SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número1Narrativas de aborto na web: uma abordagem enativa acerca das alianças de gêneroO queer e a aids na exposição Queermuseu índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.30 no.1 Florianópolis jan./abr 2022  Epub 01-Jan-2022

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2022v30n176044 

Artigos

Prontuários femininos do Sanatório Pinel/SP (1929-1944)

Female records of The Sanatorium Pinel/SP (1929-1944)

Maria Izilda Santos de Matos1 
http://orcid.org/0000-0002-4109-3747

Bruna S. Beserra Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-4316-8861

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 05014-901 - histpos@pucsp.br.


Resumo:

Este artigo problematiza questões referentes às internações no Sanatório Pinel/SP (1929-1944). A pesquisa está baseada nos prontuários médicos, priorizando os casos de pacientes do gênero feminino. Pretende-se recuperar os discursos que possibilitaram a determinação do diagnóstico e da internação, os motivos que levaram a que essas mulheres fossem retiradas do convívio social e classificadas como loucas, trazendo contribuições para discutir questões como as enfermidades femininas, loucura, sexualidade, casamento, solteirice, maternidade, honra, padrões de feminilidade e seus desvios.

Palavras-chave: loucura; discurso médico; mulheres; Pinel; Antonio Carlos Pacheco e Silva

Abstract:

This article discusses issues related to hospitalizations at Sanatório Pinel/SP (1929-1944), the research is based on medical records, prioritizing the cases of female patients. It is intended to recover the speeches that made it possible to determine the diagnosis and hospitalization, the reasons that led these women to be removed from social life and classified as insane. Bringing contributions to discuss issues such as female illnesses, madness, sexuality, marriage, singleness, motherhood, honor, patterns of femininity and its deviations.

Keywords: Madness; Medical Discourse; Women; Pinel; Antonio Carlos Pacheco e Silva

Introdução

No dia 21 de fevereiro de 1930, deu entrada no Sanatório do Pinel a paciente Eunice Caldas,1 sendo responsáveis por sua internação o irmão Oscar Americano e o sobrinho Oscar Americano Filho. No prontuário, Eunice foi identificada como branca, solteira (“apesar de ter 30 anos”), professora com educação refinada, “senhora muito instruída e muito dedicada às questões da pedagogia”. Destacava-se que ela trabalhava exageradamente e era “totalmente independente, não admitia intervenções ou conselhos dos pais ou irmãos mais velhos, confiava exclusivamente em si”.

Documentavam que a causa da “crise” foi por conta de uma viagem para os Estados Unidos; Eunice compôs uma comissão seleta de professores paulistas, indicados pela Associação Brasileira de Educação, para que fossem conhecer novos métodos das escolas norte-americanas e analisar as suas possibilidades de aplicação, porém, “a vida agitada, as viagens precipitadas, a fadiga física e psíquica determinaram o aparecimento da crise”. Segundo o prontuário, ela deu entrada no Sanatório Pinel em plena “excitação maníaca”. Os familiares alegavam que seus comportamentos eram estranhos, contrariavam a ordem vigente e não se enquadravam nos padrões normativos.

Eunice Peregrino Caldas nasceu em 1879 (Poços de Caldas), era a filha caçula de uma família de pessoas de destaque, como Dr. Vital Brazil2 e Oscar Americano, além de duas irmãs professoras reconhecidas. Eunice formou-se na Escola Normal de São Paulo (1899), foi professora em várias instituições de ensino, dirigiu o primeiro Grupo Escolar da cidade de Santos e foi fundadora do Liceu Feminino, da Associação Feminina Santista (1902), e de um colégio de educação feminina em São Paulo (1916), no qual se dispunha a desenvolver “métodos modernos” equilibrando estudos e atividades físicas. Viajou para França, Alemanha e Estados Unidos, frequentou círculos literários, escreveu e publicou vários livros didáticos e infantis, obras pedagógicas, poemas, romances, novelas e peças de teatro, com destaque para a trilogia composta por “Scenas domésticas” (1907), “Instituto Maria Braz” (1912) e “Inezilha Braz” (1914, adotado pelo Governo do Estado de São Paulo). No conjunto desta obra, advogava a valorização da educação e ampliação dos direitos femininos (Melissa Mendes CAPUTO, 2008).

Segundo as declarações de seus familiares, que constam no prontuário, a infância de Eunice ocorreu normalmente e foi a partir da puberdade que notaram “mudanças de caráter, de humilde e sossegada, tornou-se orgulhosa e agitada”. Essa personalidade foi agravada na idade adulta, pois ela sofreu “emoções violentas por contrariedade”; enfrentando os pais, ela rompeu com dois noivados. A paciente ficou internada no Pinel por 14 anos. Quando o Sanatório foi adquirido pelo governo do Estado de São Paulo ela foi removida para o Sanatório Bela Vista (Itaim Bibi), onde permaneceu até sua morte, em 1967, encerrando 37 anos seguidos de internamento (CAPUTO, 2008).

Ao resgatar o prontuário de Eunice, emergem vários questionamentos, observam-se limites tênues no diagnóstico de patologia psiquiátrica para o qual foram arrolados elementos como: “dedicação à profissão”, “gosto pelo trabalho”, “atividades intensas” e “procura por independência”. Não se intenta negar possíveis patologias ou se o internamento de Eunice ocorreu por atos considerados incompatíveis com as normas vigentes.

A análise de casos como esse propõe a problematização de questões como gênero-loucura-confinamento-discursos médicos, nas primeiras décadas do século XX. Para tanto, essa pesquisa priorizou a análise dos prontuários femininos do Sanatório Pinel e os escritos do médico psiquiatra Antonio Carlos Pacheco e Silva, fundador do Sanatório. Esses prontuários médicos se encontram no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), constituindo o Fundo Sanatório Pinel (FSP), que totaliza cerca de quatro mil prontuários, dos quais foram selecionados os dos pacientes do gênero feminino e, entre estes, os que incluíam observações sobre questões pessoais (relacionamento familiar, estudos, trabalho).

Dessa forma, o recorte da análise contemplou mulheres de classes abastadas, brancas e que tiveram acesso à educação formal. Suas internações estavam relacionadas ao que eram considerados como desvios frente aos comportamentos e normas socialmente desejáveis no momento histórico em foco. Esta análise questiona noções universais e essencialistas de “mulher” e se posiciona numa perspectiva que incorpora a multiplicidade e historicidade das experiências femininas, intercruzando a categoria gênero a concepções sociais, étnico-raciais, geracionais e culturais.

Corpos femininos no Sanatório Pinel: da dita propensão feminina à loucura

As primeiras décadas do século XX foram um momento de expansão do cientificismo, tendo o discurso médico-sanitarista adquirido importância e alargado sua área de interferência. O crescimento urbano, a maior circulação de pessoas e o aumento da violência geravam tensões, frente as quais se apregoava a necessidade de suprimir hábitos, modernizar práticas, disciplinar, normatizar ou confinar os considerados “indesejáveis”. Nesse contexto, se inclui a institucionalização de espaços de cura, reclusão e tratamento de doentes e loucos, como os sanatórios (Roberto MACHADO et al., 1978, p. 260 e segs.).

