Introdução
As relações entre a Europa e as Américas se estabeleceram historicamente sob diferentes formas e perspectivas, as quais foram materializando-se em escritos (cartas, legislações, desenhos e livros) que evidenciaram como as distâncias transatlânticas não se constituíram em impedimentos para que ideias e pensamentos circulassem entre ambos os dois continentes desde o período colonial até o tempo presente. Dentre os impressos, os jornais e as revistas se constituíram no principal canal de (in)formação e de inculcação de regras e valores, como apontam os estudos de Bittencourt (2014), Boto (2022), Lajolo (2022 ), Castellanos e Castro (2021), Abreu e Mollier (2018) e Escolano (2017), dentre outros autores, que se reportam direta e indiretamente à circulação dos impressos entre diferentes nações e temporalidades.
No caso do Brasil e Portugal, Silva (2018, p. 262-263), afirma que:
Os olhares luso-brasileiros sobre as realidades culturais partilhadas cruzam-se nas páginas dos múltiplos órgãos da imprensa luso-brasileira, editados em Portugal e no Brasil, criando múltiplas cumplicidades entre escritores, jornalistas, [professores] e editores dos dois países. Assim, temos de ter em consideração duas questões: a importância essencial para Portugal do mercado brasileiro no plano literário [,] jornalista[e educacional] e a relativa facilidade com que os profissionais da imprensa [e da educação] se deslocavam e trabalhavam nos dois lados do Atlântico.
Neste trabalho1, tomamos como fonte e objeto de análise a Revista da Instrução Pública entre Portugal e Brasil (1857-1858), que tinha como redatores António Feliciano de Castilho e Luiz Filipe Leite. Presenças relevantes na literatura, na produção de obras didáticas e na imprensa portuguesa, que mantiveram fortes e férteis relações2 com o Brasil, por meio dos seus escritos dedicado aos escolares, literatos e intelectuais em todo o vasto território nacional e nas diversas possessões portuguesas do século XIX no continente Africano.
Rogério Fernandes (2000, p. 22), ao analisar deste periódico no artigo “Um projeto de jornalismo pedagógico luso-brasileiro no século XIX (1857-1858)”, no citado periódico feaz uma revisitação dos principais temas tratados na referida publicação, o mesmo e afirma que:
Na extensa actividade pedagógica do poeta português não tem sido realçada a significação do projecto jornalístico de que foi um dos fundadores e principais animadores:a Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil. Ele assinala,no entanto,uma tentativa de cooperação entre os pedagogistas dos dois países,a qual,apesar de falhada,nem por isso tinha menos sentido. O uso de uma língua comum,então menos diferenciada do que hoje,sob o ponto de vista literário,entre as classes cultas,contribuía para justificara opção tomada. Ao mesmo tempo,preocupações idênticas na esfera da instrução pública tomavam apropositada uma reflexão de interesse para docentes,decisores políticos e homens de cultura de uma e de outra margem do Atlântico. Além disso, Castilho parecia conhecer razoavelmente a situação brasileira, visto que regressara pouco antes do Brasil, onde tentara divulgar o seu método de leitura e procurara uma situação económica adequada às suas necessidades familiares.
António Feliciano de Castilho, com as suas vastas produções literárias e, principalmente, por meio de seu método de ensino da leitura. Luiz Filipe, com as suas obras dirigidas a crianças e jovens que foram adotados em instituições escolares de Ensino Primário e Secundário, a exemplo de Ramalhetinho da Puerícia (1854), Exercícios de Leitura Manuscrita para Usos das Escolas pelo Método Português (1854) eDo ensino nacional em Portugal (1892). A relação de amizade entre ambos se deve ao fato de que Luiz Filipe Leite, fora, “desde os dezenove anos, secretário e dedicadíssimo auxiliar do mestre na cruzada da instrução”, em Ponta Delgada, como relata Castilho (REVISTA, 1857, p. 11).
Portanto, neste texto, ao tomarmos a Revista de Instrução, partimos da ideia de que a proposta dos redatores era estreitar os laços entre educadores, brasileiros e portugueses, servindo como veíiculo de divulgação do Método Castilho, e, ainda, para se debater as ideias expostas sobre a educação pública, as reformas e os problemas nesse campo, entendidos estes escritos como um dos meios, se não o mais relevante, para promover uma civilização instruída, universal e capaz de igualar o Brasil e Portugal , às nações europeias, que tinham um sistema de ensino “avançado e promissor” (REVISTA, 1857, p. 21).
Destarte, objetiva-se neste artigo, analisar a finalidade da produção da Revista e a circulação do método-português de Castilho3, assim como sua adoção no Brasil4. Nesse sentido, apresentamos este ensaio em duas partes: na primeira, descrevemos o periódico enquanto como materialidade; na segunda, as diversas recepções deste método no Brasil, tomando como referência, as correspondências dos professores brasileiros enviadas aos redatores do periódico. Portanto, este texto é relevante na medida em que os estudos sobre este educador e seu método de leitura são lacunares tanto em Portugal como no Brasil, como afirmam Cunha (2014) e Albuquerque (2019), na contramão de suas atividades de literato, como destacam Ida Alves e Eduardo Cruz (2014), posto que António Feliciano de Castilho é um
[...] escritor outrora festejado, reconhecido por seus pares e pelo público leitor em Portugal e no Brasil, com cerca de 60 anos de produção constante em diversos domínios (jornalismo, poesia, narrativa, teatro, tradução, epistolografia, pesquisa histórica e educação), provocador de polêmicas, alvo de críticas da Geração de 70, enfim um nome mais do que presente ao longo do século XIX português, com uma história de vida pública que começa no inicio do século, faz jus, pelo menos, a um trabalho de leitura critica e atualizado e mais imparcial sobre sua obra, com a demonstração, é natural, de suas contradições e fraquezas, mas também de sua contribuição à cultura portuguesa [ e brasileira] oitocentista. (p. 11-12)
Com relação ao este periódico, Revista para a Instrução Pública entre Portugal e Brasil, afirma Fernandes (2000, p. 23) afirma que “poucos foram os artigos que contemplaram as questões brasileiras”. Entretanto, apesar do predomínio dos debates sobre Portugal, realidade cotidiana de Castilho e Luiz Filipe Leite, as matérias sobre o Brasil, em especial, se constituem de grande relevância para analisarmos a adoção do método de Castilho no Brasil oitocentista.
