1 Introdução
A pesquisa apresentada neste artigo se insere no debate sobre eficácia escolar (por exemplo, ALVES; FRANCO, 2008; FRANCO et al., 2007; OLIVEIRA; WALDHELM, 2016) e, mais especificamente, na tradição de pesquisa que reconhece a análise das escolas, a partir dos resultados de seus processos de ensino-aprendizagem, identificando fatores intraescolares associados aos melhores desempenhos (BROOKE; SOARES, 2008).
Admitir tal posicionamento não implica em tomar a eficácia escolar com um sentido restrito e reduzido ao conjunto de relações entre fatores e performance organizacional. A eficácia escolar é mais do que isso. Ela diz respeito à própria qualidade das instituições ou, nos termos de Brooke e Soares (2008, p. 20), a “capacidade das escolas de produzirem efetivamente os resultados que a sociedade espera delas”.
Nesse encadeamento, visando o desenvolvimento de uma investigação que integre fatores pouco explorados pela literatura nacional sobre a instituição escolar e sua performance, este estudo busca avaliar a provável relação entre gestão e desempenho escolar, tendo a complexidade da Gestão Escolar como moderadora dessa relação. O objetivo do trabalho é analisar o impacto da Gestão Escolar no desempenho na Prova Brasil-2015 de Matemática, dos estudantes do 9º ano das escolas pertencentes à rede de ensino público do Espírito Santo, e o possível papel moderador da complexidade da Gestão Escolar nessa relação.
Espera-se, com isso, descortinar relações pouco conhecidas e oferecer insights para o desenvolvimento de novos estudos, bem como para a formulação de políticas educacionais. No campo prático, esta pesquisa fornece elementos que favorecem a ampliação do conhecimento do gestor público e que o auxiliam na formulação de ações destinadas à melhoria da qualidade da educação.
Os termos do modelo proposto começam a ser delineados no próximo tópico, dedicado à fundamentação teórica. Adiante, os procedimentos metodológicos são apresentados. Em seguida, os resultados da aplicação do método Partial Least Squares Path Modeling (PLS-PM) são analisados. Por último, a discussão e as considerações finais são evidenciadas. Como resultado, o presente estudo evidencia que a complexidade da Gestão Escolar atuou como moderadora da relação entre Gestão Escolar e desempenho, com efeito negativo.
2 Eficácia escolar: alguns consensos e dissensos
No cenário internacional, os estudos sobre fatores correlacionados ao sucesso escolar geraram ao longo das últimas cinco décadas uma tradição de pesquisa consolidada, e nem sempre conclusiva, sobre desempenho escolar (SOARES, 2002), qualidade e equidade da escola (ALVES; SOARES, 2013) e do ensino (ALBERNAZ; FERREIRA; FRANCO, 2002). De modo geral, os trabalhos dizem respeito à obtenção dos padrões e metas desejadas ou, conforme evidenciado por Creemers e Scheerens (1994), endereçam fatores relacionados ao funcionamento da escola que contribuem para explicar as diferenças nos resultados entre estudantes, escolas e sistemas educacionais.
No âmbito nacional, a investigação sobre eficácia escolar é mais recente. As pesquisas começaram a ser realizadas de forma sistemática nos anos 2000, após a implementação de uma política de avaliação que utiliza testes em larga escala e questionários contextuais (ALVES; FRANCO, 2008). Para Franco et al. (2007), não há dúvidas de que a escola faz a diferença, seja por meio do clima acadêmico, da disponibilidade de recursos na escola e/ou da liderança escolar. O estudo de Oliveira e Waldhelm (2016), por exemplo, indica que a liderança do Diretor e o clima escolar influenciaram de maneira positiva o resultado dos estudantes do 5º ano, na Prova Brasil-2011 de matemática.
A pesquisa em eficácia escolar explora as diferenças dentro e entre as escolas. Seu principal propósito é identificar, com o uso de modelos apropriados, fatores explicativos para a variação dos resultados escolares, como o desempenho de estudantes e escolas em testes específicos (GOLDSTEIN, 1997). Assim, na presente pesquisa, o desempenho escolar, variável dependente do modelo, é a proficiência média dos estudantes do 9º ano, no teste de Matemática da Prova Brasil-2015.