O Sanatório Pinel de São Paulo, fundado em 1929 por iniciativa do Dr. Antonio Carlos Pacheco e Silva, foi considerado um marco na psiquiatria paulista por conta de suas modernas instalações e pioneirismo nos tratamentos. Era uma instituição particular e paga, estabelecida em Pirituba (local escolhido pela acessibilidade e tranquilidade da área), com projeto arquitetônico inspirado em hospitais estadunidenses, comportando em seus pavilhões até 120 pacientes, organizados por gênero e de acordo com os problemas diagnosticados. Assim, este Sanatório se constituiu como uma alternativa para as famílias abastadas quando tinham necessidade de tratamento psiquiátrico. Em 1944, o Governo do Estado de São Paulo adquiriu o Sanatório, transformando-o em entidade pública, gratuita e direcionada para pacientes psiquiátricos oriundos de várias camadas sociais (Rita Cristina Carvalho de Medeiros COUTO, 1999; Juliana Suckow VACARO, 2011; Lilia Simões Barbosa de FIGUEIREDO, 2011; Paulo Reis dos SANTOS, 2015; Bruna dos Santos Beserra PEREIRA, 2018).

Enquanto era uma instituição particular, o Sanatório acolhia pacientes do gênero masculino, feminino e “diagnosticados” como homossexuais. Alguns desses pacientes procuraram esta clínica para se tratarem, contudo, a maioria das mulheres foram internadas por familiares e contra a sua vontade.

[...] por alegados distúrbios relativos sobretudo ao espaço que lhes coube na definição de papéis sexuais e sociais [...]. Na verdade, as regras do comportamento das mulheres estiveram, desde um amplo processo de elaboração de uma imagem feminina ideal, apenas relacionadas à esfera corporal e familiar [...]. A relação do distúrbio psíquico com a rigidez das regras de comportamento socialmente impostas é, na condição feminina, mais evidente (Maria Clementina Pereira CUNHA, 1986, p. 144).

Os corpos e mentes das mulheres sempre foram objetos de inquietações de diferentes instituições, em particular da medicina que, em vários momentos, adotou práticas de medicalização do corpo feminino. Segundo os saberes médicos, as funções atribuídas aos gêneros estavam enraizadas na anatomia e fisiologia, sendo a mulher vista como produto do seu sistema reprodutivo. Assim, suas características, condutas emocionais e morais seriam determinadas pelo útero e ovários. Consideradas mais frágeis e sujeitas a limitações (incapacidade de raciocínios elaborados, abstrações e atividades intelectuais), as mulheres deveriam ser protegidas dos ditos “perigos públicos”, mantendo-se no espaço privado reputado como preferencial para exercerem a “predestinação biológica” - procriação e cuidados dos filhos (Fabíola ROHDEN, 2001; Marília Bernardes MARQUES, 2001; Ana Paula Vosne MARTINS, 2000; Elisabeth Meloni VIEIRA, 2002).

Segundo interpretações médicas, o cérebro e os ovários não se desenvolviam simultaneamente, de modo que as atividades intelectuais femininas poderiam produzir seres débeis, nervosos, estéreis e até gerar crianças doentes ou malformadas. Nesse sentido, as jovens não deveriam abusar das práticas intelectuais, canalizando suas energias para o perfeito desenvolvimento de suas faculdades reprodutoras, cumprindo sua função social como geradoras e educadoras dos futuros cidadãos.

Os discursos médicos destacavam a conexão entre o aparelho reprodutor feminino e o sistema nervoso central. Nesse sentido, qualquer desequilíbrio ou transtorno provocaria reações patológicas em distintas áreas do corpo, afetaria os estados emocionais e poderia atingir a mente.

A mulher seria prisioneira de ciclos que determinariam suas capacidades e limitações: um maior, da puberdade à menopausa (fase reprodutiva), outros representados pela gestação e pela menstruação - sobre estes ciclos foram elaboradas várias explicações. Considerava-se que o sangue menstrual era tóxico e precisava ser eliminado para “limpar” o organismo feminino, daí a importância do bom funcionamento das regras. A menstruação era considerada um momento propenso para a explicitação dos distúrbios mentais.

Afecções aparentemente distintas vão pouco a pouco sendo associadas a esse período, compondo um leque que não cessa de crescer e de se adensar. Do simples nervosismo às verdadeiras psicoses, as afecções que supostamente afetam as mulheres menstruadas são infinitas; [...] sugerem que a maior parte entre elas manifesta bizarrices de caráter e modificações ordinárias de humor. Esses comportamentos quase naturalizados nas narrativas sobre a vida das mulheres indicam de modo bastante incisivo que nesse período elas se tornam mulheres briguentas e contraditórias (Tania Navarro SWAIN, 2013, p. 250).

A criteriosa observação das regras era importante para a elaboração dos diagnósticos e essa informação deveria ser fornecida pelo responsável na ocasião da internação, quando respondia ao questionário do prontuário. Em alguns casos, os familiares mencionam que, antes e durante a menstruação, a paciente manifestava comportamentos estranhos, fazendo associação com os distúrbios mentais, e observavam a irregularidade no fluxo menstrual como um indício de loucura. Como no caso do marido da paciente V.M.R. (APESP, FSP, Caso 251, lata 7) que, ao ser questionado sobre as possíveis causas da moléstia mental da esposa, respondeu: “as causas são a irregularidade das regras”, ou, no caso da paciente A.G. (APESP, FSP, Caso 8, lata 1), em que “a família informou que essa excitação se manifesta, via de regra, durante o período menstrual”. Apontavam-se as ambiguidades atribuídas à dita natureza feminina, considerada instável e caracterizada por “dois polos ambivalentes: um maternal e benéfico, outro mágico, vermelho como o sangue, negro como o diabo, maléfico” (Michelle PERROT, 1988, p. 175).

Em vinte de dezembro de 1934, a senhora R.L. (APESP, FSP, Caso 1105, lata 27), de 78 anos, foi removida de sua casa para o Sanatório Pinel, acompanhada por seu esposo, um advogado e um médico da família, que solicitou formalmente ao Dr. Pacheco e Silva que a paciente fosse internada.

Dona R. tem 78 anos, apesar de não aparentar essa idade, que há tempos atrás se dedicou ao meretrício; que é viúva de um rico industrial [...]; casou-se em segundas núpcias com o senhor L. que declarou que desde a menopausa dona R. é de gênio irascível e guarda pouco as conveniências; que seu estado se agravou, provocando a toda hora os vizinhos, não permitindo que alguém das imediações saísse à janela; que há poucos dias fez uma tentativa de agressão a seu marido, investindo contra ele armada de faca, que o marido procurou o doutor M., Juiz da Vara de Órfãos, que o fez requerer a interdição ex-ofício de dona R., que o mesmo doutor M. aconselhou a internação imediata da paciente responsabilizando o marido pelos atos anti-sociais que a mesma cometesse. Em vistas dessas declarações, fomos, no dia seguinte, à residência de dona R., onde a encontramos de chinelo, sentada em um sofá existente no hall. Tentamos convencê-la a vir conosco, apresentando-nos como médicos, ao que ela se recusou, alegando nada ter que fazer fora de casa, decidimos então levá-la contra a vontade, o que foi facilmente conseguido, pois a paciente não reagiu, protestando apenas contra a violência.

O evento foi identificado como um caso de “distúrbio vinculado à menopausa”, já que foi a partir desse momento que dona R. começou a ter “atitudes estranhas”, como provocar vizinhos e atacar o marido, porém, a leitura do prontuário coloca outras interrogações. Para os médicos, a observação de que dona R. dedicou-se ao meretrício era um indicativo de que se tratava de um caso de “degenerada nata”,3 com debilidade psíquica, decorrente de uma “configuração orgânica patológica”.

