INTRODUÇÃO
Desde a publicação do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2015), o cenário educacional brasileiro passou por mudanças significativas. Uma das principais foi a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Ministério da Educação [MEC], 2018), que instituiu, como uma das principais novidades, a obrigatoriedade do ensino de língua inglesa, anteriormente ofertada como disciplina optativa ou complementar, de acordo com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) (Lei n. 4.024, 1961). A BNCC define a obrigatoriedade de oferta do idioma a partir do 6o ano do ensino fundamental (doravante EF). Merece destaque também a aprovação, pela Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), das Diretrizes Curriculares Nacionais para Oferta de Educação Plurilíngue (CNE/CEB, 2020) em julho de 2020, que, no momento da elaboração deste artigo, aguardam homologação pelo Ministério da Educação (MEC).
Simultaneamente, observa-se a crescente oferta do ensino de línguas adicionais, em especial da língua inglesa, na educação infantil e nos anos iniciais do EF por iniciativa de projetos municipais, estaduais ou de universidades públicas (Enever, 2012; Mello, 2013; Merlo, 2018; Sayer, 2019). Tal temática vem sendo abordada por diversos educadores e pesquisadores, pois essa realidade gera demandas importantes que afetam desde a administração escolar até a formação docente para esse contexto (Santos, 2010; Tonelli & Cristovão, 2010; Cirino & Denardi, 2019; Galvão & Kawachi-Furlan, 2021; Batista & Tonelli, 2022; Brossi, 2022).
Um projeto desenvolvido ao longo de 2020 e 2021 por pesquisadoras de cinco universidades públicas brasileiras, com financiamento do Conselho Britânico, mapeou a presença e as características do ensino de inglês para crianças da educação infantil ao 5o ano do EF e propôs um documento-base para elaboração de diretrizes curriculares nacionais para a língua inglesa nos anos iniciais do EF (British Council, 2022). Esse projeto, que será abordado a seguir, trouxe à tona, entre outras questões, a importância do estabelecimento de políticas públicas para o ensino nessa fase educacional.
Como discutido por Tonelli e Ávila (2020), a ausência de diretrizes para o ensino de línguas adicionais para crianças pequenas, em especial a língua inglesa, tem sido vista ora como positiva, uma vez que cada educador pode se organizar como considerar adequado para o contexto, ora como negativa, porque pode ser interpretada como um ensino desorganizado e sem critérios.
Durante a elaboração do PNE 2014-2024 (Inep, 2015) não foram estabelecidas nem diretrizes nem metas específicas para a oferta da língua inglesa ou de qualquer língua adicional nos anos iniciais do EF. No entanto, acreditamos que a língua inglesa deva ser contemplada no documento a ser elaborado para o próximo Plano Nacional de Educação, por isso, este artigo apresenta propostas de diretrizes e metas para esse contexto. Essas propostas têm como principais eixos a promoção do letramento em avaliação de línguas (Scaramucci, 2016; Quevedo-Camargo & Scaramucci, 2018) e a avaliação orientada para a aprendizagem (Carless, 2007, 2015; Carless et al., 2006; Turner & Purpura; 2016; Chong & Reinders, 2023), por entendermos que são perspectivas com potencial de exercer grande impacto no ensino e na aprendizagem da língua inglesa e se alinham à proposta de avaliação formativa preconizada pela BNCC. Parte-se do princípio de que avaliar o progresso de um aluno que aprende um idioma adicional na infância consiste em realizar qualquer atividade, dentro ou fora da sala de aula, que objetiva coletar informações sobre desempenho, proficiência, conhecimento e habilidades (Bueno, 2020; Balbino, 2022; Cunha, 2022). Espera-se que tais informações sejam analisadas e utilizadas pelo professor e/ou pelo próprio aluno em prol da aprendizagem (Chong & Reinders, 2023).
O texto deste artigo está organizado em cinco partes. Na primeira, são discutidas questões relacionadas à inserção da língua inglesa nos anos iniciais do EF. Em seguida, apresenta-se brevemente o projeto Mapeamento da Oferta de Língua Inglesa para Crianças (Molic)1, por meio do qual foi possível ter uma amostragem da oferta de língua inglesa nos anos iniciais de quatro estados brasileiros. Na sequência, são abordados alguns estudos sobre a avaliação da língua inglesa voltados para o público infantil, para depois serem apresentados os princípios da avaliação orientada para a aprendizagem. A parte final contém as propostas deste trabalho para o PNE 2025-2035.
