INTRODUÇÃO
Este artigo aborda, além de discussões teóricas sobre avaliação do aprendizado, uma rubrica desenvolvida originalmente por Oliveira (2021) para registrar observações de desempenho de estudantes do curso de Medicina na realização de anamneses. Trata-se de um recurso que se insere na discussão acerca da avaliação do aprendizado na educação superior, visando à sua qualificação em termos de validade e fidedignidade. Tal enfoque parte da perspectiva do uso formativo dos resultados da avaliação, contribuindo no desenvolvimento da capacidade de realizar anamnese, considerada uma das mais relevantes competências no exercício da medicina.
A avaliação é parte essencial do processo pedagógico, cujos resultados, entre outros efeitos, condicionam o fluxo escolar de estudantes. “[Q]ualquer professor é um avaliador profissional que, usualmente, não tem preparação para tanto em sua formação inicial e, quiçá, continuada”, como destaca Alavarse (2013, p. 168), apesar da relevância da avaliação. Por esse motivo, entendemos que a rubrica proposta, ainda que devendo ser objeto de análises adicionais no processo de sua validação e fundamentação com professores do curso de Medicina, pode proporcionar situações nas quais seu emprego como recurso avaliativo favoreça a problematização do ensino e a formação em avaliação educacional.
Neste artigo compreendemos a avaliação, em diálogo com Barlow (2006), Guskey e Brookhart (2019) e Luckesi (2018), como uma forma de qualificar um objeto educacional e emitir um juízo de valor sobre ele; um processo complexo que pode demandar a coleta de informações relacionadas ao desempenho de um estudante, tanto na execução de uma atividade proposta quanto no seu resultado. Tais informações, analisadas e interpretadas com base em critérios adequadamente estabelecidos, permitirão a emissão desse juízo de valor para concluir a avaliação e favorecer a tomada de decisão dos rumos do processo de ensino que, sob essas condições, reveste-se de maior consistência e embasamento (García Sanz, 2014; Jouquan, 2002).
Isso nos permite evocar a discussão sobre as notas escolares encontrada, por exemplo, em Freitas (2019) e Guskey e Brookhart (2019). Para esses autores, as notas deveriam ser entendidas como uma expressão do aprendizado, com consequências para a forma como o estudante se relaciona com a escola, para o percurso acadêmico - e mesmo social - do estudante e até para a autoimagem desse sujeito. As notas são capazes de motivar o aluno por meio da criação de um sentimento de competência em relação ao aprendido. Quando acompanhadas de uma interpretação pedagógica, elas podem orientar quanto aos conhecimentos e habilidades apropriados aos estudos, especialmente quando referidos a aspectos profissionais a serem dominados (Jouquan, 2002).
No entanto, fruto de uma cultura escolar, as notas podem se tornar o objetivo do processo educativo, tanto de alunos quanto de professores, sem preocupações com seu conteúdo pedagógico e, o que seria mais grave, sem a devida relação com o aprendizado, já que elas podem ser produzidas considerando fatores não necessariamente relativos a ele.
O foco na nota pode deixar em segundo plano o que deveria ser o objetivo central de um percurso escolar - o aprendizado (Siqueira, 2020), além de fazer com que ele seja secundarizado no processo avaliativo, como indicou, entre outros autores, Perrenoud (1999). Na educação superior, as notas ainda podem influenciar a avaliação que os próprios alunos fazem dos cursos e ser uma referência para a qualificação da instituição nesse nível de ensino (Smith & Smith, 2019). Constata-se, então, como salienta Merle (2018), que a atribuição de notas se baseia fortemente em hábitos tornados tradições, sem respaldo em literatura fundamentada em pesquisas. Isso pode acarretar, por exemplo, o indesejável fenômeno de variabilidade de notas pelo fato de serem atribuídas por diferentes professores ou quando um mesmo professor as atribui em momentos distintos de uma mesma produção. Ou seja, a “realidade” se mantém, mas se altera sua interpretação, fazendo da nota um resultado sem a necessária precisão, realçando as preocupações com seus usos e consequências. Os resultados de uma avaliação podem, assim, apresentar restrições quanto à validade, quando os juízos de valor não são, de fato, relacionados ao que se anuncia como objeto de avaliação, ou não têm fidedignidade, pois não apresentam consistência.
Uma forma de ampliar a fidedignidade, com implicações para a relação de professores e estudantes com as notas, segundo Russell e Airasian (2014), é ter critérios de avaliação explícitos. Esse processo deve contar, sempre que possível, com a participação dos próprios estudantes na determinação dos critérios (Brookhart et al., 2016), além da verificação de sua aplicação, ampliando o escopo de quem observa as produções a serem avaliadas. No que se refere à validade da avaliação, a definição de critérios apropriados é um trabalho de extrema complexidade (Guskey & Brookhart, 2019), pois trata-se de estabelecer a adequação entre o que se declara avaliar, a relevância das informações coletadas no processo e a decisão que elas irão embasar (Freitas, 2019; Russell & Airasian, 2014). Essa abordagem também deve ser explicitada a todos os envolvidos no processo avaliativo.
