INTRODUÇÃO
Em âmbito nacional, a educação infantil vem passando por transformações significativas, sobretudo a partir de 2017, com a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual determinou a obrigatoriedade, por parte dos municípios brasileiros, da realização das revisões curriculares ou elaboração dos currículos, para aqueles que ainda não o tinham. Embora desde a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) de 2009, documento que serviu como base teórica para a elaboração da BNCC, já se apontasse um avanço na direção de colocar a criança como foco central do processo educativo, as interações e a brincadeira como eixos estruturantes do currículo, além de serem considerados os princípios éticos, políticos e estéticos como norteadores da produção do conhecimento nas escolas infantis, foi a partir do caráter mandatório da BNCC que teve início o movimento mais efetivo de repensar as ações para a busca de uma identidade para o processo de ensino e aprendizagem nessa etapa, assim como para afirmar sua função sociopolítica e pedagógica no campo educacional (BARBOSA et al., 2016).
Os sistemas e redes de ensino, instituições públicas e privadas, bem como muitos professores, pesquisadores e demais profissionais envolvidos com a educação, têm se ocupado de estudos voltados ao aprofundamento do entendimento sobre como a criança aprende e se desenvolve, para, a partir disso, pensar em práticas que promovam seu acesso ao conhecimento cultural, científico e a ricos contextos, experiências, interações e brincadeiras que garantam seus direitos de desenvolvimento e aprendizagem.
Nesse movimento, podemos compreender que todas as dimensões que compõem a prática educativa nessa etapa passaram a ser problematizadas e (re)avaliadas com olhares voltados tanto aos textos dos documentos orientadores do processo educativo na educação infantil - notadamente as DCNEI e a BNCC - quanto aos sujeitos nele envolvidos, sobretudo crianças e professores. Assim, o presente estudo destaca a avaliação como dimensão constitutiva das práticas nessa etapa, situando-a entre as temáticas emergentes a serem investigadas.
Contudo, o ato de (re)pensar um processo exige primeiramente considerar seu percurso histórico de debate, pesquisa e elaboração conceitual, visto que qualquer objeto de estudo deve ser situado nos contextos histórico e social e no campo científico com o qual se relaciona (MOROSINI; FERNANDES, 2014). Assim, neste estudo nos apoiamos nos pressupostos da pesquisa qualitativa, do tipo estado do conhecimento, entendido como:
[...] identificação, registro, categorização que levem à reflexão e síntese sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica. (MOROSINI; FERNANDES, 2014, p. 155).
Para tanto, esta investigação tem como objetivo mapear o estado do conhecimento das produções acadêmicas oriundas dos programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil, disponíveis no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que abordam a avaliação da aprendizagem e do desenvolvimento das crianças na educação infantil.
A relevância desse mapeamento parte da defesa de que a educação nessa etapa não apenas abriga crianças, durante certo tempo em um lugar, mas é um espaço de formação e, portanto, de desenvolvimento e aprendizagem. Para acompanhar tal desenvolvimento de maneira integral e significativa, é imprescindível o conhecimento das pesquisas que se ocupam dessa problemática, no sentido de “[...] conhecer o já construído e produzido, para depois buscar o que ainda não foi feito” (FERREIRA, 2002, p. 259), fomentando pesquisas e potencializando as discussões e práticas realizadas nas instituições educativas.
Cançado e Correa (2021), ao abordarem a questão da avaliação e qualidade da educação infantil a partir da análise de uma experiência municipal, defendem a necessidade de ampliar as discussões sobre a avaliação, buscando reconhecer e respeitar as especificidades desse nível de ensino. Para as autoras, os processos avaliativos precisam ser autênticos, democráticos e devem promover a participação.