Os registros destacavam que dona R. era viúva de um rico industrial e foi seu então esposo quem solicitou a interdição por via judicial, declarando que “ela era louca”. Segundo a paciente, ela conheceu o senhor L. (há uma observação que o marido era muito mais jovem e tinha a nacionalidade portuguesa) e o custeava financeiramente, apesar de ele ser um “indivíduo sem escrúpulos e de maus precedentes, (...) e com passagem pela polícia”. Dona R., “movida por piedade”, resolveu casar-se para evitar que o rapaz fosse extraditado, sendo o matrimônio uma estratégia para a permanência deste no Brasil.

Dona R. acreditava que suscitou a ira do marido por se recusar a lhe dar mais dinheiro, que era gasto com “as numerosas amantes”; atribuiu o internamento e a interdição como “vingança” e que “não é verdade que era louca”. Porém, o médico responsável pela internação considerou certos comportamentos anormais.

[...] a insônia, o estado de exaltação contínua em que vive, a mutabilidade de humor, as suas veleidades de moça com cabelos tintos, vestindo roupas e usando joias exageradas em desacordo com sua idade e, finalmente, seu casamento realizado há quatro meses, nas circunstâncias que ela mesma descreve são indícios de sua falta de juízo crítico [...] (APESP, FSP, Caso 1105, lata 27).

O médico registrou, ao final do exame, que não havia dúvidas dos distúrbios da senhora, apesar de observar que ela respondia adequadamente às perguntas e que, segundo ela, nunca havia apresentado indícios de anomalia mental. Aspectos como a vestimenta e acessórios também foram utilizados na construção do diagnóstico, pois não eram considerados condizentes com a idade avançada da paciente, além de observações de que esta tinha “mentalidade tacanha de pessoa inculta”. Dessa forma, o médico concluiu que a senhora precisava de cuidados e concordou com a “internação por entender que a referida senhora não está em condições de administrar seus bens e nem gerir a sua pessoa”.

Pelo prontuário, dona R. saiu do Sanatório depois de três meses, para apresentar-se ao Juiz da Segunda Vara de Órfãos, que permitiu que ela residisse com parentes enquanto durasse o processo judicial, finalizando assim os registros.

Os médicos eram encarregados de diagnosticar, medicar e curar. Observavam as ditas ambiguidades femininas e a necessidade de controle dos “instintos”, identificavam comportamentos “normais e anormais” e definiam padrões desejados de condutas.

Mulher, sexualidade e honra: medicina e regulação social

Em São Paulo, foi a partir dos inícios do período republicano que se ampliaram as preocupações com as questões de higiene-saúde, possibilitando o aumento da influência médica, que se fez presente no controle das cidades, famílias, corpos e mentes. Gradativamente, os preceitos higiênico-sanitaristas se disseminavam, procurando normatizar os mais variados aspectos: o trabalho e a família, os costumes e os hábitos cotidianos, as formas de morar, se alimentar, se comportar, se vestir, se cuidar e se embelezar, incluindo práticas de higiene e cuidados com a saúde física e mental. Nesse contexto, também ocorreu a difusão da associação entre controle social e a psiquiatria, que adquiriu o status de especialidade capaz de prevenir e cuidar das doenças mentais, conter males e identificar perigos que colocassem em risco a ordem social.

As mulheres despertaram a atenção dos médicos por sua “maior propensão” aos considerados “desvios mentais”. Buscava-se compreender as associações entre a loucura e o corpo feminino. A suposta propensão das mulheres à loucura resultou em um maior controle, vigilância moral e comportamental. Nos casos mais graves de desvio, indicava-se o confinamento em local propício: o hospital psiquiátrico (Michel FOUCAULT, 2010, p. 101).

A medicalização dos corpos femininos envolveu todo um conjunto de discursos reguladores que “formularam teorias e práticas, pressupostos, teses, normas de comportamento, visando ao adestramento dos corpos das mulheres, de seus desejos e sensibilidades” (Maria Izilda S. de MATOS, 2018, p. 35-36). Alertava-se que as mulheres deveriam ser poupadas dos perigos presentes nos espaços públicos, já que podiam ser corrompidas e desregradas. Os prontuários femininos fornecem indícios de que as tentativas de escapar do dito “destino biológico” (casamento e maternidade) causava estranhamento e poderia levar ao internamento, geralmente realizado por pessoa da família e autorizado pelo médico, que diagnosticava e classificava a loucura dessas “mulheres que se furtaram a seu papel natural” (CUNHA, 1989, p. 121-144).

A paciente D.D.R. (APESP, FSP, Caso 1370, lata 37) foi internada em 1936. Era uma jovem de 28 anos, casada há 11 anos, “vivendo sempre muito bem com o marido”, mãe de quatro filhos “saudáveis e fortes”. Seu temperamento era “dócil, toda dedicada aos arranjos do lar e cuidado dos filhos”, sendo considerada boa esposa e mãe dentro de padrões estabelecidos. No entanto, a família notou alterações em seu comportamento e a necessidade de ajuda profissional. Para tanto, foi procurado o Sanatório Pinel. No prontuário, a mãe da paciente se manifestou:

[...] toda a família viu-se alarmada com a mudança radical que se operou no caráter da filha. Esta passou a mostrar-se independente, voluntariosa, lendo volumes e mais volumes sobre os direitos da mulher, emancipação feminina etc. Censurada [...] tomou tal fato como hostilidade [...]. Certo dia abandonou o lar, fugindo para o Rio de Janeiro [...] (APESP, FSP, Caso 1370, lata 37).

Segundo o registro, D.D.R. cometeu diversas atitudes indicativas de distúrbios: renegou seus familiares ao sair de casa, demonstrou que não mais precisava do marido, pois queria independência, e se deixou influenciar por leituras consideradas subversoras que negavam ou queriam alterar o considerado comportamento natural das mulheres.

Em seu prontuário, os médicos salientaram que, durante o internamento, D.D.R. apresentava “conduta irrepreensível, apesar de não ter concordado com a internação”. A paciente enfatizava que os parentes queriam “vê-la passar por doente, o que não é verdade” e que sua mãe, movida por “severos princípios de moral”, preferiu que ela “fosse internada como louca, antes que menos digna”. A frase atribuída à mãe da paciente indica que as atitudes de D.D.R. estavam atingindo a dita “honra da família”. Nesse sentido, a internação no Sanatório apareceu como solução para evitar desgostos e escândalos maiores. O prontuário registrava que ela pretendia se desquitar do marido, pois ele

[...] ultimamente a maltratava, que gostava de outro, e que ninguém poderia censurar seus sentimentos; que infelizmente a lei do país não permitia o divórcio integral, como era de seu desejo [...]. Quanto aos filhos, disse que os estimava, desejando-os para sua companhia. Seus parentes, inclusive a mãe, teriam tomado partido do marido.

Segundo relato de familiares aos médicos, D.D.R. havia se tornado “excessivamente vaidosa”, enquanto a paciente acusava os familiares de interná-la mesmo sabendo que ela não era doente. Também dizia que o marido havia a “obrigado a abortar”, o que era negado pela mãe da paciente, que afirmava que o genro era um ótimo marido e as atitudes da filha eram destituídas de razão, que só podiam ser explicadas por um “desequilíbrio mental”.

Por intermédio dos médicos, o marido e a paciente resolveram “esquecer de tudo” e ela voltou ao convívio familiar. Porém D.D.R. retornou ao Sanatório desacompanhada e o médico registrou no prontuário que

[...] o marido havia descoberto um diário seu, no qual achou a prova de que tinha sido traído, seguindo-se violenta cena; expulsa de casa, procurou o Sanatório, porque lembrava-se de que havia um resto de mensalidade já paga. Historiou os acontecimentos desde o princípio, fazendo ressaltar a culpa do marido que não soube conservar seu afeto, levando-a a dar um mal passo, do qual, aliás, reconhece a sua própria responsabilidade. Explicou-nos que, ao se decidir abandonar a casa, pretendia fazê-lo definitivamente, mas a atitude do outro a decepcionou, recusando-se a mantê-la em sua companhia. Decepcionada [...] seu irmão, já sabendo de tudo, a exprobou, aconselhando-a a acabar com a vida, único meio de lavar sua culpa. Pedia-nos conselhos.

