INTRODUÇÃO E ANTECEDENTES
Desde a década de 1990, os sistemas educacionais brasileiros que ofertam a educação básica, sob a liderança de governos estaduais e municipais, têm avançado muito em termos de acesso e permanência dos estudantes na escola, resgatando uma dívida histórica importante no que diz respeito ao direito humano à educação. Tais avanços só foram possíveis porque fomos capazes de criar um conjunto de políticas públicas, tecidas a partir de esforços de colaboração e cooperação federativa e da aprendizagem cruzada a partir da circulação de iniciativas exitosas das diferentes unidades da federação.
Efetivamente, os grupos sociais que estão na escola pública brasileira hoje são mais diversos do que aqueles que frequentavam seus bancos até a redemocratização. Isso significa dizer que a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio se mostram, à primeira vista, mais inclusivos do que já foram.
Todavia, oportunizar o acesso e a permanência na escola é apenas parte da garantia do direito humano à educação. Os sistemas educacionais precisam, também, garantir que os estudantes matriculados nas escolas possam aprender o que precisam e desenvolver trajetórias de sucesso acadêmico, independentemente de sua classe social, de sua identidade étnico-racial, do território em que vivem ou da identidade de gênero que expressam. Em outras palavras, a escola precisa ser justa (Dubet, 2008).
Investigar as relações entre a liderança educativa do diretor e o desempenho acadêmico dos estudantes é uma forma de contribuir para que saibamos o que fazer nessa arena. As investigações em diferentes contextos, de países mais ricos ou menos ricos, apontam que melhorar o trabalho de gestão escolar, na perspectiva da potencialização da liderança educativa, tem impactos positivos na garantia da aprendizagem dos estudantes.
A questão da liderança escolar se apresenta incontornável tanto para os policymakers interessados em produzir melhorias sistêmicas nas redes de ensino quanto para os pesquisadores que se debruçam sobre a temática das políticas educacionais e/ou dos processos de gestão educativa e escolar. Essa centralidade do debate sobre liderança escolar se justifica, entre outras razões, pela identificação de relações importantes entre a capacidade de liderança dos gestores escolares e os resultados de aprendizagem dos estudantes (Day & Sammons, 2013).
Entretanto, mesmo que sejam robustas as evidências sobre a existência dessas relações, em estudos realizados em diferentes contextos sociais (Jacobson, 2011; Mulford & Silins, 2011; Robinson et al., 2008; Sammons et al., 2011; Pashiardis, 2014; Oliveira, 2015; Paes de Carvalho et al., 2012; Scheerens, 2016), quando se trata de responder à pergunta a respeito da intensidade e natureza (indireta/direta) dos impactos da liderança escolar nos resultados de aprendizagem dos estudantes, os diferentes estudos de metanálise têm encontrado respostas distintas (Day & Sammons, 2013; Grissom & Loeb, 2011; Hallinger & Heck, 1998; Leithwood & Jantzi, 2008; Hallinger, 2008).
Concordando com Brauckmann e Pashiardis (2011), parece razoável assumir que as variações identificadas nos diferentes esforços de metanálise desenvolvidos até agora estão bastante relacionadas a certa flutuação teórico-conceitual da categoria “liderança escolar”, e, portanto, ao fato de haver diferenças relativamente frequentes na concepção de liderança - as pesquisas de metanálise podem reunir estudos que assumem conceitos distintos do que seja liderança, produzindo resultados de avaliação do fenômeno também diferentes.
Com parcimônia e nível calculado de aposta crítica nos resultados das pesquisas, entretanto, há um consenso razoável em torno da noção de que liderança escolar importa para a promoção da qualidade da oferta educativa, bem como de que existem evidências satisfatórias sobre a existência de relação entre a qualidade do exercício da liderança escolar e os resultados de aprendizagem dos estudantes.
Quanto à natureza dessa última relação, ela parece ser mais indireta do que direta. Como fator intraescolar, a liderança escolar exercida pelos gestores parece incidir sobre aspectos como a disponibilidade/qualidade dos insumos para a realização do trabalho pedagógico, bem como a compreensão compartilhada dos objetivos e metas de aprendizagem que devem ser perseguidos numa dada comunidade educativa sobre: a capacidade de a equipe escolar manter o foco na sua tarefa instrucional e no desenvolvimento do currículo; a qualidade das relações interpessoais e do clima escolar; e o desenvolvimento profissional da equipe da escola.
Evidentemente, o fator liderança escolar está inscrito num ecossistema macro de fatores e variáveis intra e extraescolares (Figura 1), que incidem direta ou indiretamente na realização plena da aprendizagem dos estudantes. É muito importante que isso seja dito de forma a mitigar narrativas e apostas de política educacional que supervalorizam a dimensão da liderança como se ela pudesse cumprir suas promessas independentemente do manejo dos demais fatores e variáveis. A representação gráfica a seguir, proposta por Leithwood et al. (2010), permite a compreensão contextualizada da liderança escolar:
Considerando o conjunto de variáveis - representadas na figura anterior - que explicitam como o exercício da liderança é constituído por elementos do contexto em que o trabalho do diretor de escola acontece, nos perguntamos sobre os caminhos possíveis para operacionalizar, em termos metodológicos e analíticos: (1) a avaliação da liderança escolar exercida por diretores de escola brasileiros, (2) a existência ou inexistência de associação entre o exercício da liderança escolar nas escolas e os resultados de aprendizagem alcançados pelos estudantes e (3) caso essa associação exista, sua manutenção quando for controlada a variável de nível socioeconômico (NSE).