A Gestão Escolar, neste estudo, se relaciona à percepção de liderança pedagógica e das ações de engajamento que os professores têm a respeito do Diretor escolar e do trabalho colaborativo, respectivamente. Desse ponto de vista, a Gestão Escolar assume um significado próximo do referenciado por Lück (2009), vinculando-se, em sentido genérico, à habilidade do Diretor em gerir a dinâmica da unidade educacional, de forma participativa e compartilhada, com o intuito de garantir o avanço dos processos educativos de sua unidade ou ainda à ideia de liderança eficaz (REYNOLDS; TEDDLIE, 2008).
Assim, a Gestão Escolar foi operacionalizada como uma dimensão composta pela liderança pedagógica e engajamento, centrais para a gestão de uma organização escolar pública brasileira que envolve muitas atividades, como organizar a autonomia, a elaboração, monitoramento e melhoria da proposta pedagógica, a administração de pessoal e recursos materiais e financeiros, a articulação com a família e sociedade etc. (conferir em: LDB, Art. 12 – BRASIL, 1996). Sua natureza é técnica e também política. A gestão democrática, princípio da educação pública brasileira, demanda a articulação da convivência entre os diferentes segmentos da comunidade escolar e a participação deles no planejamento, no monitoramento e na avaliação das ações, bem como na própria tomada de decisão gerencial (PARO, 2015). Em termos conceituais, não há, na literatura nacional, uma descrição precisa que relacione indicadores de todas as dimensões do trabalho gerencial em unidades de ensino público. O conceito de gestão (ou administração) escolar, conforme observam Oliveira e Vasques-Menezes (2018), vem sendo construído historicamente em um processo carregado de valores e significados específicos do contexto político e educacional brasileiro.
Nessa esteira, assume-se que a liderança pedagógica e o engajamento refletem a Gestão Escolar, uma vez que são manifestações causadas pela Gestão Escolar e que, ao mesmo tempo, potencializam a própria Gestão Escolar. Logo, a Gestão Escolar é entendida como uma prática complexa que ordena o planejamento, a participação e a autonomia da unidade escolar, bem como a relação com a comunidade, a avaliação das atividades pedagógicas e dos elementos estruturais e materiais empregados nessas práticas. Propõe-se, assim, a seguinte hipótese:
H1: A Gestão Escolar impacta positivamente o Desempenho Escolar
Conforme exposto no parágrafo anterior, o conceito de Gestão Escolar apresentado atribui importância à liderança pedagógica e ao engajamento por seu potencial relacional e integrador. No que diz respeito à liderança pedagógica, por meio de firmeza, propósito e abordagens participativas (por exemplo, FRANCO et al., 2003; SAMMONS; HILLMAN; MORTIMORE, 1995), o Diretor é capaz de performar a complexa atividade de gerir uma escola, considerando as múltiplas dimensões apontadas acima. Ademais, o papel pedagógico e a liderança pedagógica em unidades escolares eficazes são capazes de “garantir o bom funcionamento administrativo das escolas e as condições administrativas para o bom trabalho de seus professores” (FRANCO et al., 2003, p. 65). Uma liderança pedagógica eficaz, para Fiedler (1990), se relaciona com características pessoais dos Diretores, mas também com o contexto educacional/pedagógico. Nesse sentido, Fiedler (1990) sugere que o Diretor deve ser formado para exercer um controle situacional. Contudo, o presente estudo entende que, além de analisar os tipos de lideranças (mais ou menos) eficazes, é preciso também entender os efeitos da liderança sobre a eficácia da Gestão Escolar (SILVA; LIMA, 2011).