Além disso, é necessário destacar que uma nota, ou um conceito, sem uma interpretação pedagógica, não explica “automaticamente” aos alunos quanto do esperado foi efetivamente aprendido, ou mesmo se essa nota está ou não correlacionada àquilo que foi demonstrado nas tarefas avaliativas realizadas. Faz-se necessária, assim, uma comunicação mais clara do que foi avaliado, do que cada estudante demonstra em relação ao conhecimento e à capacidade de realizar atividades para justificar determinado juízo avaliativo (Brookhart et al., 2016; Freitas, 2019; Siqueira, 2020). Para a realização dessa interpretação pedagógica, é preciso concentrar a avaliação em aspectos cognitivos (Freitas, 2019), pois outros aspectos, como registro de tarefas desenvolvidas, participação ou assiduidade, ainda que importantes para o processo de aprendizado, com ele não se confundem.
A toda essa complexidade da avaliação, no caso do curso de Medicina, somam-se alguns aspectos específicos, entre eles a longa duração do curso, o grande número de professores/preceptores1 e de ambientes de estudo/treinamento envolvidos nessa formação, a natureza complexa das habilidades em desenvolvimento e as expectativas particularmente altas da sociedade com relação à profissão médica (Jouquan, 2002).
Como a anamnese é um conhecimento de base em torno do qual se desenvolve o exercício profissional da medicina, ela se torna um dos fundamentos do processo profissional que se converte em objetos de aprendizado extremamente importantes para essa carreira (Dorigatti et al., 2015; Soares et al., 2014), devendo constituir tópico privilegiado na avaliação do aprendizado. Apesar disso, estudantes de medicina e recém-graduados frequentemente se sentem despreparados para realizá-la, o que se dá, segundo Hundertmark et al. (2018), especialmente pela falta de autonomia e disponibilidade de tempo com pacientes na graduação, além de supervisão e feedbacks insuficientes. Esse último aspecto é o mais vinculado ao processo de aprendizagem dessa competência, que envolve habilidades clínicas práticas diversas, como a construção da relação médico-pessoa, o respeito à subjetividade e à autonomia do paciente e aquelas de caráter comunicacional. No caso dos estudantes, isso é agravado pela impossibilidade de definir condutas e pela dificuldade de esclarecer diagnósticos, produzindo uma sensação de incompetência, como se o paciente estivesse sendo usado em um processo de “tentativa e erro” (Costa et al., 2018). Esses sentimentos do acadêmico podem estar vinculados a um caráter de imprecisão dos percursos de aprendizagem na preceptoria, o que se reflete no processo avaliativo da capacidade de conduzir a anamnese, que, sem as devidas sistematizações, intensifica essa “sensação” de não ter ciência, exatamente, do que se sabe e do que efetivamente se deveria saber e fazer.
Balduino et al. (2012) entendem que, entre os principais anseios da maioria dos pacientes que buscam atendimento médico, encontram-se a escuta qualificada, a empatia e os significados para as próprias histórias. Para esses autores, grande parte dos pacientes acredita que recebe atenção e cuidados especiais quando são atendidos por acadêmicos.2 Nessa direção, Dorigatti et al. (2015) apontam que apenas 5% dos pacientes apresentam postura negativa por serem atendidos por acadêmicos. Esses estudos, ao fazerem referência ao papel e significado da presença dos alunos, remetem à importância da apreensão e análise da escuta realizada por eles e dos modos como foram utilizadas as informações, que precisam ser qualificadas. Nesse contexto, a rubrica constitui uma referência que permite sinalizar para o estudante como está o desenvolvimento de seu aprendizado, para que ele tenha uma noção mais precisa do quanto está “ganhando” ao atender seus pacientes e do quando ainda precisa avançar.
Considerando esse cenário, e levando em conta estudos como o de Freitas (2019), que demonstra que muitos profissionais, mesmo formados especificamente para a docência em cursos de licenciaturas, aprenderam a avaliar na prática cotidiana, compreende-se a situação dos preceptores do curso de Medicina. Certamente esses profissionais não tiveram embasamento teórico para a realização de avaliações. Se, por um lado, desse quadro não se possa concluir que a avaliação do aprendizado esteja completamente desprovida de validade, pois o aprendizado na prática, associado a iniciativas de estudo autodidatas, pode produzir capacitação para avaliar, por outro lado cabe considerar a hipótese de que é necessário melhorar e aperfeiçoar tais avaliações mediante a discussão acadêmica e a formalização do aprendizado desse tema, incluindo, como é objeto deste artigo, a indicação de instrumentos de avaliação.