Encontramos na produção das pesquisadoras e pesquisadores do grupo de pesquisa Gestão e Qualidade da Educação (Gesq), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), especialmente sob a liderança das professoras Cynthia Paes de Carvalho e Ana Cristina Prado de Oliveira, um caminho metodológico para esse processo de operacionalização. Trata-se da utilização do Índice de Liderança do Diretor (ILD) e da verificação de associação entre esse índice e a proficiência em língua portuguesa e matemática na Prova Brasil. Para Oliveira e Paes de Carvalho (2018):
O impacto do trabalho da gestão escolar na melhora dos resultados acadêmicos dos alunos não se dá de maneira direta . . . , mas envolve um verdadeiro trabalho de bastidores que procura garantir o desenvolvimento de outras características apontadas como essenciais para a eficácia escolar: objetivos e visões compartilhadas, ambiente de aprendizagem, incentivos positivos, parceria casa-escola, organização orientada à aprendizagem e monitoramento do progresso acadêmico dos alunos. (Oliveira & Paes de Carvalho, 2018, pp. 5-6).
Partindo dessa visão integrada da gestão e da liderança escolar (Marks & Printy, 2003), as autoras assumem que estabelecer contornos que permitam identificar e compreender como esse trabalho de bastidores é realizado faz parte do esforço necessário para a demonstração da capacidade de liderança do diretor de escola. Nesse caminho, as autoras propõem a operacionalização dessa medida a partir da análise da percepção que os professores de uma dada escola possuem sobre o diretor, sobre o trabalho que ele realiza e sobre os resultados alcançados pela escola (Oliveira & Paes de Carvalho, 2018, p. 6).
Para cumprir tal objetivo, a metodologia desenhada pelas pesquisadoras partiu da análise dos questionários associados à Prova Brasil, respondidos por professoras e professores, a fim de selecionar itens/perguntas que pudessem traduzir esse conjunto de percepções. Os detalhes desse procedimento serão apresentados na seção seguinte. Na base de dados da Scientific Electronic Library Online (SciELO), em procedimento de revisão de literatura, encontramos três artigos produzidos pelas pesquisadoras do Gesq e que mobilizaram esse constructo, conforme a Tabela 1, a seguir:
Autor(es) | Título | Periódico | Ano |
---|---|---|---|
Oliveira e Waldhelm | Liderança do diretor, clima escolar e desempenho dos alunos: Qual a relação? | Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação | 2016 |
Oliveira e Paes de Carvalho | Gestão escolar, liderança do diretor e resultados educacionais no Brasil | Revista Brasileira de Educação | 2018 |
Oliveira, Paes de Carvalho e Carrasqueira | Colaboração docente e resultados educacionais no Brasil | Educar em Revista | 2020 |
Fonte: Elaboração dos autores.
Oliveira e Waldhelm (2016) realizaram estudo para verificar se as variações nos resultados acadêmicos dos estudantes, considerando as médias de proficiência alcançadas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) (2013) na disciplina de matemática, guardavam associação estatisticamente significativa com a liderança do diretor e com o clima escolar. Para tanto, desenvolveram um Índice Médio de Liderança do Diretor (IMLD) e um Índice Médio de Colaboração Docente (IMCD), com base nas respostas de professores aos questionários associados à Prova Brasil e, mediante a aplicação de um modelo de regressão linear, testaram sua relação com as médias de proficiência dos estudantes, controlando a variável de nível socioeconômico disponível nas bases oficiais. As autoras concluíram que são estatisticamente significativas as associações entre cada um dos índices (IMLD e IMCD) e o desempenho acadêmico dos estudantes. No que diz respeito à liderança do diretor, as autoras afirmam que:
. . . o IMLD apresentou relação positiva com o resultado dos alunos no teste de Matemática. De acordo com o modelo estimado, para cada aumento de 1 desvio padrão na variável IMLD, a média dos resultados de Matemática dos alunos do 5º ano aumenta 0,14 ponto (valor arredondado). Ou seja, escolas onde os professores apresentaram uma percepção mais positiva sobre a liderança do diretor, apresentaram melhores resultados nos testes de Matemática de seus alunos do 5º ano. (Oliveira & Waldhelm, 2016, p. 837).
No que diz respeito à colaboração docente, o estudo também encontrou evidências de associações estatisticamente significativas:
. . . o IMCE1 também apresentou relação positiva, ainda que pequena, com o desempenho dos estudantes. De acordo com o modelo estimado, para cada aumento de 1 desvio padrão na variável IMCE, a média dos resultados de matemática dos alunos do 5º ano aumenta 0,11 ponto (valor arredondado). Ou seja, escolas que apresentaram uma percepção mais positiva dos professores sobre o clima escolar, também apresentaram melhores resultados nos testes de Matemática de seus alunos do 5º ano. (Oliveira & Waldhelm, 2016, p. 838).
Avançando a partir dos esforços de Oliveira e Waldhelm (2016), Oliveira e Paes de Carvalho (2018) apresentam resultados de um estudo que buscou analisar a relação entre: (a) a liderança do diretor e os resultados acadêmicos dos estudantes; (b) as políticas de provimento do cargo de direção de escola e os resultados acadêmicos dos estudantes, com base em informações coletadas das respostas aos questionários associados à Prova Brasil e das médias de proficiência alcançadas por estudantes de 5º ano do ensino fundamental no Saeb, no período de 2007 a 2011. Para tanto, trabalharam com o Índice de Liderança do Diretor adaptado do IMLD. Por meio da aplicação de um modelo de regressão linear, as autoras conseguiram encontrar associações estatisticamente significativas nas duas análises:
Os resultados indicam uma associação positiva entre o desempenho em matemática no 5º ano (média por escola) e a liderança dos diretores; em contrapartida, constatou-se uma associação negativa entre os mesmos resultados de desempenho com a gestão de diretores nomeados nas escolas (em grande parte dos casos por indicações políticas). Como estudo exploratório, tais resultados apontam algumas pistas sobre as relações entre os fatores envolvidos, ainda que não estabeleçam causalidades. Esperamos que essas pistas possam gerar novas pesquisas e aprofundar o debate sobre as políticas públicas relacionadas à gestão escolar democrática. Isso poderia implicar, por exemplo, a adoção mais transparente e pública da tarefa de selecionar os diretores das escolas, garantindo sua legitimidade e reconhecimento por parte do corpo docente. Os resultados discutidos indicaram dois fatores importantes na gestão da escola que têm influência estatisticamente significativa sobre os resultados dos alunos: a forma pela qual o diretor teve acesso ao seu cargo e o reconhecimento de sua liderança pelos professores de sua escola. Os dois fatores se relacionam tanto ao trabalho dos diretores na gestão escolar quanto às políticas de escolha desses diretores, sugerindo temas relevantes para posterior investigação e discussão. (Oliveira & Paes de Carvalho, 2018, p. 15).