Liderança diz respeito ao papel que os líderes desempenham, seu estilo de gestão, sua relação com a visão, valores e objetivos da escola e sua abordagem à mudança. A literatura revela a atuação do profissional nos processos de ensino-aprendizagem, como uma das características associadas à liderança bem-sucedida. Tal habilidade implica envolvimento e conhecimento sobre o que se passa na sala de aula, incluindo o currículo, as estratégias de ensino e o monitoramento do progresso do aluno, estando associada, portanto, à ideia de liderança pedagógica ou instrucional (LEE; BRYK; SMITH, 1993; SAMMONS; HILLMAN; MORTIMORE, 1995). Corroborando essas ideias, Terosky (2014) acrescenta que os líderes instrucionais estão engajados em ações relacionadas: ao currículo e à instrução, às metas e aos projetos educacionais, à legitimidade junto à sua equipe, à gestão das relações com o ambiente. Assim, propõe-se a seguinte hipótese:
H2: A Liderança Pedagógica reflete a Gestão Escolar
Por outro lado, o engajamento é central para pensar a complexa tarefa de gerir uma escola, já que influi diretamente sobre instâncias centrais da Gestão Escolar (por exemplo, FRANCO et al., 2003), como a colaboração entre a estabilidade de docentes, bem como na equidade pela escola (por exemplo, FRANCO et al., 2003; LEE, 2001). O engajamento, ou colaboração no contexto de trabalho docente, é apontado como uma das características das escolas eficazes, sendo associado à qualidade do ensino e ao próprio desenvolvimento da escola (HARGREAVES, 1994; LEE, 2001; MORTIMORE et al., 1988; SAMMONS; HILLMAN; MORTIMORE, 1995). Mortimore et al. (1988) e Sammons, Hillman e Mortimore (1995) argumentam que o trabalho colaborativo diz respeito também ao engajamento docente nas tomadas de decisões, no planejamento do currículo, no desenvolvimento de diretrizes escolares e no compartilhamento de ideias. Hargreaves (1994) esclarece que, em culturas nas quais há o engajamento coletivo, as práticas colaborativas entre professores evoluem e são sustentadas pelo e no próprio grupo. O engajamento ocorre espontaneamente a partir da livre vontade do sujeito que visualiza, nessa forma de ação, uma fonte de vantagens profissionais e pessoais. No entanto, a Gestão Escolar é um importante potencializador do trabalho colaborativo (FORTE; FLORES, 2012; HARGREAVES, 1994). Assim, pode-se propor a seguinte hipótese:
H3: O Engajamento reflete a Gestão Escolar
Neste estudo, assume-se a Complexidade de Gestão de acordo com os parâmetros definidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), isto é, porte da escola, número de turnos de funcionamento, complexidade das etapas ofertadas e número de etapas/modalidades oferecidas (INEP, 2014). A literatura reconhece que escolas com complexidade mais elevada têm maiores dificuldades de atingir melhores resultados (por exemplo, ALVES; SOARES, 2013; BARTHOLO; COSTA, 2016; MATOS; RODRIGUES, 2016). Na investigação de Américo e Lacruz (2017), entretanto, a Complexidade da Gestão não foi identificada como variável preditora da nota da Prova Brasil-2013. Assume-se, neste estudo, que a complexidade da Gestão Escolar exerce papel moderador, com impacto negativo, na relação entre Gestão Escolar e Desempenho Escolar. Do que decorre a seguinte hipótese:
H4: A Complexidade da Gestão Escolar modera a relação entre Gestão Escolar e Desempenho Escolar, com impacto negativo
Emerge, então, dessa discussão, o seguinte modelo inicial de pesquisa (Figura 1).
LID1 a LID12: Variáveis manifestas 1 a 12 ligadas à variável latente Liderança Pedagógica [questões 58 a 69 extraídas de Inep (2015)].
ENG1 a ENG5: Variáveis manifestas 1 a 5 ligadas à variável latente Engajamento [questões 53 a 57 extraídas de Inep (2015)].
ICGE: Índice de complexidade da gestão escolar.
NPB_MAT: Nota dos estudantes do 9º ano na Prova Brasil de Matemática de 2015.
H1 a H4: Hipóteses 1 a 4.
Assim, nesse modelo teórico, o Engajamento e a Liderança Pedagógica são construtos que representam variáveis conceituais, não observadas diretamente, que se referem às definições teóricas subjacentes à sua conceituação, uma vez que são operacionalizados por meio de variáveis manifestas tomadas como indicativos indiretos (proxies) da sua construção latente. A Gestão Escolar é uma abstração de ordem superior operacionalizada por intermédio de outros construtos. Operacionalmente, a Gestão Escolar é um construto de segunda ordem refletido pela Liderança Pedagógica e pelo Engajamento.
