1 Introdução
Esse artigo apresenta resultados parciais da pesquisa intitulada “Carreira Docente e Educação Especial: análise dos Planos de Cargos, Carreira e Remuneração das redes de Ensino público estaduais do Brasil”, realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGED), da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). O objetivo central do estudo foi analisar a carreira docente, com o foco no professor da Educação Especial do magistério público, das redes estaduais de Ensino dos estados da região Norte do Brasil. Visto que há necessidade de compreender de que forma os docentes da Educação Especial são mensurados nas políticas que tratam da valorização docente no Brasil.
Partimos do entendimento de que “a carreira constitui a coluna dorsal do processo educativo, exercendo grande influência no nível de aprendizagem dos alunos nos diferentes níveis e modalidades da Educação” ( BOLLMANN, 2010 , p. 1). Do ponto de vista jurídico, a carreira docente estrutura-se como “o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares que a integram” (DUTRA JUNIOR, et al., 2000, p. 204).
Tais definições evidenciam os condicionantes que a carreira docente requer na contemporaneidade que, a partir das lutas de classe, historicamente vem buscando a efetivação das políticas de Estado que possibilitem melhorias nas condições de trabalho, formação e salários ao alcance do trabalho dos docentes em qualquer seguimento da Educação escolar. Daí surgiu o nosso questionamento: como são vistos os docentes da Educação Especial nos Planos de Cargos, Carreira e Remuneração dos estados da região Norte do Brasil?
O caminho teórico-metodológico da pesquisa perpassou pela análise documental, tendo como material os Planos de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR) dos sete estados que integram a região Norte do País - Amapá (AP), Pará (PA), Roraima (RR), Rondônia (RO), Acre (AC), Tocantins (TO) e Amazonas (AM). Os PCCR dos estados foram estudados à luz do materialismo histórico-dialético que nos ajudou a compreender que a carreira docente constitui um todo organizado concretamente, apresentando as múltiplas relações sociais articuladas com a realidade na sociedade capitalista, o trabalho e as políticas educacionais. E a partir desses elementos constitutivos das relações de trabalho e carreira buscamos perceber as categorias que constituem as articulações internas da sociedade dentro da esfera global do capitalismo ( MARX, 2011 ).
Notadamente, as reflexões sobre carreira docente na Educação Especial estabelecem nexos existentes entre as influências das reformas educacionais que apresentam discursos de valorização do magistério, as relações de trabalho e a Educação no capitalismo aproximando a análise das políticas que orientam o trabalho docente no Brasil para entender as determinações e os efeitos produzidos pelas políticas que regulam a carreira docente no atual sistema capitalista.
Tais mediações carecem de um entendimento mais efetivo da conjuntura global que reestruturam as relações de trabalho e carreira no poder econômico, social e cultural que buscam fortalecer a hegemonia, apontando exigências e condicionantes, principalmente nas políticas sociais e educacionais, dando organicidade à política educacional brasileira a partir da década de 1990. Tal ordenamento das políticas de valorização docente, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9394/1996 ( BRASIL, 1996 ), delegam aos estados, municípios e ao Distrito Federal a responsabilidade de criarem os seus próprios PCCR (FERNANDES; FERNANDES;CAMPO, 2020).
Para exposição do estudo realizado, o presente artigo está organizado em 1: Introdução; seção 2: Trabalho docente e Educação Especial com uma breve discussão sobre as transformações do mundo do trabalho, trabalho docente e Educação Especial; seção 3: Carreira docente e Educação Especial com a finalidade de analisar nos PCCR dos estados da região Norte o cargo, a formação, o tipo de ingresso e as vantagens pecuniárias destinadas aos docentes da Educação Especial e 4: Considerações finais, que apontam as contribuições da pesquisa para a compreensão dos elementos que compõem a carreira dos professores da Educação Especial. Assim, por meio de um panorama sobre a carreira docente no que se refere aos Estados da região Norte, foi possível mostrar que ainda há desafios para a construção da valorização do magistério para o docente da Educação Especial.