O REVELAR DAS PESQUISAS
Para delimitar o corpus da presente pesquisa, tomamos como ponto de partida o foco de interesse inicial e específico das pesquisadoras, o qual se circunscreve no processo avaliativo com bebês. Nesse sentido, uma primeira busca no site do catálogo de teses e dissertações da Capes, realizada em março de 2021, usando o descritor avaliação AND aprendizagem AND bebês, resultou em 50 trabalhos. Desses, 40 estavam incluídos nas dissertações de mestrado, oito em teses de doutorado e outros dois em programas de mestrado profissional.
A leitura dos títulos das oito teses e duas dissertações de mestrado profissional revelou a centralidade desses trabalhos na área da saúde, não apresentando relação com processos avaliativos realizados em instituições educativas. Quanto às dissertações de mestrado, foi possível identificar dois títulos relacionados ao foco deste estudo, contudo, diante de tais resultados, consideramos pertinente ampliar as possibilidades do banco de dados, para que mais trabalhos pudessem ser identificados. Nesse sentido, as duas dissertações1 encontradas não foram analisadas nesse momento, pois subentende-se que estas apareceriam na pesquisa ampliada para toda a etapa da educação infantil.
Nesse âmbito, foi necessário repensar os descritores utilizados para viabilizar a coleta de dados. Uma busca empregando o amplo descritor avaliação na educação infantil revelou um total de 1.105.470 trabalhos. Diante da inviabilidade de considerar essa quantidade de estudos, adotamos o descritor avaliação AND aprendizagem AND educação infantil, resultando em 338 trabalhos, distribuídos conforme mostra a Tabela 1.
PROGRAMA STRICTO SENSU | TOTAL DE TRABALHOS |
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Doutorado | 59 |
Mestrado | 233 |
Mestrado Profissional | 41 |
Profissionalizante | 5 |
TOTAL: | 338 |
Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de teses e dissertações da Capes.
Notamos a ocorrência de um número significativo de trabalhos, assim como a maior concentração destes nos programas de mestrado. Para refinar a busca e direcioná-la ao nosso campo de interesse, delimitamos os estudos defendidos na área do conhecimento “educação”, o que resultou na identificação de 178 trabalhos, divididos conforme demonstra a Tabela 2.
PROGRAMA STRICTO SENSU | TOTAL DE TRABALHOS |
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Doutorado | 33 |
Mestrado | 124 |
Mestrado Profissional | 21 |
TOTAL: | 178 |
Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de teses e dissertações da Capes.
Nesse momento, optamos pela leitura de todos os títulos, buscando identificar os trabalhos que estivessem correlacionados à problemática desse estado do conhecimento. Das 33 teses encontradas, apenas sete mostravam maior correlação com a problemática de estudo, considerando-se, entre estas, também as que apresentavam foco em registros, portfólios, análise de documentos legais relacionados à etapa da educação infantil, avaliação de um tema específico, para além da relação direta com o termo “avaliação”. O Quadro 1 descreve os dados relativos às teses.
AUTOR/ANO | OBJETIVO |
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Steinle (2018) | Teve como objetivo geral analisar o entendimento teórico-prático das professoras pré- -escolares sobre a avaliação da aprendizagem na educação infantil originado da formação continuada. |
Souza (2017) | Analisou as concepções de avaliação que se expressam nas práticas no contexto da creche, com base nos sentidos que os profissionais produzem para essa ação, bem como suas condições de produção, considerando a perspectiva macro que se refere ao contexto das políticas, suas concepções, seus processos de elaboração e implementação. |
Oliveira (2017) | Investigou os subsídios teórico-práticos sobre avaliação na creche, dispostos em publicações federais do Ministério da Educação (MEC) de caráter mandatório e orientador, no período de 2000 a 2015. |
Gomes (2016) | Pesquisou a relação entre a sistemática avaliativa para educação infantil proposta pela secretaria municipal da educação investigada e as práticas avaliativas existentes nas unidades de atendimento de educação infantil dessa rede. |
Magalhães (2016) | Realizou um modelo de análise do desenvolvimento da atividade-guia de uma criança na primeira infância, a partir das contribuições do materialismo histórico-dialético e da psicologia histórico-cultural para a avaliação do desenvolvimento realizada cotidianamente pelo pro- fessor de educação infantil. |
Colasanto (2014) | Investigou o registro da participação das crianças nos relatórios de avaliação, a partir da perspectiva teórica da concepção de escola democrática, considerando a criança como ator social e propondo que suas experiências constituam o centro do planejamento e que a proposta curricular preveja a participação da criança. |
Lopes (2011) | Analisou as possibilidades relacionadas à inserção de práticas de registro e documentação na educação infantil enquanto elemento constitutivo do projeto político-pedagógico em ação, considerando o conceito de documentação pedagógica como atividade de recuperação, escuta e reelaboração da experiência e como atividade que se relaciona ao planejamento, à avaliação e à reconstrução do projeto político-pedagógico. |
Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de teses e dissertações da Capes.