A “Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil”
A Revista da Instrução circulou em Portugal e no Brasil no período de 1857 a 1858, (volume 1 ao volume 8), tendo como redatores António Feliciano de Castilho e Luiz Filipe Leite,
[...] e saía duas vezes por mês. [tinha] 12 páginas [...] [com] 24 colunas cada número. As correspondências [eram] dirigidas francas do porto à oficina do Progresso em Lisboa. Rua da Cruz do Pau, n .15. Para a redação; a Luiz Filipe Leite. Para a administração, a Francisco Gonçalves Lopes [...]. Para o ultramar o Brasil será remetido à Revista pelas malas dos navios de vela. As assinaturas, pagas adiantadas, por três meses mais ou menos. Roga[va] a quem assinar neste prospecto, ou para ele colher assinaturas no império do Brasil, queira entregá-lo com a respectivas importâncias, ao agente consular português na localidade, ou à pessoa por ele designada. (REVISTA, 1857, p. 3)
O título da revista aparece em letras maiúsculas, Revista da Instrução Pública, e em letras minúsculas para Portugal e Brasil e, em seguida, os nomes dos redatores, sendo vendidas para assinantes ou por números avulsos (com ou sem estampilhas)
“Os preços são em moeda forte. As assinaturas, pagas adiantadas, por três meses pelo menos. Os subscritores das províncias podem remeter o seu importe em vales do correio. As pessoas que desejarem continuar a receber a REVISTA, no continente do reino e no ultramar, ou no Império do Brasil, queiram enviar o importe da assinatura por quanto tempo subscrevem.”
Período de assinatura | Com estampilhas | Sem estampilhas |
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Por 24 meses | 1$ 940 | 1$700 |
Por 12 meses | 1$020 | 900 |
Por 6 meses | 540 | 480 |
Avulso cada número | 130 | 120 |
FONTE: Revista da instrução Pública para Portugal e Brasil (1ª Edição de 1857) - Elaborado pelos autores.
Nas páginas da Revista são publicados os atos dos governos português e brasileiro (remoção, contratação, concursos e aposentaria de docentes), instrução das mulheres e dos operários, relatório de Ministério da Instrução Pública do Brasil e da Comissão-Geral da Instrução Pública de Portugal, a divulgação de livros editados em Portugal e destinados a escolas e, principalmente, artigos de autoria de António Feliciano de Castilho, constituindo-se nas principais temáticas presentes. Além disso, “um dos aspectos mais inovadores da Revista foi o recurso à história da educação como instrumento de construção de um sistema educativo moderno. [...] Cremos que, pela primeira vez, a história da educação era vista como importante na busca do fundamento para a decisão política e o seu atraso apontado nos seus aspectos negativos” (FERNANDES, 2000, p. 34-35).
No artigo, “Programa que procedeu à publicação deste jornal”, em que os redatores apresentam a Revista, afirmam que esta tinha dupla finalidade: a primeira, “[...] pesar na balança do senso comum e à luz da ciência atual, o que existe, bom ou mau, ótimo ou péssimo nas duas legislações, inquirir o que falta ou devia existir” (REVISTA, 1857, p. 2); a segunda, “examinar com a mesma consciência o que se faz e o que se tem feito nos países onde mais adiantada se acha a organização da instrução pública, considerada administrativamente, quer nos seus pormenores pedagógicos e didacticos” (REVISTA, 1857, p. 2).
A confrontação entre as realidades portuguesa e brasileira objetivou elaborar proposições para a instrução pública portuguesa e brasileira; apesar de entenderem que a confrontação não seria uma tarefa fácil, na medida em que dependeria, sobremaneira, da vontade dos especialistas e dos intelectuais dos dois países, e a “[...] quem os editores deveriam recorrer para obterem suas opiniões, observações e os seus estudos” (REVISTA, 1857, p. 3).
Considerando que o agrado nascido da amenidade é para o gosto da maioria uma inocente sedução, e que em favor do santo fim que demandamos, nenhum meio se deveria desprezar, quanto mais a formosa literatura, procuraremos desenfadar algumas vezes com ela o cansaço dos estudos sérios, mesmo a fim de criar para estes maior número de sectários. O exemplo não e novo, temo-lo nos jornais especiais de todas as línguas. Tomo-lo na França5, principalmente. (REVISTA, 1858, p. 3)
Apesar de Castilho e Leite não evidenciarem tal proposta, a análise da Revista nos permite afirmar que a finalidade do impresso era divulgar e estreitar os laços entre o Brasil e Portugal no que tange à instrução pública, e principalmente servir de canal de comunicação e de exposição do método português6, diante de outros adotados nas instituições escolares das duas as nações; em certa medida, realizaram uma análise comparada entre os sistemas de ensino, sem contudo “traçarem vantagens ou desvantagens entre um e outro” (REVISTA, 1857, p. 2), posto que, segundo os redatores, tanto no Brasil como em Portugal não havia um sistema de ensino nacional e organizado sob os princípios da ciência moderna e voltado para as necessidades locais e conveniências regionais; ao contrário, “estavam de acordo com as exigências imperiosas da posição política de ambos os países” (REVISTA, 1857, p. 3), o que, segundo afirmavam, dificultavam emitir um “juízo de valor” sobre eles.
