Introdução
A educação é um instrumento imprescindível na formação dos seres humanos, pode torná-los conscientes dos seus direitos e deveres, participantes ativos nas decisões em sociedade. A educação é por excelência o motor potencializador para a formação crítica do ser humano, contudo, ela também pode ser usada para oprimir e alienar o indivíduo em prol dos interesses de uma classe hegemônica. Neste trabalho, pretendeu-se compreender a constituição do Estado Moderno e a inter-relação com as políticas educacionais de inclusão na América Latina, o caso Brasil, Colômbia e Peru. Utilizou-se o método histórico-cultural de Gramsci (1978). Para ele o fenômeno deve ser estudado, levando em consideração o processo histórico e cultural do objeto em articulação com as relações políticas, culturais, sociais e econômicas sem desconsiderar a totalidade e as particularidades da realidade concreta.
Cabe às instituições educativas possibilitar aos seres humanos, em particular aos surdos, a formação política e cultural, para refletir sobre as condições concretas da realidade, examinando a infraestrutura e superestrutura para participar das decisões nos espaços democráticos de correlações de força, a guerra das posições para negociar os conflitos e contradições políticas pedagógicas melhores e favoráveis no processo formativo político-social de e para a classe subalternizada. “Toda a relação de “hegemonia” é necessariamente uma relação pedagógica que se verifica no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõe, mas em todo campo internacional e mundial entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais” (GRAMSCI, 1978, p. 37).
A pesquisa é do tipo documental e bibliográfica com uma abordagem qualitativa. A pesquisa aconteceu em dois momentos: bibliográfica e documental. No primeiro momento foram feitos estudos nas obras: Gramsci (1978, 1982, 2001), Fernandes e Moreira (2014); Diaz e Mendonça (2018), Montaño e Duriguetto (2004), Neves (2008), Romanelli (2002), Villegas, et al. (2013), Villegas e Estrada (2021), Gruppi (2001), Lane (1992), Ladd (2013), Manacorda (2006), Reis (2006), López (2018) e Aristizabal e Guerreiro (2014).
No segundo momento, o critério para a inclusão do documento legal internacional, no decorrer da pesquisa documental, foi ter relação com o tema da inclusão educacional, educação dos surdos e direitos humanos a saber: Declaração Universal sobre os Direitos Humanos (ONU, 1948), Declaração Mundial de Educação para todos (UNESCO, 1990), Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (UNESCO, 1996) e Convenção sobre direito das Pessoas com deficiência (ONU, 2006).
Quanto à legislação do Brasil, foi feita com base nos seguintes instrumentos: na Política Nacional de Educação Especial na perspectiva de Educação inclusiva (2008), LDB 9394/96, Plano Nacional de Educação (2014-2024), Lei 10.436/02, Decreto 5626/2008, Decreto 6949/2009 e Lei 14.191/2021. Os documentos da Colômbia foram: a Constituição de 1991, Lei 324/1996 e o Decreto 982 entre outros. A pesquisa documental apresenta traços diferenciados da pesquisa de cunho bibliográfica, uma vez que absorve as informações em fontes denominadas de primárias, pois retira os dados diretamente de fontes que ainda não foram analisadas. Segundo Gil (2002, p. 44) “[...] a pesquisa documental vale -se de materiais que não recebem ainda o tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa”.
O Estado moderno na América Latina, com sua constituição e funcionalidades, desempenha um papel importante na formação de políticas educacionais de países como Brasil, Colômbia e Peru. Durante a transição do feudalismo para a modernidade europeia e depois na América Latina, a educação emergiu como um direito fundamental do indivíduo, valorizado em documentos de organismos internacionais para o desenvolvimento de aspectos culturais, sociais, jurídicos, históricos, econômicos e artísticos de uma sociedade.
No entanto, essa concepção individualista de educação tem levado a conflitos de interesses entre diferentes classes sociais - burguesas, proletárias e, mais tarde, subalternas - e entre países periféricos e desenvolvidos na atuação dos organismos internacionais OI. Tais conflitos se manifestam especialmente nas políticas de inclusão, exemplificadas aqui pelas políticas voltadas para a comunidade surda na Pan-Amazônia em países como Brasil, Colômbia e Peru.
Essa perspectiva de controle e domínio ressalta a necessidade de examinar mais de perto as políticas educacionais de inclusão na região da Pan-Amazônia, observando como elas são influenciadas e moldadas pela luta de classes e pelos interesses políticos e econômicos de um Estado moderno, que opera dentro de um sistema global dominado pelos interesses do desenvolvimentismo monopolista e financeiro, que permeia as organizações internacionais na sua relação com os estados nacionais e subnacionais, inclusive nas políticas de inclusão dos surdos na Amazônia.
A constituição do estado moderno e a educação: movimento de transição do feudalismo para a modernidade
Da pesquisa e reflexão sobre as políticas e as redes dos organismos internacionais (OIs) que influenciam nas políticas educacionais da América Latina, e na fronteira Brasil, Colômbia e Peru, insurge o discurso geral de que a educação no século XXI, em tese, é um direito humano inalienável e universal ao indivíduo, independentemente de nacionalidade, cor, raça sexo, deficiência, surdez e gênero (ONU, 1948; 2007; UNESCO, 1990). Essa afirmativa aparece nas orientações das políticas educacionais a níveis mundiais, nacionais e subnacionais; como principal, citamos as constituições referentes a cada país, as Leis de Diretrizes e Bases voltadas à educação.
Contudo, de acordo com a premissa da dialética histórica de Gramsci (1978; 2001), é fundamental entender essas políticas imbricadas no contexto natural, histórico, social, econômico, jurídico, cultural e organizacional da Amazônia e no processo do contexto da transição do sistema feudal para a modernidade nessa região. Deve-se refletir que orientações e legislações sobre a educação não existiram antes do século XVIII na transição da servidão do feudalismo antigo para o capitalismo da modernidade; porém, educação sempre existiu antes da modernidade e no caso da Amazonia também pode ser assim.
Não há como abordar as políticas educacionais na América Latina sem pensar primeiramente no processo de formação social, organizacional e histórica da modernidade vivenciada na Europa em países como Portugal, Espanha, Itália, França e Inglaterra, após sua tentativa de expansão colonial nas formas de capitalismo no mundo, este “novo mundo” foi submetido a projeções europeias de inferioridade (GERBI, 1996). Alimonda (2009) refere que o processo de entrada na modernidade é diferente em países como Portugal e Espanha em comparação a Inglaterra, Alemanha, França e Holanda, ainda afirmando que isso levou a duas diferentes formas de colonialismo na Ibero américa e na América Anglo Saxã com resultados que posicionaram Estados Unidos como potência mundial e os países da América Latina ainda como fazendas de exploração desses países.