Por sua vez, Oliveira et al. (2020) apresentam resultados de estudo no qual se pretendeu verificar se as variações no índice de colaboração docente guardam relação estatisticamente significativa com as variações no desempenho acadêmico dos estudantes de 5º ano, considerando as médias de proficiência em matemática alcançadas no Saeb. As autoras sinalizam que:
A análise dos resultados da regressão linear, tendo como variável dependente o resultado dos alunos do 5º ano nos testes de Matemática e como variável de controle o NSE médio da escola, mostrou que o Índice de Colaboração Docente criado (COLDOC) se associa positivamente com os resultados da escola. A partir desse resultado podemos inferir que a colaboração entre os professores favorece um clima institucional adequado para um trabalho pedagógico mais eficaz, o que, por sua vez, é propício para o bom desempenho dos alunos. Como os dados de regressão mostraram (os indicadores de R2), as variáveis utilizadas no modelo estimado foram responsáveis por explicar cerca de 25% da variação nos resultados de Matemática dos alunos do 5º ano na edição de 2017 da Prova Brasil. (Oliveira et al., 2020, p. 13).
Para avançar nas análises sobre a relação entre práticas de gestão, liderança escolar e resultados educacionais, propomos um segundo constructo, nomeado Índice de Confiança do Diretor (ICD). O ICD pode ser explicado, grosso modo, como uma medida da autoeficácia ou crença de autoeficácia do diretor na realização de atividades próprias da gestão escolar.
A eficácia ou a crença de autoeficácia é um conceito derivado da teoria social cognitiva (TSC), formulada de modo mais abrangente por Albert Bandura. Para o psicólogo canadense, a autoeficácia diz respeito à crença que as pessoas alimentam “a respeito de suas capacidades de produzir determinados níveis de desempenho que exercem influência sobre fatos que afetam suas vidas” (Bandura, 1994, p. 71).
De modo mais explícito, retomando os pressupostos de Bandura, outra definição que apoia a compreensão do conceito de autoeficácia/crença de autoeficácia é aquela formulada por Anna Edith Bellício da Costa. Para a autora, a autoeficácia se refere às crenças que temos sobre a nossa capacidade de organizar e executar ações exigidas para manejar uma ampla gama de situações desafiadoras, inclusive aquelas prospectivas, de maneira eficaz, ou seja, conseguindo alcançar os objetivos específicos propostos (Costa, 2003).
Afastando-se de perspectivas ingênuas que poderiam supor a existência de crença de autoeficácia nos sujeitos sem sustentação em sua experiência objetiva no campo social, a TSC pressupõe que tal processo é interativo e iterativo, de modo que a crença de autoeficácia dos sujeitos se desloca, dinamicamente, a partir da frequência e da qualidade das interações que se estabelecem no campo social. Efetivamente, para a TSC, a crença de autoeficácia se baseia em quatro tipos de fontes de informação: a) o desempenho realizado pelo próprio sujeito; b) a experiência vicária de observar o desempenho alheio; c) a persuasão verbal combinada com a influência de alguém que possua certas capacidades; e d) estados fisiológicos a partir dos quais, em parte, a pessoa julga sua capacidade, força e vulnerabilidade (Azzi et al., 2006; Bandura, 2007; Bandura et al., 2008).
Lastreados por essa compreensão, Tschannen-Moran e Gareis (2004) desenvolveram um instrumento para avaliar a crença de autoeficácia do diretor de escola e produziram um estudo quantitativo abrangendo uma amostra de 544 diretores de escolas de ensino fundamental e médio da Virgínia (EUA).
O instrumento investigou a crença de autoeficácia dos diretores considerando três domínios de atividades: a) capacidade de gerenciamento, relacionada às demandas diárias do diretor escolar referentes aos procedimentos e tarefas administrativas e à organização de seu trabalho como gestor; b) capacidade de gerenciamento de aspectos instrucionais, voltados para aprendizagem e desempenho discente, ou seja, tarefas pedagógicas; e c) liderança moral, relacionada à capacidade de promover apoio aos docentes e demais funcionários, por meio de estimulação intelectual, articulando e estabelecendo altas expectativas de desempenho.
A relação entre crença de autoeficácia e capacidade de liderança tem se mostrado consistente em diferentes estudos nacionais e internacionais (McCormick et al., 2001; Leong & Fischer, 2011). Inspirados pelo instrumento desenvolvido por Tschannen-Moran e Gareis (2004), alguns pesquisadores brasileiros têm conduzido investigações semelhantes (Azzi et al., 2010; Guerreiro-Casanova et al., 2014).
Foi a partir dessa perspectiva epistemológica que mobilizamos a construção de um indicador sintético, o já mencionado ICD, para avaliar a crença de autoeficácia.
O procedimento para a construção do ICD também parte dos microdados do Saeb, mas, dessa vez, utilizando as respostas do diretor aos questionários associados à Prova Brasil. Os detalhes desse procedimento serão descritos na seção seguinte.