Na vivência da preceptoria, é perceptível que a orientação, na perspectiva da formação em serviço, sobre a avaliação do aprendizado disponibilizada pelas instituições de ensino aos médicos que iniciam a prática de ensino é escassa. Talvez isso ocorra porque se considere que “a dimensão de avaliador faz parte das atribuições dos professores” (Freitas, 2019, p. 19), de forma tão intrínseca que essa capacidade seria esperada de modo quase automático, subentendida no exercício docente. Ou ainda porque os longos anos de escolarização anteriores à docência já os tivessem provido dessa capacidade. Pode-se, também, supor que esse quadro seja decorrente do fato de os próprios responsáveis pedagógicos pelas instituições de ensino superior (IES) não terem recebido uma formação adequada para avaliação e, portanto, não a incluírem no rol de preocupações formativas. Esses fatores sinalizam uma espécie de intuição de que bastaria instituir um professor para que as condições adequadas de avaliador estejam dadas. Entretanto, como salientou Freitas (2019), pesquisas têm demonstrado que essas premissas não se sustentam. Longos anos de escolarização podem significar o aprendizado de uma maneira equivocada de conduzir a avaliação, com resultados questionáveis que demandam reflexão e construção de alternativas a práticas sedimentadas.
O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Buscando compreender melhor a avaliação do aprendizado na preceptoria em um curso de Medicina e com a meta de propor um instrumento de avaliação para orientar e objetivar a avaliação realizada pelos preceptores, foi desenvolvido, por Oliveira (2021), um estudo analítico-descritivo fundamentado na pesquisa-ação. A opção por essa abordagem metodológica decorreu da necessidade de ampliar a compreensão sobre a formação dos preceptores.
Nesse sentido, surgiram alguns questionamentos: Como apreender o que os acadêmicos sabem e o que precisam aprender? Como circunscrever, a cada semestre, determinados elementos do continuum de habilidades e conhecimentos inerentes à anamnese na preceptoria? Colocava-se, então, como questão central a partir dessas reflexões: Como avaliar? O que dimensionar como conhecimentos necessários ao final do curso e de cada semestre letivo? Como dar um feedback para os acadêmicos de medicina, visando à apreensão e superação de suas possíveis dificuldades? Nesse cenário, essa metodologia colocou-se como a mais adequada porque converge com as proposições da pesquisa, tanto ampliando os conhecimentos sobre a avaliação na preceptoria quanto fomentando o debate, a reflexão e a proposição de respostas, ainda que preliminares, em torno do problema de pesquisa, do pesquisador e das pessoas envolvidas com o objeto de investigação, bem como proporcionando uma alteração nesse objeto (Baldissera, 2001).
Inicialmente, foi realizado um estudo documental dos instrumentos utilizados no período compreendido entre o 2º semestre de 2015 e o 1º semestre de 2020 para avaliação do aprendizado dos estudantes nas disciplinas com conteúdo prático voltadas para a Atenção Primária à Saúde (APS) do curso de Medicina de uma IES localizada em Belo Horizonte.
Foram realizadas entrevistas com sete preceptores voluntários que atuavam na mesma instituição e compartilhavam parte das inquietações que deram origem a esta investigação e ao instrumento dela decorrente. Os participantes tinham faixa etária variando entre 30 e 59 anos, experiência profissional bastante diversa, de 4 a 25 anos na assistência,3 e, na preceptoria, de 1 a 9 anos. Dos sete entrevistados, cinca eram médicos especialistas em Medicina de Família e Comunidade. Três atuavam na preceptoria de mais de uma turma da graduação, e todos tinham experiências de docência em diferentes períodos do curso, a maioria inclusive em outras IES.
A partir das entrevistas, foi possível perceber como a avaliação se revelava como fonte de dificuldade para os preceptores, mais abertamente declarada por alguns, ao mesmo tempo que era possível verificar que eles procuravam, intuitivamente, compreender melhor a avaliação que realizavam e se indagavam sobre como melhorar sua qualidade, como revela o fragmento de uma entrevista, a seguir:
Eu tenho notado a dificuldade que é avaliar os alunos, porque dificilmente a gente tem um método eficaz, prontinho, que se possa aplicar, e eu acho que prova escrita, prova aberta, fechada ou somente prova oral... eu penso que não seria um método adequado. Eu diria que... que temos que avaliar no sentido múltiplo, a própria autoavaliação deles, talvez um aluno ajudando a avaliar o outro. (Entrevistado 1, 11 fev. 2020).
Durante as interlocuções, buscamos, também, informações que possibilitaram entender quais competências esses profissionais acreditam ser de maior importância na avaliação do aprendizado dos alunos e em quais períodos da formação eles esperam encontrar diferentes graus de aprofundamento no aprendizado de cada uma delas. As transcrições das entrevistas passaram primeiramente por uma leitura flutuante de seus conteúdos, o que permitiu uma análise sequencial mais profunda com qualificações quantitativas e transversais (Bardin, 1977). Na sequência, após aproximações mais aprofundadas, fizemos a categorização das informações obtidas, o que possibilitou identificar as habilidades citadas de forma mais recorrente. Entre as habilidades e competências destacadas pelos participantes, identificamos a anamnese como eixo temático fundante, o que nos levou à realização de um estudo em profundidade sobre esse tema.