Contudo, Castilho e Leite acreditavam que Portugal, país com uma indústria agrícola e fabril promissora e empenhado na melhoria das condições materiais, mas, sem atentar para as reformas públicas de instrução que objetivassem uma “ilustração popular”, apesar de todo o seu esforço de desenvolvimento, não passaria de “uma quimera”. Não romperia com “os erros do passado” nem projetava um futuro que somente seria possível “a partir da união entre os interesses intelectuais e os [...] interesses materiais” (REVISTA, 1857, p. 3). O Brasil, por sua vez, nação forte e de pujante adolescência e com perspectivas de amplos horizontes de prosperidade e riqueza pública, deveria partir dos mesmos princípios de engrandecimento intelectual e “não hesitar perante a amplidão do cometimento” (REVISTA, 1857, p. 5).
Para esses autores, somente pelo desenvolvimento intelectual, considerando Portugal pela sua posição geográfica e histórica e, o Brasil, pelo vasto território e recursos naturais, poderiam formar uma “civilização universal” para todos os povos, por meio de uma “opinião educada, como um caminho seguro para os bons governos e a felicitação pública” (REVISTA, 1858, p. 2). Isso, colocaria os dois países no mesmo nível de instrução, apesar das suas diferenças temporais e históricas, mas com aspirações idênticas e cujo norte seria por meio de um “[...] sistema [público de] instrução que [atingisse] a verdadeira altura da respectiva distinção social [;] infrutíferos [seriam] quaisquer esforços com que se pretend[era] fazer progredir um país na estrada providencial da perfectibilidade” (REVISTA, 1858, p. 2-3).
No artigo “Preâmbulo”, em que apresentam Castilho e Leite a vantagem da imprensa periódica como canal para a divulgação da ciência moderna e dos avanços em todos os ramos do saber, traçam um panorama peculiar e abrangente sobre a origem desta materialidade, quando afirmam que a “imprensa matou o livro [...] a própria imprensa, com o periódico matou o livro” (REVISTA, 1857, p. 4).
Ao analisar a Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil, Magalhães (2021, p. 24-25) alega que:
António Feliciano de Castilho e Luís Filipe Leite propunham uma publicação de formato menor que o livro, mas que não fosse um pequeno livro. Referem-se a uma nova fase da Imprensa considerada como veículo de civilização: de envolta com folhas volantes e efémeras, apareceram as publicações médias entre o jornal e o livros, participantes das vantagens de um e de outro. Os autores introduzem a noção de ‘o livro-periódico’ ou ‘periódico-livro’. Tratar-se-ia de publicações com conhecimentos gerais e cultura; com conhecimentos úteis e materiais de leitura; com conselhos e preceitos cívicos, morais, vitais. Este tipo de publicação adequa-se-ia, segundo Castilho e Filipe Leite, aos múltiplos públicos atirados ao seu destino, muito particularmente à mulher do mundo rural.
Portanto, a imprensa periódica, para Castilho e Filipe Leite, expandiu as possibilidades de leitura, ao contrário do livro, pela sua forma, extensão, peso, custo e estilo, “torn[ando]-se um oráculo para os profanos” (REVISTA, 1857, p. 4), e seu “ar científico, ar diletério” (REVISTA, 1857, p. 4) para a instrução popular. Em contrapartida, a imprensa periódica, que nasceu sob um princípio da democracia e da igualdade para todos, estava longe de atender a esse desejo e a necessidade do povo, e restringiu-se a outros fins, para uma certa cultura e ordem das ideias “a quem o uso tem dado o nome de política” (REVISTA, 1857, p. 4).
Para Castilho e Filipe Leite, cada profissão e cada ciência fundou os seus “respectivos hebdemodários semanais, mensais, trimestrais, sob diferentes títulos - revistas, almanaques, anuários - que como ‘semilivros’” (REVISTA, 1857, p. 4) permitiram compreender o movimento e a história das diferentes carreiras: “periódicos para os médicos, periódicos para os juízes, periódicos para os agricultores, etc” (REVISTA, 1857, p. 4-5).
Em meio de tantos e tão diversos grupos de publicações periódicas, sentiu-se a carência de um jornal didático, mas didático no sentido das principais exigências do século, que participasse do livro pelo poderoso e reflexivo e ainda, um pouco pela extensão de expor e sustentar as doutrinas, mas que ao mesmo tempo se irmanasse com as folhas volantes pela correnteza do estilo, pelo desambicioso das formas, pela variedade dos assuntos por proferir dentre estes os que melhor se acertassem com as precissões e tendências da atualidade, por olhar mais para o presente que para o passado; mais para o futuro que para o presente e que tantos esses dotes ou os mais deles os realçasse com as amenidades da literatura e a tenuidade dos preços, condição muito primária. (REVISTA, 1857, p. 5).
De acordo com os redatores da Revista, um jornal didático deveria seguir o exemplo de uma mulher em suas múltiplas atividades: mãe, esposa, agricultora, fiadeira e de “[...] de virtudes práticas e de coração aberto e amoroso. Assim, deveria ser o Jornal da Instrução Pública, de modo a examinar o que havia em [...] relação ao ensino, o que lhe falta. O que lhe sobra, a quantidade e a qualidade das escolas desde as primárias até as superiores” (REVISTA, 1857, p. 6 ), tanto no Brasil como em Portugal. Isso seria, segundo os redatores,
A única política atualmente possível não só para a Europa, mas para a América e para todos os povos livres, é a da civilização universal. A opinião popular educada é a mais segura fiança de estabilidade para os bons governantes e de felicitação pública. Por ela se operará, no interesse comum, o que aliás ficaria circunscrito à limitada esfera de conveniência individual. (CORREIO DA TARDE, 1856, p. 3).
Essa era a finalidade e a perspectiva que estimularam António Feliciano de Castilho e Luís Filipe Leite em publicarem a Revista que, como todos os demais, em especial, aqueles especializados, viviam o dilema e as dificuldades de manterem a sua regularidade, como afirmam seus redatores na edição de número 7, de 1858.
A empresa lutando com dificuldade, como tem acontecido a todos os periódicos de similitude natureza nestes últimos tempos, declara que tem de ser ainda por algum tempo bimestral a publicação da Revista como neste sucede. Sendo a assinatura contada pelos números que se subscreve e não por tempo determinado, esta irregularidade não prejudicará os subscritores. (REVISTA,1857, p. 5).