Por fim, esclarece-se que na especificação do modelo de mensuração fez-se uma opção quanto à natureza reflexiva ou formativa dos construtos. Como ensinam Jarvis, Mackenzie e Podsakoff (2003), construtos reflexivos descrevem Variáveis Latentes (VL), que não são diretamente observáveis, mas são manifestadas por meio de indicadores ou Variáveis Manifestas (VM). Dessa forma, a VL é vista como a causa da variância das VM; e as VM, como reflexos da VL. Construtos formativos, por sua vez, descrevem variáveis compostas, onde espera-se que as variações nas VM causem as mudanças na VL. Logo, as VM formam a VL. Assumimos o caráter reflexivo dos construtos Liderança Pedagógica e Engajamento em razão do conteúdo das questões que originaram as VM (INEP, 2015), que cobrem conteúdos similares, ou seja, compartilham temas comuns, sendo, portanto, razoável esperar covariação entre elas. Esse aspecto é uma característica própria de construtos reflexivos. Já acerca do construto de segunda ordem Gestão Escolar, a natureza reflexiva decorre do nosso entendimento da direção de causalidade do construto de segunda ordem para os de primeira ordem (WETZELS; ODEKERKEN-SCHÖDER; OPPEN, 2009).
3 Procedimentos metodológicos
A base de dados deste estudo foi formada pelos microdados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e da Prova Brasil-2015 de Matemática, dos estudantes do 9º ano das escolas públicas do Espírito Santo, coletados no site do Inep. Esse Estado oferece uma boa perspectiva para analisar o fenômeno de interesse deste estudo. Sua delimitação geográfica, com apenas 493 escolas estaduais, contribui para a construção de uma amostra controlável e representativa de um contexto regional. Além disso, sua relativa adequação aos critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC) – a considerar que obteve o 4º melhor desempenho em matemática entre os 26 estados e o Distrito Federal na Prova Brasil-2015 (QEdu, 2017) – o torna pertinente na avaliação das redes escolares estaduais. No Quadro são apresentadas as definições operacionais das variáveis do modelo.
Variáveis latentes | Variáveis manifestas | Operacionalização |
---|---|---|
Engajamento* | ENG1 a ENG5 | A escala nunca, uma vez por ano, 3 a 4 vezes por ano, mensalmente e semanalmente foi parametrizada de 1 a 5, respectivamente. A observação de cada escola corresponde à média aritmética. |
Liderança Pedagógica* | LID1 a LID12 | A escala nunca, algumas vezes, frequentemente e sempre ou quase sempre foi parametrizada 1 a 4, respectivamente. A observação de cada escola corresponde à média aritmética. |
Gestão Escolar | - | - |
Complexidade da Gestão Escolar | ICGE | O ICGE leva em consideração as seguintes características: porte das escolas; número de turnos, etapas e modalidades oferecidas. O nível 1 representa a menor complexidade de Gestão Escolar; enquanto o nível 6, a maior. |
Desempenho na Prova Brasil de Matemática | NPB_MAT | Média da nota dos estudantes do 9º ano na Prova Brasil-2015 de Matemática. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).
*As variáveis manifestas dos construtos Engajamento e Liderança Pedagógica foram extraídas do Inep (2015), questões 53 a 57 e 58 a 69, respectivamente.
ENG1 a ENG5: Variáveis manifestas 1 a 5 ligadas à variável latente Engajamento [questões 53 a 57 extraídas de Inep (2015)].
LID1 a LID12: Variáveis manifestas 1 a 12 ligadas à variável latente Liderança Pedagógica [questões 58 a 69 extraídas de Inep (2015)].
ICGE: Índice de complexidade da gestão escolar.
NPB_MAT: Nota dos estudantes do 9º ano na Prova Brasil de Matemática de 2015.
Como mostra-se na Figura 1, o modelo de pesquisa é um modelo hierárquico de segunda ordem do tipo reflexivo-reflexivo e, por isso, o construto de segunda ordem foi operacionalizado com a utilização do conjunto de VM dos construtos de primeira ordem (Quadro), como sugerido por Wetzels, Odekerken-Schröder e Oppen (2009).
A população da pesquisa é composta por 493 escolas públicas estaduais do Espírito Santo. Dessas, 182 possuíam os dados relativos às notas na Prova Brasil (9º ano), bem como o conjunto de VM considerado neste estudo (Quadro). O tamanho da amostra, com 182 observações, atende ao recomendado em aplicações de PLS-PM. A estimativa do tamanho mínimo, processada no software G*Power – nível de significância de 0,05, poder de estatística de 0,8, tamanho de efeito médio (f2 = 0,15) e dois preditores –, indica que a menor quantidade de observações aceitável é 68.