2 Trabalho docente e Educação Especial
O trabalho docente, como qualquer outra forma de trabalho remunerado, sofre transformações, haja vista o cenário global pelo qual se observa no mundo do trabalho atualmente no sistema capitalista. Nesse sentido, autores como Antunes (2005) , Harvey (2011) e Alves (2018) ajudam a compreender os elementos que contribuem para as intensas mudanças nas relações de trabalho que, na contramão da classe trabalhadora, colaboram para a manutenção das forças produtivas do capitalismo.
A partir disso, Antunes (2005) , analisando os sentidos do trabalho nas últimas décadas, em especial a de 1970, busca a compreensão das saídas do capital frente a uma crise estrutural1 que se restabeleceu em novas formas de intensificar a produção, repercutindo no processo de trabalho.
Dessa forma, o capital se reerguia, organizando o seu ciclo reprodutivo, preservando os seus fundamentos essenciais. Dada a solução fenomênica, nesse contexto iniciam as mutações no interior do padrão de acumulação, visando a novas formas de acúmulo que gerassem novas alternativas para o processo de produção, direcionando para uma acumulação flexibilizada ( ANTUNES, 2005 ). Para o autor, o processo de trabalho baseado no movimento taylorista/fordista gerou uma falsa harmonia entre o capital e o Estado quando implantou “um sistema de compromissos e de regulação que limitado a uma parcela dos países capitalistas avançados, ofereceu a ilusão de que um sistema de metabolismo social entre capital e trabalho pudesse ser efetiva, duradoura e definitivamente controlado pelo [...] Estado” ( ANTUNES, 2005 , p. 38).
Para Harvey (2011) , a acumulação do capital também “depende da disponibilidade permanente de reservas suficientes de acesso à força de trabalho, [...] uma condição necessária para a reprodução e a expansão do capital. Esse exército de reservas deve ser acessível, socializado e disciplinado, além de ser flexível, dócil, manipulável e qualificado [...]” ( HARVEY, 2011 , p. 54). Para o autor, o não acesso aos meios de produção à grande massa da população permite que a força de trabalho seja tratada como mercadoria no mercado que, de uma forma ou outra, contribui para a sobrevivência do capital ( HARVEY, 2011 ).
Em Alves (2018) , retratando sobre a histórica exploração da força de trabalho no Brasil, encontra-se a afirmação que “desde o começo do século XXI, o Brasil tornou-se modelo de referência para a nova precariedade salarial dominante no capitalismo global” ( ALVES, 2018 , p. 58). Dessa forma, a reestruturação da acumulação do capital no Brasil que, evidenciando uma trajetória histórica, segue um modelo de desenvolvimento econômico instaurado desde 1950, que impulsiona até os dias atuais um modelo de integração à mundialização do capital, assim:
O modelo de desenvolvimento/integração à mundialização do capital adaptou-se ao regime de acumulação flexível e modo de produção capitalista, não o questionando e, pelo contrário, o incorporando como elemento da dinâmica sistêmica – inclusive preservando o Estado neoliberal (no caso do neodesenvolvimentismo). [...] A irresolução da questão democrática e a da questão social, em razão da persistência do Estado neoliberal, herdeiro histórico do Estado oligárquico-burguês que caracterizou a formação social brasileira, seriam os limites estruturais do neodesenvolvimentismo (2003-2014) ( ALVES, 2018 , p. 59-60).
A partir disso, Alves (2018) afirma que uma característica marcante da força de trabalho no Brasil é a sua capacidade de flexibilização, a começar pela escravidão do trabalho indígena, seguida pela escravidão dos negros, posteriormente, utilizando a força de trabalho dos imigrantes europeus. Isso gerou acúmulo de força de trabalho que, com o advento da industrialização, se tornou incapaz de absorver uma grande massa de trabalhadores vindo do campo para as cidades.
Dessa forma, a classe trabalhadora passa por mudanças que, ao longo da história da humanidade, “inclui a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos [...]. Sendo o trabalhador produtivo aquele que produz diretamente mais-valia e participa diretamente do processo de valorização do capital” ( ANTUNES, 2005 , p. 102). Como parte desse processo de produção do capital vivenciam as condições mais absurdas nos seus locais de trabalho, que os levam a situações de alienação, precariedade e flexibilização nas formas de atuação laboral, formalizando, assim, a noção de classe que vive do trabalho.