Como canal de informação e de divulgação durante o seu ciclo de vida (1857-1858), a Revista se constituiu em espaço privilegiado para fazer circular as ideias sobre o Método de Castilho no Brasil. Diante disso, discutiremos a sua circulação nas diversas províncias brasileiras, isto é, onde ocorreu a sua adoção e os principais professores envolvidos nesse processo.
O Método Castilho no Brasil nas páginas da ‘Revista’
A tentativa de Antonio F. de Castilho para difundir o seu método no Brasil destinado ao ensino da leitura, é um episódio da história do ensino neste país, com interesse em si e ainda, por se tratar de um caso luso-brasileiro, nesse mesmo campo, pois A. F. de Castilho, anteriormente tentara com todas as suas forças, difundir e impor esse mesmo método em Portugal. Por isso, a campanha pedagógica de A. F. de Castilho interessa à história do ensino em Portugal e também à história do ensino no Brasil, e, cremos, raros serão os aspectos, como este, comuns à história do ensino nos dois países, posteriormente a 1823. (CASTELO-BRANCO, 1977, p. 33) (grifo nosso).
Após a divulgação do método em Portugal, iniciou-se uma forte e virulenta campanha contra ele, o que vem a ser na história do ensino de Portugal a mais longa e acirrada polêmica a uma proposta de instrução, como afirma Castello-Branco (1977), o que Castilho rebateu na impressa e nos livros Tosquia de um camelo (1853) e Ajuste de contas com os adversários do método português (1854), em que justificou as suas escolhas, mostrou a diferença entre o seu método e os “métodos velhos” adotados até então em Portugal.
Inventaram os inimigos do método português que os professores que ensinavam cantando e marchando, não estavam sujeitos à lei que manda que o ensino seja método simultâneo, e isto dito com certo ar de motejo, porque esses senhores ignoram a diferença que há entre método e modo de ensino7, que na Alemanha onde a instrução está muito mais adiantada que em Portugal, ensinam algumas disciplinas por meio de versos, que mandam cantar aos meninos para facilmente os decorar. Ignoram qual o parecer das comissões médicas de Lisboa e da Bahia dado sobre o canto, palmas e marchassem nas escolas, em que aquelas duas comissões decidiram que “os pulmões tem no canto e sua ginástica, que se desenvolvem por ela e se fortificam, e que em nenhuma espécie de gente a tísica e tão rara como nos cantores de profissão, que as palmas e as marchas são a higiene das extremidades e de todo o corpo em geral, que o uso excessivo de qualquer órgão, o desenvolve notavelmente, e que os órgãos que menos se empregam no exercício de suas faculdades se amesquinham e atrofiam”. (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1860, p. 3) (grifo nosso).
“Ecos” dessa campanha para a adoção do seu método, iniciada por Castilho em Ponta Delgada e em outras cidades portuguesas, como Lisboa, Porto, Leria, chegam ao Brasil por intermédio de vários adeptos e defensores como José Nogueira de Jaguaribe8 (deputado pela província do Ceará) e os professores(as): Abílio César Borges (Bahia); os padres João Soares de Sousa; e Vicente Júlio Soares (Colégio São Januário); A. E. Zaluar (Colégio Zaluar); Valentim José da Silveira Lopes9, (Rio de Janeiro); José Maria Pereira de Alencastre (Piaui); Raimundo José de Almeida Couceiro (Pará); Secundino José de Farias Simões, Priscila S. Mendes Albuquerque e Francisco de Freitas Gamboa (Pernambuco); Frederico da Costa Rubim (Ceará); Sotero do Reis (Maranhão); Antônio Pedro Pinto (Minas Gerais), entre outros que adotaram e descreveram as vantagens deste método em relação aos “antigos” na imprensa periódica brasileira: no Jornal do Comércio (1855) e Correio Mercantil (1856) do Rio de Janeiro, no Diário de Pernambuco (1860), no Publicador Maranhense (1858), dentre outros.
Para Castello-Branco, como Castilho não conseguiu a adoção do seu método pelo sistema de ensino de Portugal como intencionava e pelas acirradas polêmicas advindas do método, voltava o seu olhar para o Brasil que, segundo Júlio de Castilho (apud Castello-Branco, p. 33 ), era um país primeiramente
[...] onde o seu nome literário [...] atingira o apogue da celebridade desde longos anos [...[. Segundo, o imperador mostrava-se amigos dos literatos em geral e distinguira Castilho com provas especiais e inequívocas de apreço [....]. E em terceiro lugar eram instantissimos, eram constantes os pedidos de José Feliciano de Castilho a seu irmão para uma saltada ao Rio. (CASTELLO-BRANCO, 1977, p. 37).
Com esse apoio e acreditando no êxito do seu método no Brasil, Castilho chega ao Rio de Janeiro, em fevereiro de 1855, para ministrar um curso a professores brasileiros de várias províncias, como Bahia, Pernambuco, Alagoas, convocados para tal fim, por D. Pedro II. “No dia 22 de março de 1855 foi inaugurado o curso na sala grande dos atos da Escola Militar, tendo estado presentes na sessão inaugural o ministro do Império, membros do Estado, [o] Inspetor-Geral da Instrução Pública, professores do Colégio Pedro II e algumas senhoras” (CASTELLO-BRANCO, 1977, p. 36). O curso foi também amplamente divulgado na imprensa do Rio de Janeiro.