O ILD e o ICD foram mobilizados, com o Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica (Inse), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),2 para a aplicação de um modelo de regressão múltipla, utilizando dados disponíveis sobre as respostas coletadas nos questionários de professores e diretores associados à Prova Brasil, relativos a seis redes públicas estaduais: Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte. A escolha da amostra se justifica em função da composição de um estudo mais abrangente, coordenado pelos autores deste artigo, intitulado “Práticas de gestão, liderança e qualidade em escolas do ensino médio”, que vem sendo desenvolvido em redes estaduais que aderiram ao programa Jovem de Futuro, desenvolvido pelo Instituto Unibanco, e que tem como objetivo apoiar redes públicas de ensino no desenvolvimento de projetos de gestão escolar ancorados nos princípios do desenvolvimento integral e da promoção de equidade educacional. Pretendeu-se com a aplicação do referido modelo identificar as relações existentes entre a proficiência média dos alunos na escola (língua portuguesa e matemática) e o índice de liderança (ILD), controladas pelo ICD e pelo indicador de nível socioeconômico dos alunos (Inse). Para tanto, utilizou-se o nível de proficiência médio das escolas como variável resposta e o ILD, o ICD e o Inse como variáveis explicativas. Foram geradas regressões considerando as proficiências em matemática e língua portuguesa para o 5º ano e o 9º ano do ensino fundamental e para a 3ª e 4ª série do ensino médio da edição de 2019 da Prova Brasil.
METODOLOGIA
Construção do Índice de Liderança do Diretor (ILD)
O Índice de Liderança do Diretor que assumimos neste estudo parte de insumos disponíveis nos trabalhos de Oliveira e Waldhelm (2016) e Oliveira e Paes de Carvalho (2018). Trabalhamos com um modelo de Análise de Componentes Principais (ACP), que consiste em uma técnica estatística multivariada utilizada para analisar inter-relações em um conjunto selecionado de variáveis e explicar cada uma das variáveis do referido conjunto em termos de suas dimensões inerentes (componentes) com a menor perda de informação possível. Uma vez identificados os componentes principais, cabe ao pesquisador verificar se eles são coerentes e consistentes com a natureza dos fenômenos ou processos estudados considerando a literatura no campo. Essa técnica é frequentemente utilizada na resolução de problemas envolvendo muitas variáveis, em que se deseja a redução do número de variáveis, com a finalidade de facilitar o entendimento analítico dos dados.
A seleção de itens do questionário da Prova Brasil para a determinação do ILD
Como sinalizamos anteriormente, a avaliação do constructo “liderança escolar” para a determinação do ILD se organizou a partir da identificação da percepção dos professores de uma dada escola sobre as características do diretor, sobre seu trabalho cotidiano (suas práticas de gestão) e sobre os resultados alcançados pela escola. Para capturar os dados de percepção dos professores, a metodologia do ILD estabelece um recorte específico dos itens presentes nos questionários associados à Prova Brasil respondidos pelos professores. No estudo mais recente, desenvolvido com o índice por Oliveira et al. (2020), o conjunto de itens do questionário selecionados para a determinação do ILD estava mantido no questionário desde 2013 e pode ser visto na Tabela 2:
Itens selecionados para determinação do ILD | 2019 | 2017 | 2015 | 2013 |
---|---|---|---|---|
O(A) diretor(a) me anima e me motiva para o trabalho | Q86 | Q64 | Q64 | Q64 |
Tenho confiança no(a) diretor(a) como profissional | Q87 | Q67 | Q67 | Q67 |
O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com a aprendizagem dos alunos | Q84 | Q61 | Q61 | Q61 |
O(A) diretor(a) estimula as atividades inovadoras | -- | Q65 | Q65 | Q65 |
Sinto-me respeitado(a) pelo(a) diretor(a) | -- | Q66 | Q66 | Q66 |
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados do Saeb 2013-2019 (Inep, 2013, 2015, 2017, 2019).
Os dois últimos itens não puderam ser incluídos na determinação do ILD para o ano de 2019, uma vez que o questionário apresentado aos professores não contemplou essas duas sentenças.
Para a investigação que resultou nesta publicação, produzimos o ILD considerando os estados que compuseram a amostra (Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte) com base na proposta de Oliveira et al. (2020), mas decidimos incluir outros três itens não tratados nos estudos anteriores. Tal decisão foi precedida por uma revisão da literatura sobre: (1) o papel dos diretores escolares na materialização de um compromisso das equipes escolares com a realização de metas educacionais (Everard et al., 2004; Earley, 2002; Jacobson, 2011); (2) a capacidade dos gestores de promoverem a construção de uma lógica de corresponsabilização pela qualidade da oferta educativa (Harris, 2003; Woods, 2005; Jacobson, 2011; Leithwood & Jantzi, 2005); e (3) a importância do exercício da liderança educativa nas relações interinstitucionais da escola com os outros níveis da gestão do sistema de ensino e na implementação da política educacional, expressa em normas administrativas e pedagógicas dos sistemas de ensino (Bush & Coleman, 2000; Bush, 2003; Bush & Middlewood, 2005).
Assim, o conjunto de itens dos questionários do professor associados à Prova Brasil que mobilizaremos em nossa investigação para a determinação do ILD é apresentado na Tabela 3:
Itens selecionados para a determinação do ILD | 2019 | 2017 | 2015 | 2013 |
---|---|---|---|---|
O(A) diretor(a) discute metas educacionais com os professores nas reuniões | Q81 | Q58 | Q58 | Q58 |
O(A) diretor(a) e os professores procuram assegurar que as questões de qualidade de ensino sejam uma responsabilidade coletiva | Q82 | Q59 | Q59 | Q59 |
O(A) diretor(a) me anima e me motiva para o trabalho | Q86 | Q64 | Q64 | Q64 |
Tenho confiança no(a) diretor(a) como profissional | Q87 | Q67 | Q67 | Q67 |
O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com a aprendizagem dos alunos | Q84 | Q61 | Q61 | Q61 |
O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com as normas administrativas | Q85 | Q62 | Q62 | Q62 |
Fonte: Elaboração dos autores com base em dados do Saeb 2013-2019 (Inep, 2013, 2015, 2017, 2019).
Mesmo que tenhamos identificado aspectos importantes na literatura que sinalizavam que a inclusão desses três novos itens na metodologia para a determinação do ILD parecia ser razoável e consistente, submetemos essa hipótese à Análise de Componentes Principais, de modo a identificar se tais itens mantinham um comportamento de consistência e atração semelhante ao dos demais, bem como ao do conjunto dos itens.