Em se tratando de trabalho docente na Educação Especial, ele se configura atendendo às novas exigências impostas pelas políticas educacionais. Sua compreensão faz parte de uma totalidade constituída pelo trabalho docente numa sociedade capitalista. Estando, portanto, imergido e estruturado dentro da lógica do capital e de suas contradições.
Ademais, Michels e Vaz (2017) discutem a formação sugerida pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva de 2008, para os professores da Educação Especial atuarem nas escolas regulares. Para as autoras, a LDB/1996 tratou o professor da Educação Especial como especializado, ou seja, com conhecimentos específicos na área, seja com nível formativo em Ensino Médio, Graduação ou Pós-Graduação em Educação Especial. No entanto, após a promulgação da LDBEN/1996, a formação dos professores da Educação Especial sofreu mudanças advindas do contexto de reformas educacionais no campo da gestão, financiamento e condições de trabalho.
Assim, Michels e Vaz (2017) relatam que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNP), a partir de 2006, retiraram do campo da Graduação em Pedagogia a habilitação em Educação Especial, que, de alguma maneira, aprofundava o conhecimento específico em uma área. Para as autoras, essas mudanças não representaram avanços, só abriram precedentes para que qualquer profissional com habilitação para a docência e com uma formação complementar em nível de especialização lato ou stricto sensu (presencial ou a distância) em Educação Especial tenha o direito de trabalhar como profissional dessa área.
Além dos aspectos relativos à formação docente para atuação na Educação Especial, também é importante observarmos a caracterização do alunado dessa modalidade de Ensino. Assim, do ponto de vista pedagógico, tratam-se daqueles que, em condições bio-psico-sociais especiais, requerem um tratamento diferenciado em seu processo de aprendizagem, com auxílios ou serviços específicos, dada a sua especificidade no ato de aprender ( BRASIL, 2010 ). Segundo Sousa e Prieto (2007) , esse tratamento diferenciado requer: “A oferta de materiais e equipamentos específicos, a eliminação de barreiras arquitetônicas e de mobiliário, as de comunicação e sinalização e as do currículo, a metodologia adotada, a garantia de professores (as) especializados (as) e formação continuada para o conjunto do magistério” ( SOUSA; PRIETO, 2007 , p.124).
Como marcos políticos-legais da Educação Especial, na perspectiva da Educação inclusiva, que especificam o trabalho docente do professor desse segmento, pode-se elencar, principalmente, a Constituição Federal de 1988, a LDB/1996 ( BRASIL, 1996 ), a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva ( BRASIL, 2010 ), o Decreto nº 7611/2011 ( BRASIL, 2011 ), entre outros. Cabe aos sistemas de Ensino organizar a Educação Especial e, dentre os serviços e as ações, ofertar o Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Para atuar no AEE, de acordo com a Resolução nº 4/2009 ( BRASIL, 2009 ), o professor deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específica para a Educação Especial, além de efetivar as atribuições que lhes são determinadas. Dentre elas, identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos da Educação Especial. Elaborar e executar o plano do AEE, organizar o tipo e o número de atendimento, acompanhar a funcionalidade dos recursos pedagógicos, estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais, orientar os professores do Ensino regular e as famílias, ensinar e usar a tecnologia assistiva etc. ( BRASIL, 2010 ).
Diante do exposto, a estruturação da carreira docente deve ser pautada em um aparato legal que venha assegurar acesso, condições de trabalho e permanência na carreira dos profissionais que se identificam com o ato de Ensino de meninos e meninas que estão à margem do processo educativo. A valorização docente no Brasil perpassa pelo resgate histórico das lutas em prol da valorização do magistério da Educação Básica que permitiram avanços no arcabouço legislativo, como na LDB/1996, particularmente no Art. 67:
[...] Os sistemas de Ensino promoverão a valorização dos profissionais da Educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III – piso salarial profissional; IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho, e VI – condições adequadas de trabalho [...] ( BRASIL, 1996 ).
Segundo Barbosa (2011) , mesmo com algumas incorporações das reivindicações da sociedade civil feitas durante o processo que levou a promulgação da LDB/1996, a referida lei se omite ao não definir as jornadas de trabalho, ao não dar a dimensão nacional que o piso nacional requer e, ainda, não se tem clara compreensão do que seriam as condições adequadas de trabalho.