D.D.R. estava presa numa malha de controle social, não queria mais se manter casada, apaixonou-se por outro homem, que a renegou. Sem o apoio da mãe, com o equivocado conselho do irmão, que sugeriu o suicídio como forma de “lavar a culpa” e limpar a honra familiar, ela se viu sem perspectivas e, por vontade própria, procurou ajuda dos médicos.

Mais uma vez, devido à intermediação dos médicos, D. decidiu voltar para o marido. Em “consideração a seus filhos”, o esposo aceitou “perdoar o adultério” da esposa. Segundo os médicos, ela saiu “com ótimo estado de saúde e bons propósitos para o futuro”, de levar uma vida dentro dos parâmetros considerados adequados, porém, alertavam que deveria ser observada de perto, pois foi diagnosticada como “um caso de degeneração atípica”.

Cabe observar que, pelos códigos vigentes à época, as mulheres tinham direitos limitados, devendo manter-se sob a tutela e controle do pai e do marido. O casamento era identificado como um contrato: por um lado, o provento era da alçada do marido, por outro, as mulheres deviam obediência às determinações do “chefe de família” e dedicação às funções do lar e à maternidade. O vínculo matrimonial era considerado indissolúvel; a separação, quando necessária, restringia futuras uniões e as mulheres desquitadas eram desqualificadas socialmente (Andrea BORELLI, 2010; Iáris Ramalho CORTÊS, 2012).

As preocupações com a honra feminina se deviam porque as ações das mulheres refletiam no “bom nome” da família. A “mulher honesta” era aquela que prezava pela sua honra e, consequentemente, a de seus familiares. Antes do casamento, as virtudes femininas esperadas eram a submissão ao pai, decoro e a preservação da virgindade; após o matrimônio, a fidelidade, recato e dedicação às funções de esposa e mãe.

A infidelidade feminina atingia diretamente a honra do marido. Esta ideia de uma honra externa, regrando a sexualidade feminina, é uma normatização imposta por uma sociedade que hierarquiza os gêneros e justifica a desigualdade e a violência (BORELLI, 2010).

O adultério era considerado falta grave, condenada socialmente e com punições previstas em lei. Além disso, poderia se configurar em sinal de transtorno mental, o que é observado em alguns prontuários do Sanatório Pinel. Além do episódio anteriormente relatado (da senhora D.D.R.), há o caso da senhora J.B.L. (APESP, FSP, Caso 1123, lata 31), de 43 anos, que, segundo seu prontuário, era

[...] casada, mãe de três filhos, dos quais dois já adultos. Casou-se bastante moça e, desde logo, declarou-se certa incompatibilidade entre os cônjuges, devido à diversidade de temperamentos, principalmente sob o ponto de vista sexual. Dona J. foi e é dotada de forte temperamento erótico, o que ela mesma confessa. Deste modo a vida em comum tornou-se, por vezes, cheia de atritos [...]. Em suas declarações, dona J. confessa que, ultimamente, se encontrou culpada da infidelidade, atribuindo, porém, toda culpa ao marido, que não teria lhe dado a atenção de que se julgava merecedora. [...]. O marido, por fim, sabedor de tudo, resolveu interná-la.

Diante da decisão do marido, dona J. resolveu fugir para o Rio de Janeiro, mas retornou para casa depois de alguns dias; alegava que não aguentava permanecer longe dos filhos. Pediu à filha que intermediasse uma reconciliação com o marido, aguardando pela resposta em Mogi das Cruzes, quando “lá foram buscá-la inspetores de polícia, à requisição do marido”, e foi então levada ao Sanatório Pinel.

Segundo seu prontuário, durante o internamento, a paciente tinha comportamento “satisfatório nunca apresentando reações violentas”. Entretanto, reclamava, defendendo-se e exigindo justiça, pois “negava que era louca” e “não acusava o marido, apenas o censurava por seu descaso em satisfazer seu amor”. No entanto, para os médicos, era um caso de desvio patológico, pois dona J. mostrava “grande preocupação pelos assuntos de natureza sexual”. O marido a perdoou e ela foi retirada do Sanatório com o diagnóstico conclusivo de que se tratava de “uma personalidade psicopática, com episódios de excitação e desvio de ética”.

A infidelidade feminina era associada a uma “sexualidade desviante”. No caso de A.S.M. (APESP, FSP, Caso 87, lata 3), o marido identificou o comportamento sexual de sua esposa como “desviante”. Ao ser questionado se a paciente manifestava sensações estranhas no corpo, ele citou o “desejo à cópula”; quando arguido sobre as possíveis causas da moléstia, ele respondeu: “excesso de gozo nas cópulas e o desejo de atos contra a natureza”, sendo esse “temperamento” considerado impróprio, gerando desentendimentos com o esposo, que condenava sua conduta. Os “desejos em excessos” eram considerados malefícios morais e poderiam levar à fragilidade do organismo feminino.

Nota-se que a análise clínica observava aspectos do ponto de vista da moral estabelecida, qualquer desvio era identificado como indício de doença mental, “(...) uma espécie invisível de loucura embutida em comportamentos morais femininos” (CUNHA, 1989, p. 127) e, embora as ações durante a internação fossem descritas pelos médicos como normais, o diagnóstico era baseado nos comportamentos “denunciados” pelos familiares.

Observa-se que a sexualidade feminina era objeto de atenção reforçada, alvo de inúmeras regras que incluíam a defesa da castidade (a virgindade garantiria a pureza de sangue e a saúde das novas gerações) e a exaltação do pudor. O sexo deveria restringir-se ao leito conjugal - lugar sagrado da reprodução, sendo a procriação vista como a função da família e a maternidade o destino da mulher.

As relações sexuais fora de âmbito conjugal eram indicativas de desequilíbrio. N.B.C. (APESP, FSP, Caso 624, lata 17), de 24 anos, “era uma moça de família respeitável” que, “tendo se separado do marido, desviou-se da vida regular”, envolvendo-se em comportamentos considerados “desviantes” - “não resiste ela à tentação de prevaricar, o que o faz sempre que se lhe oferece oportunidade, até com pessoas de condição social inferior”; ela não queria “se regenerar” e não resistia “às tentações”. Durante sua internação no Sanatório, ela se submeteu ao tratamento de bom grado e prometeu “tomar novo rumo na vida”. Porém, os médicos acreditavam estar diante de um caso de “degenerada moral, que na primeira ocasião resvalará para a vida antiga”; as “faltas” cometidas por N. eram consideradas graves e sem possibilidade de remissão.

Sobre a sexualidade feminina, o Dr. Pacheco e Silva assinalava que “a frigidez na mulher era tão frequente” que não poderia ser considerada doença. No entanto, “a excitação sexual, quando exagerada”, indicava ninfomania, que era categorizada em dois tipos: “crônica”, acompanhada de grande exaltação sexual, e “aguda”, que poderia levar à alienação mental e à morte (Antonio Carlos PACHECO E SILVA, 1951).