A leitura dos 124 títulos referentes às dissertações de mestrado possibilitou delimitar o universo de 23 pesquisas que focavam o processo de avaliação da aprendizagem e desenvolvimento das crianças na educação infantil. Nesse montante, os dados de três trabalhos não foram encontrados, conforme mostra o Quadro 2.
AUTOR/ANO | OBJETIVO |
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Amaro (2018) | Investigou como as professoras de um centro municipal de educação infantil percebem o processo de avaliação das crianças na prática pedagógica, analisando as concepções que as professoras apresentam sobre o processo de avaliação na educação infantil, suas práticas avaliativas e orientações pedagógicas que seguem para realização da avaliação e a relação que as professoras estabelecem entre a avaliação e o processo de ensino-aprendizagem das crianças. |
Cançado (2017) | Teve como objetivo estudar como se configura a avaliação desenvolvida nas pré-escolas de um município paulista, considerando a relação entre avaliação e qualidade na educação infantil. |
Castro (2017) | Investigou a predominância teórica nos estudos da área da avaliação da aprendizagem escolar e de que forma os fundamentos epistemológicos subjacentes às produções sobre avaliação da aprendizagem têm subsidiado as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), além de investigar quais contradições são evidenciadas nas discussões em torno da avaliação na educação infantil. |
Furtado (2016) | Investigou como as professoras que atuam na educação infantil em uma rede municipal compreendem a avaliação das crianças, analisando as orientações e os instrumentos que seguem, suas concepções sobre aprendizagem, desenvolvimento e avaliação e como consideram o papel da criança e de suas famílias no processo de avaliação. |
AUTOR/ANO | OBJETIVO |
Castilho (2016) | Objetivou identificar e analisar as concepções sobre avaliação, dos professores e coordenadora que atuam na primeira etapa da educação infantil, especificamente na modalidade creche, no agrupamento do maternal (três anos), buscando constatar se a finalidade do processo avaliativo, nas práticas desenvolvidas com as crianças, é pautada tendo em vista seu desenvolvimento e aprendizagem. |
Kawada (2016) | Objetivou conhecer as experiências, desafios e expectativas quanto aos processos de ela- boração e socialização da documentação pedagógica como mediação à construção de conhecimentos escolares na educação infantil, como instrumento de mediação à construção de conhecimentos necessários ao planejamento e à avaliação das práticas pedagógicas cotidianas de crianças e professores no contexto da educação infantil. |
Bresciane (2015) | Objetivou investigar o que os relatórios de acompanhamento e avaliação dos alunos revelam sobre as concepções e práticas de avaliação na educação infantil em uma rede municipal. |
Carvalho (2015) | Investigou as relações entre a formação dos professores e sua prática avaliativa com crianças pequenas, tendo como objetivo geral analisar as concepções de avaliação da aprendizagem que orientam as práticas pedagógicas de professores da educação infantil. |
Magrini (2015) | Analisou, nas ações pedagógicas oriundas da educação infantil, as contribuições para a aprendizagem dos valores e como se avalia esse procedimento, investigando assuntos como idade propícia para iniciar a escolarização, dificuldades da educação infantil, os benefícios para a criança, a diferença entre educação infantil e depósito de crianças, o cuidar/educar e avaliar na educação infantil. |
Correia (2015) | Teve como objetivo geral mapear e compreender os limites e possibilidades do portfólio na autoavaliação da aprendizagem, por crianças que integram uma turma de educação infantil, investigando o valor informacional do portfólio, empreendido na avaliação da aprendizagem, para os seus autores, ou seja, as crianças. |