No sentido de identificar e de caracterizar quem são os docentes da Educação Especial, com quais alunos trabalham e qual a sua forma de atuação, assim, se realizou um levantamento de matrículas e quantitativo docente na Educação Básica, destacando a Educação Especial dos últimos 10 anos, de 20082 a 2018. A busca dos dados foi realizada no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), onde foi possível perceber o movimento das matrículas no período analisado. Identificamos o total de matrículas na Educação Básica e na Educação Especial, a partir dessa totalidade identificamos o quantitativo de matrículas em classes comuns e em classes exclusivas3 .
De acordo com a Resolução nº 4/2009/MEC/CNE/CEB em conformidade com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva:
Os sistemas de Ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do Ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em sala de recursos multifuncionais ou em centros de atendimento de atendimento especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos ( BRASIL, 2010 , p. 69).
O trabalho dos professores da Educação Especial que atuam no AEE envolve o planejamento, a adaptação curricular, o acompanhamento em sala de Ensino regular, e o atendimento individualizado aos estudantes em “salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de Ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, também em centros de atendimento especializado da rede pública ou instituições comunitárias [...]” ( BRASIL, 2010 , p. 70). Para efeito da distribuição dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) fica admitida a duplicidade de matrícula na Educação Básica aos estudantes que estiverem frequentando o AEE ( BRASIL, 2011 ).
Desse modo, para fazermos um contraponto entre as especificidades do trabalho docente na Educação Especial prescritas nos documentos citados anteriormente iremos observar o movimento de matrículas e o quantitativo de docentes na Educação Básica e na Educação Especial, a partir dos dados do INEP. Visto que, “os dados coletados por meio do Censo Escolar são utilizados para mapear a situação da Educação Básica no Brasil, e subsidiam a aplicação de recursos e a implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da Educação” (MACENA; JUSTINO; CAPELLINI, 2018, p. 1291).
Na Tabela 1 , observamos uma involução de -3,13% no total de matrículas na Educação Básica, passando de 5.153.550 para 4.992.490 alunos, no período de 2008 a 2018. Já o total de matrículas na Educação Especial mostrou evolução, com percentual de 143,5%. Há evidências de que, nesse período, ações e políticas para a Educação Especial estavam fomentando o acesso das crianças, dos adolescentes, dos jovens e dos adultos com deficiência à Educação Básica. Tal ordenamento evidenciou um acréscimo de 300,11% de matrícula de alunos com deficiência em classes comuns e decréscimo de -59,69% em classes exclusivas. Com isso, é notória a aplicabilidade da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (2008), no que se refere ao acesso.
ANOS | Educação Básica | Educação Especial | Educação especial/classe comum | Educação especial/classe exclusiva |
---|---|---|---|---|
2008 | 5.153.550 | 44.765 | 25.277 | 19.488 |
2009 | 5.177.584 | 43.494 | 27.849 | 15.645 |
2010 | 738.933 | 51.764 | 39.140 | 12.624 |
2011 | 5.121.317 | 57.931 | 48.377 | 9.554 |
2012 | 5.159.675 | 64.171 | 54.909 | 9.262 |
2013 | 5.144.488 | 68.551 | 60.198 | 8.353 |
2014 | 5.131.557 | 72.198 | 64.162 | 8.036 |
2015 | 5.071.784 | 79.529 | 71.724 | 7.805 |
2016 | 14.325.245 | 246.460 | 232.444 | 14.016 |
2017 | 5.010.901 | 95.979 | 87.898 | 8.081 |
2018 | 4.992.490 | 108.990 | 101.135 | 7.855 |
Δ% | -3,13% | 143,5% | 300,11% | -59,69% |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em INEP/Censo Escolar/Sinopse Estatística (2008-2018) (INEP, 2018)
A Tabela 2 destaca a demanda de docentes da Educação Especial (2008-2018). Para as análises, utilizaremos o campo de atuação, a variação percentual na série histórica da Educação Básica e da Educação Especial (classes comuns e classes exclusivas).
