INTRODUÇÃO
O surgimento da pandemia de covid-19 impactou muito, e de forma disruptiva, as dinâmicas de várias instituições e organizações, com implicações para a economia, a política, a educação, a sociabilidade e a rotina das pessoas na maioria dos países do mundo (McKibbin & Fernando, 2020; Roth, 2021; Anholon et al., 2021).
As instituições de ensino superior (IES) também foram afetadas. Segundo Marinoni et al. (2020), até o início de maio de 2020, observou-se que escolas e IES permaneciam fechadas em 177 países, atingindo mais de 1,2 bilhão de alunos. De fato, as IES foram obrigadas a implementar uma série de medidas em resposta a essa nova realidade. Isso envolveu principalmente a interrupção das atividades presenciais e a adoção de estratégias de ensino remoto por meio do ensino on-line, ou e-learning (Comisión Económica para América Latina y el Caribe [Cepal], 2020; Toader et al., 2021; United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [Unesco], 2020a, 2020b).
Segundo o relatório da Unesco (2021), após um ano de pandemia, estão surgindo três grandes agendas para a educação: i. discussões sobre a reabertura das escolas e o apoio necessário a esse processo; ii. mitigação dos problemas oriundos das adaptações emergenciais de ensino e aprendizado; e iii. aceleração das chamadas “transformações digitais” no ensino básico e superior.
Em vista disso, pode-se dizer que a adoção do ensino remoto trouxe uma série de impactos sobre os processos de ensino e aprendizado, acelerando, também, tendências à adoção de tecnologias digitais no ensino superior, inclusive para um eventual cenário pós-pandemia (Benavides et al., 2020; Toader et al., 2021; Ali, 2020; Alzahrani et al., 2021).
Diante dessa conjuntura, é necessário compreender como se deu a adoção do ensino remoto nos vários contextos em que ele foi implementado, um processo que tem colocado desafios à gestão das IES, aos educadores e aos alunos, em grande medida devido à sua natureza disruptiva. Com relação a isso, o estudo de Affouneh et al. (2021) destaca um aspecto crítico: a transição das atividades presenciais para o ensino remoto teve efeitos estressantes e avassaladores sobre alunos e docentes. Seguiu-se a isso uma fase de adaptação, embora tenha persistido um sentimento de insatisfação.
Assim, essa discussão gerou numerosos debates, principalmente com relação às dificuldades e desigualdades observadas nas dinâmicas de ensino e aprendizado. A literatura tem destacado algumas dessas questões, incluindo as seguintes: problemas psicológicos, como stress e aumento da carga de trabalho; desafios pedagógicos (a relação ensino-aprendizado) oriundos do uso das ferramentas digitais de ensino a distância; e questões estruturais das IES que afetam tanto docentes quanto alunos, especialmente no acesso aos recursos tecnológicos necessários aos estudantes (Ali, 2020; Appolloni et al., 2021; Cabero-Almenara & Llorente-Cejudo, 2020; Paudel, 2021; Watermeyer et al., 2020; Yang, 2020; Zawacki-Richter, 2021; Salcedo-Lagos et al., 2021).
Um relatório intitulado “The impact of Covid-19 on higher education: A review of emerging evidence”, da Comissão Europeia (Farnell et al., 2021), apontou que a adoção emergencial do ensino remoto para a maioria dos alunos resultou em uma maior carga de trabalho e na sensação de que o aprendizado foi, em alguma medida, prejudicado no novo contexto. Alguns alunos relataram aumento de sentimentos de ansiedade, frustração e raiva, entre outros. O relatório também identifica questões relacionadas aos desafios na adaptação a novas ferramentas e a dificuldade que alguns alunos enfrentam para acessar os aparatos e recursos necessários ao ensino on-line. Do ponto de vista do impacto social, o relatório enfatiza os desafios enfrentados pelas IES para garantir igualdade de acesso, oferecer treinamento adequado e criar um ambiente inclusivo à diversidade.
No relatório analítico do Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe (International Institute for Higher Education in Latin America and the Caribbean [Iesalc], 2020), argumenta-se que um dos principais desafios para a adoção do ensino remoto foi a transição das atividades presenciais para o contexto do distanciamento social (durante o período em que os campi estavam fechados). Essa transição gerou um clima de incerteza para os alunos, com impactos imediatos em suas rotinas diárias, situações econômicas, continuidade de aprendizado e mobilidade internacional. Em outras palavras, a natureza disruptiva e a incerteza sobre as consequências de curto, médio e longo prazo da pandemia resultaram em questões psicológicas, desafios de aprendizado, dificuldades de acesso a recursos e infraestrutura, e perturbações nas rotinas e vidas dos alunos.
Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é analisar, de modo exploratório, os dados obtidos por meio de uma pesquisa aplicada a alunos brasileiros vinculados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre as dificuldades encontradas durante a transição das atividades presenciais para as do ensino remoto, no contexto da pandemia da covid-19. Submetemos as respostas de 1.776 alunos sobre 12 diferentes tipos de dificuldade a um procedimento de análise fatorial exploratória, a fim de compreender a estrutura dos dados e obter um modelo que explicasse a maior parte de sua variância.
Antes de apresentar a estrutura do artigo, é essencial oferecer uma breve descrição das características da Unicamp. A Unicamp é uma das universidades públicas do estado de São Paulo, fundada em 1966. Além de seu campus principal, localizado em Campinas, conta com outros dois campi, em Limeira e Piracicaba. Sendo uma autarquia, embora esteja subordinada ao Governo do Estado, dispõe de autonomia didática, científica, administrativa, financeira e de gestão de patrimônio. Seus recursos provêm principalmente de fontes públicas, especialmente do Tesouro do Estado de São Paulo, bem como de instituições de fomento nacionais e internacionais.
A Unicamp reúne 24 faculdades de ensino e pesquisa e 23 centros de pesquisa interdisciplinar. Essas entidades são responsáveis por oferecer cursos em nível de graduação e pós-graduação, bem como de extensão universitária, além de realizar projetos de pesquisa e, também, de extensão universitária. Além disso, a Unicamp possui dois colégios técnicos (um em Campinas e outro em Limeira) e administra um sofisticado complexo de saúde, com duas grandes unidades hospitalares no campus de Campinas. Atualmente, cerca de 50 mil pessoas trabalham e/ou estudam nos três campi. Apesar de ser uma instituição relativamente jovem, a Unicamp já estabeleceu uma sólida tradição de ensino, pesquisa e envolvimento com a sociedade. Ela responde por mais de 8% da pesquisa acadêmica no Brasil, 12% da pós-graduação nacional, e continua a ser a líder entre as universidades brasileiras em termos de patentes e em número de artigos per capita publicados em periódicos. A universidade conta, ainda, com aproximadamente 34 mil alunos matriculados em 64 cursos de graduação e em 153 programas de pós-graduação. Antes da pandemia, a instituição apresentava uma média de 2 mil teses e dissertações defendidas anualmente, e 99% de seus professores têm doutorado.
Em 2017, o Conselho Universitário aprovou novos métodos de admissão para expandir a inclusão social na Unicamp. Além do seu tradicional exame vestibular, a universidade incorporou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), particularmente para cotas étnico-raciais, e alocou vagas de vestibular para alunos indígenas e para estudantes que tivessem sido premiados em olimpíadas ou competições estudantis. Como resultado de tais medidas, de acordo com a Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (Comvest), em 2022, 42,1% dos alunos admitidos eram provenientes de escolas públicas, e 30% dos alunos matriculados se autoidentificavam como negros ou pardos.
Para alcançar o objetivo proposto neste artigo, ele se organiza em três seções, além desta introdução expandida e das considerações finais. A primeira seção apresenta os procedimentos metodológicos empregados na realização desta pesquisa. Em seguida, os resultados obtidos a partir da pesquisa com os alunos são apresentados e analisados, com vistas à identificação de outliers, por meio da distância de Mahalanobis, e depois são submetidos à análise fatorial exploratória. Por fim, a terceira seção visa a discutir os achados, o que é feito com base na revisão de literatura realizada.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Como destacado anteriormente, o principal objetivo deste estudo é compreender a estrutura dos dados coletados, uma vez que essa estrutura é mais relevante para este estudo do que a intensidade das dificuldades. Assim, realizamos os seguintes passos: primeiro, conduzimos uma pesquisa bibliográfica para estabelecer um referencial teórico (passo 1); em seguida, analisamos o Observatório Unicamp, um banco de dados público (passo 2); identificamos os outliers utilizando a distância de Mahalanobis (passo 3); desenvolvemos um modelo por meio da análise fatorial exploratória (AFE) (passo 4); depois, discutimos os resultados dentro do contexto da literatura existente sobre o tema (passo 5); e estabelecemos nossas conclu- sões (passo 6).