Nesse sentido, as transformações na transição do sistema feudal para a modernidade no século XV e XVIII, na Europa, em específico na Espanha e em Portugal não aconteceram rapidamente ou não se consolidaram, mas foi um movimento processual conflituoso como a saída do modo de vida servil do campo para as relações assalariadas na cidade, e o abandono do trabalho artesanal para a manufatura na origem da precária indústria desses países. Isso pelas mudanças nos modos de produção laboral e nas relações sociais, explorações marítimas e posteriormente com o avançar da ciência permitindo avanços e eficácia nas grandes navegações para a exploração do comércio das especiarias, ouro, recursos naturais em territórios europeus e, somente mais tarde, nos territórios latino-americano e amazônicos.
O processo de transformação do desenvolvimento, permeado nas relações sociais, sofria mudanças de acordo com interesses de grupos hegemônicos na economia mercantil. Esse se configura em um instrumento de poder e controle sobre as atividades laborais dos indivíduos para a manutenção dos privilégios de um grupo/classe hegemônica em detrimento de grupos/classes subalternos, provocando o surgimento do modo escravocrata de trabalho no Brasil ou do sistema de aviamento na Amazonia. Como dizem Marx e Engels (1979, p. 29),
[...] as diversas formas de desenvolvimento da divisão do trabalho representam outras tantas formas diferentes da propriedade: ou, em outras palavras, cada nova fase da divisão do trabalho determina igualmente as relações dos indivíduos entre si, no que se refere ao material, ao instrumento e ao produto do trabalho.
Tal afirmação pode ser aplicada ao processo educativo.
Para aproveitar os minérios, a flora e fauna amazônica, os instrumentos adequados foram os seres humanos indígenas, quilombolas e ribeirinhos que extraíam sem pagamento esses produtos para os senhores marreteiros e comercializando-os sem nenhuma transformação industrial e sem precisar de treinamento para além do próprio conhecimento das florestas (SANCHEZ, 2016).
A formação social da modernidade surge a partir do rompimento com as concepções advindas da religião popular enraizada no culto à natureza, chamado de pensamento mágico, que serviram para a explicação dos fenômenos que ocorriam no mundo e na sociedade, inclusive para impor a religião monoteísta católica desvinculada da natureza, junto à eliminação de um regime feudal e monárquico com base na lógica da origem divina humana.
Segundo Adorno e Horkheimer (1985), somente o esclarecimento por via da construção de uma consciência crítica, filosófica e científica pode tirar o ser humano da ignorância mágica sobre a sociedade; assim, possivelmente poderá tirar o ser humano da prisão que vive em si mesmo e da supremacia ideológica da classe dominante ― colonial ou burguesa ― sendo válido também para a América Latina. Os autores afirmam que, ao romper com esta única forma hegemônica de explicação da estrutura e organização social, substituindo pela epistemologia da racionalização a partir das ciências modernas empíricas com artes, direito e ciências, ocasionando posteriormente a individualização e a especialização dos saberes, o ser humano será emancipado e isso só pode acontecer com uma educação orientada nessa direção esclarecida.
Só que, agora, sabe-se que esse projeto da modernidade levou o ser humano a uma ruptura total com suas origens naturais, gerando problemas conhecidos como crise ambiental e civilizatória atual em que a excessiva especialização, a abstração e o afastamento da natureza levaram a um tipo de educação que não promove o vínculo correto com a natureza humana e a própria natureza planetária. Nesse contexto, esse desencanto do conhecimento mágico e a busca pela racionalidade ― a chamada racionalidade técnica originada nos séculos das luzes, iluminismo ― vai acontecendo nos vários âmbitos sociais e, principalmente, nas relações sociais do trabalho, relegando aos povos pedaços dessa visão e a uma condição inferior.
Cabe salientar, segundo Marx e Engels (1979), que a escola e as fábricas nasceram juntas. Estas nasceram em paralelo, porém, com uma concepção dualista, uma escola com o caráter especialista e técnico para formar mão de obra (executores) e a formação ampla, humanista para formar os filhos da elite (intelectuais) que iriam dirigir a sociedade, do que deriva uma sociedade dividida em classes.
Neste cenário, foi necessário criar uma racionalidade contratual para regular os possíveis conflitos condizentes às novas relações sociais e políticas, principalmente as relações de trabalho, a relação com a natureza e a propriedade privada e os bens materiais, como a terra. Nesse sentido, foi necessário racionalizar novas formas de organização da sociedade para o que foi necessária, segundo Gruppi (2001, p. 14), a criação de noção de Estado diferente do que se tinha nas sociedades medievais. “A noção de Estado como contrato revela o caráter mercantil, comercial das relações sociais burguesas”. Nesse sentido, o Estado se modifica deixando de ser restrito ao poder do monarca ou a uma assembleia (república).
Está claro, agora, que o acesso individual à educação nem sempre foi universal ou um direito, nem direcionado a um indivíduo com liberdades ou ainda cidadania no molde pregado pela legislação ― mais atual e menos endereçado às classes sem acesso a estes direitos individuais de pessoas com deficiência ou os surdos ― mas um mecanismo de exclusão social.
A constituição do estado moderno e seu impacto nas políticas educacionais
A constituição do Estado Moderno pode ser vista como mudanças sociais dos pequenos burgos, cidades para a ascensão de estados nacionais com uma outra organização social na qual o Estado civil é racionalizado como contrato social de Hobbes (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Parafraseando Hobbes, o Estado é pensado a partir da metáfora do Leviatã que significa um poder supremo e soberano que será representado pelo monarca ou por uma assembleia.
Apesar disso, a classe burguesa mercantil no século XVI e XVII ascendeu economicamente devido às transformações tecnológicas e ao avanço da ciência, que tornaram possível o capitalismo mercantil e a exploração dos mares e das especiarias, inicialmente na Europa e, posteriormente, na América Latina, na Amazônia, tornando esta classe com um poder econômico excedente e concentrado. Mas faltava o poder político e este poder era valioso e necessário para que se pudesse participar ativamente das negociações que direcionavam a vida em sociedade ― entre os indivíduos e com a natureza ― e, para tanto, seria necessário diminuir o poder político dos monarcas daquela época.
O discurso ideológico da epistemologia de Locke sobre o direito à liberdade aborda o direito à propriedade, à iniciativa privada por meio do trabalho e da propriedade privada. Como afirma Montaño e Duriguetto (2010, p. 25-26) sobre o desenvolvimento das relações mercantis “[...] (surgimento do dinheiro), do comércio e da indústria levou à concentração de riqueza, tornando latentes as ameaças de conflitos que seriam motivados pela propensão humana ‘natural’ para a acumulação”.
Neste sentido, Locke propõe a concepção de um Estado mais aberto à participação dos indivíduos; todavia, os indivíduos que participavam eram seletos, pois precisavam comprovar materialmente que possuíam bens (propriedade) privados; e o poder do Estado foi subdividido em executivo e legislativo com o objetivo de administrar as ferramentas e estratégias materiais para a execução de uma sociedade planejada à luz do projeto Liberal.