Ontem o Sr. Conselheiro António Feliciano de Castilho fez, no salão dos doutoramentos da escola militar, perante um luzido e numerosíssimo concurso, o discurso inaugural das lições que pretende dar para vulgarizar o seu sistema de leitura repentina. [...] O Sr, conselheiro Castilho em linguagem fluente e animada, declarou dois motivos [que] haviam determinado a sua viagem: o 1º, apresentar suas respeitosas homenagens ao Se. D. Pedro II; e o outro; plantar no Brasil o seu sistema de leitura, liberando a infância do suplicio com que até aqui comprava ela o conhecimento das letras [...]. [Declarou que] Nao era orador, era simplesmente expositor claro de um sistema que importa um imenso beneficio à humanidade. Expandido-se em merecidos elogios à nossa pátria, o Sr. Castilho declarou aberta a inscrição ou matrícula para as lições em que pretendia expor o seu sistema, e convidou os professores de ambos os sexos, e quantos desejam os progressos da humanidade, e especialmente os que não acreditavam em seu sistema, a inscrever-se e ouvi-lo (JORNAL DO COMÉRCIO, 1855, p. 3).
Os professores presentes no curso de Castilho no Rio de Janeiro, a exemplo de Felipe José Alberto (Bahia), Francisco José Soares (Alagoas), Francisco de Freitas Gamboa (Pernambuco), Valentim José da Silveira Lopes (Rio de Janeiro), dentre outros, ao retornarem para suas origens, se tornaram os interlocutores e defensores do método Castilho no Brasil, cujas correspondências foram publicadas na Revista da Instrução, que é o objeto deste artigo10. Correspondências que vinham ao encontro da solicitação do relatório da Comissão-Geral da Instrução Pública de Portugal sobre a adoção do método português em todo o reino, a ser elaborado com as seguintes informações: i) quando, onde, com que habilitação e o número de alunos com que começaram as aulas; ii) as finalidades, oposições ou resistências encontradas sobre o método; iii) os resultados alcançados pelos alunos; iv) relato das experiências individuais e opinião, “sobre o mérito comparativo” entre os dois métodos (antigos e o de Castilho) e modos de instrução primária (anterior e posterior) existentes no país.
Bem assim se pede a todos os mestres e mestras que porventura hajam deixado de ensinar pelo método novo, depois de o terem admitido e experimentado nas suas escolas, declarem franca e explicitamente quais foram as causas que o induziram a tal mudança. Uma e outras informações se espera que venham a tempo de por elas se fazer obra num relatório geral, minuciosamente analítico e documentado, que desta comissão se deve e se há de ensinar oficialmente dentro em pouco ao governo e as câmaras legislativas. Lisboa, 3 de agosto de 1857. (REVISTA, 1857, p. 3).
Quais seriam os motivos desse relatório? Demonstrar a eficiência do método português diante dos demais ou para evidenciar a sua ineficácia perante os outros? Havia pretensão da Comissão-Geral da Instrução Pública constatar a qualidade superior ou não do método de Castilho em relação aos já adotados em Portugal e no Brasil? Entretanto, a Comissão descreve, com base no inquérito recebido dos professores portugueses, relatório em que destaca a superioridade de método Castilho em relação a outros em voga em Portugal no ano de 1858. Então, se esta Comissão emite um parecer favorável ao método português, por que ele não fora adotado e gerou polêmicas entre os intelectuais portugueses?
Inferimos que a rejeição ao método português não estava somente relacionada ao método em si, mas à polêmica de Castilho acirrada com os membros da Geração de 70, como Antero de Quental, Teófilo Braga, dentre outros (TOIPA, 2014; VELOSO, 2007; CRUZ, 2017); ou, quiçá, por ser um método que privilegiava uma educação popular para atender as camadas menos favorecidas (pobres, desvalidos, mulheres, soldados, agricultores, entre outros) e, pelo fato de Portugal ser uma sociedade em que a escola voltava-se para garantir privilégios na hierarquia social (FERNANDES, 1994, p. 56), a proposta castilhana trazia uma possibilidade de ruptura? No Brasil, além dos aspectos similares a Portugal, se acrescia uma sociedade escravista e que privilegiava a escola particular em detrimento da escola pública, a qual seria destinada “[...] essencialmente à população pobre, negra [libertos] e mestiça, portadora de ‘hábitos e valores rudes’, não afeita às normas sociais nem ao cumprimento dos deveres e por isso passível de ser civilizada” (VEIGA, 2007, p. 149).
O método Castilho no Brasil foi adotado na Região Nordeste, em especial nas províncias de Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Piauí. Na região Centro-Oeste, na província de Goiás, e no Sudeste, na capital do Império, Minas Gerais e em Niterói, como se depreende das correspondências dos professores dessas localidades “aplicadores do método português” e publicados na Revista de Instrução e nos jornais dessas localidades.
De igual modo, infere-se que o primeiro professor a adotar o método Castilho no Nordeste tenha sido José Francisco Soares, da província de Alagoas, e que em Pernambuco a sua expansão foi mais presente, como se pode observar pela transcrição abaixo.
Pernambuco esta sendo um quadro auspicioso para a instrução primária regeneradora. Dez são as escolas pelo método-Castilho, abundantemente frequentada no Recife, capital da Província. A primeira das dez que tem o nome de central do método-Castilho e contava em 20 de junho deste ano 173 discípulos, foi fundada e é redigida pelo Sr. Francisco de Freitas Gamboa, com uma perícia, um zelo, e resultados, que maravilham e que a opinião pública, pode dizer que unânime hoje, tributa as mais recaídas homenagens. As autoridades e quase todo o jornalismo da terra, convencidos pelos fatos multiplices, brilhantes e incontestáveis, da excelência do novo ensino, da maestria e do governo do Sr. Gamboa, cumpre um gostoso dever coadjuvando-o.[...] É um homem [Sr. Gamboa] inegavelmente benemérito, que no pódio, sem injuria, ser preterido na galeria pedagógica com que a nossa Revista pretende enriquecer-se e que ela espera não será, dentre as suas partes, a menos útil, nem a menos agradável (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1857, p.17) (grifo nosso).