Lichy (2014) | Buscou compreender a relação entre a produção dos registros na educação infantil e o quanto eles se configuram como documentações pedagógicas proporcionando a prática reflexiva e o olhar para os bebês, partindo da concepção de documentação pedagógica defendida pelas pedagogias do norte da Itália e da Associação Criança em Portugal. Investigou como os registros periódicos evidenciam o olhar para os bebês, como os registros podem se transformar em documentações pedagógicas com vistas ao planejamento e à avaliação das práticas e como as documentações pedagógicas estão a serviço da prática reflexiva do professor. |
Glap (2013) | Teve como propósito sistematizar a produção científica realizada em torno do tema avaliação na/da educação infantil com o estado da arte (2000-2012). O objetivo da investigação foi compreender como os estudiosos da educação infantil vêm pesquisando os processos avaliativos nela desencadeados. |
Sousa (2013) | Investigou a prática avaliativa no processo de ensino e aprendizagem no contexto da educação infantil, a partir das seguintes categorias de análise: prática pedagógica do professor e o desenvolvimento da criança; metodologia de avaliação do desenvolvimento da criança; e instrumentos de avaliação utilizados na prática pedagógica da educação infantil. |
Coelho (2009) | Pesquisou o processo de construção da avaliação da aprendizagem de crianças de 4 a 16 meses de idade e suas relações na aprendizagem das crianças, analisando a importância da ação do professor da educação infantil nesse processo. |
Santos (2008) | Visou a compreender sobre como avaliar a criança no momento em que aprende brincando, discutindo a infância, a criança, a educação infantil e a melhor forma de o professor registrar seus avanços com base nos fundamentos da avaliação que considera a ludicidade. |
Lusardo (2007) | Objetivou investigar a compreensão de professoras acerca do papel do portfólio no processo de avaliação das crianças que frequentam as classes de educação infantil. |
Moura (2007) | Objetivou investigar, explicitar e analisar os sentidos de avaliação presentes nas concepções de professoras e alunos da educação infantil e suas repercussões no processo de aprendizagem, visando à construção de conhecimentos que permitissem repensar a prática educativa. |
Raizer (2007) | Objetivou compreender e mapear as possibilidades de os portfólios avaliativos serem desenvolvidos com um sentido e um significado formativos. |
Corrêa (2007) | Analisou a avaliação e a qualidade da educação infantil por meio dos processos avaliativos realizados na creche e na pré-escola, as práticas avaliativas vivenciadas pelas crianças e professoras e os sentidos produzidos pelos professores sobre a avaliação e a qualidade da educação infantil a partir do desenvolvimento do trabalho pedagógico. |
Steinle (2006) | Resumo não encontrado. |
AUTOR/ANO | OBJETIVO |
Carvalho (2002) | Resumo não encontrado. |
Valverde (1994) | Analisou os relatórios de avaliação semestrais elaborados pelos professores, com a preocupação de investigar qual era o seu significado para os próprios professores e pais de alunos, enquanto um elo de comunicação entre ambos, sendo um possível instrumento para aprimorar o processo ensino-aprendizagem. |
Santos (1994) | Resumo não encontrado. |
Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de teses e dissertações da Capes.
Já dentre as dissertações elaboradas nos programas de mestrado profissional, foi possível identificar três títulos com aproximação à problemática, conforme verifica-se no Quadro 3.