Contudo, esse discurso de poder político hegemônico mascara a verdadeira função do Estado, que é de controle das massas por meio de repressão, coesão e força, primeiramente do exército, armamentos, polícia, militares, jurídico e leis que regem a fim de legitimar as normas reguladoras das relações sociais. Tudo isso visando à garantia dos privilégios dos grupos hegemônicos como a igreja, os monarcas, o governo e, agora, na modernidade, sobretudo os burgueses/ empresários/ fazendeiros, coronéis a que as formas educacionais são essenciais para a moldagem dessas sociedades.
No século XVIII, em 1772, uma nova racionalização sobre o contrato social foi elucidada e proposta pelo suíço jusnaturalista Jean Jacques Rousseau, sendo notória a contradição, a oposição aos contratualistas Hobbes e Locke, visto que Rousseau discorda que o homem é um animal direcionado por desejo e paixões; ao contrário, o homem é um ser bom, mas pode ser corrompido pela sociedade por meio de ideologias alienantes que o distanciam das atividades culturais e passam a agir de forma alienada, irracional, com base em expressões sobrenaturais, superstições e mágica. Ele afirma a importância de o homem compreender a política e enfatiza a importância da educação ao esclarecimento da consciência para que possa tomar decisões, ser livre para discernir o porquê de suas ações individuais e coletivas. (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010). Avançando dessa forma na derrubada do regime híbrido de dominação na direção de um estado plenamente individualista, burguês e capitalista, com o rebatimento necessário disso nas formas de educação da época.
Para Marx e Engels, o Estado é um Estado burguês e foi inventado para atender à necessidade da modernidade inspirada no liberalismo burguês, nas novas formas de trabalho e na constante transformação das técnicas dos meios de produção. Para Marx, o Estado é um Estado burguês utilitarista a serviço da contenção e controle dos trabalhadores assalariados e para zelar pelos negócios do mercado e o lucro dos empresários em detrimento da classe proletária e/ou subalterna:
[...] até chegar à propriedade privada propriamente pura, que se despojou de toda aparência da comunidade e que excluiu toda a influência do Estado sobre o desenvolvimento da propriedade. A esta propriedade privada moderna corresponde o Estado moderno (MARX; ENGELS, 1979, p. 97).
O Estado moderno é um dos mecanismos da ideologia hegemônica, que atua de forma autoritária, e de controle dos conflitos sociais entre a classe burguesa e a classe proletária. Estes grupos possuem interesses divergentes e, por isso, a importância do Estado na base da superestrutura utilizando seus aparelhos ideológicos (escola, instituições, igrejas, universidade, polícia, jurídico) alienantes para garantir a subserviência da massa de manobra social e a reprodução do modelo capitalista na sociedade por meio da institucionalização das leis. Para Marx e Engels (1979, p. 98), o Estado burguês é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante criam uma classe para si “e fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de uma época”, segue-se que todas as instituições comuns como a educação são mediadas pelo Estado e adquirem através dele uma forma política, uma escola a medida da burguesia.
Com o movimento do Humanismo e o Iluminismo impactaram mudanças e conflitos de interesses de classes sociais, econômicos, culturais, religiosas e com a insurgência de reformas para a instrução que deixou de ser predomínio da igreja com a expulsão dos jesuítas em 1773 em vários países da Europa. A instrução passou para a administração do Estado, contudo não era para todos. Manacorda (2006) esclarece que as primeiras iniciativas de uma política pública para a instrução na modernidade foram feitas por Maria Tereza, na Áustria, onde foi criado a Constituição da Comissão da corte e em seguida o projeto geral de reforma da instrução aprovada em 1774. Os impactos desta reforma foi que apesar dos conflitos de interesse de classe entre a igreja, Estado e sociedade outros Estados como da Prússia, Alemanha, Itália e França seguiram nesta direção. Estes movimentos foram mais uma ferramenta que veio inflamar ainda mais a luta pela libertação dos povos colonizados pela Inglaterra na América (MANACORDA, 2006).
Um marco histórico, que ajudou no impacto de leis para a instrução pública, ganhou força e universalização, em tese na Revolução Francesa com questionamentos e ideias revolucionarias na área da educação como a luta por leis para a instrução pública, que a educação fosse universal, pública, laica e gratuita. Esta foi chamada segundo Manacorda (2006, p. 249) “uma luta contra a ignorância”. Ainda salienta que o divisor de água nesta luta foi Condorcet com o Projeto Decretos, Rapport aprovado em 1792 em Assembleia Legislativa da França. Os impactos desse documento reverberaram na própria França outras propostas convergentes com que a instrução pública fosse função do Estado e também em vários lugares pela Europa, como a Itália.
Nesta direção, ainda na França o educador, Abade Charles Michel de l’Epée foi protagonista na Educação dos surdos com iniciativa primeiramente de caráter privado ao transformar sua casa em Paris (1755) na primeira instituição de surdos, com a proposta de ensinar os surdos coletivamente e não mais no formato individual com preceptores aos surdos nobres, com o método chamado sinais metódicos tentavam formar os surdos para inseri-los no mundo de trabalho, pois os surdos participavam nas fábricas dos sindicatos dos operários. (LADD, 2013). Após a morte dele a escola de surdos passou a ter como mantenedora o governo francês. Os feitos de l’Epée foram inquestionáveis e tiveram repercussão por toda a Europa com a criação da segunda escola em Bordéus localizada na região sudoeste da França pelo seu preceptor surdo, Sicard. Ele assumiu pós a morte de l’Epée (1789) a escola para surdos de Paris e formou Lous Mare Laurent Clerc, estudante surdo que após sua formação foi co-fundador da escola de surdo na américa do norte juntamente com Thomas Hopkins Gallaudet (1817). Clerc foi conhecido como apostolo do surdo na América. Também repercutiu no Brasil com a ida do surdo, Hernest Huet formado na escola parisiense para o Brasil, em 1855, para fundar o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos, com a Lei n. 839 de 1857.
Por outro lado, o autor Gramsci está ancorado em Marx e para além no determinado tempo histórico e transgredindo o tempo e espaço vivido por ele, pois seus escritos são atuais para pensar o Estado ampliado, no qual não está restringindo somente a participação da sociedade política, mas também da sociedade civil. E essas duas instâncias não estão separadas, mas devem estar em um movimento dialético real, intrincadas, participando nas tomadas de decisão coletivas de interesses comuns e não particulares, transformando-se em uma “sociedade regulada”. Para Gramsci, a Sociedade civil é constituída “[...] por uma rede de organização (associações, sindicatos, partidos, movimentos sociais, organizações profissionais e culturais, meios de comunicação, sistema educacional, parlamentos e igrejas” (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 43). A relação de hegemonia do poder político do Estado de cada país ou blocos históricos é disputada no espaço da instituição do Estado e transforma-se em influências, diretrizes e orientação aos demais países ― principalmente da América Latina e amazônicos ― para se integrar aos propósitos das ideologias hegemônicas de economia global, e a educação formal é um dos pontos-chave, estratégicos para se chegar a um desenvolvimento econômico global esperado ou a educação não formal das comunidades emancipadas localmente como comunidade surda.