Ano | Total Educação Básica | Total Educação Especial | Educação Especial/classe comum | Educação Especial/classe exclusiva |
---|---|---|---|---|
2008 | 166.158 | 31418 | 852 | 30.566 |
2009 | 166.009 | 39.024 | 497 | 38.527 |
2010 | 169.738 | 52.740 | 50.994 | 1.746 |
2011 | 176.004 | 63.069 | 61.720 | 1.462 |
2012 | 181.930 | 71.064 | 69.883 | 1.312 |
2013 | 189.676 | 76.875 | 75.768 | 1.224 |
2014 | 190.813 | 79.902 | 78.742 | 1.228 |
2015 | 193.703 | 89.483 | 88.280 | 1.203 |
2016 | 194.142 | 92.803 | 91.651 | 1.270 |
2017 | 195.054 | 100.173 | 99.033 | 1.263 |
2018 | 196.831 | 108.521 | 107.422 | 1.209 |
Δ% | 18% | 245% | 125,08% | -96% |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em sinopses estatísticas/docentes/INEP (2018)
Na Tabela 2 , referente ao quantitativo de docentes na Educação Básica, verificamos evolução de 18%, no período de 2008 a 2018. E, especificamente, na Educação Especial, evolução de 245%. Já nas classes comuns evoluiu para 125,08% e nas classes exclusivas ocorreu involução de -96% do quantitativo de docentes.
Observando o número de matrículas e o quantitativo de docentes, identificamos que a Educação Básica apresentou movimento contrário nas matrículas (- alunos) em relação ao número de docentes (+ professores). Já na Educação Especial, ocorreu o aumento do número de matrículas e de docentes nas classes comuns. Observando as classes exclusivas, a variação de matrículas apresentou involução gradativa em relação ao número de docentes.
Para além desses dados, faz-se notório destaque ao movimento que a Educação Especial passa no período estudado. É o momento de uma nova política nacional da Educação Especial que, segundo Garcia e Michels (2011 , p. 1), assim como a Educação como um todo passou por inúmeras reformas, “na Educação Especial tais reformas alteraram sua definição, redefiniu-se o público a qual se destina essa modalidade e a sua organização no que se refere aos serviços”. Colaborando com essas análises de acordo com as ponderações de Büttenbender (2019, p. 81):
A expansão das classes especiais no Brasil, regida pelo princípio da “integração escolar”, que excluía da sala de aula comum crianças e adolescentes com deficiência, se dilui, na atualidade, nas chamadas Salas de Recursos Multifuncionais. Essas salas, idealizadas pelo princípio da “inclusão escolar”, são implementadas também no espaço da escola comum, porém com um diferencial, o AEE complementar ou suplementar, no contraturno da sala de aula comum.
Dessa forma, como evidência desse fato, observamos quase um esvaziamento das classes exclusivas, demonstrando que, pelo menos do ponto de vista da matrícula e do quantitativo de docentes, a nova política estava apresentando progresso. Diante disso, buscamos verificar aspectos da carreira docente que envolve a especificidade dos professores que atuam na Educação Especial.
Considerando também o atual momento pelo qual estamos vivenciando por causa da pandemia em curso de Coronavírus (Covid-19) em que os docentes estão em trabalho remoto, cabe aqui fazermos algumas considerações a respeito do trabalho remoto na Educação Especial. Dessa forma, apresentamos um recorte da pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Política Educacional e Trabalho docente (Gestrado), da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais sobre o trabalho docente na Educação Básica em tempos de pandemia com professores das redes estaduais do Brasil, na qual as redes estaduais da região Norte tiveram, também, representação (97 participantes).
Assim, destacaremos alguns dados importantes da pesquisa sobre o trabalho remoto, que se refere ao trabalho e à carreira na Educação Especial, quais sejam: quanto ao número de horas trabalhadas para a preparação de aula remotas, 83,6% dos participantes disseram que aumentou o número de horas durante as atividades remotas; quanto ao Ensino remoto associado às tecnologias, 49,2% disseram ser regular a capacidade de usar as tecnologias e que 35,0% disseram não receber formação para usar as tecnologias. Sobre a participação e o aprendizado dos estudantes com deficiência, com os maiores índices, 49,2% diminuíram pouco e 31,5% diminuíram drasticamente a participação nas aulas; e no final do período de aulas não presenciais, 72,5% disseram que necessitarão retomar parcialmente e 21,9% necessitarão ser o conteúdo trabalhado integralmente ( TORRES, 2020 ).