Explica-se que a técnica PLS-PM é uma abordagem para modelagem de equações estruturais adequada a modelos hierárquicos exploratórios. Ela permite a representação de VL em níveis hierárquicos e a estimação simultânea de diversas relações de dependência (HAIR et al., 2016), sendo adequada, portanto, ao modelo teórico deste estudo. Por fim, destaca-se que no processamento dos dados foi utilizada a versão do package plspm desenvolvida especificamente para a biblioteca do software R.
4 Análise dos resultados
Os modelos de mensuração reflexivos foram validados pelas verificações de unidimensionalidade, de validade convergente e de validade discriminante, sendo que a primeira avalia o quanto as VM do construto estão relacionadas, ocupando um mesmo espaço dimensional; a segunda, o grau de compartilhamento de proporção da variância em comum entre as VM e a última, o quanto um construto é diferente de outros (HAIR et al., 2016).
Ao avaliar as cargas externas das VM dos construtos de primeira ordem reflexivos identificou-se que LID12 (Questão - A equipe de professores leva em consideração minhas ideias) apresentou valor de 0,369, indicando que a VL Liderança Pedagógica explica apenas 14% da variância de LID12. Hair et al. (2016) sugerem que VM com valores inferiores a 0,4 sejam eliminadas do construto. Importa registrar que no Questionário do Professor de 2001 (INEP, 2002) essa variável compunha o bloco de questões relacionadas ao construto Engajamento e que no questionário de 2015 (INEP, 2015) figurou no bloco ligado à Liderança Pedagógica. Removendo LID12 foi alcançado melhor ajuste do modelo. Na Tabela 1 é mostrado o resumo dos resultados.
Construtos | Unidimensionalidade | Validade Convergentea | Validade Discriminanteb | ||
---|---|---|---|---|---|
Rho de Dillon-Goldstein | 1º Autovalor | 2º Autovalor | AVE | √AVE | |
Liderança Pedagógica | 0,94 | 6,49 | 1,62 | 0,59 | 0,77c |
Engajamento | 0,87 | 2,83 | 0,73 | 0,57 | 0,75c |
Fonte: Elaborada pelos autores (2018).
n = 182.
a Cargas externas ≥ 0,7.
b Cargas cruzadas das variáveis manifestas entre os próprios constructos maiores do que com os demais constructos.
c Correlação entre variáveis Liderança Pedagógica e Engajamento = 0,398.
AVE: Average Variance Extracted.
Como se vê na Tabela 1, todas as VL dos construtos reflexivos de primeira ordem obtiveram valores de confiabilidade composta, medida pelo Rho de Dillon-Goldstein, superiores a 0,7, e do primeiro autovalor da matriz de VM superiores a 1 e bastante superiores ao segundo autovalor, como recomendado por Sanchez (2013). Então, se pode assumir a unidimensionalidade dos modelos de mensuração.
A validade convergente, por sua vez, trata do relacionamento entre as VM do mesmo construto. Os valores de Average Variance Extracted (AVE) de todas as VL (Tabela 1) estão acima de 0,5, como sugerido por Hair et al. (2016). As cargas cruzadas de todas as VM, após a exclusão de LID12, alcançaram valores iguais ou superiores a 0,7, em conformidade com o critério proposto por Hair et al. (2016) e Sanchez (2013). Assim, pode-se assumir a validade convergente dos modelos de mensuração.
A validade discriminante diz respeito ao relacionamento indevido de VM com VL distintas. Para avaliá-la, dois critérios foram utilizados. O primeiro, o de cargas cruzadas, foi atendido, pois a carga cruzada das VM com a VL do seu construto mostrou-se superior do que com as VL dos demais constructos (HAIR et al., 2016; SANCHEZ, 2013). O segundo, o de Fornell-Larcker, para o qual a raiz de AVE deve ser maior do que sua correlação com a VL dos demais constructos (HAIR et al., 2016), também foi. Com isso, pode-se assumir a validade discriminante dos modelos de mensuração.
A validação do modelo estrutural foi realizada pela verificação da significância estatística e relevância dos coeficientes de caminho, pelo procedimento bootstrapping (5.000 subamostras), pela avaliação do coeficiente de determinação (R2) – como medida de precisão do modelo – e pela média do índice de redundância das VM – como medida de relevância preditiva do modelo. Na Tabela 2, os coeficientes de caminho e suas significâncias estatísticas são apresentados.