Desde o Leviatã monárquico onde a educação nessa perspectiva visava formar cidadãos leais ao monarca, transmitindo valores de obediência, hierarquia e tradição, passando pelo Estado como um Leviatã no autoritarismo onde a liberdade acadêmica e a diversidade de pensamento são suprimidas, e o currículo é projetado para promover o nacionalismo, o culto à personalidade do líder e a obediência às autoridades e a educação é frequentemente controlada pelo Estado e restrita às ideias e narrativas do regime, até chegar à noção de indivíduo racional, que participa da vida social fazendo parte da sociedade civil, onde a educação passa a enfatizar a formação de cidadãos autônomos e participativos, a educação busca desenvolver habilidades cognitivas, pensamento crítico, capacidade de tomar decisões informadas e participação ativa na vida democrática, valores como liberdade, igualdade, direitos humanos e responsabilidade social são promovidos, que se contrapõe ao poder das elites oligárquicas arcaicas, ou ao poder do vale tudo do individualismo, do capitalismo selvagem, onde educação pode se tornar mercantilizada, focando no desenvolvimento de habilidades voltadas para o mercado de trabalho e negligenciando valores sociais, éticos e comunitários e onde pode haver uma tendência de reprodução das desigualdades, com acesso desigual à educação de qualidade, todas essas perspectivas sobre o papel da educação na formação do estado moderno estão em permanente disputa em especial em sociedades não completamente modernas ou não modernas como as dos países da Amazônia.
Organismos internacionais e a relação de hegemonia com o estado moderno e seus impactos nas políticas educacionais para surdos na América Latina e na Amazônia
Nesta época, o poder político do Estado é mais uma ferramenta fundamental para dominação do discurso hegemônico das burguesias locais, como um conjunto de classe que tem como finalidade se perpetuar em situação privilegiada, na divisão dos bens de riqueza e como a classe que tem sob seu domínio os meios de produção e do capital na modernidade, em cada país.
A América Latina, no tocante à Amazônia Ocidental, representada pelos países Brasil, Colômbia e Peru, foi influenciada pela expansão da civilização, do capital global e pela Modernidade. Nesse contexto, o Estado na região de transição à modernidade dos séculos XVI e XVII, foi motivado pela exploração extrativista, dos seres humanos “tropas de resgate”, das drogas do sertão amazônico e, em seguida, pela exploração do ouro e de outros minerais. Portanto, fica evidente uma relação de hegemonia e subordinação entre o Estado imperial hegemônico europeu do capital central feudal e burguês e o Estado local de cada um desses países que compõem a América Latina e a Amazônia brasileira.
Entretanto, salienta-se que o Estado moderno europeu foi imposto como relação hegemônica internacional, comandada pelos colonizadores que invadiram a Amazônia brasileira, no caso um país periférico, Portugal. Este país é subordinado primeiramente à Inglaterra para garantir os privilégios lucrativos do capitalismo internacional mundial em detrimento dos povos originários, donos da terra e do território que já tinham uma relação com território, natureza, sociedade, cultura, educação, língua própria da região, organização social de trabalho e religião, portanto, essa natureza periférica impede os povos originários usufruírem do melhor que a modernidade europeia poderia dar, inclusive a educação.
Para Colômbia e Peru, essa invasão foi feita pelo império espanhol, por volta do ano 1492. Nesse momento histórico, o capitalismo mercantil se dava por relações de trocas de mercadorias com as grandes navegações. Ressalta-se que, naquela época, a educação formal por meio da escola é um termo não pertencente aos povos que aqui habitavam, pois a grande maioria dos povos originários tinha uma cultura ágrafa oral para sua formação.
Mas, a educação formal é de caráter dualista e a escrita se fez necessária como um instrumento do branco colonizador e como marcador social de distinção entre colonizador e colonizado. A educação para os filhos dos colonos se dava na Europa e a do colonizado por meio da catequese realizada pelas missões jesuíticas ou nos quartéis militares, “a cruz e a espada”.
Para a realização dessas atividades extrativistas, os portugueses usaram estrategicamente a força de trabalho escrava dos povos originários com a justificativa de aproveitar os saberes tradicionais dos povos da terra sobre a fauna, a flora e os rios para sua sobrevivência e organização social; isso pode ser interpretado como um processo informal de educação para a servidão e a escravidão que precisa ser mais bem estudado.
Nessa ótica, a educação e a escola cumprem o objetivo de, ideologicamente, nos discursos, conformar socialmente os povos originários à aceitação passiva da destruição da natureza, da exploração escrava da força de trabalho, da catequização, da supressão da língua e da extinção da diversidade cultural. Em 1549, chegaram ao Brasil o “Pe. Manoel da Nóbrega com outros cinco Jesuítas. Fundaram imediatamente um colégio na nascente cidade de Salvador [...] com o objetivo de homogeneizar a diversidade cultural indígena” (RODRIGUES; LOMBARDI, 2016, p. 24)
As práticas pedagógicas de educação, na concepção europeia destinada aos povos originários na Amazônia, foram articuladas no projeto do interesse econômico baseado e sustentado na concepção ideológica do grupo colonizador, do capitalismo mercantil. Nesse sentido, a escola dualista para os filhos dos dirigentes (colonizador) ― como no caso da presença do arquiteto Antônio Landi, em Belém, como professor e técnico ao serviço da elite local ― e a escola como estratégia de manipulação e exploração da força de trabalho (indígena) e dos afrodescendentes, evidente nas missões religiosas e nos engenhos açucareiros do Grão Pará, composto pelos atuais estados do Maranhão, Pará e Amazonas. Neste cenário, surge um protagonista nas terras do império português, na Amazônia que foi a igreja católica romana, sobretudo a Companhia de Jesus dirigida pelos jesuítas que ficaram responsáveis pelas estratégias de catequização e docilização dos gentios (índios) até sua expulsão pelo Marquês de Pombal por volta de 1759 (SOUZA, 2016).
O Marques de Pombal expulsou os jesuítas, visto que a igreja tinha uma grande riqueza econômica, derivada da exploração da mão de obra indígena, e por isso representava uma ameaça aos interesses dos burgueses portugueses nos negócios da economia e do capitalismo com a comercialização no mercado internacional estrangeiro; em certa forma, um conflito por modelos educacionais. Para dar continuidade ao projeto de colonização e aos privilégios do grupo colonizador hegemônico, foi imposto o ensino da Língua Portuguesa como língua oficial nas escolas missionárias, como reconhecida na Lei Diretório dos índios em 1757 (SOUZA, 2016); contra a língua geral ensinada nessas missões religiosas e em Portugal, o ensino escolástico aristotélico foi substituído pelas modernas ciências naturais abrindo a porta para as viagens dos naturalistas europeus pela América do Sul.