AUTOR/ANO | OBJETIVO |
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Fernandes (2017) | Objetivou analisar os fatores que dificultam as docentes em proceder à avaliação das crianças em conformidade com as normas estabelecidas pela secretaria municipal de educação do município investigado. |
Tonello (2015) | Objetivou desenvolver um projeto de formação inicial, para ser replicado por outros formadores, com o intuito de promover a mudança das práticas avaliativas, incentivando a reflexão sobre o papel da avaliação na educação infantil e a elaboração de portfólios como instrumentos da avaliação formativa. |
Lamas (2014) | Objetivou descrever e analisar como ocorre a utilização da avaliação e o uso do relatório descritivo individual na educação infantil pelos professores e gestores escolares, de modo a apontar as dificuldades e propor um melhor uso desse instrumento. |
Fonte: Elaboração das autoras com base no banco de teses e dissertações da Capes.
Os títulos desconsiderados delimitavam o foco dos estudos em práticas pedagógicas, currículo, formação continuada, análises de políticas públicas e livros didáticos referentes à etapa da educação infantil, além de pesquisas na área do ensino fundamental e educação especial.
Dentre os dados/trabalhos disponíveis no referido banco da Capes, os estudos selecionados estão distribuídos entre 1994 e 2018. Importante ressaltar que a primeira tese defendida nessa temática ocorreu apenas em 2011, o que pode ser considerada tardia se comparada com as primeiras dissertações datadas em 1994. Outro aspecto importante a ser destacado é o aumento considerável de defesas ocorridas a partir de 2013, mais especificamente de 2015 a 2017, concentrando cinco defesas a cada ano, entre programas de mestrado e doutorado. Esses resultados podem ser visualizados no Gráfico 1.
Nesse intervalo, notamos a predominância de trabalhos realizados em programas de mestrado, correspondendo a 69,7% do total, enquanto as teses equivalem a 21,2% e as defesas em mestrado profissional, a 9,1%. As regiões do país em que as teses e dissertações foram defendidas compõem um aspecto fundamental a ser analisado, pois nos revelam também as instituições e os pesquisadores orientadores que investigam a temática da avaliação na educação infantil. Conforme mostra o Gráfico 2, verifica-se que a região Sudeste2 concentra a maior parte dos trabalhos, totalizando 20 entre teses e dissertações, o que corresponde a 60,6% do total. Tal resultado pode ser entendido pelo fato de o maior número de instituições de educação superior estar localizado nessa região.
Dentre as teses, a instituição que possui o maior número de defesas é a Uni- versidade Estadual Paulista (Unesp), concentrando três trabalhos. Na sequência aparecem a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a Universidade de São Paulo (USP), com um trabalho defendido em cada uma delas.
Já as dissertações de mestrado dividem-se em 16 instituições, o que caracteriza uma distribuição variada, considerando o total de 23 trabalhos identificados abordando a temática da avaliação na educação infantil. Nesse cenário aparece a Universidade Estadual de Londrina (UEL), com quatro dissertações defendidas, seguida por PUC-SP, UFC, USP e Unesp, com dois trabalhos em cada uma. As outras 11 instituições concentram um trabalho em cada: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade do Vale do Itajaí (Univali), Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Universidade Federal do Mato Grosso (UFMS).
As defesas realizadas em programas de mestrado profissional encontram-se em duas instituições - a UFJF, com um trabalho, e a PUC-SP, com duas defesas. Observou-se que o contexto das universidades em que se concentram as defesas tanto de teses quanto de dissertações é predominantemente de instituições públicas - federais e estaduais -, com um total de 25 trabalhos, superando os oito defendidos em instituições particulares, considerando o montante de 33 estudos identificados.
Nas palavras de Morosini e Fernandes (2014, p. 156), a partir desses dados quantitativos iniciais,
[...] faz-se necessário considerar que a construção de uma produção científica está relacionada não só à pessoa/pesquisador que a produz, mas a influências da instituição na qual está inserida, do país em que vive e de suas relações com a perspectiva global. Em outras palavras, a produção está inserida no campo científico e, consequentemente, em suas regras constitutivas.