Relações | Coeficientes de caminho | Significância |
---|---|---|
Gestão Escolar -> Liderança Pedagógica | 0,957 | 6,12e-99 |
Gestão Escolar -> Engajamento | 0,661 | 3,39e-24 |
Gestão Escolar -> Desempenho Escolar | 0,303 | 2,88e-05 |
Efeito moderador (Complexidade da Gestão Escolar) | -1,030 | 5,92e-02 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2018).
n = 182.
Bootstrapping = 5.000 subamostras.
Observa-se que a Gestão Escolar impacta positivamente o Desempenho Escolar com coeficiente de caminho de 0,303, de forma estatisticamente significante. Assim, o caminho direcionado da Gestão Escolar para o Desempenho Escolar tem um coeficiente que indica que o incremento de uma unidade em Gestão Escolar implica no incremento de 0,303 unidades em Desempenho Escolar, ou seja, melhorar a Gestão Escolar significa melhorar o desempenho.
No âmbito do modelo hierárquico de segunda ordem, é possível observar que a Gestão Escolar é refletida na Liderança Pedagógica, com coeficiente de caminho com magnitude de 0,957 e, no Engajamento, com magnitude de 0,661. Observa-se ainda que a Complexidade da Gestão Escolar atua como um moderador da relação entre Gestão Escolar e Desempenho Escolar, fazendo com que, em ambientes de baixa complexidade, a relação da gestão com o desempenho seja mais fraca e, em ambientes de alta complexidade, a relação torna-se mais forte. Quanto maior o nível de complexidade da Gestão Escolar, mais impactante é a Gestão Escolar no desempenho. Nesse caso, obteve-se um nível de significância estatística maior que o definido previamente (p-value = 0,0592). Contudo, deve-se ter cuidado com as conclusões dessa moderação, pois o poder de explicação do modelo ficará um pouco abaixo de 80%. Entretanto, os autores do presente artigo consideram que esse fato não compromete suas conclusões.
O R2 de cada VL endógena, que indica a variação na VL endógena explicada pela variação nas VL ligadas a ela, é apresentado na Tabela 3. Importa registrar que o R2 da VL do construto reflexivo de primeira ordem indica o quanto essa VL é impactada pela VL do construto de segunda ordem.
Variável latente endógena | R2 | Média do índice de redundância |
---|---|---|
Liderança Pedagógica | 0,915 | 0,539 |
Engajamento | 0,421 | 0,238 |
Desempenho Escolar | 0,123 | 0,123 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2018).
n = 182.
Bootstrapping = 5.000 subamostras.
R2: Coeficiente de determinação.
Observa-se que os valores de R2 podem ser considerados relevantes, principalmente num estudo exploratório e considerando o conjunto de variáveis não presentes no modelo (por exemplo, variáveis relacionadas aos alunos).
Merece atenção o Desempenho Escolar, sobre a qual recaem os principais efeitos do modelo estrutural. O R2 indica que as relações estabelecidas explicam 12,3% da variância do Desempenho Escolar, o que confere ao modelo um ajuste razoável, dado seu caráter parcimonioso.
Para Wetzel, Odekerken-Schröder e Oppen (2009), em modelos do tipo reflexivo-reflexivo, os construtos de primeira ordem refletem os de segunda ordem, sendo que os valores de R2 das VL dos construtos de primeira ordem indicam o quanto elas refletem as VL dos construtos de segunda ordem. Assim, no construto Gestão Escolar, a subdimensão que melhor o reflete é a Liderança Pedagógica, R2 = 0,915, ao passo que a subdimensão Engajamento obteve R2 = 0,421. Também na Tabela 3 são apresentadas as médias do índice de redundância, que indicam que a Gestão Escolar prediz 53,9% da variação da Liderança Pedagógica, 23,8% do Engajamento e 12,3% do Desempenho Escolar. A seguir, na Figura 2, mostram-se os valores de R2 e dos coeficientes de caminho.
* Coeficiente de caminho significante a 0,00.
+ Coeficiente de caminho significante a 0,1.
R2: Coeficiente de determinação;
H1 a H4: Hipóteses 1 a 4.
Como medida geral de ajuste do modelo, este obteve índice Goodness-of-fit (GoF) de 0,57. Apesar das críticas associadas ao uso do GoF em PLS-PM (por exemplo, HENSELER; SARSTEDT, 2013), por ser mais orientado para modelos com construtos formativos, entende-se que o índice se aplica ao modelo deste estudo. Pela gradação proposta por Wetzels, Odekerken-Schröder e Oppen (2009), o ajuste geral do modelo deste estudo pode ser considerado alto (GoF = 0,57 > 0,36).