Nesse movimento colonial para a geração de acumulação do capital, da exploração da matéria prima na região e da exploração da mão de obra do Pará (1833-1839), houve um movimento (a cabanagem) de insatisfação que esse modo de exploração para o acúmulo do capital e trabalho pelos invasores gerou nos verdadeiros donos do território, os indígenas; nesse momento, estavam em avançado processo de constituição de uma identidade regional na sua miscigenação com os povos afrodescendentes e outros, que de maneira devastadora perderam território, língua, organização de trabalho coletivo e de sobrevivência, pois foram submetidos a uma espécie de aculturação pela colônia portuguesa.
Arturo Escobar (1999) mostra como estes regimes de verdade naturalizam-se, legitimam-se para parecer como inquestionáveis e refratários a todo debate e crítica. Os discursos do “bem comum” e do “futuro melhor” dos organismos multilaterais, de órgãos do governo ou de importantes setores acadêmicos ocultam práticas e procedimentos que reforçam a marginalização dos indivíduos comuns e das populações locais com relação às decisões que regem a sua existência ou sob o controle do uso dos recursos naturais, técnicos e culturais com os que sua sociedade se organiza e se reproduz, ocultando a violência original desse projeto. Assim, esse movimento de reforma pombalina pode ser interpretado como uma das primeiras políticas de intervenção internacional na Amazônia, com a introdução das escolas régias a partir das escolas e professores jesuítas expulsos pela reforma.
Assim como aconteceu no processo histórico de colonialismo dos grupos étnicos indígenas pelo grupo colonizador burguês, no aspecto educacional, também foi reproduzido e adequado à relação social hegemônica de colonialismo propagada pela ideologia ouvintista1 ao grupo dos surdos em vários períodos e espaços, em diferentes países, é preciso estudar as especificidades destes processos na situação em estudo. O grupo colonizador/dominante criou mecanismo de dominação hegemônica. Doziart (2017) fala sobre os discursos da psicologia dos surdos ao classificá-los como deficientes auditivos e que não conseguiriam ser produtivos para a lógica do mercado capitalista, da mesma forma como os índios foram considerados seres sem alma para justificar sua escravização.
Na Colômbia, os estudos sobre a trajetória histórica das pessoas surdas foram concebidos com ênfase no paradigma da saúde; o surdo, na acepção da medicina, é diagnosticado como deficiente, inferior, limitado. Essa percepção sobre o surdo justificava o tratamento desse aluno no hospital ou segregado em casa, e na escola especial, o recurso, as técnicas e a metodologia para a integração na escola regular e, posteriormente, na sociedade. (ARISTIZARGAL; GUERREIRO, 2014), ocultando o racismo contra o indígena, o pobre, o camponês e o diferente.
Esse fato, de acordo com o estudioso britânico surdo, Ladd (2013), é a ideia do colonialismo do ouvinte ao criar projetos nacionais educativos à revelia dos anseios dos surdos. Projetos traçados pelos ouvintes a partir de estudos feitos por ouvintes em que classificaram os surdos como deficientes auditivos. Essa classificação está condizente com a lógica dos profissionais da área da saúde, que concebe que a surdez é uma patologia e, por isso, há um déficit biológico na pessoa com surdez para interagir no mundo que é a audição. Sendo assim, foi pensado um sistema de educação com ideologias hegemônicas da audiologia, com projeto educacional de reabilitação para recuperar os resíduos remanescentes da audição. Amparado nessa concepção de surdez, foi criado o modelo educacional na visão clínico terapêutica, o modelo do oralismo.
Esse modelo repercutiu, no Brasil, no século XX, uma vez que estagnou a educação dos surdos que teve início, na época do Império, com a sanção da Lei nº 839 de 26 de setembro de 1857, no Instituto dos Meninos surdos e mudos no Rio de Janeiro pelo professor surdo francês Hernest Huet. Vale ressaltar que apesar do respeito com que a educação dos surdos iniciou com a língua de sinais e o alfabeto manual, nem todos os surdos tinham acesso a esse ensino, o que significa que ficavam de fora as mulheres surdas e os surdos de baixo poder aquisitivo e de baixa renda: filhos surdos de negros e indígenas.
A exclusão escolar por parte dos surdos despossuídos de bens materiais, bem como para os indígenas e os grupos de negros e brancos pobres foram tempos de exclusão dos bancos escolares. Isso porque, na década anterior a 1930, a educação era elitista, dualista e concentrada em uma oligarquia rentista, como os barões do café.
Na era Vargas, também foi aprovada a constituição de 1934 com mudanças relevantes, como o financiamento da escola pelo governo federal ― e também o dever do Estado em garantir a educação ― a secundária articulada ao ensino superior para a elite e a profissionalizante para o filho do pobre, apesar de também deixar abertura para a educação no setor privado e a religiosa com o ensino religioso facultativo. Um ponto problemático foi a institucionalização e a legitimação da discriminação, visto que as pessoas que ajudaram a fazer a Constituição Federal Brasileira de 1932, art. 138, estavam influenciadas por princípios nazistas/fascistas cujos ideais eram a existência de uma raça superior a outra (ROCHA, 2014), incluindo os surdos.
Apesar da alavancada na educação e da participação dos pioneiros da educação com a intencionalidade de reivindicar direitos à educação pública, à educação unitária e à escola nova (ROMANELLI, 2002), essa regulação deixou grupos de pessoas de fora da educação e, consequentemente, da sociedade; essa foi legitimada pelos relatórios psicológicos chamados também de “psicologia surda”, apresentada nos estudos comparativos de Lane (1992) entre surdos e os Burundi que viviam na África central da República de Burundi. Essa, por muito tempo, foi colonizada pela Alemanha, depois pela Bélgica e, posteriormente à primeira guerra, ficou sob a tutela da Organização das Nações Unidas (ONU). Em seus discursos hegemônicos dos relatórios psicológicos dos colonizadores, tanto os surdos como os Burundi são tratados como sem capacidade cognitiva, inconstantes, acéfalos e “[...]incompetentes no aspecto social comportamental e emocional, [...] são incapazes de construir um tijolo” (LANE, 1992, 47).
As práticas educativas iniciadas no Instituto dos Meninos Surdos-Mudos, em 1857, foram amordaçadas por decisões hegemônicas de caráter político-pedagógico, aprovadas no Congresso de Milão (1880), que repercutiram sobre a educação dos surdos a nível mundial, inclusive no contexto brasileiro. Nesse congresso, a Língua de Sinais foi amordaçada e reprimida; o objetivo foi a votação do melhor método para educar os surdos, a língua de sinais ou o oralismo. “Dos 164 delegados presentes [...] apenas dois eram surdos: James Denison, da delegação de Washington DC, USA e Claudius Forestier, diretor da escola de surdos de Lyon, na França” (FERNANDES; MOREIRA, 2014, p. 53).