Notadamente, podemos destacar a intensificação do trabalho docente na Educação Especial, pois os PCCR em estudo não contemplam honorários para o aumento no número de horas trabalhadas. Então, como se prevê que são trabalhadas apenas as horas mencionadas nos PCCR neste momento de pandemia? No entendimento de Hirata, Oliveira e Mereb (2019, p. 189) as “comparações, levando em conta o salário-hora, semanal ou anual, certamente resultam em conclusões diferentes”.
Com efeito, a consolidação da modalidade de Educação Especial nas redes de Ensino perpassa – para além da garantia de matrícula e de docentes – pelas condições de trabalho e pela carreira dos professores. Dessa forma, é mister analisar como o docente da Educação Especial vem sendo (ou não) contemplado nos PCCR dos estados da região Norte do Brasil.
3 Carreira docente e Educação Especial: PCCR dos estados da região Norte
Para realizar o estudo sobre a carreira dos docentes que atuam na Educação Especial foram analisados os PCCR dos estados da região Norte do Brasil. Na análise documental buscamos identificar o cargo, a formação, o tipo de ingresso e as vantagens pecuniárias.
De acordo com o Quadro 1 , no PCCR do Acre (1999), a admissão de professores na modalidade Educação Especial se dá em quatro tipos de cargos, quais sejam: 1) professor do AEE, 2) professor Braillista, 3) professor de Língua Brasileira de Sinais (Libras), 4) professor tradutor/intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), com a devida formação, todos em nível superior, atendendo às especificidades da Educação Especial. Já o PCCR de Rondônia (2012) admite profissionais para atuarem na Educação Especial em nível médio com certificação de formação e qualificação em Libras, pessoa cega com domínio da leitura e escrita do Sistema Braille; profissional de nível médio com formação para cuidador.
UF | PCCR | CARGO | FORMAÇÃO | INGRESSO |
---|---|---|---|---|
AC | Lei no 67/1999 | 1) Professor do AEE | Formação mínima de nível superior e outras formações específicas exigidas em legislação federal | Concurso público de provas e títulos |
2) Professor braillista | ||||
3)Professor de Libras | ||||
4) Professor tradutor intérprete educacional em Libras | ||||
AP | Lei no 949/2005 | - | - | |
AM | Lei no 3.951/2013 | - | - | |
PA | Lei no 7.442/2010 | - | - | |
RO | Lei no 680/2012 | Profissional de nível médio para ministrar Libras | Profissional de nível médio com certificação de formação e qualificação de Língua Brasileira de Sinais [...] | |
Profissional de nível médio para ministrar Braille | Profissional de nível médio, pessoa cega com domínio da leitura e escrita do Sistema Braille [...] | |||
RO | Lei no 680/2012 | Cuidador educacional | Profissional de nível médio que prestará auxílio aos alunos portadores de necessidades especiais, desenvolvendo as atividades de suporte a alimentação, locomoção, higiene corporal, vestimenta, comunicação, orientação espacial, manipulação de objetos, transferência postural, brincadeiras, de acordo com a necessidade do aluno | Concurso público de provas e títulos |
RR | Lei no 892/2013 | Professor de nível médio Professor de nível superior | Professor de Nível Médio e Nível Superior: Magistério ou Magistério Indígena ou Licenciatura Plena ou Licenciatura em Pedagogia ou Normal Superior ou Licenciatura Intercultural, complementada com curso de qualificação para atendimento Educacional Especializado | |
TO | Lei no 2.859/2014 | Profissional de nível médio com formação em Braille | Profissional de nível médio com certificação de formação e qualificação de Braile | |
Profissional de nível médio com formação em Libras | Profissional de Nível Médio com certificação de formação e qualificação de Libras | |||
Cuidador | Profissional de nível médio com certificação de formação e qualificação de cuidador | |||
- | - |
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Acre (1999); Amapá (2005); Amazonas (2013); Pará (2010); Rondônia (2012); Roraima (2013); Tocantins (2014)
AEE: Atendimento Educacional Especializado; Libras: Língua Brasileira de Sinais
O PCCR de Roraima (2013) admite professor de nível médio e nível superior: Magistério ou Magistério Indígena ou Licenciatura Plena ou Licenciatura em Pedagogia ou Normal Superior ou Licenciatura Intercultural, complementada com curso de qualificação para AEE; Profissional de nível médio com certificação de formação e qualificação de cuidador; Profissional de nível médio com certificação de formação e qualificação de Braile; Profissional de nível médio com certificação de formação e qualificação em Libras.