Nesse contexto, para aprofundar as reflexões acerca do já produzido no campo da problemática da avaliação na educação infantil, procedeu-se à leitura dos resumos dos trabalhos identificados. Ressaltamos que três resumos de dissertações de mestrado não foram encontrados, tanto no banco de teses e dissertações da Capes quanto em sites de busca na internet, e, portanto, a leitura dos resumos considerou 30 trabalhos. Para sistematizar o processo de leitura, organizamos todos os trabalhos em tabelas contendo a referência com autor, título, ano e local de defesa, objetivo, bases teóricas, metodologia utilizada na coleta de dados e resultados.
Essa análise possibilitou identificar a ocorrência predominante dos sujeitos participantes das pesquisas, que se diferenciam entre as teses e dissertações. Enquanto nas teses os documentos legais ou documentos produzidos na prática pedagógica, identificados principalmente pelos relatórios de avaliação elaborados pelos professores no processo avaliativo das crianças, integram o maior número dos trabalhos, nas dissertações de mestrado os professores figuram como sujeitos principais das pesquisas. Tais dados ficam evidentes no Gráfico 3.
Entre as dissertações de mestrado foi identificado, ainda, um trabalho em que pais das crianças também foram sujeitos da pesquisa. As metodologias predominantes nos trabalhos foram a pesquisa de campo e o estudo de caso, conforme pode ser verificado no Gráfico 4. Importante destacar também que, dentre as dissertações de mestrado, encontramos uma pesquisa que apresenta o estado da arte da avaliação na/da educação infantil entre 2000 e 2012, defendida por Graciele Glap, pela UEPG.
Guiadas pelo pressuposto de Ferreira (2002), que discute a funcionalidade da leitura dos resumos para a elaboração do estado do conhecimento acerca de determinada temática, ressaltando que cumprem com a finalidade de informar ao leitor, de maneira rápida, sucinta e objetiva sobre o trabalho do qual se originam, pela opção teórica manifesta, pelo tema que anuncia, pelos objetivos explicitados nas pesquisas e pelos procedimentos metodológicos adotados pelo pesquisador, analisamos também os instrumentos de coleta de dados utilizados. Contudo salientamos que alguns resumos não apresentavam todas as informações que pretendíamos buscar e, com isso, percebemos que entre os resumos há ambiguidades, singularidades, que são preenchidas pela leitura que o pesquisador faz deles (FERREIRA, 2002).
Nesse âmbito, o Gráfico 5 demonstra que a análise documental foi o instrumento mais utilizado entre teses, dissertações de mestrado e mestrado profissional. Surpreendentemente a entrevista possui a mesma ocorrência da análise documental entre as dissertações de mestrado, porém não esteve entre as técnicas empregadas em nenhuma das teses.
Outro aspecto identificado na leitura dos resumos foi a predominância de instituições de educação infantil públicas como campo de investigação das pesquisas. Dentre as teses, verificou-se que cinco delimitaram como campo de pesquisa instituições públicas municipais e, ainda, uma delas associou o estudo a uma instituição internacional. No contexto das dissertações de mestrado, identificamos um trabalho realizado em uma instituição particular, sem fins lucrativos, outros dois em instituições particulares, uma pesquisa elaborada em ambas as configurações, pública e privada, e um estudo realizado em uma instituição universitária. Os demais resumos que apresentaram a informação do campo de pesquisa apontam para a realização dos estudos em instituições públicas. Quanto às três dissertações de mestrado profissional, em duas delas foi possível identificar o campo de investigação em instituições públicas.
Já a busca pelas bases teóricas que fundamentam as pesquisas sobre a avaliação na educação infantil suscitou reconhecer uma diversidade de autores citados. Nos trabalhos defendidos em programas de mestrado profissional identificamos os seguintes autores: Kramer, Campos, Rosemberg, Villas Boas, Micarello, Lüdke e André, Gatti, Franco, Hadji, Perrenoud, Zabalza, além de Hoffman, citada em dois deles.