No prontuário da paciente A.N. (APESP, FSP, Caso 147, lata 4) consta que ela era “muito carinhosa, excessivamente escrupulosa e tímida”. Foi internada, pois começou a se sentir “perseguida (...) ouvia vozes que a ameaçavam. Atribuíram uma série de faltas graves pelas quais deveria ser castigada”. A paciente resistia a responder aos médicos se ela havia cometido alguma falta grave, até que, durante uma crise de ansiedade, A. “resolveu confessar tudo, pois só assim poderia se salvar” e relatou aos médicos “uma série de atos, quase todos sexuais, aos quais dava o nome de atos impuros”.

A maioria dos médicos “defendiam a tese de que a normalidade era a ausência do desejo e a incapacidade de alcançar o prazer sexual. A mulher normal seria, portanto, anestesiada para o exercício da sexualidade” (MARTINS, 2000, p. 119). Essas teorias circulavam socialmente, sendo a sexualidade feminina demarcada por restrições legitimadas pelo discurso médico - acreditava-se que algumas mulheres tinham o corpo “saturado de sexualidade”. Nessa base, a histeria foi classificada como uma doença tipicamente feminina, “uma manifestação palpável da loucura feminina, pois sua natureza seria causa e lócus do caos” (SWAIN, 2013, p. 224). Sobre o assunto, o Dr. Pacheco e Silva destacava que

escrúpulos, preconceitos, remorsos, são desconhecidos para as histéricas, que não trepidam em fazer falsas imputações, em simular atentados, em cometer assassinatos, tudo friamente calculados, tomadas perfidamente todas as preocupações e, uma vez consumado o ato, comentam os fatos com segurança, afrontando a opinião pública na certeza de sua impunidade (PACHECO E SILVA, 1951, p. 407).

Nas primeiras décadas do século XX, a histeria era identificada pelo “excesso e pela perversão das práticas sexuais”. Também poderiam desencadear a patologia “leituras lascivas e eróticas, os espetáculos e convenções licenciosas”. Para evitar as manifestações histéricas, as mulheres deveriam manter-se contidas a uma sexualidade circunscrita à relação conjugal, monogâmica e visando à reprodução.

Destino e natureza: possibilidades e interdições

As visões médicas sobre o corpo das mulheres reforçavam as especificidades da sua natureza, sendo as enfermidades femininas identificadas como sinônimo de fragilidade. O monitoramento do feminino seria uma maneira de prevenir possíveis desregramentos morais e, consequentemente, sociais. Deste modo, através de padrões normativos, atribuíam-se às mulheres qualificativos e se estabeleciam elementos de controle sobre seus corpos, implicando ações de enclausuramento para aquelas que se desviassem da norma, viabilizadas com a institucionalização de hospitais psiquiátricos.

Pelos ditos limites naturais, as mulheres deveriam ser protegidas e vigiadas por padrões normatizadores. Escapar às normas impostas e infringir papéis que lhes eram destinados era indicativo de patologias que deveriam ser analisadas pela autoridade competente - o médico psiquiatra que, respaldado por um conhecimento científico, tinha a capacidade de identificar e tratar desvios, ameaças e desordens (FOUCAULT, 2012).

A psiquiatria terá de tornar psiquiátrica toda uma série de condutas, de perturbações, de desordens, de ameaças, de perigos, que são da ordem do comportamento, não mais da ordem do delírio, da demência ou da alienação mental. Doravante as relações pais-filhos, as relações irmão-irmã, as relações marido-mulher vão se tornar, em suas perturbações internas, o domínio de investigação, o ponto de decisão, o lugar de intervenção da psiquiatria. O psiquiatra se torna médico então agente dos perigos intrafamiliares no que eles podem ter de mais cotidiano. O psiquiatra se torna médico de família em ambos os sentidos do termo: ele é o médico que é pedido pela família, que é constituído como médico pela vontade da família, mas é também o médico que tem de tratar de algo que ocorre no interior da família (FOUCAULT, 2012).

À família cabia a responsabilidade de identificar os “problemas” e se responsabilizar pelo tratamento. As instituições deveriam diagnosticar, tratar e devolver os pacientes curados para a vida social. Por meio da análise dos prontuários, percebe-se que as famílias confiavam na competência dos médicos do Sanatório Pinel, considerados referências.

No prontuário de P.M.R. (APESP, FSP, Caso 102, lata 3), nota-se que a família chegou ao sanatório por indicação de um amigo (cuja cunhada foi curada com sucesso de uma grave “enfermidade nervosa”). O pai de P.M.R., quando da internação da sua filha, escreveu ao Dr. Pacheco e Silva, diretor do Pinel:

[...] entregando agora minha filha ao tratamento do Sanatório Pinel, nutro a certeza de que ela participará do seu bondoso interesse e da sua valiosa atenção clínica, merecendo, consequentemente, em geral, o melhor tratamento possível - aspirações essas muito desculpáveis por nascerem do coração de pai [...] (APESP, FSP, Caso 102, lata 3).

A paciente M.A.Q., de 40 anos (APESP, FSP, Caso 35, lata 1), também foi internada pelos pais, por assumir atitudes consideradas inapropriadas para uma “moça solteira em suas condições”. Em seu prontuário, o médico relatou que a paciente era “orientada, coerente, diz que não se sente à vontade no Sanatório porque sente-se mal ao lembrar que está em numa casa em que se trata da moléstia mental, o que não é o seu caso. Veio enganada porque se soubesse, não o teria feito”.

M. realizou seus estudos na Escola Normal “revelando inteligência vivaz”. Segundo salientou o médico, seu internamento foi motivado porque

abandonou a casa paterna, embarcando para o Rio de Janeiro, deixando os seus em grande sobressalto. Foi encontrada em um hotel de segunda ordem, muito emagrecida e sem recurso algum. A família removeu-a para São Paulo, internando-a neste estabelecimento.

Segundo o exame inicial, a paciente não apresentava desordem mental, mas se recusava a alimentar-se e queixava-se de “estar internada injustamente encarcerada (...) culpando disso sua família, os médicos e as enfermeiras”. Alguns dias depois, os médicos notaram mudanças no comportamento de M.: “Revela um espírito caluniador, forjando coisas as mais inverossímeis das pessoas de sua família, não hesitando mesmo em inventar coisas grandemente ofensivas à honra da mesma.”

Pela documentação, constata-se as regras morais vigentes: moças solteiras deviam obediência aos pais, não poderiam viajar sozinhas e sem o consentimento de seus familiares, necessitavam preservar a honra doméstica através de condutas como virgindade e recato. Depois de alguns dias de internamento, M. “começou a apresentar melhoras”, passou a se alimentar regularmente e não estava “tão irritadiça”. Depois de seis meses de internamento, foi retirada do Sanatório por seus familiares.

O controle sobre as moças solteiras deveria ser realizado pelos familiares. A subordinação não ocorria sem resistências, visto que nem todas se submetiam a essa autoridade. Como no caso da paciente M.G. (APESP, FSP, Caso 38, lata 1), de 32 anos, que relatou que “nunca se entendeu bem com seus irmãos, porque estes queriam ter ascendência sobre sua pessoa, embora não tivessem direitos para isso”. Segundo o prontuário, a moça passou a residir no interior com os irmãos, entretanto, os conflitos familiares impediam uma convivência harmônica, pois M. “queria sair de casa quando bem quisesse e nisso era sempre contrariada pelas pessoas da família”, que cerceavam a sua circulação.