A técnica de Análise de Componentes Principais foi aplicada a vários conjuntos de dados, pois os professores e suas respostas aos itens selecionados foram separados por etapa (5º ano do ensino fundamental, 9º ano do ensino fundamental e 3ª e 4ª série do ensino médio) e por edição da Prova Brasil (2013, 2015, 2017, 2019).
Os dados evidenciam forte consistência no índice, alcançando valores superiores a 0,8 no teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e alta capacidade de explicação da variância total (valores próximos a 65% para as amostras de 2013, 2015 e 2017 e valores próximos a 71% para as amostras de 2019) pelo componente principal de cada uma das aplicações da ACP.
Importa assinalar que, ainda que não esgotem as dimensões3 apontadas pela literatura sobre liderança escolar, os itens propostos são capazes de avaliar aspectos relacionados, especialmente, às dimensões Desenvolver Pessoas e Fazer a Gestão Pedagógica, de Leithwood et al. (2010). Tais dimensões têm sido estudadas em diferentes contextos.
Adicionalmente, também os valores obtidos para o coeficiente alfa de Cronbach corroboram a consistência interna do ILD, alcançando, para todas as edições tratadas e para todos os subconjuntos de respondentes, valores superiores a 0,8, como se pode observar na Tabela 4.
Respostas do professor ao questionário (ILD) - Variáveis |
Cargas - Coeficientes de correlação entre as variáveis e o componente principal |
|||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
5º ano - EF | 9º ano - EF | 3ª e 4ª série - EM | ||||||||
2013 | 2015 | 2017 | 2019 | 2013 | 2015 | 2017 | 2019 | 2017 | 2019 | |
O(A) diretor(a) discute metas educacionais com os professores nas reuniões | 0,797 | 0,794 | 0,783 | 0,839 | 0,805 | 0,799 | 0,791 | 0,839 | 0,807 | 0,844 |
O(A) diretor(a) e os professores procuram assegurar que as questões de qualidade de ensino sejam uma responsabilidade coletiva | 0,801 | 0,800 | 0,795 | 0,829 | 0,811 | 0,804 | 0,805 | 0,821 | 0,818 | 0,826 |
O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com a aprendizagem dos alunos | 0,871 | 0,867 | 0,866 | 0,893 | 0,880 | 0,873 | 0,873 | 0,891 | 0,882 | 0,894 |
O(A) diretor(a) dá atenção especial a aspectos relacionados com as normas administrativas | 0,755 | 0,759 | 0,765 | 0,806 | 0,770 | 0,767 | 0,776 | 0,804 | 0,786 | 0,806 |
o(A) diretor(a) me anima e me motiva para o trabalho | 0,829 | 0,830 | 0,830 | 0,866 | 0,823 | 0,827 | 0,826 | 0,849 | 0,834 | 0,851 |
Tenho confiança no(a) diretor(a) como profissional | 0,773 | 0,775 | 0,772 | 0,866 | 0,754 | 0,759 | 0,759 | 0,854 | 0,764 | 0,849 |
% da variância total que é explicada pelo Componente Principal | 64,80% | 64,80% | 64,40% | 72,30% | 65,30% | 65,00% | 64,90% | 71,20% | 66,60% | 71,50% |
KMO (para a verificação da consistência geral dos dados) | 0,890 | 0,887 | 0,886 | 0,906 | 0,891 | 0,888 | 0,886 | 0,907 | 0,892 | 0,906 |
Coeficiente alfa de Cronbach (para a verificação da consistência interna do ILD) | 0,890 | 0,890 | 0,888 | 0,922 | 0,892 | 0,891 | 0,891 | 0,918 | 0,898 | 0,919 |
Número de observações | 103.064 | 139.626 | 117.446 | 85.252 | 115.032 | 118.541 | 130.793 | 82.280 | 91.580 | 50.902 |
Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Saeb 2013-2019 (Inep, 2013, 2015, 2017, 2019).
Nota: Os professores que responderam ao questionário e contribuíram para gerar o ILD pertencem a escolas públicas das seguintes redes estaduais: CE, ES, GO, MG, PI e RN.
Vale registrar que os itens do questionário da Prova Brasil utilizados para compor o ILD sofreram algumas alterações no período que abrange as aplicações neste estudo (2011 a 2019). Além de mudarem sua posição no questionário (o que parece não incidir drasticamente sobre os resultados), houve uma variação na forma de resposta do professor. Todas as vezes em que o questionário foi aplicado, optou-se por coletar a resposta do professor na forma de uma escala de quatro pontos. Contudo, na edição de 2011, essa escala era relativa à percepção do professor sobre a frequência com que dada ação de gestão era praticada na escola pelo diretor. Nas edições de 2013, 2015 e 2017, a escala de respostas foi apresentada no modelo clássico de Likert, com quatro patamares de concordância diante da afirmação de que tal ação de gestão é praticada na escola (discordo totalmente a concordo totalmente). Em 2019, o questionário voltou a trazer as respostas no modo de frequência utilizado em 2011.
Nesse sentido, convém explicitar também que, como houve alterações relevantes em alguns itens do questionário da Prova Brasil, demonstrar a diferença em cada ano, por critérios associados à aplicação da ACP (KMO) e ao instrumento de coleta (coeficiente alfa de Cronbach), é fundamental, do ponto de vista metodológico, para reforçar a robustez da regressão a ser aplicada aos dados de 2019.
A análise que empreendemos não revela indícios de alterações significativas nos padrões de resposta verificados nas diferentes redes de ensino quando comparamos os dados de 2013, 2015 e 2017 (padrão de respostas em grau de concordância) com os dados de 2019 (padrão de respostas em grau de frequência). Todavia, é relevante apresentar tal restrição comparativa, de forma que ela possa ser estudada a posteriori, em outras pesquisas.