Esses pressupostos sobre a educação de surdos foram institucionalizados no Instituto Nacional de Surdos e Mudos a partir do ano de 1920, comprovadamente nos relatórios da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Fenei) (1923), em que se menciona a consolidação do método do oralismo por muito tempo aprovado no Congresso de Milão.
Com o objetivo de um plano do consenso ideológico hegemônico por parte dos países da América Latina, aliados aos Estados Unidos da América (EUA), foram criados os OIs. Esses surgem no contexto europeu após a segunda Guerra mundial de 1945, a partir do discurso político-ideológico hegemônico de tentar recuperar, zelar pela harmonia, ou seja, a paz mundial e as economias dos países aliados aos EUA. Vale ressaltar que, no período pós-guerra, as relações sociais do mundo foram guiadas por dois blocos divididos, representados por países declarados de potência em economia, cultura, arte, armamento bélico etc. Os países que se destacaram foram os EUA, com o discurso fundamentado na Democracia Liberal, e a União Soviética, com o discurso hegemônico ideológico atrelado ao suposto Socialismo. Nesse sentido, a Constituição de 1946 ― também com a premissa de que a educação é importante para o desenvolvimento do país ― legalizou a institucionalização da educação em instituições públicas e de ensino particular (ROMANELLI, 2002).
Para que o seu projeto de desenvolvimento tivesse eficiência e êxito, foi necessário criar mecanismos de controle dos países imperialistas sob os países subdesenvolvidos/periféricos, visando à integração, ou seja, à aceitação como um consenso dos países considerados periféricos ― os chamados de desenvolvidos ― no sentido de acompanhar e se enquadrar aos moldes da ideologia de modernidade e de desenvolvimento que precisava adequar esses países em uma escala a nível mundial. Em meados do ano de 1943, foi feita a exposição do plano Keynes “[...] para o estabelecimento de uma autoridade internacional [...] seu conteúdo foi adotado em 1944 na conferência de Bretton Woods [...] na criação de acordos internacionais (o FMI, o BIRD, e o BM)” (MONTAÑO, DURIGUETTO, 2010, p. 59).
Os mecanismos criados pelos países imperialistas, principalmente os EUA, foram primeiramente as agências internacionais e as agências multinacionais e transnacionais enquanto mecanismo estratégico hegemônico para garantir a expansão e dar continuidade ao poder da classe burguesa pela difusão do capitalismo monopolista nos países em desenvolvimento, inclusive os que compõem a América Latina. Assim, a ONU visa a “[...] financiar a reconstrução das economias destroçadas pela Segunda Guerra, que vão se transformando em agências de desenvolvimento do capitalismo internacional por meio das condicionalidades impostas à concessão de empréstimos aos países demandantes” (NEVES, 2008, p. 93).
Esses mecanismos de dominação estão fundamentados no projeto de Keynes relacionado ao Estado interventor, no qual investimentos de cunho privado passam a ser de cunho público; por exemplo, educação, empregos, obras públicas que iniciaram nos espaços fabris passam, nesse momento, a ter como mantenedor o setor público estatal. Esses investimentos geram dívidas altas com o mercado interno e externo, criando uma relação de internacionalização do mercado e de interdependência com os OIs; o que podemos inclusive afirmar juntamente com a internacionalização do mercado desde o capitalismo mercantilista internacional como princípios da desregulação do mercado internacional, da mundialização e da globalização (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010).
Os OIs foram criados a partir dos discursos hegemônicos de escala mundial que foram inculcados como dogmas aos demais países. Um exemplo é a ideologia difundida a todos os países de que existem países desenvolvidos; para convencer as nações, foi criado todo um desocultamento ou discurso ideológico hegemônico para convencer, conformar, criar um consenso de verdade sobre essas informações, assim, requerendo desses países subdesenvolvidos, periféricos que seguissem a direção da manutenção de privilégios da classe dominante imperialista como um direito e uma vontade geral coletiva (IANNI, 2004).
Entretanto, apesar de os países periféricos beberem do discurso hegemônico como verdades e consenso, não é da vontade geral coletiva das diferentes classes e grupos que tenham como pano de fundo a integração, a inserção parcial ou total desses países periféricos ao capitalismo internacional, mundial e global conforme os países imperialistas dos grandes centros europeus.
Ao contrário, o país hegemônico imperialista representado pelos EUA utiliza seu poder político, econômico, cultural e artístico e cria estratégias de controle para dar continuidade ao modo de produção capitalista monopolista e prosseguir como potência hegemônica, agir estrategicamente com a criação das OI e a política de imigração de concentração de capitais e da abertura do comércio em outros países para gerar lucro e ostentação para seu país. “Os investimentos do capital monopolista para países como o Brasil, a Argentina e o México, para a implantação de fábricas modernas [...] especialmente na indústria de carros, eletrodomésticos [...] alimentos, roupas, produtos de limpeza” (NEP, 1988, p. 29).
Destaca-se a intervenção dos EUA na ditadura militar (1964) para engessar um movimento político ideológico de adesão de vários países ao socialismo como, por exemplo, Chile, Cuba e China. No que tange à educação, os EUA lançaram mão de suas ideologias colonizadoras nas reformas impostas, relacionadas aos acordos do Ministério da Educação e Cultura/Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (MEC-USAID). (ARANHA, 2006). Picoli vem corroborar (2006, p. 34) a afirmação ao falar sobre os reais objetivos do capital global na região amazônica: “[...] implantar as ditaduras em cadeias nos anos de 1960 e 1970 na América Latina. O modo ditatorial de o Estado conduzir o processo político e econômico foi a forma de interferência mais acentuada na expansão do capital internacional na região”.
Nesse movimento, a educação, enquanto aparato do discurso da hegemonia imperialista do EUA, foi difundida como o meio para se alcançar ascensão social e sucesso profissional, e sair da condição da pobreza e de excluído socialmente dos bens da riqueza. Porém, esse discurso mascara o caráter paternalista/benevolente do Estado ao omitir que a pobreza, a desigualdade social, a intensificação da pobreza pela exploração do homem pelo homem são regras, ou seja, consequências do modelo social capitalista e não uma exceção e reforçado pelas estruturas arcaicas semifeudais herdadas do estado escravocrata patrimonialista corporativo herdado da colonização portuguesa ainda vigentes na região amazônica brasileira.
Para conformar com a imposição de um regime da ditadura militar, foi feita a reforma para a legitimação dessa expressão ideológica opressora a partir da lei constituinte e das leis que regem a educação, como foi alterada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024/1961) e expressa fortemente nas leis nº 5.540/1968 e nº 5.692/1971.