Em Recife, o professor Gamboa transmitiu para outros professores os ensinamentos recebidos no Rio de Janeiro, de modo que pudessem ensinar pelo método português, o que permitiu o funcionamento de dez salas a partir do Centro do método Castilho, em que irradiava aos mestres pernambucanos os saberes e as práticas para a sua aplicação. Daí, a deferência do António Feliciano de Castilho a Gamboa (CASTELLO-BRANCO, 1977, p. 38), que era, para ele, merecedor de um lugar na “galeria pedagogica” dos docentes brasileiros. Certamente, essa expansão do método Castilho em Recife deve-se a sua passagem (26 horas) por “aquela veneza tropical” (CURSO DE LATIM, 1857, p. 30) em retorno a Portugal, em que é recebido por várias autoridades locais, como o presidente da província, diretor da instrução pública, poetas como Rangel Barbosa e o professor Gamboa e Menna Callado da Fonseca, diretor de um colégio para meninas a cuja amizade Castilho dedica a obra do curso de latim que ministrou na Academia Real de Ciências de Lisboa.
A respeito da adoção do método em Pernambuco, a Revista transcreve ainda matéria publicada no Diário de Pernambuco, de 14 de fevereiro de 1855, e, em Portugal, no jornal Revolução de Setembro, de 16 de abril de 1855, escrita por uma “pessoa fidedigna” (REVISTA, 1857, p. 4).
Eu estou persuadido que só pelo poder geral é quem pode proibir o método Castilho, visto que três províncias Alagoas, Sergipe [e] Rio Grande do Norte o tem adotado por ordem de suas competentes assembleias provinciais; além destas o Rio, Bahia, Piaui, Pernambuco e Ceará tem escolas particulares pelo novo método. Seria preciso uma força sobrehumana para fazer voltar ao regresso os Silveira Lopes, da capital do Império, os Ibirapitangas e os Albertos, da Bahia; os Soares de Alagoas, os Menna, os Drumonds, os Farias Simões, Fonseça, Silvas, Vianas, Maximos Figueiredo, de Pernambuco, os Carneiros da Cunha, os Liberatos, no Rio Grande; os Reis e Padre Medeiros, no Apodi e Ceará.
Por esta descrição desta “pessoa fidedigna”, fica latente a quantidade de livros e seus métodos adotados nas diferentes localidades brasileiras, o que, em certa medida, pode, por uma lado, evidenciar a falta de um sistema nacional de ensino das primeiras letras e, por outro, configura uma transposição de modelos de uma localidade para outra e disputas internas em cada província para que obras de determinados autores fossem adotadas em detrimento de outras. Essa observação é presente na província do Maranhão, podendo configurar um panorama nacional, como aborda Castellanos apud Valdemarin (2022), isto é:
Os impressos foram o veiculo de disseminação das inovações, inclusive aquelas desencadeadas nos espaços exemplares que viabilizaram práticas pedagógicas alinhadas às novas concepções. Entre eles, os manuais didáticos, que contribuíram articulando as inovações com contextos educacionais específicos. Produzidos para circular em instituições formativas, os manuais didáticos evidenciam a seleção que a tradição impõe ao processo de incorporação de significados. (VALDEMARIN, 2010, p. 209-210).
Em Alagoas11, o professor José Francisco Soares, ao retornar do Rio de Janeiro, após frequentar o curso de Castilho, implanta, em Maceió, o seu método, afirmando em carta aos redatores da Revista que a sua adoção era de pleno êxito e sem nenhuma discussão negativa, o que demonstrava a “eficiência e as vantagens do novo sistema” (REVISTA, 1858, p. 4); aspectos referendados pelo presidente da província no relatório que apresenta à Assembleia Provincial em 1856. De acordo com Villela, Chagas e Dias (2022), o relatório de 1855 do presidente de província da Bahia, José Maurício Wanderley, indicava os professores Felipe José Alberto e Antonio Gentil para frequentarem no Rio de Janeiro o curso de António Feliciano de Castilho, os quais, ao retornarem para Salvador, ministrariam o que haviam aprendido a outros docentes de modo a expandirem por toda a província o método português, já que: “[...] As experiências feitas pelos professores Felipe José Alberto (sic) e Antonio Gentil Ibirapitanga têm correspondido até certo ponto às promessas do autor; mas a leitura dos livros não é suficiente, desacompanhada da prática [...]” (MOACYR apud VILLELA; CHAGAS; DIAS, 2022, p. 96).
Dentre os dois professores, Felipe fora o que mais se empenhara nesta tarefa, merecendo elogios do então inspetor da instrução pública, Abílio César Borges, pelos resultados alcançados com seus alunos no processo de alfabetização pelo método Castilho. Segundo Nogueira (1838), citado por Villela, Chagas e Dias (2022, p. 4), aquele “jovem professor negro encantou o imperador Pedro II, em sua visita a Salvador, que o chamou para dirigir a Escola Normal da província do Rio de Janeiro”
O mesmo Felipe Alberto lecionou na escola primária do Mosteiro de São Bento, na Corte. Pelas descrições das aulas e materiais solicitados percebe-se também que lá ele praticava o método português. Da mesma forma, [...] sua atuação enquanto professor de escola primária pública em Niterói, nos leva à mesma conclusão. (VILLELA; CHAGAS; DIAS, 2022, p. 4).
Para além do Rio de Janeiro, na Região Sudeste, o método Castilho foi adotado na província de Minas Gerais pelo professor Gervásio José da Silva Braga, como afirmam Villela, Chagas e Dias (2022), e em 1871, o Diário Oficial publicou uma matéria deste docente e de um grupo de pais em que relatam os aspectos positivos obtidos pelos seus alunos e filhos na leitura e escrita por este método.
Em seguida o professor público, Gervásio José da Silva Braga, indignado de saber que o sistema de Castilho havia sido reprovado por uma junta de professores instituída pelo governo (não deixa claro que governo, mas é mais provável que fosse o da província) dava conta da rotina de sua escola direcionada pelo método, enaltecendo-lhe as vantagens sobre o sistema antigo, arrependendo-se do tempo que ainda não tinha conhecimento do método do “grande sábio”, do “grande amigo da humanidade e da puerícia” que era António Feliciano de Castilho. (VILLELA; CHAGAS; DIAS, 2022, p. 4).