O referencial teórico obtido a partir da pesquisa bibliográfica foi apresentado na seção anterior. Os dados para análise foram coletados do Observatório Unicamp, mais especificamente do banco de dados contendo as percepções dos alunos sobre a transição das aulas presenciais para o ensino remoto. Após examinar seu conteúdo, selecionamos a questão 7, que foca as percepções dos alunos sobre suas dificuldades para se adaptar ao ensino remoto, a fim de que suas respostas fossem analisadas no estudo. No banco de dados original, essa questão possuía 14 itens, porém, como dois deles se concentravam em estágios, os quais nem todos os alunos realizavam ou precisavam realizar, nós os excluímos. Prosseguimos, então, com a análise dos 12 itens restantes, que elencamos a seguir:
D1 = Disponibilidade de equipamentos (computador, acesso a textos ou materiais de curso, etc.);
D2 = Disponibilidade de acesso à internet;
D3 = Espaço adequado para as atividades;
D4 = Domínio pessoal das tecnologias digitais;
D5 = Domínio das tecnologias digitais pelos professores;
D6 = Atividades e dinâmicas de aula;
D7 = Métodos de avaliação;
D8 = Acesso às plataformas remotas;
D9 = Interação com outros alunos;
D10 = Novo planejamento do(s) curso(s) e preparação de aulas;
D11 = Excesso de cursos;
D12 = Número de alunos na turma.
Os participantes que não responderam todos os 12 itens foram excluídos. As respostas foram registradas em uma escala de A1 (indicando pouca dificuldade) a A5 (indicando alto nível de dificuldade). Com relação aos níveis A6, A7 e A8, eles correspondiam a “Não sei”, “Prefiro não responder” e “Não aplicável”, respectivamente. Para a análise estatística, as respostas dos alunos foram codificadas como 1 para A1, 2 para A2, 3 para A3, 4 para A4 e 5 para A5. Respondentes com uma ou mais respostas A6, A7 e A8 foram removidos do conjunto de dados. Ao fim, um banco de dados com 1.776 respondentes foi utilizado para o passo seguinte, que envolvia a análise de outliers. Para realizá-la, aplicamos a distância de Mahalanobis, uma técnica que, segundo Tabachnick e Fidell (2013), considera a distância entre o centroide das médias das variáveis e cada caso. Para calculá-la, foi utilizada a distribuição χ 2. Após eliminar os outliers, conduzimos a AFE.
Nessa análise, consideramos as diretrizes propostas por Fávero et al. (2009), Hair et al. (2009) e Malhotra (2012), e realizamos os seguintes passos, utilizando o software SPSS. Escolhemos a análise por componentes principais como método de extração, e utilizamos a rotação ortogonal varimax. Para validar o modelo, consideramos os seguintes critérios: o índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) deveria ser maior do que 0,60; o teste de esfericidade de Bartlett deveria ter um nível de significância abaixo de 5%; os valores da medida de adequação amostral (MSA) deveriam ser maiores do que 0,50, assim como os valores de comunalidade das variáveis. No modelo gerado, apenas autovalores maiores que 1 foram considerados, e os primeiros componentes, cujos números fossem fixados, deveriam explicar, no mínimo, 60% da variância. Em seguida, na análise da matriz de componentes rotacionados, examinamos os fatores identificados com a estrutura da matriz e os nomeamos e interpretamos com base na literatura relacionada ao tema.
RESULTADOS
Identificação de outliers
Como mencionado anteriormente, após a remoção dos respondentes com respostas faltantes, obtivemos uma amostra restante com 1.776 alunos. Essa amostra foi utilizada para a eliminação dos outliers. Utilizando a distância de Mahalanobis, identificamos 18 outliers (com valores de probabilidade abaixo de 0,001) e depois removemos seus registros da amostra. Os valores da distância de Mahalanobis e suas respectivas probabilidades são apresentados na Tabela 1.