Como o propósito era dimensionar uma avaliação de habilidades e competências relacionadas à anamnese, realizamos revisão bibliográfica sobre esses dois temas, no Portal de Periódicos Capes e no portal PubMed, com diferentes termos de busca, sempre privilegiando os campos da educação, da saúde e da formação médica. Essas buscas mostraram poucos resultados, com vários deles não atendendo à proposta. A busca pelo termo “avaliação formativa”, em qualquer parte do texto, apontou 84 publicações submetidas à revisão por pares, sendo 15 com foco na prática avaliativa em si mesma e 5 abordando a avaliação do aprendizado na educação superior na área da saúde. Os outros 10 artigos se referiam ao processo avaliativo na educação básica ou fora da área da saúde. Destacaram-se ainda 6 outros trabalhos que, sem menção a processos avaliativos, discutiam especificidades do ensino da prática na área da saúde.
Já a pesquisa no portal PubMed com as palavras-chave “anamnesis” and “teaching” and “medicine” resultou em 54 artigos, cujos resumos foram lidos, com grande número de trabalhos que utilizavam o termo “ensino” para tratar da disseminação do reconhecimento antigênico por grupos celulares do sistema imune. Outro grande grupo de estudos tratava da relevância de dados da anamnese nos diagnósticos de doenças específicas, entre outras abordagens não relacionadas ao ensino da anamnese no curso de Medicina. Por esse motivo, apenas 3 artigos foram selecionados, todos associados a pesquisas realizadas em escolas alemãs de medicina, que aparentemente buscam alterar a lógica do ensino da medicina, deslocando o foco do hospital (lógica hospitalocêntrica) para o ensino do cuidado ambulatorial, em discussão no Brasil há vários anos, haja vista as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina de 2014 (Resolução n. 3, 2014) e mesmo a criação do “Internato Rural”, ainda no ano de 1978, pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (n.d.).
Os levantamentos bibliográficos apontam que o ensino da anamnese e, mais especificamente, a avaliação de seu aprendizado não têm constituído objeto de análise nas pesquisas voltadas para a formação médica, apesar de sua relevância para o exercício da medicina.
RUBRICAS: CONCEITOS E ELABORAÇÃO
No processo avaliativo, a delimitação dos critérios e o cotejamento destes com os resultados apresentados pelos estudantes, a fim de formar um juízo do aprendizado, exigem muita atenção do avaliador, via de regra o professor que também ensina.
No caso da avaliação do aprendizado na educação superior, em especial em relação a conhecimentos práticos, a avaliação de desempenho deve conter tarefas que requeiram que o estudante aplique seus conhecimentos para enfrentar problemas em situações reais ou similares a elas. Isso possibilita ao professor inferir capacidades, conhecimentos, habilidades e valores profissionais do aluno (García Sanz, 2014; Russell & Airasian, 2014).
Nesse contexto, é decisivo dispor de recursos que facilitem o registro das observações, com indicações de aspectos previamente definidos, o que pode até embasar interpretações pedagógicas, inclusive para fins de sínteses de conceitos ou notas (Russell & Airasian, 2014). Adicionalmente, tais recursos podem auxiliar no aumento da objetividade e da transparência da avaliação, contribuindo para que professores e estudantes possam discuti-la visando, por exemplo, a eventuais retomadas do processo pedagógico.
No caso específico da avaliação da anamnese na preceptoria, a construção e aplicação de instrumentos por meio de procedimentos adequados requer a análise de comportamentos e condutas esperados, como seria o exemplo de situações de atendimentos a pacientes, que envolvem a realização da anamnese. Assim, neste artigo, procuram-se circunscrever, por meio de rubricas, elementos constitutivos e fundantes que, como tais, devem ser objeto de avaliação, sem perder de vista a preocupação com sua posterior validação e ampliação, como destacam Guskey et al. (2011). Para tal, professores e estudantes precisam assumir que um dos principais desafios da avaliação do aprendizado é responder à questão: o que deveria ser aprendido foi aprendido adequadamente? A resposta a essa questão - o juízo avaliativo - é a que pode embasar, consistentemente, a tomada de decisão de ordem pedagógica, com eventuais desdobramentos para o fazer docente, sobretudo quando se constata que o aprendizado não atingiu patamares esperados.
A princípio, o grande número de aspectos que necessitam ser avaliados quando se trata da realização da anamnese pelo acadêmico de medicina, para propor uma avaliação da anamnese de modo que haja a interpretação pedagógica de notas e conceitos, torna o processo mais complexo e suscetível a limitações quanto à objetividade da avaliação. No entanto, quando esses aspectos e as gradações de seu domínio são explicitados, tem-se uma situação na qual o levantamento de informações sobre o desempenho dos estudantes se dá de forma mais sistemática e rigorosa, pois foram previamente definidas situações típicas para cada nível de desempenho do aspecto em tela. A partir da análise desses dados, pode-se chegar a notas ou conceitos atribuídos com significados que permitirão reconhecer pontos de debilidade do aprendizado. Quando utilizados de maneira eficaz, esses resultados podem auxiliar na produção de feedbacks, assim como de estratégias e intervenções a serem estabelecidas com a intenção de levar os estudantes a patamares mais elevados de desempenho em relação ao aprendizado (Siqueira, 2020).