Os médicos também observavam antecedentes familiares para avaliar possíveis questões de hereditariedade e/ou erros de criação, que supostamente poderiam desencadear certas patologias. Segundo relatos no prontuário de I.C.A. (APESP, FSP, Caso 107, lata 3), ela ficou desequilibrada após ser reprovada no exame para Escola Normal. Durante a internação, foi verificado que “quando contrariada em seus propósitos, mostrava-se violenta e agressiva” e atribuíram esse descontrole à criação, registrando que “parte desses excessos cabe aos exagerados mimos de que se sentiu cercada pelos pais”.

Outro caso no qual a “educação inadequada” foi referendada é o da paciente E.P.C. (APESP, FSP, Caso 550, lata 16). Segundo seu prontuário, E. era “filha única de um casal abonado, que sempre se esmerou em fazer-lhe todas as vontades”. A paciente apresentava personalidade “autoritária”, além de ser “excessivamente vaidosa, defeito esse que veio da linha materna”. Os pais perceberam o desequilíbrio quando a moça se tornou facilmente “irritadiça” e “pueril, desejando casar-se com artistas cinematográficos” e atribuíram esse comportamento ao “excesso de trabalho intelectual”, pois a moça cursava a Escola Normal e, ainda, ao mesmo tempo, estudava piano. Para os médicos, ela apresentava um “certo grau de desintegração psíquica” e “perversão da afetividade”, “se emocionava com a visita dos pais, mas não hesitava em abandoná-los para casar-se com o ator de cinema Ramon Novarro, ou com o médico, ou com o jardineiro”. Apesar de ter recebido alta, os médicos concluíram que “predomina no terreno da afetividade o egoísmo, claro ou disfarçado, mas sempre presente em todas as suas ideias e atos”.

No caso da paciente E.F.G. (APESP, FSP, Caso 829, lata 22), os médicos também atribuíram à família a responsabilidade pelo desequilíbrio da moça. Seu prontuário a descrevia como “exímia pianista”, que se apresentou “em várias capitais europeias”, contudo, segundo seus familiares, ocorreu uma brusca mudança de caráter, “abandonando de vez a carreira e só pensando em divertir-se e gastar dinheiro, demonstrando mesmo ignorar seu valor”. Apesar de sua família ter procurado o Sanatório, os médicos observaram falhas de educação, pois a moça foi “educada com hábitos de independência”.

Desde finais do século XIX, a família passou a ser considerada a unidade social básica, adquirindo importância estratégica e se tornando o sustentáculo do projeto normatizador. Essa “nova família”, moderna e higiênica, era estimulada a desenvolver práticas que se adaptassem aos novos tempos. Apesar da existência de diversos “arranjos familiares”, a família nuclear tornou-se o padrão, sendo formada pelos cônjuges (casados formalmente no civil e religioso) e os filhos legítimos nascidos dessa união. Na “nova família”, as mulheres deveriam arcar com a função de mães e se tornaram responsáveis pela saúde e cuidados dos filhos e do marido. Os homens, enquanto chefes de família, eram os encarregados do provento e teriam a autoridade sobre os membros da família.

A constituição da família seria através do casamento monogâmico, garantia da saúde da prole. Partindo das premissas da higiene mental, os psiquiatras demonstravam preocupações científicas, como a questão das doenças hereditárias, sobretudo as moléstias mentais “que se transmitem de geração em geração”. Baseados em um discurso eugenista, defendiam que esses danos poderiam desaparecer, “evitando a união dos indivíduos portadores dessas taras”, pois a eugenia “visa melhorar a raça, não só sob o ponto de vista físico como também psíquico” (PACHECO E SILVA, 1951, p. 200).

Os ideais eugenistas atrelavam o desenvolvimento do país à união de indivíduos saudáveis. Identifica-se duas as vertentes desse pensamento: a “eugenia positiva”, que se baseava na prevenção, estimulando exames pré-nupciais para identificar possíveis patologias que o casal poderia transmitir para os filhos, além de propagandear a necessidade da higiene e a prevenção e cura de doenças “como a sífilis, a tuberculose, a lepra (...) e de se estudar os mecanismos para “lutar contra as moléstias sociais”. Nessa perspectiva, a educação era um importante mecanismo - “segundo a moral eugênica deve-se (...)” desenvolver, em todo cidadão, a responsabilidade da raça” (PACHECO E SILVA, 1951, p. 200).

Numa outra vertente, a “eugenia negativa” apregoava um controle maior e, dependendo da situação, a esterilização de indivíduos considerados degenerados físicos e mentais, em criminosos reincidentes (Robert WEGNER; Vanderlei Sebastião de SOUZA, 2013), visando acabar com “o aumento assustador de elementos que representa um peso morto para a sociedade” (PACHECO E SILVA, 1951, p. 200). Também coibiam uniões inter-raciais, pois a miscigenação era identificada como causa de degenerescência. Alguns defendiam ainda “a supressão pura e simples dos indesejáveis (...) acreditando poder dessa forma pôr termo ao sofrimento dos seres degenerados” (PACHECO E SILVA, 1951, p. 200) e diminuir gastos governamentais dispensados a esses doentes.

Esforços foram constituídos para difusão do modelo de “esposa ideal”, que devia cultivar o recato, decência e pudor, manter fidelidade ao marido; como mãe e dona de casa, precisava manter a harmonia e higiene do lar, garantindo saúde e bem-estar a seus familiares. Nesse contexto de preparar as mulheres para as suas funções como esposa e mãe, a educação feminina tornou-se valorizada. Cabia às mulheres a função de formar os futuros cidadãos, pois, quando instruídas e educadas, teriam capacidade de criar seus filhos dentro de boas condições físicas, intelectuais e morais.

A educação feminina vinculava-se aos princípios da modernização da sociedade e da família, as quais não tinham ideais emancipatórios, reafirmando a posição da mulher no lar como mãe e esposa. A educação das mulheres era dirigida cultural e socialmente. Para as meninas das classes populares, o ensino se restringia às primeiras letras e à instrução profissional; já para as crianças e as jovens das elites e setores médios, o conteúdo era mais amplo e variado: além da leitura, escrita e operações matemáticas básicas, também exercitavam bordado, costura, culinária, etiqueta, música (tocar piano) e conhecimentos de outro idioma, que eram práticas valorizadas como indicativo de capital cultural (Pierre BOURDIEU, 2007).

Já que as funções femininas se encontravam determinadas, negar-se a ter filhos seria contrariar o “destino natural”, podendo gerar patologias, dentre elas a loucura (COUTO, 1999). Em carta ao Sanatório Pinel, o marido de I.D.P. (APESP, FSP, Caso 1521, lata 42) expressou essa ideia, ao relatar que “quis tê-lo para seguir o conselho de alguém que disse que procurasse ter um filho que ela ficaria boa. Mas não adiantou”. Assim como o marido de V.M.R. (APESP, FSP, Caso 251, lata 7), que atribuiu como causa do adoecimento da esposa o fato de que ela “(...) não teve filhos, nem concebeu”.

A maioria dos médicos defendia que a contracepção não era natural, podendo causar danos ao corpo feminino e gerar sentimento de culpa nas mulheres que evitavam ter filhos, como foi o caso da paciente A.S.M. (APESP, FSP, Caso 87, lata 3), mulher de 35 anos e casada. Foi levada ao Sanatório por seu esposo por apresentar “alucinações”, pois estava com “mania de rezar (...) para afastar um mau pressentimento”. No seu prontuário, foi assinalado que a paciente não tinha “antecedentes hereditários e nem pessoais”, era uma senhora de hábitos condizentes com a norma, até que “começou a se enfraquecer e baquear. Ela, que até certo ponto evitava ter muitos filhos, começou a ter remorso disso, procurando por todos os meios se penitenciar dessa falha”.

