre o conceito de avaliação formativa, Pinto e Rocha (2011) assinalaram algumas tendências: a) estudos que mencionam elementos que devem compor uma avaliação formativa sem a conceituar; b) baixa frequência de termos como emancipação, o que acentua marcas conservadoras na avaliação; e c) baixa frequência de menções aos sistemas escolar, social, político e econômico, o que, de certa forma, se aproxima dos resultados encontrados na análise.
Segundo Pinto e Rocha (2011), os deslocamentos conceituais são até justificados teoricamente. No entanto é preciso que sejam feitos a partir de aportes teóricos. Em razão disso, seriam necessárias discussões e esforços para tornar mais profundo o entendimento sobre avaliação formativa, uma vez que o conceito não é único e não basta informar rapidamente que se assumiu uma perspectiva de avaliação formativa.
Na revisão bibliográfica sobre avaliação formativa que abrange os anos de 1999 a 2009, Pinto e Rocha (2011), ao analisarem 20 textos que abordam a avaliação da aprendizagem, extraíram características da avaliação em uma lógica formativa. Foram elas:
[...] processo contínuo e progressivo; atividade flexível do processo de ensino e de aprendizagem; supervisão e acompanhamento do aprendizado dos alunos; orientadora da atividade educativa; individualizada promovendo o desenvolvimento de cada indivíduo; prática educativa contextualizada; práticas avaliativas integradoras e não excludentes; práticas de avaliação fundamentadas no diálogo; [...] a reflexão sobre a prática tanto do professor como do aluno; [...] autoavaliação [...] para tomar consciência do processo de aprendizagem [...]; [...] fornecer feedback [...]; intervenção no processo de aprendizagem [...]; instrumentos e elementos de avaliação devem ser diversificados [...]. (PINTO; ROCHA, 2011, p. 571)
Essas características foram sintetizadas da revisão bibliográfica citada. Entretanto as mais comuns destacam a importância de ser um processo contínuo e progressivo, orientador da atividade pedagógica e favorável à autoavaliação, para que o aluno possa tomar consciência de seu processo de aprendizagem.
Nessa revisão bibliográfica, as autoras destacaram o texto de Gama (2004) por problematizar o conceito de avaliação formativa a partir de teóricos bastante referenciados, como Hadji (2001), Afonso (2000) e Perrenoud (1999). Segundo Gama (2004), é preciso ter cautela ao assumir a avaliação formativa inserida em sistemas que possam vir a diminuir a autonomia dos professores e que estejam atentos à eficácia, à competitividade, à excelência e à gestão. Villas Boas (2019) afirma que o portfólio é o artefato adequado para uma avaliação formativa. Em Gama (2004), com uma compreensão de currículo a partir das teorias pós-críticas, o conceito de avaliação formativa não apresenta alternativas nessas teorias.
Com os mesmos argumentos apresentados por Gama (2004), pode-se problematizar também a avaliação emancipatória proposta por Saul (1988) que, desde sua proposição, teve diferenças em suas acepções iniciais. Isso aponta para sua dispersão, como analisado por Gama (2004), no que se refere à avaliação formativa. Porém, reconhecendo a importância do pensamento de Paulo Freire, que se assenta na avaliação emancipatória, uma compreensão de avaliação poderia também fundamentar o trabalho com portfólios de avaliação porque:
A avaliação emancipatória tem dois objetivos básicos: iluminar o caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas. O primeiro objetivo indica que esta avaliação está comprometida com o futuro, com o que se pretende transformar, a partir do autoconhecimento do concreto, do real, que permite a clarificação de alternativas para a revisão deste real. O segundo objetivo aposta no valor emancipador dessa abordagem para os agentes que integram um programa. (SAUL, 2010, p. 61)
Chama atenção especialmente o compromisso com a transformação social, que transcende o compromisso com a aprendizagem. Ou seja, tem-se outra possibilidade de trabalho e de avaliação para os portfólios, o que também foi apontado por Zeichner (2008), ao fazer uma crítica à reflexão como conceito estruturante na formação docente. É preciso agregar a análise social e política aos processos educativos para desafiar estruturas que têm mantido o status quo.
Assim, ressalta-se o cuidado para que, ao proporem-se os portfólios de avaliação como alternativa, não se caia em armadilhas inculcadas nos modos de avaliar que podem reafirmar uma avaliação excludente, classificadora e certificadora. Para não cair em armadilhas é preciso estudo e, para poder estudar, é preciso financiamento, políticas públicas, diálogo, tempo de formação e atividade profissional valorizada.
Pretendeu-se, neste texto, fazer o exercício hermenêutico partindo da expressão avaliação nos textos que pesquisaram os portfólios de avaliação. Foram apresentadas as sínteses descritivas dos textos que, de certa maneira, sinalizaram compreensões e conceituações de avaliação. Destacaram-se essas compreensões, mostrando-se um conceito complexo e diverso em sua aplicação. Mostrou-se a interlocução teórica no movimento em direção ao conceito; com maior compreensão do conceito, retorna-se à expressão para concluir com algumas considerações (GADAMER, 2000).
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O que se apresentou neste texto foram algumas compreensões das pesquisas sobre o uso de portfólios de avaliação na formação de professores considerando, principalmente, as impressões que seu uso provocou nos envolvidos, em sua produção e em sua avaliação. Conhecer os modos de pesquisa e identificar a fundamentação teórica que sustentou as pesquisas em relação à avaliação pode ajudar a delinear e criar modos de pesquisar os portfólios de avaliação.
Um aspecto que sobressai nesta análise é o modo como as informações empíricas foram obtidas: preponderantemente por entrevistas e questionários com estudantes, comunidade escolar, responsáveis pelas crianças e avaliadores, não sendo tão presentes os registros dos próprios portfólios. Entende-se que, nesses procedimentos de pesquisa, estão presentes relações de poder que merecem atenção. Analisar os portfólios em si pode trazer informações genuínas sobre seu potencial na formação de professores.
Outro aspecto extraído da análise é que assumir os portfólios de avaliação exige clareza quanto aos pressupostos teóricos sobre avaliação em que se assenta essa decisão - e isso precisa estar evidente tanto para o proponente quanto para os demais envolvidos, o que exige diálogo. O uso dos portfólios na formação de professores insere-se em movimentos que buscam problematizar modos conservadores de ensino. O conceito de avaliação é complexo, com diferentes acepções que sustentam modos de entender distintos. Esses aportes têm uma densa construção teórica e precisam ser aprofundados, discutidos e problematizados.
Ainda, observando o conjunto, quase a totalidade de proposições para o uso de portfólios para estudantes foi de portfólios individuais, tendo como substrato a avaliação individual, mantendo um sinal conservador. Nesse sentido, portfólios coletivos podem ser interessantes.
Por último, é muito importante, para o uso de portfólios de avaliação na formação de professores, a valorização da profissão docente com condições adequadas de trabalho, para que as discussões possam ocorrer em diferentes instituições educativas, com aprofundamento conceitual inextricável da prática docente. Isso exige investimento público, pois educação é uma questão pública. Não é apenas uma questão de persistência individual. É preciso transcender o foco da aprendizagem, a fim de interpretar e interferir, tendo em vista um mundo mais justo.