As proposições que deram origem à pesquisa colocam-nos o desafio de abordar a avaliação do aprendizado da anamnese no contexto da preceptoria, um domínio de ordem prática, cuja avaliação é também de ordem prática. Diante disso, optamos pela construção de uma rubrica para registro dos desempenhos de estudantes a fim de avaliá-los com critérios comuns e de modo mais objetivo.
As rubricas são, conforme Gatica-Lara e Uribarren-Berrueta (2013, p. 61, tradução nossa), “guias precisas para dar notas aos produtos e aprendizados realizados”. Francis (2018, p. 3) explica que elas são uma tabela que dispõe em linhas os aspectos cujo domínio será avaliado; em cada uma dessas linhas, aparecem os níveis de desempenho e suas classificações - ordenadas por números, letras ou expressões - em colunas. Essas colunas apresentam as descrições de tais classificações o mais pormenorizadas e inteligíveis possível, pois explicitam os critérios - as condições a serem satisfeitas - para que um desempenho observado seja classificado em determinado nível. De acordo com essa definição, as rubricas superam um checklist, pois definem de forma clara, mediante descrições detalhadas, algumas vezes até com o fornecimento de exemplos, os possíveis desempenhos dos estudantes em relação a cada aspecto que as compõe.
Segundo Russell e Airasian (2014), as rubricas são capazes de potencializar o trabalho de ensino dos professores quando ajudam a concentrar tanto a instrução quanto a avaliação no que realmente é importante. Elas também fornecem uma interpretação dos critérios de avaliação, a fim de aumentar sua consistência e, portanto, sua confiabilidade. Por fim, a presença de uma descrição seguida de classificação dos desempenhos possíveis e esperados no material reduz a subjetividade da nota, limitando discussões e insatisfações nesse quesito.
Da mesma forma, as rubricas auxiliam os alunos, pois, conhecendo-as antes mesmo do processo avaliativo, eles podem compreender as expectativas do professor quanto aos seus desempenhos, tanto em relação ao processo quanto ao produto apresentado. As rubricas podem orientar o aluno na execução da tarefa apresentada, permitindo uma autoavaliação qualificada do trabalho e uma compreensão mais ampla da nota obtida (Cockett & Jackson, 2018; Russell & Airasian, 2014). Para Biagiotti (2005, p. 5), “quanto mais detalhadas forem as rubricas, menos espaço para a subjetividade existirá nesse processo”.
É importante ressaltar que o uso da rubrica envolve, além de sua cuidadosa criação, que pode ocorrer mesmo em conjunto com os alunos (Cockett & Jackson, 2018), um processo longo, trabalhoso e contínuo (Biagiotti, 2005), a conquista do compromisso (engagement) dos estudantes com o “investimento psicológico dos estudantes, esforço e interesse em aprender” (Francis, 2018, p. 3), condição para sua plena utilização.
Sem perder de vista os limites de um instrumento dessa natureza, mas considerando sobretudo as potencialidades evidenciadas, foi desenvolvida uma rubrica para a competência “realizar uma anamnese”, desdobrada em tópicos e seus vários aspectos, com critérios estabelecendo o que era esperado quanto ao desempenho dos alunos ao final de cada período da disciplina Atenção à Saúde. Além das indicações dos preceptores voluntários em interações subsequentes à própria entrevista inicial, a definição dos tópicos e dos aspectos a serem avaliados passou pelo estudo cuidadoso da própria anamnese a partir de obras clássicas sobre o tema, como os trabalhos de López (2004) e Pinho et al. (2014). Na literatura da área, não foi encontrado nada similar, o que nos permite considerar o recurso apresentado neste artigo como uma contribuição para o debate sobre práticas avaliativas que pode colaborar para a superação de limitações aí constatadas.
Nas tabelas 1 a 7 são apresentadas a rubrica para um dos cinco tópicos de avaliação, a “Relação acadêmico-paciente”, com seus sete aspectos, e a descrição do desempenho esperado para o final de cada semestre da disciplina de Atenção à Saúde do curso de Medicina. É importante esclarecer que a disciplina em foco é oferecida a todos os períodos, do primeiro ao oitavo, sendo que aqui detalhamos o desempenho do quarto ao oitavo semestres, os quais têm a preceptoria realizada por médicos. Assim, chamamos de “ciclo básico” os três primeiros períodos do curso, quando os alunos são introduzidos ao estudo das ciências da saúde e constroem os alicerces do conhecimento na área, de forma muito parecida com a de outras profissões do mesmo campo. Após o oitavo período, tradicionalmente, no curso de Medicina, agrupam-se os Internatos, disciplinas predominantemente práticas, em que a atuação do acadêmico se concentra em uma única especialidade básica da profissão - cirurgia, clínica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, urgência e saúde pública (que, em várias instituições de ensino médico, é substituída pelo Internato em Atenção Primária ou pelo Internato Rural). Esses são os últimos semestres do curso, quando o acadêmico faz seus preparos finais para a atuação profissional. Cada célula da tabela fornece uma indicação dos progressos quanto ao domínio do aspecto indicado na realização da construção da anamnese.
AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA EM ANAMNESE | ||||||
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Tópico I: Relação acadêmico-paciente | ||||||
Aspecto 1: Relação inicial com o paciente | ||||||
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
Recebe o paciente de forma respeitosa e acolhedora, fazendo-o se sentir confortável.* | Recebe o paciente de forma respeitosa, mas tem dificuldade de se mostrar acolhedor. | Recebe o paciente de forma acolhedora, mas descuida-se da postura respeitosa e profissional. | Recebe o paciente informalmente, sem estabelecer uma relação profissional de confiança. |
Fonte: Oliveira (2021).
* Recebe o paciente de forma respeitosa, com cumprimento adequado, uso do pronome de tratamento apropriado, convite para entrada no consultório e para a acomodação adequada nele. Ainda consegue mostrar-se acolhedor, promovendo conforto ao paciente ao fazê-lo compreender que se encontra em um espaço de protagonismo, onde o que ele diz é ouvido e levado em consideração.
Nota: Ressalte-se que, no ciclo básico, não é negativamente avaliado, e de certo modo é esperado que o acadêmico atenda ao paciente de modo mais informal, ou com menos rigor no estabelecimento das interações. Essa situação é diametralmente oposta no 6° período.
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
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Identifica-se como estudante, explicitando o processo de atendimento conjunto/compartilhado que ocorrerá. | Identifica-se como estudante, mas não explica ao paciente o processo de atendimento conjunto/compartilhado, deixando-o sem compreender como ocorrerá seu atendimento até que os procedimentos ocorram. | Não se identifica como estudante, deixando que alguns pacientes creiam que ele seja o único profissional responsável por seu atendimento. | Comporta-se como se fosse o profissional responsável pelo atendimento, firmando acordos com o paciente e fazendo promessas que não pode cumprir. |
Fonte: Oliveira (2021).
Nota: Identificar-se como acadêmico de forma clara durante um atendimento é não só importante, mas também ético. Essa consciência é desenvolvida ao longo do curso, sendo necessário, muitas vezes, que o próprio preceptor identifique o aluno como tal no ciclo básico. No entanto, no meio do curso (final do 6º período), o estudante já deve ter se imbuído da importância desse ato e realizá-lo regularmente ao início de cada atendimento.
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
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Permite que o paciente exponha seus pensamentos, sentimentos e crenças em relação aos problemas relatados. Respeita as decisões do paciente, procurando apenas torná-las mais conscientes, preservando a autonomia e dissipando dúvidas e inseguranças. | Permite que o paciente exponha seus pensamentos, sentimentos e crenças em relação aos problemas relatados; apesar de não tentar impor-se, ainda tem dificuldade em respeitar as decisões do paciente, nem sempre apresentando alternativas viáveis diferentes daquelas que considera mais adequadas. | Permite que o paciente exponha seus pensamentos, sentimentos e crenças em relação aos problemas relatados, mas tem dificuldade em respeitar as decisões do paciente, frequentemente tentando impor-se para fazê-lo mudar de ideia em relação a uma decisão de saúde. | Restringe a atenção às informações objetivas do caso, desconsiderando os pensamentos, sentimentos e crenças do paciente em relação aos próprios problemas, não chegando a compartilhar com o paciente as decisões propedêuticas e terapêuticas do caso. |
Fonte: Oliveira (2021).
Nota: O aprendizado da postura de informar, ofertar opções e orientar as escolhas sem, no entanto, fazer julgamentos é um aprendizado árduo no exercício da empatia com o paciente. Sendo assim, ao aluno do 5º período, basta saber o que cientificamente é melhor para o paciente e propor condutas adequadas a esse conhecimento. Conforme se acumula a experiência proporcionada pelo próprio curso, o acadêmico deve aprender a ouvir e interpretar as resistências e dificuldades do paciente, oferecendo informações claras e objetivas sobre seu quadro. Com o tempo, ele deve superar os próprios (pre)conceitos, sem apontar o “certo” e o “errado”, mas trazendo à luz as opções e as consequências de suas escolhas, de forma que, ao chegar ao internato, o aluno seja capaz de manter o maior distanciamento possível da escolha, ofertando informação adequada à tomada de decisão em cada caso.