Acrescenta-se que pela análise dos intervalos de confiança foi possível avaliar a precisão das estimativas do parâmetro PLS-PM. Verificou-se que não se pode assumir apenas para o coeficiente de caminho da relação moderada significância estatística ao nível de 5%. Por fim, é possível avaliar as hipóteses deste estudo (Tabela 4).
Hipóteses | Resultados |
---|---|
H1: A Gestão Escolar impacta positivamente o Desempenho Escolar. | Confirmada |
H2: A Liderança Pedagógica reflete a Gestão Escolar. | Confirmada |
H3: O Engajamento reflete a Gestão Escolar. | Confirmada |
H4: A Complexidade da Gestão Escolar modera a relação entre Gestão Escolar e Desempenho Escolar, com impacto negativo. | Confirmada (ressalvado o nível de significância) |
Fonte: Elaborada pelos autores (2018).
H1 a H4: Hipóteses 1 a 4.
5 Discussão e Conclusões
No modelo de pesquisa proposto foi assumido que a Liderança Pedagógica e o Engajamento refletem a Gestão Escolar; a Gestão Escolar impacta o Desempenho Escolar; a Complexidade da Gestão Escolar exerce papel moderador, com impacto negativo, na relação entre Gestão Escolar e Desempenho Escolar.
Em consonância com o evidenciado na literatura internacional, a Liderança Pedagógica, tratada na presente investigação como uma dimensão da Gestão Escolar, mostrou-se importante para a eficácia escolar. Tal relação vem sendo abordada nas investigações nacionais. Como evidenciado por Franco et al. (2008), a Gestão Escolar (e liderança) figura como uma das categorias de fatores associados à eficácia escolar presente nas pesquisas realizadas no Brasil. A liderança do gestor escolar – bem como o clima escolar e a presença de recursos – pode impactar de forma positiva no desempenho dos estudantes (OLIVEIRA; WALDHELM, 2016). Em outras palavras, as complexas e múltiplas práticas de liderança pedagógica e de orientação/intervenção dos Diretores no desenho curricular melhoram o desempenho escolar (VAILLANT; ZIDÁN, 2016), a despeito da possível falta de capacidade/competência do Diretor para focar no ensino e aprendizagem de estudantes (BOTÍA; RODRÍGUEZ; GARCÍA-GARNICA, 2017).
O trabalho de Parandekar (2008), realizado em 50 municípios brasileiros, a partir de dados da Prova Brasil e de estudos qualitativos, indicou a experiência profissional prévia e a capacidade de liderança do Diretor como fatores relevantes. Soares e Alves (2003), por sua vez, reportaram o achado em pesquisa realizada com dados das cinco regiões geográficas do Brasil. O efeito positivo também foi encontrado nas pesquisas de Andrade e Laros (2012) e Gatti (2008).
A variável Engajamento, ou trabalho colaborativo dos docentes, tal como evidenciada na literatura internacional, também se mostrou associada à eficácia escolar (HARGREAVES, 1994; LEE, 2001; MORTIMORE et al., 1988; SAMMONS; HILLMAN; MORTIMORE, 1995), sendo, ao mesmo tempo, impactada positivamente pela gestão (FORTE; FLORES, 2012; HARGREAVES, 1994). No cenário nacional, tal achado pode trazer luz a uma discussão ainda incipiente. Os resultados empíricos do presente trabalho corroboram os achados de Castro (2009). Na pesquisa do autor, baseada nos dados da Avaliação de Desempenho de escolas públicas da Bahia em 2004 – 4ª série –, o trabalho colaborativo e o comprometimento docente tiveram reflexo no rendimento escolar.
No modelo proposto, o construto Gestão Escolar, variável de segunda ordem, impactou o Desempenho Escolar. A Gestão Escolar influenciou a variância dos resultados da Prova Brasil-2015 de matemática, dos estudantes do 9º ano das escolas da rede de ensino público do Espírito Santo. Vale ressaltar que, diferentemente dos modelos analíticos de Louis, Dretzke e Wahlstrom (2010), para Schreerens (2000) e Soares (2007), os achados deste trabalho indicam impacto direto da gestão no resultado das escolas.