OUTLIER | DISTÂNCIA DE MAHALANOBIS | PROBABI- LIDADE | OUTLIER | DISTÂNCIA DE MAHALANOBIS | PROBABI- LIDADE | OUTLIER | DISTÂNCIA DE MAHALANOBIS | PROBABI- LIDADE |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 57,15733 | 0,00000 | 7 | 39,59441 | 0,00008 | 13 | 35,15256 | 0,00044 |
2 | 49,92569 | 0,00000 | 8 | 38,60835 | 0,00012 | 14 | 34,81155 | 0,0005 |
3 | 44,54228 | 0,00001 | 9 | 37,7349 | 0,00017 | 15 | 34,22627 | 0,00062 |
4 | 41,06821 | 0,00005 | 10 | 37,20664 | 0,00021 | 16 | 34,17008 | 0,00063 |
5 | 40,23521 | 0,00007 | 11 | 35,82014 | 0,00035 | 17 | 33,92088 | 0,00069 |
6 | 39,61068 | 0,00008 | 12 | 35,75161 | 0,00036 | 18 | 33,91926 | 0,00069 |
Fonte: Elaboração dos autores.
Análise fatorial exploratória (AFE)
Após remover os outliers, realizamos a análise fatorial exploratória (AFE) utilizando o software SPSS, seguindo as diretrizes descritas na seção “Procedimentos metodológicos”. Entretanto, a primeira aplicação da AFE não foi validada, devido ao fato de as variáveis D4, D5, D9 e D12 terem apresentado valores de comunalidade abaixo de 0,5. Consequentemente, essas variáveis foram excluídas do conjunto de entrada, e a AFE foi realizada novamente. Esta segunda tentativa foi validada, na medida em que todos os critérios foram satisfeitos, conforme apresentado abaixo.
O índice KMO apresentou um valor de 0,881, acima de 0,60, conforme indicado na literatura (Fávero et al., 2009). O teste de esfericidade de Bartlett demonstrou um índice de significância de 0,000, abaixo de 0,05, como enfatizado por Malhotra (2012). Todos os valores de MSA excederam 0,50, assim como os valores de comunalidade das variáveis, os quais ficaram acima de 0,5 (Hair et al., 2009). A análise do total de variância explicada encontra-se na Tabela 2, onde dois componentes apresentaram autovalores maiores do que 1 (Hair et al., 2009). Juntos, eles explicam 66,77% do total de variância (51,305% e 15,472%, respectivamente). Finalmente, a Tabela 3 mostra as variáveis alocadas a cada um dos dois componentes. Isso porque D6, D7, D10 e D11 apresentaram correlações elevadas com o primeiro componente, enquanto D1, D2, D3 e D8 apresentaram correlações elevadas com o segun- do componente.
COMPONENTE | TOTAL DE VARIÂNCIA EXPLICADA | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Autovalores iniciais | Somas de extração de cargas quadradas | Somas de rotação de cargas quadradas | |||||||
Total | % de variância | % cumulativo | Total | % de variância | % cumulativo | Total | % de variância | % cumulativo | |
1 | 4,104 | 51,305 | 51,305 | 4,104 | 51,305 | 51,305 | 2,809 | 35,112 | 35,112 |
2 | 1,238 | 15,472 | 66,777 | 1,238 | 15,472 | 66,777 | 2,533 | 31,665 | 66,777 |
3 | 0,569 | 7,114 | 73,891 | ||||||
4 | 0,535 | 6,682 | 80,573 | ||||||
5 | 0,410 | 5,125 | 85,698 | ||||||
6 | 0,401 | 5,015 | 90,713 | ||||||
7 | 0,378 | 4,725 | 95,438 | ||||||
8 | 0,365 | 4,562 | 100,000 |
Fonte: Elaboração dos autores.
VARIÁVEIS | COMPONENTES | |
---|---|---|
1 | 2 | |
D1 | 0,831 | |
D2 | 0,856 | |
D3 | 0,585 | |
D6 | 0,801 | |
D7 | 0,769 | |
D8 | 0,76 | |
D10 | 0,751 | |
D11 | 0,827 |
Fonte: Elaboração dos autores.
Ao considerar os dois fatores identificados na estrutura da matriz de componentes rotacionados, realizou-se uma análise para nomear esses fatores com base em suas variáveis. O fator 1 foi denominado “Planejamento de curso”, pois todas as suas variáveis relacionam-se com o estágio de planejamento: D6 (atividades e dinâmicas de aula), D7 (métodos de avaliação), D10 (novo planejamento de curso(s) e preparação de aula) e D11 (excesso de cursos). Já o fator 2 foi denominado “Infraestrutura”, devido às dificuldades associadas a esse aspecto: D1 (disponibilidade de equipamentos - computadores e acesso a textos ou materiais de curso), D2 (disponibilidade de acesso à internet), D3 (espaço adequado para as atividades) e D8 (acesso às plataformas remotas).
Após a análise dos resultados da AFE, é necessário apresentar a distribuição de frequência de cada variável. Conforme observado na Tabela 4, dentro do fator 2, a maioria das respostas indicam baixos níveis de dificuldade (níveis 1 e 2), enquanto no fator 1, embora as diferenças sejam menos intensas, podemos ver um maior número de respostas indicando níveis mais elevados de dificuldade (níveis 3, 4 e 5).
NÍVEIS | FATOR | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 - Planejamento de curso | 2 - Infraestrutura | |||||||
D6 | D7 | D10 | D11 | D1 | D2 | D3 | D8 | |
1 | 12,7% | 16,4% | 13,4% | 51,5% | 50,9% | 29,6% | 48,7% | |
2 | 15,9% | 17,6% | 11,6% | 18,9% | 21,7% | 18,3% | 25,5% | |
3 | 28,0% | 27,3% | 20,0% | 14,8% | 15,1% | 19,6% | 16,7% | |
4 | 23,7% | 19,5% | 19,3% | 9,0% | 8,0% | 14,5% | 6,3% | |
5 | 19,6% | 19,2% | 35,7% | 5,8% | 4,3% | 18,0% | 2,8% |
Fonte: Elaboração dos autores.
DISCUSSÕES
Os resultados obtidos a partir da análise fatorial exploratória fornecem evidências de que certas dificuldades vivenciadas pelos alunos necessitam ser exploradas, compreendidas e tratadas pelos líderes das IES. Isso é particularmente importante na medida em que ainda temos um período mais longo de “transitoriedade” no ensino remoto. A covid-19 deverá se tornar endêmica, e ainda conviveremos com ela em várias regiões, por vários anos (Phillips, 2021).
De modo a oferecer orientação aos líderes das IES, categorizamos essas dificuldades em dois grupos: 1) aquelas associadas à ausência ou fragilidades de planejamento dos cursos; e 2) as ligadas aos desafios oriundos da falta de infraestrutura adequada. É importante esclarecer que não estamos sugerindo uma prevalência dessas dificuldades, mas enfatizando que elas devem ser analisadas e exploradas no âmbito do planejamento institucional.
Com o intuito de compreender a transição do ensino presencial para o ensino remoto e, também, as dificuldades de adaptação envolvidas nesse processo, a pesquisa da Unicamp indagou sobre o grau de dificuldade encontrado na passagem de algumas atividades para o ensino remoto. Os desafios relacionados ao planejamento dos cursos foram mais evidentes. A incorporação de atividades e dinâmicas de ensino e aprendizado remoto, bem como de novos métodos avaliativos, incluindo formatos variados, levaram a uma percepção de sobrecarga que foi sentida como um excesso de cursos. O número de matérias não aumentou em comparação com o ensino presencial. Isto é, a quantidade de matérias não mudou, o que reforça um aspecto fundamental, merecedor de maior exploração: o currículo on-line não pode ser uma mera replicação do currículo presencial. Fatores intangíveis, como uma elevada exposição à tecnologia e uma redução da interação humana podem impactar o desempenho e a fadiga dos alunos (Joshi et al., 2020).
Hodges et al. (2020) enfatizam a distinção crítica entre experiências on-line bem planejadas e os cursos adaptados ao ensino remoto em resposta à pandemia. Eles destacam que, para um ensino e aprendizado on-line de qualidade, é necessário um planejamento cuidadoso, alinhado a um projeto abrangente de ensino-aprendizado. Outros estudos, como os de Bozkurt e Sharma (2020) e Vlachopoulos (2020), também ressaltam que a ausência de um processo cauteloso de adaptação ao ensino on-line durante a pandemia resultou na rejeição dos modelos adotados, que os autores interpretaram como um ensino remoto emergencial.
O planejamento cuidadoso é essencial, incluindo o desenvolvimento de um plano de infraestrutura mínima alinhado com o projeto educacional das IES. Os desafios relacionados à infraestrutura identificados pela Unicamp abrangem questões como a disponibilidade de equipamentos (computadores, acesso a textos e materiais de ensino), acesso à internet e a plataformas remotas e espaços de estudo adequados em casa. Esses desafios são maiores entre alunos com algum grau de vulnerabilidade socioeconômica. Examinando o contexto chinês, Zhong (2020) mostra os impactos da vulnerabilidade social dos alunos sobre a capacidade de resposta institucional e sobre a capacidade dos alunos de participar ativamente do processo de ensino e aprendizado por meios digitais.
Nos últimos anos, a Unicamp vem expandindo sua política de inclusão social, adotando cotas étnico-raciais e pontuações específicas para alunos de escolas públicas, os quais apresentam um perfil socioeconômico mais vulnerável. Tais medidas trouxeram um desafio adicional durante a transição para o ensino remoto, tratado por meio da oferta de computadores e chips de internet. Embora essa ação tenha um alcance social limitado, uma vez que atende somente alunos sem infraestrutura alguma, sabemos que muitos estudantes enfrentam severas limitações de infraestrutura, o que afeta seu processo de aprendizado.
O plano emergencial da IES foi uma resposta aos desafios impostos pela pandemia a todos. Como medida de emergência, seu objetivo primeiro foi o de mitigar o impacto do distanciamento social, oferecendo as condições necessárias para que os alunos frequentassem as aulas ministradas via plataformas on-line. Reconhecia-se que o esforço de fornecer computadores e chips de internet não era suficiente para solucionar os desafios que acompanharam o ensino remoto. Deve-se enfatizar que a Unicamp já percebia que o impacto do ensino remoto seria multifacetado, se tornaria evidente durante o distanciamento social e ficaria ainda mais perceptível durante a transição de volta ao ensino presencial, ocorrida a partir de março de 2022.
Inicialmente, as medidas para retomar o ensino presencial focaram o cumprimento dos protocolos de saúde, oferecendo ambientes de socialização com o distanciamento necessário e exigindo comprovação de vacinação da comunidade acadêmica. No entanto, o que se descobriu foram situações como: sentimento de apatia entre os alunos e os professores; falta de senso de pertencimento entre os alunos, que formalmente faziam parte da universidade, mas ainda não tinham familiaridade com ela; elevada prevalência de questões relacionadas à saúde mental; interações sociais limitadas; e dificuldades para monitorar/reter os conteúdos didáticos. Em resposta, a Unicamp implementou três estratégias cruciais: 1) monitoramento da saúde mental dos alunos; 2) introdução de disciplinas de mentoria e tutoria para monitorar os alunos; e 3) organização de várias atividades culturais e de extensão para as comunidades interna e externa. Após o primeiro semestre de volta ao ensino presencial, somente agora começamos a ver uma comunidade mais ativa, alegre e presente nos campi.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Previsões epidemiológicas indicam fortemente que o SARS-CoV-2 ainda está longe de ser erradicado. Inclusive, um relatório publicado na revista Nature destaca que aproximadamente 90% dos imunologistas, pesquisadores de doenças infectocontagiosas e virologistas entrevistados que trabalham com o SARS-CoV-2 apontam que a doença se tornará endêmica, permanecendo presente na sociedade por um grande período de tempo e em diversas localidades (Phillips, 2021).
Se essas previsões se confirmarem, os próximos anos ainda serão afetados por momentos de distanciamento e lockdown. Consequentemente, a alternância entre ensino presencial e ensino remoto continuará sendo uma realidade. Nesse sentido, é necessário avançar na compreensão das dificuldades enfrentadas pelos alunos durante o ensino remoto e em soluções para elas. Isso significa que entender o processo de adoção do ensino remoto em diferentes contextos, seus desafios inerentes e suas implicações e dificuldades para os gestores, professores e alunos das IES é essencial.
O objetivo principal deste artigo é chamar atenção para as dificuldades vivenciadas por alunos durante a transição do ensino presencial para o ensino remoto. É importante enfatizar que o método empregado, a análise fatorial exploratória, visa a salientar que certas dificuldades relatadas merecem atenção por parte dos administradores das IES. Este artigo não afirma que essas dificuldades predominam sobre outras; antes, ressalta que elas precisam ser mais investigadas, exploradas e analisadas no planejamento institucional dessas instituições. Encorajamos outros pesquisadores a utilizar as reflexões aqui apresentadas como ponto de partida para estudos mais complexos sobre as dificuldades abordadas neste artigo.