Construção do Índice de Confiança do Diretor (ICD)
De modo semelhante ao que acontece com o ILD, a determinação do ICD também utiliza um procedimento de Análise de Componentes Principais. Porém, neste caso, trabalha-se com itens que possam, juntos, permitir uma avaliação da crença de autoeficácia do diretor de escola a partir de suas percepções sobre a capacidade de realizar ações de gestão. Foram selecionados os itens que compõem a questão 9 do questionário do diretor, cujo enunciado é “quanto você se sente preparado(a) para realizar as seguintes atividades?” e na qual são apresentadas 12 ações de gestão escolar. A seleção dos itens circunscreveu-se ao ano de 2019, pois somente nesse ano foram incluídos no questionário do diretor da Prova Brasil.
Para testar a atratividade mútua, como proxy4 da consistência interna do índice, realizamos o cálculo do coeficiente alfa de Cronbach, encontrando valor superior a 0,8. Efetuamos os cálculos considerando todas as escolas públicas e depois considerando apenas as escolas públicas estaduais. Os resultados são apresentados na Tabela 5, a seguir:
Respostas do diretor ao questionário (ICD) | Cargas - Coeficientes de correlação entre as variáveis/itens e o componente principal |
|
---|---|---|
Quanto você se sente preparado(a) para realizar as seguintes atividades? | Escolas públicas - Dados de 2019 | |
Todas | Estaduais | |
Resolver as demandas dos familiares dos(as) alunos(as) | 0,709 | 0,666 |
Mobilizar a comunidade para auxiliar a escola | 0,711 | 0,667 |
Garantir a manutenção da escola | 0,701 | 0,668 |
Administrar conflitos | 0,688 | 0,711 |
Manter os(as) professores(as) motivados(as) | 0,700 | 0,713 |
Coordenar a implantação do PPP | 0,714 | 0,718 |
Atender as demandas administrativas da rede escolar | 0,794 | 0,745 |
Realizar a autoavaliação institucional | 0,783 | 0,745 |
Avaliar o desempenho dos(as) professores(as) | 0,701 | 0,752 |
Atender as demandas administrativas da escola | 0,801 | 0,757 |
Melhorar os processos pedagógicos da sua escola | 0,764 | 0,759 |
Liderar a equipe da escola | 0,744 | 0,766 |
% variância total explicada | 62,10% | 52,50% |
KMO (para a verificação da consistência geral dos dados) | 0,846 | 0,816 |
Número de observações | 65.739 | 24.699 |
Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Saeb 2019 (Inep, 2019).
Nota: Os diretores que responderam ao questionário e contribuíram para gerar o ICD pertencem a escolas públicas das seguintes redes estaduais: CE, ES, GO, MG, PI e RN.
Considerações sobre a amostra de professores e escolas deste estudo
O trabalho estatístico para a determinação do ILD, neste estudo, foi feito de forma separada, agrupando: a) as respostas de professores do 5º ano do ensino fundamental; b) as respostas de professores do 9º ano do ensino fundamental; e c) as respostas dos professores da 3ª e 4ª série do ensino médio. Do ponto de vista da filiação administrativa das escolas, fizeram parte da amostra escolas de seis redes estaduais: Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte.
Importa sublinhar que, para as escolas que ofertam ensino médio, os cálculos foram feitos apenas com os dados das edições de 2017 e 2019 do Saeb, que seguiram uma lógica censitária da coleta, ou seja, realizaram um tipo de levantamento que obteve informações de todos os participantes das referidas edições do exame, enquanto as outras edições do sistema empregaram uma metodologia amostral. Também para essa etapa de ensino as informações dos professores para a 3ª e 4ª série do ensino médio foram analisadas conjuntamente, por força de serem apresentadas de modo agregado nas bases do Inep e por não encontrarmos, empiricamente, distinção entre os professores de língua portuguesa e matemática que respondem ao questionário quando se incluem os estudantes e matrículas da 4ª série do ensino médio.
Convém mencionar, também, que o número de questionários respondidos e agregados na base de dados do Inep variou nas quatro aplicações do Saeb que utilizamos para este estudo (2013, 2015, 2017 e 2019). Particularmente, localiza-se uma variação importante na quantidade de respondentes quando comparamos o ano de 2019 aos anos anteriores. Uma hipótese para essa variação mais substantiva pode ser o fato de que até o ano de 2017 os professores respondiam aos questionários em papel e, posteriormente, suas respostas eram digitadas e inseridas nos bancos de dados do Inep. A partir de 2019, a resposta ao questionário se deu de forma eletrônica. A última linha da Tabela 4 apresenta o número total de respondentes para cada etapa e edição do Saeb, considerando o agrupamento de todas as escolas (municipais, estaduais, federais e privadas) que compõem a amostra.
Finalmente, outra consideração se faz importante: a amostra de professores respondentes no 5° ano do ensino fundamental tende a ser mais representativa do total de professores daquele segmento por se tratar de professores com a mesma formação de base (cursos normais de nível médio e/ou cursos de pedagogia) e porque esses professores tendem a construir um vínculo mais forte com as suas escolas (ministram aulas todos os dias da semana, em horário pleno, numa única escola).
No caso dos professores de língua portuguesa e matemática do 9° ano do ensino fundamental e da 3ª e 4ª série do ensino médio, a hipótese de que sua relação com a gestão escolar seja representativa da relação que todos os demais professores estabelecem parece um pouco menos consistente, especialmente levando em consideração a quantidade de aulas ministradas por semana em cada turma e a alocação do tempo do professor numa única unidade escolar.
Além disso, até 2017, a aplicação dos questionários era realizada no mesmo dia da aplicação da Prova Brasil. A depender do dia da semana em que a prova era aplicada, havia a chance de excluir ou incluir um número maior ou menor de professores de língua portuguesa e matemática de uma mesma escola, e tal distribuição pode afetar a composição da amostra com a qual trabalhamos.
A média do número de professores respondentes por escola no 5° ano do ensino fundamental variou de 4 a 7. No caso dos anos finais do ensino fundamental, a variação foi de 2 a 5 e, no ensino médio, a média de respondentes foi de 2 a 3 professores.
Finalmente, importa lembrar que um número considerável de escolas brasileiras (61%)5 agrupa o atendimento dos estudantes dos anos finais do ensino fundamental ao atendimento dos estudantes do ensino médio. Assim, para sermos rigorosos no tratamento dos dados aqui sistematizados, falaremos em escolas que ofertam o ensino médio (que podem ser escolas exclusivas de ensino médio ou escolas que ofertam o ensino médio e os anos finais do ensino fundamental).
Entretanto, apesar de ser importante levar em conta esses aspectos específicos das amostras do 9° ano e da 3ª e 4ª série do ensino médio, os padrões de consistência do conjunto de itens que selecionamos para o tratamento do ILD se mantiveram semelhantes quando comparados àqueles encontrados para o 5° ano do ensino fundamental, o que nos permite considerar válidos os resultados encontrados também para essas duas populações.
MODELO DE REGRESSÃO, RESULTADOS E ANÁLISE
Médias dos índices de liderança e de confiança do diretor e de Nível Socioeconômico (NSE) nas redes
Tendo sido verificadas a consistência e a dimensionalidade do Índice de Liderança do Diretor e do Índice de Confiança do Diretor, procedemos ao cálculo dos valores médios de referência dos índices para cada uma das seis redes públicas estaduais consideradas neste estudo. No caso do ILD, levando em conta que os professores respondentes são segregados de acordo com o ano/série em que atuam. No caso do ICD e do Inse, o cálculo foi feito por unidade escolar. Os valores médios dos índices são apresentados na Tabela 6, a seguir:
Valores médios dos índices - Dados de 2019 | |||||
---|---|---|---|---|---|
Estado | ILD | ICD | Inse | ||
Ano/série em que os professores atuam na escola | Escola em que o diretor atua | Dos alunos da escola | |||
5º EF | 9º EF | 3ª e 4ª EM | |||
Ceará | 0,016 | -0,021 | 0,365 | 0,072 | 4,16 |
Espírito Santo | 0,102 | 0,126 | 0,151 | 0,157 | 4,86 |
Goiás | 0,177 | 0,343 | 0,364 | 0,071 | 4,95 |
Minas Gerais | 0,105 | 0,184 | 0,202 | -0,049 | 4,86 |
Piauí | -0,082 | -0,160 | -0,193 | -0,151 | 4,09 |
Rio Grande do Norte | -0,172 | -0,194 | -0,108 | -0,248 | 4,42 |
Total | 0,055 | 0,088 | 0,200 | -0,016 | 4,60 |
Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Saeb 2019 (Inep, 2019).
Nota: Os respondentes (professores, diretores e alunos) que contribuíram para a geração dos índices e respectivos valores médios pertencem a escolas públicas das seguintes redes estaduais: CE, ES, GO, MG, PI e RN.
Resultados da aplicação do modelo de regressão para os seis estados
Consolidados os índices de interesse, realizou-se a regressão linear múltipla considerando as proficiências obtidas pelo Saeb 2019 como variáveis resposta e, como variáveis explicativas, o Índice de Liderança do Diretor, o Índice de Confiança do Diretor e o Indicador de Nível Socioeconômico.
Os valores obtidos com as aplicações do modelo de regressão apontam a existência de associação entre variáveis, considerando os valores p,6 em todos os casos, como mostra a Tabela 7:
Resultados da regressão - Dados de 2019 | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Etapa | Variáveis | Matemática | Língua portuguesa | ||||
Coeficiente | Erro padrão | P valor | Coeficiente | Erro padrão | P valor | ||
3ª e 4ª série do ensino médio | Constante | 179,777 | 3,149 | 0,000 | 190,638 | 2,824 | 0,000 |
Inse | 21,124 | 0,685 | 0,000 | 18,757 | 0,614 | 0,000 | |
ICD | 1,015 | 0,350 | 0,004 | 1,167 | 0,314 | 0,000 | |
ILD | 2,775 | 0,473 | 0,000 | 2,437 | 0,425 | 0,000 | |
R2 | 0,246 | 0,244 | |||||
9º ano do ensino fundamental |
Constante | 136,802 | 3,396 | 0,000 | 146,322 | 3,185 | 0,000 |
Inse | 25,493 | 0,709 | 0,000 | 22,847 | 0,665 | 0,000 | |
ICD | 0,099 | 0,292 | 0,735 | 0,489 | 0,273 | 0,074 | |
ILD | 2,247 | 0,388 | 0,000 | 1,589 | 0,364 | 0,000 | |
R2 | 0,300 | 0,280 | |||||
5º ano do ensino fundamental |
Constante | 86,875 | 4,618 | 0,000 | 76,775 | 4,422 | 0,000 |
Inse | 28,853 | 0,950 | 0,000 | 28,582 | 0,910 | 0,000 | |
ICD | -0,101 | 0,415 | 0,807 | -0,115 | 0,397 | 0,772 | |
ILD | 2,131 | 0,498 | 0,000 | 1,848 | 0,477 | 0,000 | |
R2 | 0,341 | 0,354 |
Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do Saeb 2019 (Inep, 2019).
Nota: Os professores, diretores e alunos que contribuíram com suas respostas para a geração das variáveis utilizadas nas aplicações do modelo de regressão pertencem a escolas públicas das seguintes redes estaduais: CE, ES, GO, MG, PI e RN.
Como esperado, os resultados das aplicações do modelo de regressão são convergentes com a literatura consolidada no campo e revelam que o fator mais importante associado às variações na proficiência dos alunos em língua portuguesa e em matemática é o indicador de nível socioeconômico dos alunos (Rutter et al., 2008). Em menor grau do que o nível socioeconômico dos alunos, o reconhecimento da liderança do diretor pelos professores (ILD) também está associado positivamente ao desempenho dos estudantes, ao final do 5º ano, do 9º ano ou da 3ª e 4ª série do ensino médio. Escolas em que há maior reconhecimento da liderança do diretor pelo professor, ou seja, escolas com maiores valores do ILD, tendem a apresentar melhores médias de proficiência, independentemente do nível socioeconômico dos alunos. Esses achados corroboram o que apontaram Day e Sammons (2013) ao proporem uma revisão de literatura sintetizando os resultados de pesquisas sobre o tema. Citando grandes levantamentos de pesquisas realizados nos Estados Unidos e na Europa, os autores consideram que “todos promoveram consideráveis evidências empíricas de que a qualidade da liderança escolar pode ser um fator determinante na explicação da variação dos resultados dos alunos entre as escolas” (Day & Sammons, 2013, p. 3, tradução nossa).