O modelo de pesquisa assume a Complexidade de Gestão Escolar como moderador da relação entre Gestão Escolar e Desempenho, com impacto negativo. Como foi possível verificar, em ambientes de baixa complexidade, a relação da Gestão com o Desempenho demonstrou-se mais fraca, enquanto, em ambientes de alta complexidade, a relação foi mais forte. Apesar de a relação entre Complexidade da Gestão Escolar e Desempenho Escolar ser pouco explorada pela literatura nacional, os resultados da presente pesquisa, que sugerem que quanto maior o nível de complexidade da Gestão Escolar mais impactante é a Gestão Escolar no desempenho, mostraram-se similares à maioria desses estudos.
Desse modo, a Complexidade de Gestão Escolar, tal como sugere a literatura nacional, também demonstrou impactar na relação entre Gestão e Desempenho Escolar. O presente artigo corrobora os estudos de Alves e Soares (2013) e Bartholo e Costa (2016), que sugerem que escolas com complexidade mais elevada têm maiores dificuldades de atingir melhores resultados. Corrobora também o trabalho de Matos e Rodrigues (2016), que relacionou características das unidades associadas à probabilidade de a escola atingir a meta do Ideb-2013 e a pesquisa de Koslinski, Cunha e Andrade (2014) que identificou a complexidade como determinante na probabilidade de ser premiada em um programa de desempenho. Contudo, diverge da investigação de Américo e Lacruz (2017), que não identificou como variável significativa o Índice de Complexidade da Gestão Escolar como preditora da Nota da Prova Brasil-2013.
Cabe pontuar que a literatura internacional diverge da nacional. A complexidade da Gestão Escolar é agravada pela pressão por accountability, resultados e atingimento de metas (SHAKED; SCHECHTER, 2013). Ela está relacionada também ao número de players envolvidos na gestão e às expectativas sociais apresentadas a essa instituição (AL-OMARI, 2012). A complexidade diz respeito às dificuldades que os Diretores escolares enfrentam, como “budget cuts (Lytton 2012), community involvement (He et al., 2011), transient student populations, and ethnic and cultural diversity (Kiefer, 2004)” (SHAKED; SCHECHTER, 2013, p. 3).
6 Considerações Finais
Como evidenciado, a publicação de dados sobre desempenho escolar faz parte de uma política nacional de educação. Em que pesem as críticas sobre o uso das avaliações em larga escala no país, bem como o debate político e ideológico que elas parecem suscitar, os autores deste trabalho entendem que sistemas de avaliação, como o Saeb, possibilitam ampliar a produção de conhecimento sobre o universo escolar.
Os resultados empíricos deste trabalho indicaram que a Complexidade da Gestão Escolar atuou como um moderador da relação entre Gestão Escolar e Desempenho Escolar. Parece inevitável, portanto, que o artigo proponha algumas reflexões e provocações. Se mais Complexidade diminui o Desempenho, uma melhor formação poderia reduzir esse efeito? Como preparar, então, o Diretor, considerando que titulação elevada e formação específica em administração não implicam necessariamente em mudança de desempenho profissional (MACHADO, 2000)?
Como pensar a formação do gestor de uma escola pública? Nesse locus, a gestão democrática, princípio da educação pública, assegura a participação dos vários atores da comunidade escolar (professores, comunidade, alunos etc.) e impõe, ao mesmo tempo, desafios ao Diretor. Ademais, questões como má formação dos demais profissionais (docentes e técnicos-administrativos), sobrecarga de trabalho, ausência dos pais/famílias, indisciplina e desinteresse dos estudantes, violência (ABRUCIO, 2010; MENIN et al., 2014) podem tornar o trabalho do Diretor ainda mais complexo. Seria preciso, assim, ampliar a discussão sobre complexidade da Gestão Escolar?
Finalmente, pode-se pensar na mútua relação entre a Gestão Escolar e os indicadores da complexidade da gestão. Ao longo do tempo, a Gestão Escolar pode influenciar os indicadores da complexidade da gestão e, de alguma forma, a complexidade da gestão pode demandar novas habilidades relacionadas à liderança e ao engajamento, ou seja, um novo trabalho na Gestão Escolar. Assim, sugerimos o desenvolvimento de estudo de casos múltiplos, com abordagem longitudinal, a fim de compreender os mecanismos que podem contribuir para esta reflexividade, uma vez que esta impacta o desempenho da escola.