Entre as dissertações, as bases teóricas, com base nas quais a problemática da avaliação foi discutida, apresentam-se com uma grande diversidade de autores, a saber: Villas Boas, Sousa, Dahlberg, Moss e Pence, Imbernón, Ariès, Nóvoa, Hessen, Rosemberg, Fontana, Cruz, De La Taille, Oliveira, Dantas, Ferreiro, Teberosky, Perrenoud, Moro, Oliveira-Formosinho, Dias Sobrinho, Rodrigues, Alípio Casali, Afonso, Draibe, Cappelletti, Bachi e Bondioli, Zabalza, Wallon, Fernando Becker, Freinet, Merleau-Ponty, Ricouver, Huizinga, Bicudo, Hojas. O Gráfico 6 mostra a frequência dos autores citados em mais de um trabalho.
Entre as teses, as bases teóricas descritas no corpo dos sete resumos lidos apontam para a ocorrência de diferentes autores que não se repetiram em nenhum dos trabalhos: Rosemberg, Freire, Apple e Beane, Pasquale, Oliveira-Formosinho, Azevedo, Benzoni, Cláudia Fernandes, Domingos Fernandes, Alicia Bonamino, Paulo Freire e Hoffman.
Constatamos que os estudos de Jussara Hoffmann representam a base teórica de maior relevância entre as teses, dissertações e mestrado profissional, estando citada em trabalhos de ambos os programas. Nesse viés, é possível inferir que os objetivos delimitados nos trabalhos analisados perpassam as proposições acerca da temática avaliação na educação infantil realizadas por essa autora. Em seu livro intitulado Avaliação e educação infantil, Hoffmann (2018, p. 13) defende a avaliação como processo que se refere “[...] a um conjunto de procedimentos didáticos que se estendem por um longo tempo e em vários espaços escolares, de caráter processual e visando, sempre, à melhoria do objeto avaliado”.
A leitura dos resumos permitiu-nos, também, conhecer do que tratam as pesquisas. Constatamos que a maior parte dos trabalhos de ambas as modalidades - teses e dissertações - busca investigar as concepções teórico-metodológicas dos professores referentes à avaliação da aprendizagem, constituindo o cenário de 18 trabalhos que citam, na descrição dos seus objetivos, termos como entendimento, concepções, sentidos, significado, compreensão, desafios, expectativas, melhor forma de prática reflexiva, papel e ação do professor. Considerando o total de 30 resumos lidos, esse montante corresponde a 60%.
Assim, salientamos que conhecer a produção dos sentidos e dos significados adotados pelos professores nos processos avaliativos que realizam em suas práticas ocupou o foco majoritário dos objetivos elencados nas pesquisas identificadas neste estado do conhecimento. Corroborando esse aspecto, destacamos Hoffmann (2018, p. 87-88) que, ao discutir o papel do professor ao avaliar, afirma que:
A tomada de consciência do professor sobre o seu envolvimento pessoal ao avaliar o impulsiona a observar mais e melhor as crianças, a conversar com elas, a questionar e a discutir suas reações com os pais, diretores, coordenadores pedagógicos, orientadores e outros adultos que convivem com elas. Ao compreender que seu olhar avaliativo percebe a criança a partir de um entendimento próprio, que ele interpreta o que vê, tenderá a buscar outros pontos de vista que o levem a ampliar a compreensão dessas manifestações.
Nesse contexto, é possível inferir que as pesquisas consideram o papel do professor e a sua compreensão sobre o que significa avaliar na educação infantil como um dos aspectos fundamentais para a realização de práticas avaliativas coerentes com as especificidades dessa etapa da educação, ou seja, superando a relevância de estudos centrados em orientações instrumentais e/ou advindas de documentos oficiais, sejam da esfera federal ou das redes municipais, que também se configuram como importantes, porém, necessitam do sujeito professor para que se concretizem a partir da relação teoria e prática.