Notamos ausência de especificação para a formação e cargos para atuação docente na modalidade Educação Especial nos PCCR do Amapá (2005), do Amazonas (2013), do Pará (2010) e do Tocantins (2014). Já sobre o aspecto da forma de ingresso na carreira, todos os estados da região Norte apresentam concurso público de provas e títulos. Essa deliberação está expressa no art. 37, II da Constituição Federal de 1988, que determina a contratação de funcionários públicos via concurso público, com regime jurídico de estatutário, regido por lei, seja da União, dos Estados, ou dos Municípios. Dentro desse regime jurídico, admite-se a “estabilidade do servidor público após três anos de efetivo exercício. E também possibilidade de perda do cargo previstas na Constituição Federal” (DUTRA JUNIOR, et al., 2000, p. 30).
Diante disso, chamamos a atenção para a importância da formação, dos cargos e da forma de ingresso na carreira do professor da Educação Especial, frente à complexidade e à multiplicidade de tarefas que o docente da Educação Especial tem de cumprir. Identificamos que ainda existem PCCR na região Norte que não contemplam as especificidades dessa modalidade de Ensino.
Sobre isso, destacamos as Diretrizes Operacionais para o AEE na Educação Básica, na modalidade Educação Especial, que no artigo 4º esclarece quem são os alunos atendidos pela Educação Especial: alunos com deficiência; alunos com transtornos globais do desenvolvimento; alunos com altas habilidades/superdotação ( BRASIL, 2010 , p. 70). Os três grupos de especificidades apresentadas no referido artigo que definem os alunos da Educação Especial requerem um dispêndio maior de seus professores em vários aspectos, o que requereria cargos com formações específicas.
Com efeito, o docente da Educação Especial não pode ter uma formação generalista, já que há diretrizes que estabelecem as especificidades dessa atuação. Esse fato não pode ficar a cargo de editais, visto que os editais são transitórios. Não contempla a mesma força da Lei de um Plano de Carreira. Sobre o aspecto das vantagens pecuniárias nos PCCR da região Norte, apresentamos o Quadro 2 .
UF | PCCR | VANTAGEM PECUNIÁRIA | DESCRITOR | PERCENTUAL/VALOR |
---|---|---|---|---|
AC | Lei no 67/1999 | Gratificação pelo exercício do magistério com alunos especiais | Pelo exercício de docência com alunos portadores de necessidades especiais | De 5% a 15% |
AP | Lei no 0949/2005 | Gratificação de Ensino Especial | Devida aos professores e pedagogos do quadro Permanente de pessoal do Estado que desempenham suas funções em regência de classe e atendimento pedagógico exclusivamente aos portadores de necessidades especiais nos centros especializados ou nas unidades de Ensino da secretaria de Estado da Educação ou conveniadas | 10% (sobre o vencimento básico) |
AM | Lei no 3951/2013 | - | - | - |
PA | Lei no 7.442/2010 | Gratificação do Magistério | A gratificação, que será paga no percentual de 50% para o professor da Educação Especial | 50% (sobre o vencimento base) |
RO | Lei no 680/2012 | Gratificação de atividade docente | Concedida aos professores pelo efetivo exercício da docência do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, desde que cumpram as jornadas de trabalho estabelecidas no art. 74 dessa Lei, incluindo os profissionais que atuam nas Salas de Recursos | R$ = 280,00 |
Gratificação de Ensino Especial | Concedida aos professores, preferencialmente, com formação na área, pelo exercício da docência em salas de Ensino Especial, desde que devidamente comprovada a sua lotação nessas salas | 20% (sobre o vencimento) | ||
RR | Lei no 892/2013 | Gratificação por Incentivo à Docência pelo Atendimento Educacional Especializado (GIDAE) | R$ 732,00 (corresponde ao mesmo valor da gratificação de incentivo à docência) | |
TO | Lei no 2859/2014 | - | - | - |
Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Acre (1999); Amapá (2005); Amazonas (2013); Pará (2010); Rondônia (2012); Roraima (2013); Tocantins (2014).