Quanto à educação de surdos no Brasil, a Lei nº 4.024/1961 apresenta apenas o artigo 88 que reza sobre a educação dos excepcionais; ou seja, os surdos estavam enquadrados somente a uma formação de educação ofertada nos moldes da educação especial. Já com a Lei nº 5.692/1971, os surdos tinham uma formação para a educação profissionalizante, para atender o mercado de trabalho, nesse mesmo ano, e para o atendimento educacional ofertado por instituições particulares e religiosas. De acordo com o entendimento de Reis, apesar de ser ofertada uma educação para atender às necessidades do mercado, cabe dizer que, na Amazônia brasileira, em Manaus, os surdos que conseguiram ingressar no mercado de trabalho tinham uma formação inferior às exigidas nas empresas pesquisadas nas quais a exigência é o Ensino Médio. Essas empresas tiveram que fazer arranjos internos para inseri-los no trabalho para evitar as possíveis penalidades por desatendimento à legislação da acessibilidade Lei nº10.098/2000 (REIS, 2006), por causa dessa dualidade entre o projeto educativo desenvolvimentista industrial e as realidades da escola semifeudal amazônica na origem dessa mão de obra.
Nessa lógica do capitalismo monopolista, propaga-se, no governo da ditadura militar, o discurso político hegemônico da necessidade de integrar a Amazônia ao capitalismo mundial/global, e da ausência até então de um planejamento regional, uma plataforma regional eloquente. Isso porque a referida região é vista pelo opressor/explorador como atrasada, não civilizada e não desenvolvida; assim, uma ação estratégica desenvolveria empresas privadas para o desenvolvimento da região. Dessa forma, foi apresentado, no ano de 1966, o projeto “Operação Amazônia” (MOURÃO, 2010).
Essas políticas de orientação para inserir a Amazônia no processo dinâmico do capitalismo global foram instituídas pela Lei nº 5.173 de 27 de outubro de 1966; para compreensão, explicava estabelecer: “[...] ‘polos de desenvolvimento’ e grupos de população estáveis autossuficientes (especialmente nas áreas de fronteiras), estimular a imigração, proporcionar incentivos ao capital privado, desenvolver a infraestrutura e pesquisar o potencial de recursos naturais” (MAHAR, 1979 apudMOURÃO, 2006, p. 125).
Vale ressaltar que essa política de inserir a Amazônia ocidental, Manaus, na nova divisão internacional do Trabalho foi orientada pelo OI, pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), uma empresa derivada de empresas de capitais transnacionais, ou seja, uma aliança entre sociedade civil, setor público e o terceiro setor, como nos esclarece Mourão: “[...] novas formas de agir são colocadas em práticas fortalecendo organizações da sociedade civil e construindo um novo contrato social que pode ser viabilizado [...] nas políticas da terceira via” (MOURÃO, 2006, p. 144, grifos nossos).
Apesar de o movimento social estar sobre a pressão e opressão de uma ditadura militar, não foi impedimento para que movimentos contra hegemônicos de resistência da classe de trabalhadores, educadores, classe civil e organização estudantil se mobilizassem contra essa hegemonia militar. Na atualidade, cita-se, como exemplo, os mecanismos de controle avaliativos, criação de parâmetros avaliativos, diretrizes, parâmetros com indicadores de um país desenvolvido para um país subdesenvolvido e com recomendações acirradas sobre o que é preciso executar de procedimentos para se aproximar e equacionar de um país desenvolvido.
Assim, pode-se afirmar que existe uma convergência forte entre as políticas de desenvolvimento nacional dos países da América Latina com as iniciativas educacionais gerais e para a educação de surdos dentro do marco amplo da ação transnacional dos países hegemônicos através das organizações internacionais.
A dinâmica da relação hegemônica: a sua institucionalização e as políticas educacionais de inclusão para surdos na América Latina e na Amazônia
Os OIs traçam mecanismos estratégicos visando à internacionalização da América Latina à economia global, que continuaram sendo difundidos nas décadas de 1980 com o processo de redemocratização dos países latino-americanos, inclusive do Brasil. As estratégias se intensificaram ainda mais nesses países a partir da década de 1990 com os diversos debates sobre a educação associada ao desenvolvimento, com a influência das discussões sobre a educação a nível macro/mundo (AKKARI, 2011).
Desse modo, dois conceitos foram extremamente propagados e instituídos na legislação: descentralização e privatização. Esses conceitos formam parte de discursos ideológicos, difundidos na justificativa da ineficiência do Estado para prover uma educação pública de qualidade. Assim, assume-se um Estado sob a lógica neoliberal e pela eliminação do Estado do bem-estar social, visto que, nessa lógica, o Estado diminui como interventor de poder político, econômico e administrativo promotor das políticas sociais ― como educação e saúde ― para se tornar um instrumento burocrático e sobremaneira de controle e regulação dos resultados das ações educativas.
Nessa lógica, são promovidos os argumentos da descentralização da educação, que acontecerá em processo de colaboração entre União, Estados e Municípios bem como com entidades de iniciativa privada e/ou chamadas de instituições públicas não estatais. Também a educação pode ser ofertada por instituições públicas do terceiro setor. Conforme os estudos de Akkari (2011), os países que adotam ações estratégicas de gestão descentralizadas confluem para uma discrepância ainda maior do que a tão esperada coesão social para desigualdade social.
No contexto de uma sociedade nos modos neoliberais, a direção da internacionalização das ações educativas passa a ser mensurada pelos OIs responsáveis, no caso a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no sentido de avaliar qual o perfil de desempenho dos países de acordo com indicadores de padrão de educação e desenvolvimento econômico para os países desenvolvidos. Sendo assim, torna-se relevante, na atualidade, apresentar os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) apresentados conforme o relatório disponibilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), das Nações Unidas no mês de janeiro de 2022, referente aos países da América Latina, especificamente Brasil, Colômbia e Peru. De acordo o relatório disponibilizado pelo PNUD, dos 189 países do globo terrestre, o Brasil se encontra no 89º ranking mundial; porém, nas avaliações anteriores, se sustentava na posição 79º, sinalizando uma queda significativa na posição. Isso significa que o IDH, no País, apresenta uma crescente fragilidade e, por isso, mostra sinais de piora, pois atingiu 0,762 em 2018 e chegou atingir 0,765 em 2019. Nesse documento, fica notório que, em relação aos países da América Latina, nos países amazônicos, ele conquistou a posição posterior à do Peru (0,777) e à da Colômbia (0,767).