A busca inicial de trabalhos delimitada para constituição desse estado do conhecimento com foco no processo avaliativo realizado com bebês revelou a escassez de estudos relativos a esse grupo etário. Diante da ampliação da pesquisa para adentrar as diferentes faixas etárias que compõem a educação infantil, constatamos a permanência dessa escassez, pois houve o acréscimo de apenas uma dissertação que não havia sido encontrada quando utilizamos o descritor bebês. Assim, as dissertações que se dedicam ao estudo da avaliação da aprendizagem com bebês circunscrevem-se pela autoria de Lichy (2014), Coelho (2009) e Santos (1994) com a identificação dada pelo título do trabalho, pois o resumo não foi localizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo, circunscrito pelo desafio de mapear e discutir um recorte da produção acadêmica acerca da temática da avaliação da aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil, mais especificamente a partir das teses e dissertações disponíveis no banco da Capes, coaduna com a proposição de Ferreira (2002) ao discutir os aspectos pertinentes às pesquisas realizadas com a denominação “estado do conhecimento”. Para a autora, essa modalidade de investigação tenta “[...] responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado” (FERREIRA, 2002, p. 258).
Os dados quantitativos revelados neste estudo apontam para um número significativo de trabalhos acerca da avaliação da aprendizagem e desenvolvimento na educação infantil, sobretudo dentre as dissertações. Contudo, entre as teses, é notória a carência de estudos. Outrossim, a maioria dos trabalhos direciona-se ao contexto amplo, apresentando análises e resultados que generalizam a avaliação aos diferentes grupos etários que compõem essa etapa da educação. A ausência de teses, aliada ao restrito número de três dissertações que discutem os processos avaliativos realizados com a primeiríssima infância, evidencia a carência de abordagens mais específicas e que possam contribuir com o debate sobre qual é a pedagogia da pequena infância, alicerçada na compreensão de que o trabalho pedagógico com bebês e crianças bem pequenas exige atenção para algumas especificidades (FOCHI, 2015, 2018).
Para finalizar os apontamentos apresentados neste estudo, destacamos a relevância da abordagem com que a temática da avaliação na educação infantil foi apresentada na totalidade dos trabalhos analisados, estando coerentes com as bases teóricas (HOFFMANN, 2018; OLIVEIRA-FORMOSINHO; PASCAL, 2019; GUIMARÃES; CARDONA; OLIVEIRA, 2014) e legais (BRASIL, 2009, 2017) que compõem as referências principais para a discussão do tema em âmbito nacional. Em síntese, os trabalhos partem do pressuposto de que “[...] avaliar não é julgar, mas acompanhar um percurso de vida da criança, durante o qual ocorrem mudanças em múltiplas dimensões com a intenção de favorecer o máximo possível de desenvolvimento” (HOFFMANN, 2018, p. 13). Entretanto, cabe salientar a necessidade de que as concepções defendidas em âmbito teórico e legal adentrem as realidades das instituições e redes de ensino que atendem à educação infantil em nosso país, pois, com base no amplo estudo de Ribeiro (2018), avistou-se o longo caminho que precisamos percorrer para a construção e consolidação de uma avaliação da aprendizagem e desenvolvimento, coerente com a perspectiva da garantia dos direitos fundamentais das crianças e com as especificidades da educação nessa etapa.
Nesse contexto, é possível inferir que a avaliação não é um processo neutro e tampouco isolado das demais dimensões da prática pedagógica, mas, sim, engloba pressupostos curriculares, metodológicos, concepções de criança, infância e trabalho pedagógico na educação infantil, ou seja, é permeada pela complexidade do entrelaçar dos aspectos objetivos e subjetivos que o envolvem, sobretudo relativos ao papel do professor, suas concepções, sentidos e significados atribuídos aos processos avaliativos.