No Maranhão, o método português não foi adotado, apesar de a Assembleia Provincial, em 19 de junho de 1858, ter aprovado a concessão de 1:200$00 réis a um dos professores primários para aprender o método Castilho onde lhe fosse mais conveniente (PUBLICADOR MARANHENSE, 1858). Todavia, Sotero dos Reis, quando esteve à frente da Inspetoria-Geral da Instrução Pública, tratou sobre a adoção deste método em outras províncias e das vantagens que ele oferecia em relação a outros, como também da necessidade de ser implantado no Maranhão. Em correspondência a Sotero dos Reis, Castilho elogia a obra do latinista e gramático maranhense pela publicação de Postilhas de gramática geral apliccada à lingua portuguesa pela análise dos clássicos (1866), afirmando que “[...] dentre as que tinha conhecimento no Brasil consider[ava-a] a mais completa e, por isso, merecia ser adotada em todo o Império brasileiro”.
A relação de Castilho com autores brasileiros emitindo pareceres sobre suas obras foi frequente na imprensa, a exemplo de Sotero dos Reis, e de Francisco Gomes de Amorim, português e residente na província do Pará, sobre sua obra Caminhos matutinos (1860).
Meu caro e excelentíssimo poeta - Esta sua prezada cartinha veio aumentar a confusão em que eu já estava, por lhe não haver ainda agradecido o presente de livro, e não só o presente, o contentamento muito real que me deu a sua leitura; (...) por cima de todos estes amores e de envolta com todos eles, ainda uma não sei que fragrância de terra natal, um só do tão sincero e tão bom do legítimo falar da nossa gente, e uns taes reflexos cambiantes de passadas glorias, que não quero que haja leitor português, douto ou inculto, clássico, romântico, eclético, séptico, a não ser algum satírico destes escalados e serem entranhas, que, acertando de abrir este livro em qualquer pagina deixe de prosseguir até o fim e, concluída a leitura, de o recomeçar. (...) Os Cantos Matutinos hão de ter seguidas e muitas edições, hão de ser seguidos de novas coleções poéticas da mesma pena; recomendo-lhe pois que aproveite para si e para nós, em quanto o correr do tempo, as mutações dos anos e o esfriamento da idade lhe as não apagam da memória e do coração, aquelas cenas da natureza intertropical, verdadeiro paraíso ter real fantasias. Saiu do oceano coroado de pérolas, torne-se (um espírito só) torne-se a América, e volte-nos carregado das palmas que desdenhou colher. (...) De Vossa Senhoria admirador muito afetivo. Lisboa, &c. A. F. Castilho. (DIÁRIO DO GRÃO-PARÁ, 1860).
Mesmo os professores brasileiros, reconhecendo a vantagem do método em relação a outros adotados no Brasil, apontavam as dificuldades para sua adoção, pela quantidade de materiais requeridos, como os solicitados pelo professor José Francisco Soares da província de Alagoas para as suas aulas pelo método Castilho:
Ordem | Materiais | Quant |
---|---|---|
1 | Mississippi de leitura | 01 |
2 | Quadro preto, para escrever com giz | 01 |
3 | Quadros e cujos modelos já existem anexos aos compêndios | 44 |
4 | Caxilhas de madeira para se colocarem os quadros acima, a serem pregados à parede d’aula | 44 |
5 | Grande campanário à imitação de um pequeno que existe | 01 |
6 | Edições de traslados | 02 |
7 | Ardósias | ------ |
8 | Exemplares das lições do manuscrito corrigidas do Método pelo professor Gentil da Bahia; | 200 |
9 | Exemplares das regras e exercícios | 200 |
10 | Tinteiro para mesa do professor | 01 |
11 | Armário para guardar os objetos d’aula | 01 |
12 | Compassador | 01 |
13 | Pequena varinha, para apontar | 01 |
14 | Giz e esponja | - |
15 | Cadeira de braço | 01 |
16 | Mesa para substituir a que existe. | 01 |
FONTE: Albuquerque e Boto (2018).
Esta lista aponta a quantidade de objetos necessários para a adoção do método Castilho, o que certamente não facilitava a sua aplicação em diversas províncias brasileiras, enquanto outros métodos requeriam uma menor quantidade de artefatos para uso dos alunos (ardósias, livros, lápis, por exemplo) e para os professores (livro, mesa, quadro, cadeira, por exemplo), como relatava os professores Gentil Ibirapitanga (Bahia), Joaquim Frederico da Costa Rubim (Ceará) e J. R. Couceiro (Pará). Entretanto, o professor José Martins Pereira de Alencastre, da província do Piauí, ao descrever a importância em adotá-lo, apontou que, mesmo que o custo com mobiliários e outros materiais fossem altos, os resultados na aprendizagem dos alunos justificativa todas as despesas (JORNAL DO COMÉRCIO, 1860, p. 2).
O relatório do Conselho Interino do Governo da Bahia (1854, p. 14) descreve que a generalização do novo sistema deveria ser observada:
A despesa com [o] material das aulas, aluguel de casas, impressão e compra dos compêndios e catecismos [...]. Se a principio essa verba era quase nula ou desconhecida, hoje que se reconhece que para uma conveniente aplicação deste método de ensino são mister não só a casa e mobília apropriados como também compêndio e uniformes, necessitamos prover as coisas de modo que esse ramo do serviço não absorve os demais, por falta de meios se torne menos profícuos. (RELATÓRIO, 1854, p. 14).
De acordo, ainda, com Albuquerque e Boto (2018), o parecer emitido pelo professor José Francisco Soares reafirmava que o método Castilho era mais eficiente que os antigos, mas também apontava dúvidas com relação à rapidez na aprendizagem da leitura, como propagava o seu ator e defensores.