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
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Além de identificar o acompanhante quando presente, estabelece também a rede de apoio do paciente e procura lançar mão dela quando necessário. Reconhece a pluralidade cultural e demonstra respeito pelas práticas de saúde e cura trazidas ao consultório. | Identifica o acompanhante quando presente. Procura estabelecer também a rede de apoio do paciente e lançar mão dela quando necessário. Ainda tem dificuldade em reconhecer a pluralidade cultural e as práticas de saúde e cura trazidas ao consultório. | Identifica o acompanhante quando presente. Procura estabelecer também a rede de apoio do paciente e lançar mão dela quando necessário, tentando envolvê-la nos cuidados, mas tende a desvalorizar a pluralidade cultural, não demonstrando respeito pelas práticas culturais de saúde e cura. | Identifica o acompanhante quando presente. Apesar de demonstrar respeito pelas práticas culturais de saúde e cura quando trazidas pelo paciente, desconsidera a rede de apoio mais ampla dele, responsabilizando pessoalmente o paciente pelos próprios cuidados a despeito de possíveis limitações. | Não reconhece a relevância e a importância da presença do acompanhante, não busca informações com ele e pode nem saber seu nome ou relação estabelecida com o paciente. Sendo assim, ainda que estimule ou reconheça a necessidade de apoio ao paciente no autocuidado, não é capaz de envolver os atores principais da rede de apoio. Desvaloriza práticas tradicionais de saúde e cura trazidas pelo paciente. |
Fonte: Oliveira (2021).
Nota: O acompanhante é uma figura frequente nos atendimentos (especialmente de crianças e idosos), e, se lidar com uma pessoa em momento de fragilidade é difícil, lidar com duas é ainda mais. Mas o acompanhante pode ser transformado em aliado (e não desafio), se sua função na rotina e na cultura do paciente for bem identificada e compreendida. Nessa perspectiva, entender e articular a relação com o acompanhante é essencial para a prática cotidiana da medicina, e seu aprendizado deve estar concluído antes, no curso.
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
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Reconhece a importância da criação do vínculo com o paciente, buscando construí-lo de forma natural, por meio da responsabilização pelo cuidado. | Entende a importância da criação do vínculo médico-paciente, mas acredita que, por ser aluno, não deve buscá-la, responsabilizando exclusivamente o preceptor pelo cuidado. | Não demonstra compreender a importância da relação médico-paciente, por isso não investe em criá-la e mantê-la. |
Fonte: Oliveira (2021).
Nota: A boa relação com o paciente pode determinar o grau de confiança depositado no profissional e, por consequência, a adesão a tratamentos propostos e o respeito a acordos firmados. E o primeiro passo para qualquer construção é o reconhecimento de sua necessidade. Sendo assim, a relação com o paciente precisa ser compreendida como essencial pelo aluno nos primeiros contatos com o paciente, a fim de que desenvolva habilidades em criá-la nas mais diferentes situações de atendimento.
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
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É capaz de respeitar a confidencialidade das informações a que tem acesso no prontuário e durante o atendimento, podendo inclusive passar casos em locais com outros profissionais sem identificar claramente o paciente. | É capaz de respeitar a confidencialidade das informações a que tem acesso no prontuário e durante o atendimento, podendo deixar isso claro ao paciente. | É capaz de respeitar a confidencialidade das informações a que tem acesso no prontuário e durante o atendimento, mas tem dificuldade em demonstrar isso ao paciente. | Trata as informações a que tem acesso com displicência, frequentemente deixando isso claro ao próprio paciente. |
Fonte: Oliveira (2021).
Nota: A confidencialidade do que é dito na intimidade do consultório nem sempre é clara. As discussões de casos fora desse espaço podem ainda prejudicar essa compreensão. No entanto, eticamente, ela é primordial. Sendo assim, ao iniciar atendimentos em consultório, pode haver, por parte dos acadêmicos de medicina, dificuldade em preservar as informações, que deve ser superada de modo relativamente rápido, visando à construção de uma relação médico-paciente eticamente instituída.
Internatos | 8º período | 7º período | 6º período | 5º período | 4º período | Ciclo básico |
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Mantém-se atento aos sinais (por mais discretos que sejam) de que o paciente se encontra em sofrimento e é capaz de identificar momentos em que é possível insistir na coleta de informações incômodas ao paciente, assim como momentos em que se deve(m) adiar certo(s) assunto(s).* | Apesar de esforçar-se e procurar manter-se atento aos sinais emitidos pelo paciente, frequentemente só é capaz de perceber o sofrimento causado por certos assuntos abordados na anamnese quando os sinais já são claros e o sofrimento já se instalou. | Insiste na obtenção de informações, ainda que de menor relevância para o atendimento, mesmo após a demonstração clara do sofrimento psíquico que causa, como choro ou agitação. |
Fonte: Oliveira (2021).
Nota: Esse aspecto procura evidenciar que nem tudo o que é importante em uma consulta é dito. Muitas vezes sinais sutis emitidos pelo paciente precisam ser observados e compreendidos. Esse aprendizado não é simples, mas em todos os casos ele é essencial. Por esse motivo, não se trata de um conhecimento “esperado” nos períodos mais iniciais do curso, mas que, ainda assim, tem uma curva de evolução.