Com relação aos procedimentos operacionais dos OI no que tange à avaliação comparativa na América Latina, destaca-se o Programa Internacional de Avaliação do desempenho dos Estudantes (Pisa), feita a cada três anos com estudantes na faixa etária de 15 anos e realizada pela OCDE. A partir do estudo exposto em 2012, de forma comparativa na América Latina (VILLEGAS et al., 2013) ― Brasil, Peru e Colômbia ― no resultado do PISA de 2012, revelou-se que o Brasil ficou na posição 6ª (404), a Colômbia na 7ª (399) e o Peru na 8ª (373). Ao analisar as notas apresentadas pelos três países, comparativamente à rede privada e à pública, percebeu-se que a avaliação sobre a qualidade sinaliza que as escolas privadas demonstraram melhores desempenhos (Brasil: rede pública 390 e rede privada 471; Colômbia, rede pública 392 e rede privada 434; Peru, rede pública 358 e rede privada 419).
Os resultados demonstrados significam que o sistema organizacional de educação dos três países, apesar de suas diferenças em cultura, natureza, social, histórica, geografia são países satélites dos países desenvolvidos e, por isso, são acometidos pelas mesmas estratégias dos OIs para a integração à economia global. Na mirada dos resultados, destacamos que os três países têm uma herança histórica de educação dualista, dada a sua estratificação complexa; conforme a camada social a que o indivíduo pertence reflete a possibilidade do acesso a uma educação com qualidade ou não (DIAZ; MENDONÇA, 2018).
Tanto nos estudos de Villegas et al. (2013) como na leitura interpretativa de Diaz e Mendonça (2018), os alunos colombianos que participaram da avaliação do Pisa demonstraram um baixo desempenho (376) nas áreas de matemática, ciência e leitura em comparação com os alunos da mesma idade dos países (494) que constituem o OCDE.
Nesse conflito entre o Estado liberal, o Estado neoliberal e sua sociedade civil, a educação inclusiva na América Latina, passa de silenciada por um longo espaço de tempo a ganhar renovada voz, o que é influenciado pelos movimentos sociais que ocorriam desde a redemocratização ― no Brasil e no mundo ― em prol dos direitos humanos, das pessoas com deficiência em geral e do multiculturalismo. Sob a pressão dos novos movimentos sociais, os movimentos das pessoas com deficiência e dos surdos foram organizados e reivindicaram pelos direitos de serem alfabetizados em língua materna, educação bilíngue, cultura, reconhecimento da língua de sinais, concepção de surdo na visão socioantropológica em contraste com a concepção da medicina. Essas pretensões estão postas nos discursos instituídos nos documentos da ONU e da UNESCO na Declaração de Educação para todos (UNESCO, 1990). Essa declaração se firmou junto aos países latino-americanos para estabelecer metas nos planos decenais com orientação de reformas para a educação para erradicar, em países em desenvolvimento, a pobreza, a desigualdade social, o analfabetismo, a discriminação e, sobretudo, reconhecer e valorizar as diferentes culturas e das diferentes línguas existentes na sociodiversidade para que as pessoas fossem incluídas na sociedade e no mercado de trabalho.
Mediante o pressuposto do documento de educação para todos, foi realizada a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que argumenta sobre a importância de universalização da educação, direitos humanos, respeito às diferenças, inclusão e sobre satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. No caso dos surdos, das linguagens e dos signos, esse documento derivou da Política de Educação Especial de 1994. Apesar do discurso da Declaração de Salamanca ser enfático no paradigma de educação inclusiva, o que se formulou pelos tecnocratas da educação foi o paradigma da integração. Para que o público-alvo seja integrado à escola comum, esse deve passar por um processo de reabilitação, normalização; no caso dos surdos, correção da audição por meio de aparelhos de amplificação sonora, oralismo e implante coclear para acompanhar o currículo, pois a deficiência está no indivíduo e não na sociedade.
Somente com novas mobilizações dos movimentos surge a Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva de Educação Inclusiva (2008), a qual está fundamentada pelas Convenções e Declarações ulteriores, como a Convenção Interamericana para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Pessoa com Deficiência (UNESCO, 2001), que se desdobrou no Decreto nº 3.956/2001, e a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), que culminou no importante Decreto nº 6.949/2009.
Salienta-se que a educação dos surdos deve acontecer na sala comum com serviços de intérpretes de libras e com complementação nas salas de recursos multifuncionais. Ressalta-se que essas salas foram implementadas pelo MEC nas escolas públicas e privadas, via projetos. Em oposição a essa concepção de educação para surdos, o movimento surdo organizado por associações ― FENEIS, INES e Centro de Atendimento ao Surdo (CAS) ― continuou com as reivindicações alinhadas à Confederação Mundial de Surdos e ancoradas na Declaração Universal dos Direitos linguísticos (UNESCO,1996). A partir do explicitado, conquistaram uma vitória relevante para a comunidade surda, que compartilha experiências visuais com seus pares e ouvintes com fluência em Língua de Sinais: a oficialização da Língua Brasileira de Sinais, por meio da Lei nº 10.436/2002 e do Decreto nº 5.626/2005. Isso traz uma reforma na organização escolar dos surdos nos moldes de escolas bilíngues, escolas inclusivas e classes bilíngues; atualmente, foi aprovada a Lei nº 14.191, de 3 de agosto de 2021 que a transforma em uma modalidade de educação de surdos.
Na Colômbia, também com os movimentos surdos, foram materializadas várias leis com a Constituição de 1991: a Lei nº 324/1996, que reconhece a Língua de Sinais Colombiana, e o Decreto nº 982, que legitima a comunidade surda como minoria linguística de comunicação, ou seja, para além do paradigma da medicina. Atualmente, os surdos são vistos como um grupo de minoria linguística que compartilha das experiências visuais do canal visual espacial para produzir conhecimentos e cultura.
Considerações finais
Segundo o observado, a educação é um direito do indivíduo nesse regime de verdade atual, não coletivo. Isso causa incidência na maioria dos documentos dos OIs sobre a valorização da educação para o desenvolvimento cultural, social, jurídico, histórico, econômico e artístico de uma sociedade. Entretanto, também foi notório, no decorrer dos argumentos do texto, o conflito e os interesses contraditórios entre as diferentes classes (burguesa, proletária e depois, chamadas de subalternas) e os países periféricos e internacionais desenvolvidos. Essas diferenças de interesses conflitivos fazem surgir diversas ações estratégicas a fim de controlar os indivíduos de acordo com as necessidades e os interesses políticos e econômicos de uma classe hegemônica sobre a outra, que são refletidos nas políticas de inclusão de surdos. E essa classe hegemônica, em uma relação de controle, usa o Estado moderno como comitê de gestão da dominação, protagonista dos mecanismos de controle e da produção do consenso entre os homens para organizar a funcionalidade de uma determinada sociedade. Para tanto, utiliza o aparato da educação como espaço formativo e de transformação social para a reprodução de práticas alienadoras da mente, do corpo e da língua de uma cultura sobre a outra. O intuito é acionar o plano estratégico de um bloco hegemônico e seu modo de produção desenvolvimentista monopolista e financeira para viver em sociedade controlada.