A INSERÇÃO DA LÍNGUA INGLESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
A inserção da língua inglesa nos anos iniciais tem sido cada vez mais discutida pelo fato de ser considerada uma língua global (Graddol, 2006, 1997; Forte, 2013). As vantagens mais comumente debatidas por pesquisadores que se ocupam de questões referentes ao ensino de inglês nos anos iniciais focalizam aspectos inerentes ao desenvolvimento de diferentes habilidades (Genesee, 2016). Em primeiro lugar, vale mencionar o desenvolvimento físico da criança ao participar de jogos e brincadeiras em língua inglesa que trabalhem a coordenação motora fina, como desenhar, e a coordenação motora grossa, como saltar ou pular. Há também o desenvolvimento cognitivo por meio de resolução de problemas, compreensão de conceitos, estímulo à criatividade e à imaginação, exercício da memória e aquisição de conhecimentos e experiências permeadas pela língua inglesa. O desenvolvimento linguístico é, obviamente, parte desse conjunto, e envolve oralidade e escrita trabalhadas com ludicidade. Por fim, mas não menos importante, há o desenvolvimento social e emocional, que ocorre quando as crianças passam a ter o sentimento de pertencimento a um grupo e intensificam a autoestima (Crosse, 2007).
Estudos contemporâneos apontam que o ensino de inglês na infância pode contribuir para que as crianças desenvolvam o gosto pelo idioma e o respeito por diferentes culturas, modos de ser e de se expressar. Além disso, conforme discute Magiolo (2021), o ensino de inglês nos anos iniciais em contextos públicos tem potencial para promover justiça social (Adams et al., 2007), pois, como conceito, ela parte do princípio de que todos os indivíduos de uma sociedade têm direitos e deveres iguais em todos os aspectos da vida social. Nesse sentido, inserir a língua inglesa já nos anos iniciais pode promover não somente o desenvolvimento físico, cognitivo, linguístico, social e emocional dos alunos, mas também levá-los a desenvolver sua autonomia para agir no mundo (também) por meio da língua inglesa.
É preciso compreender, porém, que a inserção da língua inglesa nos anos iniciais da educação básica impacta diversas frentes extremamente importantes, como a elaboração de políticas educacionais e linguísticas (Seccato, 2016), as razões e os modos de avaliar (Tonelli & Quevedo-Camargo, 2019), os métodos e as abordagens mais apropriados (Andrade, 2011) e, acima de tudo, a formação de professores e professoras (Galvão, 2022).
Conforme discutem Seccato, Tonelli e Selbach (2022), no Brasil, o volume de teses e dissertações produzidas entre 1987 e 2021 sobre formação de professores e ensino de inglês nos anos iniciais aumentou significativamente. As autoras identificaram 71 trabalhos publicados no período analisado em programas de pós-graduação de universidades públicas e investigaram os temas mais estudados, bem como as motivações que levaram pesquisadoras e pesquisadores a explorá-los. Dentre os temas mais estudados, foram identificadas: a) as possibilidades no ensino e avaliação de línguas não maternas para crianças; b) a formação de professores para atuar nesse contexto; e c) as práticas pedagógicas na educação bilíngue de idiomas privilegiados.
No que se refere às motivações para empreender os estudos, Seccato, Tonelli e Selbach (2022) identificaram que 53% das pesquisas analisadas foram desenvolvidas partir do interesse das professoras-pesquisadoras em investigar suas próprias práticas. Em outras palavras, pelo fato de não terem recebido formação para atuar no ensino de inglês para alunos da educação infantil e dos anos iniciais do EF, as autoras sentiram a necessidade de se aprofundar na compreensão de seu fazer pedagógico nesse contexto. Tal cenário é importante para a discussão deste artigo porque revela, em consonância com Tonelli e Kawachi-Furlan (2021), que o ensino de língua inglesa nos anos iniciais, embora não esteja oficialmente regulamentado pelos documentos oficiais brasileiros, já é uma realidade em diversos municípios brasileiros.