* No atendimento a uma paciente com queixa de ansiedade e agitação, o aluno procurou entender a que a paciente, que naquele momento se mostrava triste e chorosa, atribuía seus sintomas. Ela informou que a “problemas familiares”, e cruzou os braços sobre o peito. O aluno insistiu em saber quais problemas, quando começaram e em que situações eles a incomodavam. A paciente acabou por revelar que um filho se tornou dependente de drogas ilícitas e agora se escondia da polícia e dos traficantes em casa, de onde também retirava objetos de valor para comprar mais drogas. Relatou isso não sem antes chorar abertamente, iniciar hiperventilação, sudorese, agitação psicomotora... O sofrimento foi claro, e a conduta não foi influenciada pela informação obtida.
Note-se que as habilidades são graduadas em um continuum, no qual a expectativa de aprendizado dos alunos é sinalizada semestralmente. A proposta dessa organização semestral visa a facilitar a proposição de feedbacks e a atribuição de notas, de forma que, se no meio do semestre o aluno já é capaz de cumprir as propostas de seu período, ele (e o preceptor) tem consciência da adequação de seu aprendizado e da possibilidade de progredir nessa “escala”. Se nesse momento o acadêmico se vê atingindo a maioria dos objetivos, mas aquém em outros - por exemplo, no segundo mês do 7o período, ele “Identifica o acompanhante quando presente. Procura estabelecer também a rede de apoio do paciente e lançar mão dela quando necessário, tentando envolvê-la nos cuidados, mas tende a desvalorizar a pluralidade cultural, não demonstrando respeito pelas práticas culturais de saúde e cura”; “Identifica-se como estudante, explicitando o processo de atendimento conjunto/compartilhado que ocorrerá”; “Recebe o paciente de forma respeitosa e acolhedora, fazendo-o se sentir confortável”; e consegue “Permit[ir] que o paciente exponha seus pensamentos, sentimentos e crenças em relação aos problemas relatados. Respeita as decisões do paciente, procurando apenas torná-las mais conscientes, preservando a autonomia e dissipando dúvidas e inseguranças”; apesar de ser “capaz de respeitar a confidencialidade das informações a que tem acesso no prontuário e durante o atendimento, podendo deixar isso claro ao paciente”, não se mostra capaz de “passar casos em locais com outros profissionais sem identificar claramente o paciente” e “Insiste na obtenção de informações, ainda que de menor relevância para o atendimento, mesmo após a demonstração clara do sofrimento psíquico que causa, como choro ou agitação” -, ele e o preceptor serão capazes de identificar em que aspectos os esforços de aprendizado deverão se concentrar, para que todos os aspectos da avaliação estejam adequados, no mínimo, ao esperado para o final do 7o período (no caso do exemplo, em relação aos aspectos expostos nas tabelas 6 e 7).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação educacional, embora seja um tema fundamental para a educação escolar e parte essencial do trabalho docente, bem como do processo pedagógico, raramente aparece como componente curricular nos cursos de licenciatura e menos ainda em outros cursos da educação superior, como é o caso dos cursos de Medicina, focalizados neste artigo. Como consequência, a avaliação do aprendizado dos alunos ocorre de forma empírica, pois os professores aprendem na prática e com base em suas experiências como estudantes. Esse aspecto merece atenção, pois, embora a prática seja uma fonte inestimável de formação profissional, ela não constitui, especialmente no que tange à avaliação do aprendizado, uma referência tão sólida quanto necessária, inclusive porque a tradição, muitas vezes associada à “experiência” vivenciada por meio do “ofício de aluno”, tende, não raramente, a preservar justamente aquilo que deveria ser ultrapassado (Perrenoud, 1999).
Com o objetivo de apontar alternativas para o curso de Medicina, notadamente quanto à avaliação do aprendizado em anamnese, considera-se a necessidade da utilização de rubricas como um recurso padronizado para a avaliação de desempenho nessa prática profissional na formação médica, com potencial para auxiliar o próprio ensino. Esse recurso torna possível avaliar com definições claras o que é esperado do acadêmico em cada período do curso para cada um dos aspectos em que se desdobra a anamnese, uma das práticas mais relevantes do exercício da medicina. Pode-se, ainda, cogitar que a elaboração e a utilização de rubricas constituam um recurso que induza problematizações sobre uma tradição avaliativa no sentido de busca por alternativas.
Partindo desse entendimento, a rubrica proposta possibilita a exploração da evolução da competência “realizar (ou construir) uma anamnese” de forma detalhada ao longo da formação médica. Contudo, como qualquer recurso no âmbito da avaliação do aprendizado, sobretudo por não haver sido identificado na literatura da área algo similar, é necessário submetê-lo a um processo mais amplo que o de sua produção original para pré-teste e validação, com vistas aos seus potenciais usuários, os professores e preceptores em cursos de Medicina.
Como explicitado, o recurso e sua fundamentação teórica se evidenciam com potencial para contribuir, em geral, na avaliação do aprendizado nos cursos de Medicina, e, em especial, nas disciplinas práticas voltadas para APS. Ao propor o desafio de enfrentar e de superar lacunas e limitações constatadas nesse tipo de avaliação, condição para que seus resultados sejam ponto de apoio efetivo para o ensino e a aprendizagem, a rubrica apresentada tem, entre outras possibilidades, potencial formativo na formação médica.