Em nosso estudo, a confiança do diretor em sua habilidade de liderar (autoeficácia ou crença de autoeficácia) também está associada ao desempenho nas provas, porém em menor grau do que o reconhecimento dessa liderança pelos professores da escola. Essa conclusão pode ser explicada se considerarmos que a autoeficácia medida aqui no ICD não teria um efeito direto nos resultados escolares, mas um efeito em outras variáveis que se associam mais significativamente às variáveis dependentes do modelo. O estudo de Guerreiro-Casanova e Russo (2016) revelou evidência de que as variáveis quantidade de alunos por turma, formação, concordância com o Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (Idesp) e satisfação com o trabalho docente estão significativamente associadas à autoeficácia dos gestores. Lima (2019) também encontrou relações estatisticamente significativas entre o índice de autoeficácia utilizado e variáveis que mensuravam práticas dos diretores escolares percebidas pelos professores - por exemplo: assistir às aulas (ou parte delas) e elaborar relatórios e mapas de notas.
É importante destacar que os valores do R2,7 que aponta o quanto é possível explicar a nota média da escola a partir do nível socioeconômico dos alunos, do ILD e do ICD são relativamente baixos, o que indica que o modelo não é adequado para se realizarem previsões sobre o desempenho dos alunos nas provas apenas por essas três variáveis. Mas uma análise dos valores dessa estatística nas três etapas de ensino analisadas mostra que a capacidade de explicação do modelo decresce conforme muda o nível de ensino: são mais altos no 5º ano do ensino fundamental, caem no 9º ano e atingem menor valor no ensino médio (cf. Tabela 7), o que indica que, ao se avançar no sistema, aumenta o poder dos fatores escolares para explicar a variação no desempenho dos alunos entre as escolas.
O ICD nas três etapas de ensino analisadas apresentou resultado médio negativo (-0,016) (cf. Tabela 6). Porém, novamente, comparando os valores mínimo e máximo dos indicadores obtidos no modelo de regressão, a tendência é que a confiança do diretor seja mais alta onde o ILD e as notas dos estudantes também são mais altas e mais baixa onde os resultados são menos expressivos, o que confirma a possibilidade de haver relação entre os indicadores. Nesse sentido, podemos inferir, a partir desse resultado e com apoio na literatura, que o ICD tem um efeito indireto sobre os resultados escolares, atuando especialmente sobre práticas de liderança que seriam eficazes. Lima (2019, p. 139) apontou na mesma direção ao concluir seu estudo sobre a relação entre a autoeficácia dos diretores e o uso de dados educacionais: “a autoeficácia do gestor deva ser positivamente associada à promoção de ações no âmbito da escola que busquem promover alterações voltadas para elevar o desempenho discente nas avaliações em larga escala”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados que compuseram o corpus desta pesquisa permite concluir que as regressões realizadas corroboram o que afirma a literatura sobre liderança escolar (Day & Sammons, 2013) no que se refere às variações no desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática - que guarda estreita relação com o indicador de nível socioeconômico dos alunos. Da mesma forma, foi possível depreender que, na amostra estudada, a liderança do diretor (percebida pelos professores) estabelece associação positiva e estatisticamente significativa com o desempenho dos estudantes em língua portuguesa e matemática, para todas as etapas escolares analisadas. Esses resultados confirmam o achado de Oliveira e Paes de Carvalho (2018) em estudo realizado para todas as escolas públicas brasileiras em edições anteriores do Saeb.
Nessa perspectiva, considerando as atualizações nos instrumentos que apontamos neste artigo, recomendamos que tais relações sejam verificadas nas outras redes estaduais do país, não apenas para constituir generalização, mas para aportar políticas voltadas para a gestão escolar.
Em relação ao ICD, destacamos a relevância da testagem do indicador, levando em conta a recente inclusão dos itens que foram utilizados nesta pesquisa no questionário contextual do Saeb. Os resultados apontaram para uma associação estatisticamente significativa entre esse indicador e os resultados escolares apenas nos modelos estimados para o ensino médio. Uma explicação plausível para esse resultado é a possível correlação entre esse indicador e outras variáveis escolares, como discutido acima. Considerando que, conforme Bandura (1994), a crença da autoeficácia enfatiza a avaliação daquilo que os sujeitos acreditam ser capazes de fazer com as capacidades e competências que possuem, entendemos que o conceito é fundamental para analisar práticas de liderança escolar que sejam promotoras de maior equidade na distribuição das aprendizagens. Recomendamos, assim, que futuros estudos aprofundem essa relação.
Ainda, destacamos que a composição do ILD levou em consideração aspectos das práticas do diretor que poderiam estar associados a diferentes perfis de liderança. Essa composição do indicador, ainda que limitada pela possibilidade de um questionário já elaborado, considerou o que apontaram Day e Sammons (2013) ao ressaltarem a combinação da liderança transformacional e da liderança instrucional nos estudos sobre o tema:
Uma combinação de estratégias pode ser mais benéfica para garantir o sucesso escolar, e a maioria dos efeitos de liderança opera indiretamente para promover os resultados dos alunos, apoiando e melhorando as condições de ensino e aprendizagem por meio de impactos diretos sobre os professores e seu trabalho. (Day & Sammons, 2013, p. 2, tradução nossa).
Uma vez que o presente estudo demonstrou que parece haver importante associação entre a capacidade do diretor escolar em desenvolver pessoas e em colocar em prática os processos de gestão pedagógica (aspectos avaliados pelo ILD), se o que está em jogo é a melhoria da qualidade do trabalho escolar, abre-se um caminho profícuo para que futuras pesquisas se debrucem sobre as práticas de liderança do diretor de escola nas diferentes fases/etapas da educação básica.