[...] é minha opinião que o método de Castilho não pode apresentar essa vantagem da rapidez espantosa, que se diz. Creio sim que ele pode melhorar o sistema antigo pelo processo que cria da mnemonização e da leitura auricular e o da leitura auricular alternada. O primeiro prende a atenção das crianças e pode fazer com que elas aprendam o alfabeto em muito menos tempo do que pelo sistema antigo; portanto, quanto à escrita, o sistema de Castilho melhora o antigo nos seguintes termos: que a criança que pelo sistema antigo aprendia a escrever bem e caligraficamente em três anos (suponhamos), mas sem ortografia alguma, hoje poderá aprender em mesmos três anos caligráfica e ortograficamente. É, por certo um melhoramento, não há dúvida; mas não há a rapidez espantosa. (RELATÓRIO DA DIRETORIA DE INSTRUÇÃO PÚBLICA DE ALAGOAS, DE 26 DE MARÇO DE 1855 apudALBUQUERQUE; BOTO, 2018).
Assim como em Portugal o método Castilho foi alvo de acirradas polêmicas, como evidenciam Duarte (1961 apudALBUQUERQUE; BOTO, 2018, p. 123), em Alagoas,
tais conflitos decorreram de um motivo político, uma vez que o irmão de José Alexandre Passos, o professor Ignacio Joaquim Passos, perdeu sua cadeira interina de professor de Retórica do Liceu de Maceió para Francisco José Soares, o qual havia sido escolhido pelo presidente da província para frequentar o curso ofertado pelo poeta e filólogo português no Rio de Janeiro.
Em Minas Gerais, o método foi rejeitado por uma junta de professores instituída pelo governo e, em sua defesa, o professor Gervásio José da Silva Braga afirmava que as vantagens do Método Português sobre os sistemas antigos de leitura era “incomparável” e lamentava não ter conhecido há mais tempo o “método novo” do “grande sábio”, e amigo da “humanidade e da puerícia”, que era António Feliciano de Castilho. (VILLELA; CHAGAS; DIAS, 2022, p. 6). Por fim, as páginas da Revista evidenciaram o quão Castilho procurou manter relações com os literatos e professores brasileiros, o que justifica ao parecer, a impressão de o periódico constituir-se um espaço fértil como canal para entendermos os intercâmbios culturais, históricos e pedagógicos entre o Brasil e Portugal, para além das relações do tempo presente e as respectivas práticas.
Considerações finais
A imprensa periódica educacional representa uma fonte relevante para compreendermos a movimentação do/no campo da educação em diferentes tempos e espaços, tendo em conta as ideias e os debates presentes e as reivindicações de professores e alunos com relação aos diferentes níveis de ensino. Nessa esteira, a Revista da Instrução para o Portugal e Brasil, publicada por Castilho e Filipe Leite e editada em Lisboa, teve como finalidade estreitar a fronteira atlântica entre esses dois países, que mesmo com diferenças históricas temporais irmanavam-se pela língua e pelo desejo de alcançarem o desenvolvimento intelectual e literário via instrução pública de se igualarem às nações europeias e dos países da América do Norte América, , tendo em conta a multiplicidade de práticas educativas e pedagógicas instauradas no âmbito pedagógico em construção.
Para tanto, deveria Portugal seguir os métodos de ensino mais modernos e que pudessem tornar os alunos o centro do processo de aprendizagem, de forma agradável e rápida, diferente das práticas enfadonha que não apresentavam (via métodos arcaicos de ensino) as mesmas vantagens no processo de alfabetização dos meninos e das meninas brasileiras e portuguesas. Essa nos parece que seria a proposta de Castilho em Ponta Delgada: a de criar o método português que mostrava a escola como um local de vivências do saber e não como um espaço em que crianças e jovens tinham que se manter sob torturas e, por conseguinte, rejeitando a leitura, a escrita e as operações matemáticas, como retrata em suas obras voltadas para a instrução, como Felicidade pela instrução (1854) e Felicidade pela agricultura (1849), entre outros textos em que faz severas críticas às instituições escolares e aos métodos e modos de ensino português, que pela condições de transposição de modelos se aplicavam ao Brasil.
De modo a apresentar o seu método, Castilho viaja ao Brasil e, ao retornar para Portugal, publica a edição da Revista da Instrução Pública para Portugal e Brasil, que teve um ciclo de vida curto, embora tenha se constituído fonte privilegiada para identificarmos a circulação do método português nos trópicos, ministra curso no Rio de Janeiro em que professores de várias províncias comparecem e, ao voltarem para seus locais de origem, implantariam a proposta pedagógica castilhana. Contudo, acreditamos que pela presença de várias obras destinadas à alfabetização publicadas no Brasil e, principalmente, na perspectiva de romper com os laços com Portugal e estabelecer um sistema de ensino com feições nacionais, seu método não tenha sido adotado como Castilho almejava, quando por aqui esteve para divulgar o que considerava um método capaz de romper com os métodos maçantes presentes nos dois países.
Em algumas localidades, como na província de Pernambuco, a expansão do método Castilho ocorreu de forma mais incisiva e duradoura que em outras, como Alagoas, onde teve uma aplicação mais curta. O certo é que este método, assim como em Portugal, se fez presente em várias regiões do Brasil, merecendo elogios e aceitação em algumas províncias e, em outras, rejeições, mesmo que não nos pareça tão virulentas como na terra natal de António Feliciano de Castilho.
Por fim, analisar a produção literária do “poeta cego12”, as obras castilhanas com relação ao ensino, e especificamente aquelas sobre o seu método português de leitura possibilita mapearmos inúmeras aspectos sobre a instrução pública, entre elas: a relevância do ensino para as meninas e para a educação profissional; o papel dos professores e dos alunos no processo de ensino e aprendizagem; os sentidos da cultura material escolar, entre tantos outros eixos possíveis de serem investigados e tratados pelos historiadores da educação, uma vez que Feliciano Castilho como intelectual e pedagogo propagou o ensino em Portugal e Brasil dando sentidos novos à instrução local e regional, estimulando assim práticas transatlânticas, mesmo que (re)significadas em cada cultura escolar.