Esperava-se que as mulheres tivessem filhos e cuidassem das crianças = representava-se a maternidade como um “mandato biológico”, também como função que “enaltece e glorifica a mulher”, devendo a mulher desenvolvê-la em todo seu potencial. Frequentemente, a representação da maternidade transbordava seu caráter biológico para abarcar um significado social. Qualquer outra atividade feminina, que não fosse a de esposa e mãe, realizada no aconchego do lar, passou a ser vista como subordinada, assessória e desviante.

O papel social exercido pelas mulheres adquiriu importância - enquanto mães, estavam incumbidas de gerar e criar os futuros cidadãos. A maternidade adquiriu função política, surgindo a representação da “mãe cívica” (Margareth RAGO, 2002) e as responsáveis por isso seriam as mulheres que deveriam ser educadas para essa finalidade.

A crescente preocupação com a criação de crianças saudáveis abriu possibilidades para a intervenção de saberes médicos (pediatria, puericultura), através de ações e prescrições que visavam prevenir as doenças e a mortalidade infantil. Pautados nas noções de higiene familiar, os médicos se propunham a ensinar as mulheres novos procedimentos e cuidados para com as crianças. Aspectos envolvendo a maternidade passaram a sofrer a intervenção médica direta, desde o parto (que deveria ser realizado por médicos e não por parteiras), passando pela amamentação e alimentação infantil, além de vários outros cuidados com a higiene e disciplina das crianças de acordo com a faixa etária.

O destino traçado para as mulheres era o casamento abençoado pela Igreja e legalmente registrado no civil. Já era difundido que o casamento deveria ser realizado por amor, sendo a livre escolha dos cônjuges considerada uma atitude moderna. As jovens nutriam expectativas para arranjar um “bom casamento” e sofriam pressões nesse sentido, já que o casamento era considerado um caminho para realização dos ideais de feminilidade. As moças deveriam ser educadas para que não se desviassem desse caminho e não escapassem do “destino” reservado à mulher. Assim sendo, as jovens receavam ficar solteiras e não realizar seus sonhos de felicidade conjugal e constituição de uma família.

Nos prontuários, observam-se situações nas quais os ditos desvios de conduta foram relacionados a incertezas quanto às possibilidades de casamento. Os familiares da paciente P.M.R. (APESP, FSP, Caso 102, lata 3) atribuíram como causa da moléstia “amores contrariados”, “grande receio de não arranjar um bom casamento”, de permanecer solteira e “o afastamento das duas irmãs” que mudaram da casa paterna quando se casaram, o que gerou na paciente uma “grande tristeza”. O conjunto desses fatos levou a “crises alucinatórias”, pois P. se sentia perseguida pelas “almas de dois rapazes que foram seus pretendentes”.

No caso da paciente A.D. (APESP, FSP, Caso 399, lata 11), segundo o relato da mãe, a filha tinha “mania de casar-se, os seus distúrbios tiveram início em abril de 1929, manifestados por ideias fixas de matrimônio”. No prontuário, ela foi descrita como “moça, de 28 anos, bem apresentável, cuidando com capricho de seu asseio e vestuário, dotada de certa cultura”. Apesar de ter passado um pouco da “idade ideal para casar”, apresentava atributos considerados desejáveis para uma futura esposa. No entanto, tinha “ideias delirantes, geradas por alucinações”.

Todos os prontuários informavam o estado civil das pacientes e as solteiras eram particularmente destacadas. A paciente A.A.A. (APESP, FSP, Caso 195, lata 6) foi internada por delírios, pois dizia que era “noiva do príncipe de Gales”. Além disso, o médico relatou que A. tinha uma dificuldade em conviver com outras pessoas, pois tinha “uma acentuada mania de limpeza”, além de ser “muito sistemática, não gostava de diversões, como toda solteirona, achava tudo profano e vergonhoso”, cabendo atentar para o modo pejorativo como o médico se referiu à paciente.

No caso da paciente M.C.M.O. (APESP, FSP, Caso 471, lata 13), o prontuário informava que era “moça solteira, com 34 anos”, sendo relatado que se tratava de pessoa bastante inteligente. Apesar de ser “independente”, sua conduta sempre foi “irrepreensível”, até ser “contrariada pelos seus em uma inclinação amorosa”; a desaprovação familiar ao namoro e o excesso de trabalho foram apontados como os causadores da moléstia mental.

As mulheres que não se casavam até os 25 anos eram consideradas “solteironas”, sendo estigmatizadas socialmente, representadas “como frustradas, senão anormais” (Cláudia FONSECA, 1989). Se a norma estabelecia o destino feminino como de esposa e mãe, restavam às solteiras poucas opções: elas deviam se encarregar de cuidar dos doentes e velhos da família, preservar as memórias familiares (fotos, receitas, histórias) e de vigiar a moral familiar (acompanhavam as sobrinhas em passeios e viagens, vigiavam namoros e noivados). Trabalhar também se apresentava como uma possibilidade, desde que em funções que fossem consideradas dignas, como professoras, enfermeiras, secretárias. Contudo, nem sempre essas atividades eram garantia de maior liberdade, já que muitas solteiras continuavam residindo na casa dos pais e estavam condicionadas à autoridade paterna, sendo-lhes exigido manter comportamento discreto e contido.

Considerações finais

Partindo do relato do “caso” de Eunice Caldas e cruzando com as informações presentes em outros prontuários femininos do Sanatório Pinel de São Paulo, várias indagações foram colocadas sobre corpos e mentes das mulheres internadas. Assim sendo, estes escritos trazem contribuições sobre como os discursos médicos identificaram as ditas enfermidades femininas, entre elas a loucura, como apresentaram as questões da sexualidade, casamento, solteirice e honra, como reforçaram os ideais de feminilidade vinculando-os aos padrões de “boa esposa e mãe”, como outros procedimentos e expectativas foram identificados como desvios que deveriam ser coibidos e/ou como patologias a serem tratadas.

Conseguiu-se rastrear como frente a imposição de códigos rígidos, sendo que as mulheres que não se submeteram aos discursos normativos foram consideradas “indesejáveis” e incapazes de ajustamento ao meio social. As que se atreveram a recusar o casamento e a maternidade, as que assumiram desejos de independência e gosto pelo trabalho conheceram a desaprovação social e até mesmo o enclausuramento em instituições psiquiátricas como o Sanatório Pinel. Já que era considerado que “toda mulher em liberdade é um perigo e, ao mesmo tempo, está em perigo, um legitimando o outro. Se algo de mau lhe acontece, ela está apenas recebendo aquilo que merece” (PERROT, 2003, p. 25).

Cabe atentar para não deduzir que todas as pacientes eram vítimas de um “confinamento punitivo”; é plausível que, entre as mulheres internadas, várias sofriam de patologias que necessitavam de cuidados médicos, no entanto, cabe observar que os corpos e mentes femininos carregavam estigmas mais suscetíveis ao controle de seus comportamentos e às ações de internamento.

Nesse sentido, as possibilidades de análise dos casos aqui observados não se esgotam e buscam inspirar outras inquietações e pesquisas, que questionem os padrões de comportamento de gênero e suas ações de resistências e transgressão em diferentes setores sociais e períodos históricos, bem como as múltiplas produções discursivas legitimadas socialmente, como a medicina.