No bojo de tais possibilidades de educação linguística em línguas adicionais nos anos iniciais de escolarização, a avaliação, parte integrante dos processos de ensino e aprendizagem, merece atenção especial e, portanto, orientações de realização. Assim, considerando o impacto que a avaliação exerce e o quanto seus resultados podem e devem orientar a aprendizagem, justifica-se, portanto, a importância de discutir uma proposta para que essa temática seja contemplada no próximo PNE.
O PROJETO MOLIC
A partir de experiências como professoras formadoras atuando no âmbito da educação docente para o ensino de línguas nos anos iniciais, e considerando as demandas por proposições para a organização da oferta da língua inglesa nessa fase escolar, pesquisadoras da Universidade Estadual de Goiás (UEG), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade de Brasília (UnB) (estas últimas representadas pelas autoras deste artigo) mapearam, no projeto Molic, os municípios de quatro estados brasileiros - Goiás, São Paulo, Espírito Santo e Paraná - para identificar quais ofereciam línguas adicionais2 nos anos iniciais do EF.
Esse projeto foi desenvolvido ao longo de 2020 e 2021 e culminou na produção do Documento-base para a elaboração de diretrizes curriculares nacionais para a língua inglesa nos anos iniciais do ensino fundamental (British Council, 2022). Trata-se portanto de uma proposta disponibilizada aos municípios interessados em inserir a língua inglesa nos anos iniciais ou, no caso dos contextos nos quais a oferta já ocorre, em reformular o modo de organização da oferta do ensino da língua.
O documento-base foi idealizado a partir de estudos realizados sobre a temática, mas também, e principalmente, com base nos dados coletados de municípios identificados nos quais já existe a oferta de línguas adicionais ou onde há desejo de implementá-las. Assim, para que o documento-base pudesse ser elaborado, na primeira etapa do projeto, foram identificados os municípios que indicaram, por meio de um questionário on-line, ter em sua secretaria municipal de educação (SME) algum documento orientativo da oferta do ensino de inglês. A partir dessas informações, na segunda etapa do projeto, foram feitos contatos telefônicos para solicitar o acesso a tais documentos para que, a partir de sua análise, fosse possível conhecer como os municípios organizavam a oferta do ensino de inglês e, por sua vez, indicar possibilidades para redigir o documento-base com sugestões para a organização do ensino do idioma. Em seguida, com o objetivo de conhecer a visão e as necessidades das SMEs participantes, procedeu-se à geração de dados por meio de grupos focais, organizados pelas pesquisadoras responsáveis em seus estados.
No total, foram contatados 1.369 municípios dos quatro estados. A Tabela 1 apresenta os detalhes de cada estado.
Estado | Total de municípios | Respondentes em relação ao total de municípios | Municípios que ofertam inglês nos anos iniciais do EF (entre os respondentes) |
Municípios com material próprio (entre os respondentes que ofertam inglês nos anos iniciais do EF) |
Municípios que ofertam formação docente (entre os respondentes que ofertam inglês nos anos iniciais do EF) |
---|---|---|---|---|---|
São Paulo | 645 (100%) | 155 (24%) | 115 (74%) | 63 (54%) | 63 (54%) |
Paraná | 399 (100%) | 147 (36%) | 61 (41%) | 31 (50%) | 28 (45%) |
Goiás | 247 (100%) | 124 (50%) | 68 (54%) | 19 (27%) | 22 (32%) |
Espírito Santo | 78 (100%) | 62 (79%) | 22 (35%) | 7 (31%) | 14 (63%) |
Total | 1.369 (100%) | 488 (36%) | 266 (70%) | 120 (45%) | 127 (47%) |
Fonte: Tonelli et al. (2022).
Ao todo, foram analisados 1.369 municípios. Porém somente 36% deles, isto é, 488 municípios, responderam aos questionários enviados às SMEs. Dos respondentes, 70% ofertam a língua inglesa nos anos iniciais do EF, o que é um número bastante expressivo. No entanto, somente 45% dos municípios que ofertam a língua têm material didático específico para língua inglesa nessa fase escolar, e menos da metade (47%) das 266 localidades que ofertam língua inglesa proporcionam formação docente.
Tais informações comprovam que, a despeito da inexistência de um documento oficial que regulamente a oferta da língua inglesa nos anos iniciais em contextos públicos, tal ensino já acontece em quantidade expressiva.
Em uma segunda etapa, conforme descrito anteriormente, os municípios participantes disponibilizaram os documentos utilizados para organizar a oferta do ensino de inglês do 1o ao 5o ano do EF. Os documentos aos quais as pesquisadoras do Molic tiveram acesso, bem como as transcrições dos grupos focais realizados na terceira etapa do projeto, foram utilizados para a categorização das informações. Uma das categorias3 obtidas foi o sistema avaliativo, com base na menção ou não à avaliação, ao papel da avaliação nos currículos e nas práticas, bem como aos instrumentos utilizados.
A Figura 1 apresenta os dados obtidos sobre a menção ou não ao sistema avaliativo nos documentos analisados.
No Espírito Santo, dos 14 municípios que disponibilizaram os documentos para análise, 3 indicaram ter sistema avaliativo. Em Goiás, a pesquisa teve acesso aos documentos de somente 2 municípios, desses, apenas 1 fez menção à avaliação da aprendizagem de inglês nos anos iniciais. No Paraná, dos 44 documentos analisados, 29 contemplaram a avaliação e, em São Paulo, 11 dos 28 documentos analisados sinalizaram como concebem a avaliação e como ela é realizada.
Tais dados revelam que, embora algumas das localidades investigadas tenham seus próprios documentos orientativos de práticas pedagógicas no âmbito do ensino de inglês nos anos iniciais, poucos fazem menção às concepções de avaliação ou detalham sua aplicação naquele contexto. A seguir, são apresentados exemplos de como a avaliação aparece nos documentos de quatro municípios.
A avaliação da aprendizagem no ensino da LEM - Inglês desempenha um importante papel. Ela começa a partir da observação direta da capacidade do aluno superar as dificuldades e assimilar um novo conceito ou conteúdo. É importante ressaltar que a avaliação não deve ocorrer exclusivamente por uma situação de aprendizagem. A avaliação deve ser contínua, considerando a participação nas atividades individuais ou em grupos. O professor deve ter em mente quais são seus objetivos quanto ao ensino e aprendizagem. O processo de avaliação não deve ser limitado a uma nota, nem mesmo a um conceito de aprovar ou reprovar, especialmente nesta fase de ensino. As práticas avaliativas priorizam o registro escrito de informações qualitativas sobre o que os alunos aprendem. Esta prática permite o acompanhamento individual e coletivo. (Município A).
A avaliação da aprendizagem da Língua Inglesa ocorre em um processo de participação em atividades concretas que promovam o desenvolvimento de linguagem de criança. Práticas de compreensão e produção orais e escritas da língua, através do trabalho colaborativo e do uso de estruturas em funções comunicativas básicas. (Município B).
Sobre os métodos avaliativos, colocam os seguintes critérios:
Os alunos respondem ao comando do professor ou apenas imitam os colegas?
O aluno responde às perguntas em pequenos grupos ou em frente à sala toda?
O aluno consegue falar inglês de maneira clara ou ainda se expressa misturando inglês e a língua materna?
O aluno tenta falar inglês ou é reservado e quieto? (Município C).
A avaliação tem caráter contínuo, portanto valoriza também comportamentos que visam superar dificuldades na hora de se expressar através do Inglês e o interesse em participar ativamente das aulas. (Município D).
Tal cenário sugere que o ato de avaliar, ainda que indissociável do processo de ensino e aprendizagem (Scaramucci, 2006), não vem sendo suficientemente valorizado e destacado nas políticas educacionais municipais. Como se vê nos excertos de documentos orientadores apresentados, as orientações são insuficientes para, de fato, servir de diretrizes para o trabalho docente. São textos vagos que deixam decisões importantes sob completa responsabilidade do professor que, não raramente, carece de mais formação e informação para tomar certas decisões.
Além de apresentar uma amostra consistente da realidade da oferta de língua inglesa nos anos iniciais do EF, os dados evidenciados pelo projeto Molic nos levam a concluir que o desenvolvimento de políticas públicas e diretrizes oficiais para tal oferta tem sérias implicações para a educação brasileira.
Se consideradas as diretrizes e metas do próprio PNE 2014-2024 (Inep, 2015), veremos que, em primeiro lugar, políticas para oferta de línguas adicionais nessa fase de escolarização contribuirão, sobremaneira, para a superação das desigualdades educacionais e sociais, afetando diretamente a universalização do atendimento escolar e a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação da discriminação (Inep, 2015). Isso é de extrema relevância em uma sociedade tão desigual como a brasileira.
Em segundo lugar, políticas públicas para a oferta de língua inglesa nos anos iniciais do EF também contribuirão para a promoção da qualidade educacional e a formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade (Inep, 2015). O acesso ao estudo de língua inglesa e de outros idiomas adicionais na infância tem grande potencial de impacto positivo na formação do educando e na ampliação de sua visão de mundo e de seu repertório cultural, resultando em cidadania consciente e engajamento social.
Em terceiro lugar, é de extrema relevância considerar o impacto de tais políticas e da oferta do componente língua inglesa nos anos iniciais EF na valorização das profissionais da educação, particularmente daquelas que se dedicam a trabalhar com crianças de 6 a 11 anos. Tal valorização, além de financeira, deve incluir o desenvolvimento do letramento em avaliação de línguas dessas docentes, posto que, por meio de uma formação sólida e bem informada sobre como, quando e por que avaliar crianças nessa faixa etária, o trabalho docente será mais sustentável e possibilitará o alcance dos objetivos educacionais da melhor forma possível. Isso contribuirá para a superação das desigualdades educacionais e sociais, para a promoção da qualidade educacional e para a promoção da democracia e dos direitos humanos. Nesse aspecto, a oficialização da oferta de língua inglesa e de outras línguas adicionais e o trabalho mais bem informado com a avaliação em sala de aula estão diretamente relacionados à promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do Brasil, à promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental (Inep, 2015).
Chamamos a atenção também para a necessidade de previsão de financiamento da educação, levando em conta a inserção de línguas adicionais nos anos iniciais do EF, a partir do estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos nesse componente curricular como integrante proporcional do produto interno bruto (PIB), para que seja assegurado o atendimento às necessidades de expansão, com padrão de qualidade e equidade, como já descrito no PNE 2014-2024 (Inep, 2015).
ESTUDOS SOBRE A AVALIAÇÃO DA LÍNGUA INGLESA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Conforme exposto na introdução deste artigo, o aumento de produções científicas no campo do ensino de inglês para alunos dos anos iniciais do EF vem aumentando substancialmente. No que concerne à avaliação nesse contexto, verificam-se, de igual modo, trabalhos decorrentes de demandas pessoais das autoras, justamente por atuarem como professoras de inglês para crianças e carecerem de formação para isso, em especial, para conhecer modos de avaliar a aprendizagem de uma língua adicional por alunos da educação básica.
Foram identificados trabalhos acadêmicos4 que focalizam a avaliação como uma maneira de evidenciar a necessidade de proposição de políticas educacionais e linguísticas voltadas não apenas para o ensino da língua inglesa, mas também, em especial, às formas de avaliar o progresso da aprendizagem desse idioma.
Barbosa (2014) investigou as práticas avaliativas em inglês como língua adicional no 1º ano do EF das escolas públicas no município de Castanhal, no Pará. A pesquisa teve como objetivo analisar as orientações contidas nos documentos oficiais municipais no que diz respeito ao ensino e à avaliação do idioma, descrever as práticas avaliativas desenvolvidas pelos docentes nesse contexto, analisar a integração dessas práticas com os objetivos de ensino e aprendizagem e indicar mecanismos que podem, teórica e metodologicamente, tornar essas práticas mais eficazes. Suas análises indicaram ausência de coerência entre as práticas avaliativas e os objetivos e princípios do ensino de inglês e falta de formação para ensinar, avaliar e elaborar programas voltados ao ensino do idioma para crianças pequenas. A pesquisadora concluiu, há quase dez anos, que havia urgência em definir diretrizes oficiais nacionais para o ensino e a avaliação que levassem em consideração as características e necessidades das crianças do 1º ano do EF.
O trabalho de Pádua (2016) discutiu o portfólio como um possível instrumento de avaliação formativa no ensino de inglês para crianças. A partir dos conceitos centrais sobre avaliação e portfólio, a autora elaborou duas fichas de critérios: uma com o propósito de auxiliar o docente na escolha das atividades para compor o portfólio e outra para avaliar a aprendizagem por meio das atividades escolhidas.
No mesmo ano, Andrade (2016) desenvolveu uma proposta de registro de avaliação para auxiliar e acompanhar o processo de aprendizagem da produção oral de uma língua adicional por crianças. Para isso, a pesquisadora criou uma ficha de acompanhamento e desenvolvimento da aprendizagem e uma grade com descritores de aspectos para avaliar o desenvolvimento da oralidade. Ao desenvolver tais propostas, Andrade explicitou que o objetivo foi justamente auxiliar o professor na avaliação da produção oral em língua adicional e, dessa maneira, acompanhar, intervir e mediar o processo de aprendizagem.
Outra pesquisa realizada foi a de Bueno (2020), que, igualmente desafiada pela necessidade de saber avaliar, propôs um jogo de tabuleiro para ser usado como instrumento de avaliação para a aprendizagem de língua inglesa por crianças. A justificativa da autora para o uso do jogo foi a possibilidade de utilizá-lo como instrumento de avaliação e para promover a aprendizagem, a motivação e o engajamento dos estudantes. A autora elaborou ainda uma grade de avaliação para orientar a observação do professor durante o jogo, uma ficha de acompanhamento e registro da aprendizagem e uma ficha de autoavaliação para a aprendizagem de inglês por crianças.
Balbino (2022), por sua vez, concebendo a avaliação formativa como uma maneira de desenvolver a aprendizagem dos alunos, explorou as contribuições da autoavaliação como uma possibilidade do processo de ensino-aprendizagem. A autora desenvolveu um e-book interativo com o objetivo de auxiliar professores a aprimorar seus conhecimentos sobre autoavaliação para a aprendizagem de inglês por crianças. Para isso, ela explorou conceitos e princípios básicos no campo da avaliação, apontou o passo a passo da criação de rubricas e apresentou exemplos de atividades que estimulam a reflexão e o monitoramento da aprendizagem.
As duas últimas pesquisas que apresentamos são de autoria de Cunha (2019, 2022), que se aprofundou na compreensão do uso da observação como instrumento de avaliação durante a realização de tarefas em aulas de língua inglesa na faixa etária de seis anos de idade. Cunha (2022) concluiu que, a partir de um planejamento estruturado do ensino baseado em tarefas e de listas de verificação apropriadas às tarefas e alinhadas aos objetivos de aprendizagem dos alunos, a observação é uma excelente forma de avaliar alunos ainda não alfabetizados, mas que já estão sendo expostos a uma língua adicional.
Esses estudos exemplificam a busca docente por letramento em avaliação de línguas e por aprofundamento na compreensão de como a avaliação pode dar suporte ao trabalho docente nos contextos educacionais onde a língua inglesa está presente nos anos iniciais do EF.
A AVALIAÇÃO ORIENTADA PARA A APRENDIZAGEM
O termo avaliação orientada para a aprendizagem, em inglês learning-oriented assessment (LOA), foi cunhado pelo professor David Carless, em 2007, para o contexto da educação superior com o intuito de se diferenciar do termo avaliação formativa (formative assessment), que havia sido cunhado por Michael Scriven em 1967. Segundo Carless (2007), seus colegas de trabalho tinham concepções bastante diferentes sobre o conceito de avaliação formativa e como trabalhá-la, o que dificultava qualquer diálogo, porque o mesmo termo tinha significados diferentes para diferentes pessoas.
Para Carless et al. (2006), a avaliação orientada para a aprendizagem caracteriza-se por se referir a processos avaliativos nos quais a aprendizagem é priorizada em relação à mensuração. Para que isso se concretize, o autor resumiu sua proposta em três princípios, apresentados na Figura 2, que constituem seu modelo de avaliação.
A figura explicita que as tarefas impactam o desenvolvimento do conhecimento sobre avaliação e da capacidade de avaliar do aluno, bem como seu engajamento com o feedback fornecido. Ao mesmo tempo, conhecimento, capacidade e engajamento com o feedback influenciam-se mutuamente. Segundo Carless, a natureza unificada do modelo sugere que a elaboração de tarefas abre possibilidades para os outros dois princípios, pois há uma
. . . interação e uma sobreposição potencial entre o desenvolvimento da capacidade avaliativa dos alunos e seu engajamento com o feedback. O modelo não busca mensurar o resultado da aprendizagem dos alunos; em vez disso, sugere três precursores importantes para os tipos de processos de aprendizagem que tem potencial para estimular o engajamento dos estudantes. (Carless, 2015, p. 966, tradução nossa).
Turner e Purpura propuseram, em 2016, um modelo de avaliação para a aprendizagem composto de sete dimensões, apresentadas na Figura 3.
Essas sete dimensões estão permanentemente interligadas, permeiam todos os aspectos do ensino de línguas adicionais e levam em conta todos os agentes envolvidos. Assume-se, portanto, que a avaliação orientada para a aprendizagem é muito complexa e multifacetada. Ela não é um tipo ou uma abordagem à avaliação de línguas, mas um posicionamento que vê a avaliação como uma postura ecológica que considera a interação entre as necessidades dos aprendizes e o contexto em que a aprendizagem ocorre (Chong & Reinders, 2023).
A partir desse posicionamento, Chong e Reinders (2023) propõem dez princípios para a implementação da avaliação orientada para a aprendizagem, apresentados na Figura 4.
Esses princípios sugerem que, para a implementação da avaliação orientada para a aprendizagem no contexto dos anos iniciais do EF, deve-se dar atenção especial à formação docente com respeito à avaliação de língua inglesa nesse contexto específico, de maneira que esse profissional se torne cada vez mais autônomo e desenvolva conhecimentos e habilidades para: a) integrar a avaliação de forma consistente no processo de ensino e aprendizagem de crianças; b) elaborar tarefas de ensino e avaliação contextualizadas e significativas para a faixa etária dos anos iniciais do EF; c) promover o envolvimento dos alunos em uma pequena comunidade de prática, propiciando colaboração entre as crianças e visibilidade ao seu progresso; e d) promover a autonomia das crianças por meio do fornecimento de feedback de qualidade, do estímulo à autorregulação e da personalização da avaliação.
Na próxima seção, com vistas a atingir os objetivos propostos no início deste trabalho, são apresentadas propostas ao PNE 2025-2035.
PROPOSTAS PARA O PNE 2025-2035
Nesta seção, são apresentados dois conjuntos de diretrizes e metas para o PNE 2025-2035 que objetivam subsidiar o desenvolvimento de políticas públicas para a inserção da língua inglesa e, quiçá, de outras línguas adicionais, nos anos iniciais do EF.
Diretrizes para o desenvolvimento de uma política nacional para a oferta e a avaliação do ensino de língua inglesa nos anos iniciais do EF
Universalizar a oferta de língua inglesa nos anos iniciais do EF e ampliar a oferta de línguas adicionais nessa fase de escolarização.
Universalizar o acesso à língua inglesa para alunos dos anos iniciais do EF com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, garantindo um sistema educacional inclusivo que se ancore na avaliação orientada para a aprendizagem.
Oferecer programas de formação continuada para docentes e gestores educacionais, de maneira a subsidiar o processo de ensino-avaliação-aprendizagem de qualidade com crianças nos anos iniciais do EF.
Fomentar a qualidade da educação linguística em inglês nos anos iniciais do EF, com vistas à melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem por meio da inserção da língua inglesa no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Diretrizes para a promoção do letramento em avaliação de línguas adicionais
Inserir componente curricular obrigatório sobre avaliação de línguas no currículo das licenciaturas em Letras - particularmente para estudantes que optarem pelo estudo de línguas estrangeiras modernas - que objetive desenvolver conhecimentos e habilidades sobre a avaliação da língua inglesa e de outras línguas adicionais na educação básica.
Oferecer programas de formação continuada para docentes que atuam na educação básica a partir da perspectiva da avaliação voltada para a aprendizagem de língua inglesa e de outras línguas adicionais na educação básica, de maneira a subsidiar o trabalho docente.
Promover acesso a conhecimentos sobre as avaliações de larga escala nacionais e internacionais utilizadas no Brasil e sua importância para a melhoria da educação básica brasileira.
Espera-se que as propostas apresentadas neste trabalho suscitem discussões relativas à oferta da língua inglesa nos anos iniciais do EF e à importância da avaliação orientada para a aprendizagem nessa fase escolar e, quiçá, resultem na elaboração de políticas públicas.