O Quadro 2 apresenta as vantagens pecuniárias que contemplam os professores da Educação Especial nos PCCR dos estados da região Norte. Destacamos a denominação e o percentual da referida vantagem. As vantagens pecuniárias são elementos que compõem a remuneração.
O Quadro 2 mostra que o estado do Acre (1999) denomina como “gratificação pelo exercício do magistério com alunos especiais”. A variação percentual vai de 5% a 15%, no entanto, não fica claro no documento qual é o critério para aplicar o percentual da vantagem pecuniária. No Amapá (2005), está especificado como “gratificação de Ensino Especial” e determina 10% sobre o vencimento básico. O Pará (2010), com a denominação de “gratificação do Magistério”, indica 50% sobre o vencimento básico. Em Rondônia (2012), o docente da Educação Especial recebe duas vantagens: a) gratificação de atividade docente, no valor fixo de R$280,00 e; b) gratificação de Ensino especial, com percentual de 20% sobre o vencimento básico. Já em Roraima (2013), identificamos a gratificação denominada “Incentivo à Docência pelo Atendimento Educacional Especializado (GIDAE)”, no valor de R$ 732,00. Os PCCR do Amazonas (2013) e do Tocantins (2014) não contemplam a referida vantagem/gratificação para os docentes da Educação Especial.
De maneira geral, os PCCR da referida região apresentam-se extremamente diversos a respeito das vantagens pecuniárias/gratificações destinadas aos professores que trabalham especificamente com alunos da Educação Especial. Nesse sentido, a busca pela valorização do magistério continua em pauta, visto que os docentes da Educação Especial necessitam de melhorias em suas condições de trabalho, aspecto que perpassa pela carreira docente.
4 Considerações finais
Sobre o estudo dos PCCR dos estados da região Norte, no que concerne ao docente da Educação Especial, alguns pontos devem ser destacados. Dessa forma, apesar de a LDB/1996 prever a formação para o ingresso na carreira na Educação Básica em nível Superior, há, ainda, em alguns estados, a possibilidade de ingresso com formação em nível Médio. Sobre a forma de ingresso na carreira, podemos considerar que as redes estaduais da região estudada apresentaram avanços, pois todos os estados da região Norte já realizam ingresso na carreira do magistério por meio de concurso público.
No que se refere aos cargos para os docentes da Educação Especial, os PCCR da região Norte variam em nível Superior (professor de AEE, professor Braillista, professor de Libras, professor tradutor/interprete de Libras) e nível médio (leitor de Braille, formação em LIBRAS e cuidador). Também, percebemos a ausência de formação e cargos para a atuação docente na Educação Especial nos estados do Amapá, Amazonas, Pará e Tocantins.
Outro ponto a considerar são as gratificações e as vantagens adicionais. Sobre isso, identificamos a diversidade de gratificações aplicadas pelas redes de Ensino estaduais da região estudada. Sendo que, em alguns casos, não aparece a definição específica para docente da Educação Especial. Esse cenário marca certa autonomia dos estados em criarem e em estruturarem os seus próprios PCCR, sem considerar a mobilização docente diante das necessidades da categoria.
Pelo exposto, a carreira docente, como elemento central da valorização do magistério, tem os Planos de Carreira como instrumento legal que organiza os profissionais em seus respectivos cargos e funções. Nessa direção, consideram-se “algumas variáveis essenciais à sua finalidade, quais sejam, o desempenho do servidor no exercício de suas atribuições, os programas de desenvolvimento de recursos humanos, a estrutura de classes e o sistema de remuneração” (DUTRA JUNIOR, et al., 2000, p. 204). Nesse sentido, o panorama da carreira, com foco nos docentes da Educação Especial na região Norte, apresenta, de um lado, avanços do ponto de vista da valorização do magistério e, por outro lado, ainda possuem disparidades nos PCCR em análise. Com o estudo em tela, podemos destacar também a necessidade de mobilização e de organização dos docentes da Educação Básica e, principalmente, dos que atuam na Educação Especial, na luta por condições de trabalho e de carreira no magistério público.