Referências

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 8, lata 1. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 35, lata 1. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 38, lata 1. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 45, lata 2. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 87, lata 3. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 102, lata 3. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 107, lata 3. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 147, lata 4. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 195, lata 6. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 251, lata 7. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 399, lata 11. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 471, lata 13. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 550, lata 16. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 624, lata 17. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 829, lata 22. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 1105, lata 27. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 1123, lata 31. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 1370, lata 37. [ Links ]

APESP - Arquivo Público do Estado de SP, Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 1521, lata 42. [ Links ]

BORELLI, Andrea. Uma cidadã relativa: as mulheres, as questões de gênero e o direito brasileiro - 1830/1950. São Paulo: DC&C Empresarial, 2010. [ Links ]

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Porto Alegre: Zouk, 2007. [ Links ]

CAPUTO, Melissa Mendes. Eunice Caldas, uma voz feminina no silêncio da história. 2008. Mestrado (Educação e Formação) - Universidade Católica de Santos, Santos, SP, Brasil. [ Links ]

CORTÊS, Iáris Ramalho. “A trilha legislativa da mulher”. In: PINSKI, Carla B.; PEDRO, Joana M. (Orgs.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. p. 230-285. [ Links ]

COUTO, Rita Cristina Carvalho de Medeiros. Nos corredores do Pinel: eugenia e psiquiatria. 1999. Doutorado (História) - FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. [ Links ]

CUNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo - Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. [ Links ]

CUNHA, Maria Clementina Pereira. “Loucura - gênero feminino: as mulheres do Juquery na São Paulo do início do século XX”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 18, p. 121-144, 1989. [ Links ]

FIGUEIREDO, Lilia Simões Barbosa de. Duplo nó: mulheres no Hospital Psiquiátrico Pinel de Pirituba (1929-1940). 2011. Mestrado (História) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP, Brasil. [ Links ]

FONSECA, Cláudia. “Solteironas de fino trato: reflexões em torno do (não) casamento entre pequeno burgueses no início do século XX”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 18, p. 99-120, ago./set. 1989. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. O poder psiquiátrico. São Paulo: Martins Fontes, 2012. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2010. [ Links ]

MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978. [ Links ]

MARQUES, Marília Bernardes. Discursos médicos sobre seres frágeis. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. [ Links ]

MARTINS, Ana Paula Vosne. A medicina da mulher: visões do corpo feminino na constituição da obstetrícia e da ginecologia do século XX. 2000. Doutorado (História) - Unicamp, Campinas, SP, Brasil. [ Links ]

MATOS, Maria Izilda Santos de. Corpos e emoções. São Paulo: Emanuscrito, 2018. [ Links ]

PACHECO E SILVA, Antonio Carlos. Psiquiatria clínica e forense. São Paulo: Renascença, 1951. [ Links ]

PEREIRA, Bruna dos Santos Beserra. Entre a Loucura e a norma: mulheres internadas no Sanatório Pinel (São Paulo, 1929-1944). São Paulo: Emanuscrito, 2018. [ Links ]

PERROT, Michelle. “Apresentação”. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). O corpo feminino em debate. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 2003. p. 7-27. [ Links ]

PERROT, Michelle. Os excluídos da história. Operários, mulheres e prisioneiros. São Paulo: Paz e Terra, 1988. [ Links ]

RAGO, Margareth. “Trabalho feminino e sexualidade”. In: DEL PRIORE, Mary; BASSANEZI, Carla (Orgs.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2002. [ Links ]

ROHDEN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001. [ Links ]

SANTOS, Paulo Reis dos. Inclinações, erotismo, pederastia e práticas masturbatórias: uma análise dos campineiros internados no Sanatório Pinel na década de 1930. 2015. Doutorado (Educação) - Unicamp, Campinas, SP, Brasil. [ Links ]

SWAIN, Tania Navarro. “Mulheres indômitas e malditas: a loucura da razão”. In: MUCHAIL, Salma Tannus; FONSECA, Márcio Alves da; VEIGA-NETO, Alfredo (Orgs.). O mesmo e o outro - 50 anos de História da Loucura. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. p. 223-233. [ Links ]

VACARO, Juliana Suckow. A construção do moderno e da loucura: mulheres no Sanatório Pinel de Pirituba (1929-1944). 2011. Mestrado (História) - FFLCH, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. [ Links ]

VIEIRA, Elisabeth Meloni. A medicalização do corpo feminino. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. [ Links ]

WEGNER, Robert; SOUZA, Vanderlei Sebastião de. “Eugenia ‘negativa’, psiquiatria e catolicismo: embate em torno da esterilização eugênica no Brasil”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 263-288, jan./mar. 2013. [ Links ]

1A opção por identificar o nome e sobrenome da paciente desse prontuário se deve ao fato de se encontrar outros trabalhos que se referiram a Eunice Caldas nominalmente. Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP), Fundo Sanatório Pinel (FSP), Caso 45, lata 2.

2Vital Brazil, médico e pesquisador reconhecido internacionalmente como sanitarista, atuou no combate à febre amarela e à peste bubônica, iniciando suas pesquisas no Instituto Bacteriológico do Estado de São Paulo (1897). Fundou o Instituto Butantã (SP/1899), onde desenvolveu suas pesquisas, que culminaram com a descoberta do soro antiofídico (1903), também dos soros contra picadas de aranha, antitetânicos, antidiftérico e do tratamento para picadas de escorpião. Frequentou o Instituto Pasteur (Fr.), trabalhou com Carlos Chagas em Manguinhos e fundou o Instituto Vital Brazil (Niterói/1919).

3O conceito de “degenerada nata” foi elaborado pelos médicos italianos Cesare Lombroso e Guglielmo Ferrero (La Donna delinquente, La prostituta e La Donna normale, 1893), que defendiam que algumas mulheres tinham características que explicariam a predisposição à prostituição; sendo moralmente descaídas e propensas à criminalidade, elas traziam no corpo estigmas “testa curta, mandíbula larga, canelas grossas”, bem como características da personalidade (rude, cruel, mentirosa e vingativa), determinados gostos e práticas que eram indicativos de desequilíbrios.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: MATOS, Maria Izilda Santos de; PEREIRA, Bruna S. Beserra. “Prontuários femininos do Sanatório Pinel/SP (1929-1944)”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 30, n. 1, e76044, 2022.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 (Bruna S. Beserra Pereira) e CNPq, bolsa Pq 1A (Maria Izilda S. Matos).

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 29 de Julho de 2020; Revisado: 03 de Agosto de 2021; Aceito: 10 de Setembro de 2021

mismatos@pucsp.br

brunasbpereira@gmail.com

Maria Izilda Santos de Matos (mismatos@pucsp.br) tem Doutorado em História (1991), Livre docência (2016) e Pós-doutorado (Lyon 2/1997). Professora titular da PUC/SP, pesquisadora 1A do CNPq. Tem experiência na área de História, com ênfase em gênero, corpos, imigração. Coordenadora do Projeto “Prontuários do Pinel/PP: análise institucional e de gênero”, junto ao APESP (Arquivo Público do Estado de São Paulo). Entre suas obras, destacam-se: Gênero e imigração: mulheres portuguesas em foco (2017), Por uma história da mulher (2018), Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho (2019), Por uma possível história do sorriso: institucionalização, ações e representações (2019).

Bruna S. Beserra Pereira (brunasbpereira@gmail.com) tem Graduação em História (2010), Especialização em História (PUC/SP, 2014), Mestrado em História (PUC/SP, 2016). Doutoranda (PUC/SP). Tem experiência na área de História, com ênfase em gênero, corpos, clínicas psiquiátricas. Pesquisadora do Projeto “Prontuários do Pinel/PP: análise institucional e de gênero”, junto ao APESP. Autora de Entre a loucura e a norma: Mulheres internadas no Sanatório Pinel (São Paulo, 1929-1944) (2018).

Contribuição de autoria: as autoras contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons