Introdução
Educar é contribuir para a transformação da vida dos sujeitos em um processo de contínua aprendizagem, e ao professor cabe auxiliá-los na construção da sua identidade e trajetória pessoal e profissional (MORAN, 2000). Além de projetos de vida, esse processo envolve o “desenvolvimento das habilidades de compreensão, emoção e comunicação que lhes permitam encontrar seus espaços pessoais, sociais e de trabalho e tornar-se cidadãos realizados e produtivos” (MORAN, 2000, p. 57). As atuais metodologias de ensino, porém, nem sempre apontam nessa direção.
Segundo Mesquita e Lelis (2015, p. 828), predominam ações pedagógicas centradas no professor e um ensino altamente enciclopédico, descontextualizado e marcado por métodos tradicionais. Metodologias assim partem do pressuposto de que a classe é constituída de um grupo homogêneo de alunos, todos com o mesmo estilo de aprendizagem e grau de percepção, pouco participativos, receptores passivos do discurso do professor (MADEIRA, 2015).
De acordo com Abreu (2009), esse formato se opõe às demandas da sociedade atual, que exige propostas de ensino voltadas para o protagonismo dos estudantes, com ênfase na sua posição mais central e menos secundária de mero espectador. Para solucionar o problema, uma alternativa seria proporcionar estratégias de ensino em que os estudantes aprendem enquanto ensinam uns aos outros; ou seja, estabelecer práticas de aprendizagem pelo ensino pode qualificar a educação e permitir que o professor desenvolva um novo papel (DURAN, 2016).
Corroborando essa concepção, Monteiro (1995) indica que estratégias didáticas voltadas a produzir aprendizagens pelo ensino promovem uma melhoria qualitativa do processo de ensino-aprendizagem, redistribuindo, no contexto educativo de salas de aula, os papéis classicamente pertencentes a professores e alunos. Essas atividades geram um clima educativo participativo e responsável, que, por sua vez, cria condições facilitadoras de um melhor desenvolvimento cognitivo, além de auxiliar na compreensão mútua, com uma interiorização dos conhecimentos de forma horizontalizada, partilhada e consequentemente mais duradoura (MONTEIRO, 1995).
Diante da possibilidade apontada, surge o problema que norteia esta investigação: de que forma as metodologias de aprendizagem pelo ensino estão sendo utilizadas por pesquisadores da área? Buscando respondê-lo, apresentam-se os resultados de uma pesquisa bibliográfica que visou identificar o modo pelo qual estão sendo utilizadas por pesquisadores da área as estratégias de ensino estruturadas por ações que proporcionam aprendizagens através do ensino. Acredita-se que essa identificação pode auxiliar no desenvolvimento de novas propostas direcionadas a um maior protagonismo do estudante no seu processo de aprendizagem.
Após a exposição dos procedimentos metodológicos, os resultados são apresentados e discutidos, encaminhando, ao final, algumas considerações acerca do estudo desenvolvido.
1 Pressupostos metodológicos
Sem a preocupação de quantificar os trabalhos vinculados ao assunto, a investigação caracteriza-se como um estudo com abordagem qualitativa. Esse tipo de pesquisa apresenta cinco caraterísticas fundamentais, sendo a última considerada o seu aspecto central: ter o ambiente natural como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento-chave; ser descritiva; ter o foco no processo, e não apenas nos resultados e no produto; analisar os dados indutivamente; e enfatizar o significado (TRIVIÑOS, 1987).
A investigação recorreu a uma pesquisa de natureza bibliográfica, selecionando estudos em três bancos de dados: Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); periódicos da Área de Ensino e disponíveis no Sistema WebQualis da Capes (Classificação Quadriênio 2013-2106) e na biblioteca digital Education Resources Information Center (ERIC). No catálogo da Capes e na base ERIC, não foram estabelecidos recortes, todavia, nos periódicos adotou-se como critério de seleção aqueles que estão disponíveis on-line, são reconhecidos pela área e apresentam estratos A1 e A2.
Para localizar os estudos que compuseram o corpus da pesquisa, procedeu-se à busca nesses bancos de dados, utilizando os seguintes descritores: “Aprender ensinando”, “Learning by teaching” e “Lernen durch Lehren”. Foi possível identificar 34 trabalhos que apresentavam tais expressões no título, nas palavras-chave e/ou no resumo: uma tese (Catálogo de Teses e Dissertações da Capes) e 33 artigos, sendo seis do Sistema WebQualis da Capes e 27 da biblioteca digital ERIC.
De posse desses materiais, realizou-se a leitura dos 34 trabalhos que constituíram os dados da investigação. A leitura de dados tomou como referencial o anunciado por Laurence Bardin (2011), na perspectiva da análise de conteúdo. A opção por essa metodologia deveu-se ao fato de a análise de conteúdo ser um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento, que se aplica em diferentes contextos extremamente diversificados, cuja função primordial é desvendar criticamente o que está sendo investigado (BARDIN, 2011).
Após a leitura, efetuou-se a exploração, visando classificar e categorizar os dados para promover sua correta interpretação. Para tanto, os trabalhos selecionados foram divididos em duas categorias emergentes: aprender ensinando outras pessoas e aprender ensinando agentes virtuais de aprendizagem. Categorias como as propostas para este estudo, em geral, são formas de pensamento e refletem a realidade, sendo vistas, na perspectiva da análise de conteúdo, como rubricas ou classes que agrupam determinados elementos, reunindo características comuns (BARDIN, 2006).
A seguir, apresentam-se os resultados das duas categorias e discutem-se os trabalhos selecionados.
2 Análise e discussão dos resultados
2.1 Aprender ensinando outras pessoas
Ensinar está relacionado a comportamentos capazes de gerar aprendizagem para o aluno. Assim, ensino e aprendizagem são processos complementares. Tendo como pressuposto que não há ensino se não houver aprendizagem (KUBO; BATOMÉ, 2001), os estudos analisados nesta categoria discorrem sobre as possibilidades de aprender ensinando outras pessoas.
Dessa forma, compõe esta categoria um conjunto de 23 trabalhos que abrangem estudos bibliográficos, relatos de aplicação e desenvolvimento de metodologias de ensino, além de testes empíricos. Para melhor apresentação dos resultados, esse conjunto foi subdividido em dois grupos. O primeiro reúne os trabalhos de revisão bibliográfica, e o segundo, estudos que apresentam aplicação e desenvolvimento de atividades relacionadas ao tema.
Revisões bibliográficas
Fazem parte deste grupo quatro artigos que apresentam revisões bibliográficas sobre o tema Learning by Teaching, abordando a utilização e os efeitos dessa prática em pesquisas anteriores. O Quadro 1 sistematiza título, autor(es), ano de publicação e periódico em que foram publicados.
Título | Autor(es) | Ano de publicação | Periódico |
---|---|---|---|
Tutoring by Students: Who Benefits? | Martha Dillner | 1971 | Research Bulletin |
How to Individualize Learning. Fastback 100 | Alan Gartner; Frank Riessman | 1977 | Phi Delta Kappa Intl Inc |
A Review of Learning-by-Teaching for Engineering Educators | Adam R. Carberry; Matthew W. Ohland | 2012 | Advances in Engineering Education |
Learning by teaching. Evidence and implications as a pedagogical mechanism | David Duran | 2016 | Innovations in education and teaching international |
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
Em uma pesquisa realizada em 1971, Dillner analisou uma série de estudos sobre os benefícios de práticas de ensino em que alunos auxiliam outros alunos, as quais denominou de “programas de tutoria”. A pesquisadora avaliou a evolução dos programas de tutoria e as concepções do aprendizado de ambos os envolvidos, tutor e tutelado. Os resultados demonstram que, inicialmente, os estudos sobre o tema se preocupavam apenas com a aprendizagem do tutelado. Por consequência, o papel de tutor era exclusividade dos alunos com melhor rendimento escolar. No entanto, com o avanço das pesquisas, descobriu-se que mesmo os alunos menos capazes poderiam ser responsáveis pela tutoria, sem prejuízo ao aprendizado do tutelado. Dessa forma, a tutoria passou a ser vista como uma oportunidade de desenvolvimento também para o tutor, não só em termos de comportamento e motivação, pois logo foram comprovadas as implicações positivas para a aprendizagem de todos os envolvidos (DILLNER, 1971).
Os estudos de Dillner (1971) destacam, também, o método Cross Age Tutoring, o qual propõe que alunos mais velhos sejam os tutores de alunos mais novos. No entanto, a diferença de idade deve ser pequena, visando facilitar a comunicação entre os estudantes, uma vez que o tutor representa para o tutelado uma figura menos autoritária que o professor e com linguagem mais próxima da sua. Em síntese, a autora aponta que atividades de aprendizagem pelo ensino se apresentam como um fator motivacional para o aprendizado tanto do tutor quanto do tutelado. Assim, os assuntos com os quais os estudantes possuem menos proximidade, ou sobre os quais não sentem motivação para aprender, podem despertar o interesse no tutor pela vontade de ajudar um colega, enquanto os tutelados motivam-se por aprender a partir de uma linguagem diferente daquela usada nos bancos escolares.
Na mesma direção, o trabalho de Gartner e Riessman (1977) evidencia que as vantagens de aprender ensinando podem ser tanto afetivas quanto cognitivas. Para os autores, ao assumir o papel de professor, o aluno desenvolve sua autoestima e adquire um conhecimento mais profundo quando revisa e reformula os materiais de ensino. Ainda, na busca pela melhor forma de ensinar, ele compreende os conceitos básicos do conteúdo e a estrutura sob a qual são organizados os conceitos de cada assunto. Diante isso, os tutores devem passar por um treinamento que lhes permita aprender a identificar e refletir sobre os estilos de aprendizagem de seus aprendizes, além de tomar consciência de sua própria aprendizagem (GARTNER; RIESSMAN, 1977).
Outros dois estudos de revisão bibliográfica sobre Learning by Teaching são os desenvolvidos por Carberry e Ohland (2012) e Duran (2016). Ambos apresentam estratégias que descrevem propostas de aprendizagens pelo ensino e estão divididas em diferentes momentos. A investigação de Carberry e Ohland (2012) estrutura essa abordagem estratégica metodológica em preparação, apresentação e avaliação. Duran (2016), por sua vez, a estrutura em preparação para ensinar, explicação e feedback.
Nos dois estudos, a preparação envolve a revisão, a preparação do material e a identificação dos elementos fundamentais do conteúdo que será apresentado. A explicação e/ou apresentação se traduzem como a etapa em que o tutor verbaliza o conteúdo estudado, dando explicações ao seu aluno e assumindo uma posição ativa, em que pode reorganizar seu conhecimento e reconhecer as áreas onde precisa melhorar (CARBERRY; OHLAND, 2012).
O último momento é o que apresenta diferenças entre as duas propostas. Para Carberry e Ohland (2012), ele consiste na avaliação que o tutor faz sobre si e sobre o entendimento de seu aluno, ativando um processo reflexivo capaz de facilitar a aprendizagem. Duran (2016), por seu turno, destaca, nessa etapa, o feedback recebido pelo tutor quanto à sua explicação, gerando uma interação e uma troca de perguntas e respostas que proporciona a organização de conceitos e raciocínio de alta complexidade.
A análise dos trabalhos pertencentes a este grupo evidencia a evolução dos estudos referentes ao aprendizado de quem ensina e permite perceber uma mudança gradual nos objetivos das pesquisas. Essas, em sua maioria, estavam inicialmente voltadas à identificação ou comprovação da aprendizagem pelo ensino, principalmente de habilidades e comportamentos e, mais tarde, de conhecimentos conceituais. Com o passar do tempo, o foco passa para a compreensão das causas dessa aprendizagem, não mais se limitando em confirmar se, e quando, ela ocorre. Aspectos como motivação, autoestima, estilos de aprendizagem e consciência de si mesmo são associados a esses estudos, evidenciando a presença do domínio afetivo ao lado do cognitivo. Além disso, os estudos analisados mostram que os pesquisadores passaram, gradativamente, a explorar novas formas e métodos para utilização do ensino para gerar aprendizagem.
Aplicações e desenvolvimento de atividades
Este grupo reúne 18 artigos e uma tese que descrevem o desenvolvimento e a aplicação de metodologias de ensino relacionadas ao aprender ensinando. O Quadro 2 apresenta título, autor(es), ano de publicação, periódico onde os artigos foram publicados e o programa onde a tese foi desenvolvida.
Título | Autor(es) | Ano de publicação | Periódico/ programa |
---|---|---|---|
Learning by Preparing to Teach: Fostering Self-Regulatory Processes and Achievement During Complex Mathematics Problem Solving | Krista R. Muis et al. | 2016 | Journal of Educational Psychology |
Teaching Tip: Learning by Teaching through Collaborative Tutorial Creation: Experience using GitHub and AsciiDoc | Jim Marquardson; Ryan M. Schuetzler | 2019 | Journal of Information Systems Education |
MuseumScouts: Exploring How Schools, Museums and Interactive Technologies Can Work Together to Support Learning | Jocelyn Wishart; Pat Triggs | 2010 | Computers & Education |
Aprender Enseñando: Elaboración de Materiales Didácticos que facilitan el Aprendizaje Autónomo | Flor Álvares et al. | 2008 | Formación Universitaria |
Learning by Teaching | Stanley Frager; Carolyn Stern | 1970 | The Reading Teacher |
Self-Monitoring and Knowledge-Building in Learning by Teaching | Rod D. Roscoe | 2014 | Instructional Science: An International Journal of the Learning Sciences |
Aprender enseñando arte. Cómo convertir la escasez de recursos en oportunidades de aprendizaje | Vilma H. Córdova; David D. Gisbert; Pedro G. C. Lemus | 2016 | Revista Ibero-americana de Educação |
The Didactic Model "LdL" (Lernen Durch Lehren) as a Way of Preparing Students for Communication in a Knowledge Society | Joachim Grzega; Marion Schoner | 2008 | Journal of Education for Teaching: International Research and Pedagogy |
Is Learning by Teaching Effective in Gaining 21st Century Skills? The Views of Pre-Service Science Teachers | Safiye Aslan | 2015 | Educational Sciences: Theory and Practice |
Learning by Teaching: Can It Be Utilized to Develop Inquiry Skills? | Safiye Aslan | 2017 | Journal of Education and Training Studies |
Students Teaching Texts to Students: Integrating LdL and Digital Archives | David Stymeist | 2015 | College Teaching |
Promoting Pre-Service Teachers' Multimedia Design Skills through Collaborative Multimedia Service-Learning (CMSL) | Sanghoon Park; Vickie Gentry | 2017 | Journal of Service-Learning in Higher Education |
Cross-Age Peer Tutoring in Physics: Tutors, Tutees, and Achievement in Electricity | Marianne Korner; Martin Hopf | 2015 | International Journal of Science and Mathematics Education |
Learning Science Concepts by Teaching Peers in a Cooperative Environment: A Longitudinal Study of Preservice Teachers | José-Reyes Ruiz-Gallardo; Duncan Reavey | 2018 | Journal of the Learning Sciences |
Learning by Teaching with Virtual Peers and the Effects of Technological Design Choices on Learning. | Sandra Y. Okita et al. | 2013 | Computers & Education |
Development and implementation of a longitudinal students as teachers program: participant satisfaction and implications for medical student teaching and learning | Celine Yeung et al. | 2017 | BMC Medical Education |
Aprender ensinando o suporte básico de vida: a universidade além de seus muros | Sérgio G. Veloso | 2018 | Tese de doutorado - Universidade Federal de Minas Gerais |
Learning by teaching basic life support: a non-randomized controlled trial with medical students | Sérgio G. Veloso et al. | 2019 | BMC Medical Education |
Practicing Handoffs Early: Applying a Clinical Framework in the Anatomy Laboratory | Michelle D. Lazarus et al. | 2016 | Anatomical Sciences Education |
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
Muis et al. (2016) desenvolveram um estudo que objetivou comparar os efeitos de aprender se preparando para ensinar versus aprender para aprender. Para isso, os autores dividiram um conjunto de estudantes em dois grupos. Ao primeiro, solicitaram que os estudantes resolvessem problemas complexos de matemática pensando que, posteriormente, ensinariam essa resolução para outras pessoas. Ao segundo, denominado grupo controle, solicitaram a mesma tarefa, porém, sem informar aos componentes que depois eles precisariam explicar a resolução.
De acordo com os resultados, o grupo que se preparou para ensinar apresentou maior uso de estratégias metacognitivas e processos de autorregulação do que o grupo controle. Também apresentou um melhor entendimento dos problemas, evidenciado por mapas conceituais elaborados com uma quantidade maior de informações e relações entre conceitos em comparação com os mapas dos estudantes que não tinham expectativa de ensinar.
Marquardson e Schuetzler (2019), por sua vez, em uma investigação focada na etapa de preparação para ensinar, buscaram evidenciar o aprendizado dos alunos ao desenvolverem tutoriais por meio de plataformas digitais e recursos educacionais abertos. O estudo indicava que as atividades tivessem múltiplos objetivos educacionais, visando desenvolver tanto o aprendizado do conteúdo quanto o uso das ferramentas tecnológicas disponíveis. Assim, os pesquisados deveriam criar tutoriais e compartilhá-los com os colegas, para que pudessem identificar elementos a serem expandidos ou esclarecidos nesses tutoriais. Segundo os autores, os resultados foram positivos na direção da aprendizagem dos estudantes que elaboraram os tutoriais.
Considerando igualmente a preparação para ensinar, Wishart e Triggs (2010) realizaram um estudo envolvendo museus de diversos países. Os estudantes realizavam visitas às exposições e, em seguida, para ensinar os colegas, criavam apresentações interativas multimídias, contendo informações, ilustrações e perguntas de múltipla escolha para testar o conhecimento adquirido e fornecer feedback sobre as respostas. Os resultados mostraram que, em razão da atividade, os alunos assumiram responsabilidade maior que a habitual nas tarefas e desenvolveram o trabalho independente e cooperativo, além da habilidade de identificação e seleção de fontes de informação.
Álvares et al. (2008) propuseram a aprendizagem pelo ensino por meio do desenvolvimento de materiais didáticos no formato de videoaulas. Para isso, indicaram que um grupo de alunos participasse de oficinas sobre os aspectos técnicos da produção de vídeos e, em seguida, sob supervisão do professor, elaborasse os roteiros e realizasse as gravações. Como resultado, os alunos demonstraram “[...] melhoria em suas habilidades críticas e autocríticas, e na capacidade de expressar suas opiniões, bem como nas habilidades sociais relacionadas às habilidades interpessoais que facilitam a interação e cooperação social (trabalho em equipe)” (ÁLVARES et al., 2008, p. 27, tradução nossa). Conforme os autores, ao aprender ensinando, a comunicação com o professor fora da sala de aula é muito importante e o processo de aprendizagem deve ser frequentemente avaliado.
Frager e Stern (1970), por sua vez, observaram grupos de tutores, de alto e baixo rendimento escolar, que ensinaram após receber treinamento para essa tarefa. Os autores concluíram que, embora todos os tutores tenham demonstrado crescimento em termos de comportamento, atitudes e autoimagem, o grupo dos alunos de baixo rendimento foi o que obteve melhoria mais acentuada, corroborando que a atividade de aprendizagem pelo ensino pode ser realizada por qualquer estudante.
Na pesquisa de Roscoe (2014), estudantes de graduação foram postos para estudar e ensinar uns para os outros sobre o funcionamento do olho humano. Na investigação, os participantes foram testados sobre suas funções no decorrer da atividade. O estudo mostrou uma forte tendência de transmitir a informação ou knowledge-telling bias, “[...] definido como um processo de resumir ou reapresentar os materiais originais com pouco raciocínio ou reflexão” (ROSCOE, 2014, p. 2, tradução nossa). Segundo a pesquisadora, essa tendência, que pode ter origem na falta de automonitoramento, dificulta a identificação de explicações e conhecimentos errados, sendo essa uma barreira importante para o aprendizado pelo ensino. Porém, mesmo que apresente resultados menos significativos, a simples transmissão de informações pode ajudar os tutores a reforçarem conceitos básicos e adaptarem o conteúdo em linguagem mais familiar (ROSCOE, 2014).
A aprendizagem pelo ensino também foi explorada no estudo de Córdova, Gisbert e Lemus (2016), que, por meio da implementação da tutoria aos pares, buscaram ampliar para um número maior de alunos o acesso a oficinas de artes que eram ofertadas por uma instituição especializada. O objetivo era que os participantes pudessem se engajar em atividades de ensino com grande potencial para aprimorar seu próprio aprendizado. Para tanto, os professores dividiram a turma em duplas, a fim de que cada componente frequentasse uma oficina diferente e, depois, ensinasse ao colega aquilo que aprendeu. Antes das oficinas, os alunos participaram de uma atividade de formação voltada ao desenvolvimento de habilidades de comunicação, bem como ao planejamento e à elaboração de sequências didáticas para tornar as aulas mais organizadas. Os resultados demonstraram que, para os alunos, essas orientações foram fundamentais para que pudessem ensinar seus colegas e solidificar sua aprendizagem na oficina.
Em outro trabalho selecionado como corpus da pesquisa, Grzega e Schöner (2008) discutem o modelo didático Lernen durch Lehren (LdL) - expressão alemã para “aprender ensinando” -, desenvolvido para o ensino de línguas estrangeiras. A ideia central era que grupos de alunos ensinassem tópicos aos seus colegas, favorecendo sua participação e comunicação da melhor maneira possível. O estudo mostrou a percepção positiva de estudantes que frequentaram aulas nesse modelo em relação à sua eficiência no desenvolvimento de habilidades consideradas importantes para a sociedade atual, tais como trabalho em equipe, coleta de informações, criação e execução de projetos.
De forma semelhante, Aslan (2015) realizou um estudo com futuros professores participantes de uma disciplina de Química, na qual foi aplicado o modelo LdL, visando identificar as concepções desse grupo acerca da metodologia e de sua efetividade no desenvolvimento de habilidades do século XXI. Os resultados indicaram a potencialidade da metodologia para favorecer o desenvolvimento de habilidades como autoconfiança, comunicação, experiência de ensino e aprendizado permanente. O trabalho em equipe, considerado pela maioria uma habilidade desenvolvida pelo LdL, foi apontado por alguns participantes como a principal dificuldade imposta pela metodologia. Contudo, segundo o autor, embora percebido como uma fragilidade da metodologia, o trabalho em equipe consiste em uma habilidade importante a ser adquirida por futuros professores (ASLAN, 2015).
Em outra investigação, desenvolvida em 2017, Aslan tratou sobre o desenvolvimento de habilidades de investigação, especificamente. Segundo o pesquisador, “aprender ensinando incentiva os futuros professores a preparar suas próprias perguntas sobre um assunto e pesquisar em várias fontes, a fim de encontrar respostas para essas perguntas, e, ao fazê-lo, oferece a eles uma oportunidade significativa de aprender um conteúdo especial” (ASLAN, 2017, p. 195, tradução nossa). Nessa direção, o estudo evidencia o potencial de aprender ensinando para o desenvolvimento de habilidades de investigação, fortemente relacionadas ao conhecimento científico e seu desenvolvimento.
Stymeist (2015), por sua vez, descreve o desenvolvimento de um modelo pedagógico integrando LdL e o acesso dos estudantes a arquivos eletrônicos. Esse modelo exigiu que os alunos pesquisassem, em arquivos digitais, publicações sobre um determinado tema e ensinassem seus conteúdos para o restante da classe, o que lhes permitiu ter mais controle sobre a seleção e o ensino dos conteúdos. Conforme o autor, essa é uma alternativa para gerar um ambiente mais cooperativo e participativo, bem como para aprofundar as habilidades interpretativas (STYMEIST, 2015).
Na mesma direção, Park e Gentry (2017) desenvolveram um modelo de aprendizagem colaborativa multimídia em que futuros professores utilizaram o aprendizado pelo ensino para aprender a criar materiais instrucionais multimídia passíveis de utilização em sala de aula. Os resultados encontrados vão ao encontro dos evidenciados por Stymeist (2015) e demonstram que a participação no projeto proporcionou a aquisição de habilidades de design multimídia e o desenvolvimento de atitudes positivas e motivação.
Korner e Hopf (2015) realizaram um estudo envolvendo tutoria aos pares, mais especificamente, no modelo Cross age tutoring, por incluir tutores e tutelados com idades e níveis escolares diferentes, porém pertencentes a grupos sociais similares. Os autores buscaram identificar a eficácia do uso dessa metodologia em aulas de Física, considerando que possuem características particulares, no sentido de facilitar a mudança conceitual nos estudantes que apresentam concepções alternativas, contrárias aos conceitos científicos, originadas no seu cotidiano. Dessa forma, antes da tutoria, os estudantes realizaram um treinamento para que pudessem se familiarizar com os conceitos científicos associados ao conteúdo e refletir sobre as concepções já existentes em sua mente, evitando transferi-las aos tutelados.
O estudo comparou o aprendizado dos tutores, dos aprendizes e dos alunos que exerceram os dois papéis, recebendo a tutoria e, em seguida, sendo tutores. Os resultados apontam que todos os participantes apresentaram crescimento no aprendizado e atingiram o objetivo da mudança conceitual. Porém, os que assumiram o papel de tutores, envolvidos ativamente, obtiveram resultados melhores que os aprendizes, já que esses se tornavam agentes passivos à atividade de ensino.
A substituição de concepções alternativas pelos conceitos científicos também foi abordada no estudo de Ruiz-Gallardo e Reavey (2018), no qual a efetividade da mudança conceitual foi analisada em três perspectivas: aprender com palestras, aprender com colegas e aprender ensinando. Aprender com palestras se refere ao modelo tradicional de ensino, em que o aluno participa passivamente da atividade. Aprender com colegas pressupõe uma aprendizagem colaborativa, com ênfase na aprendizagem pelo ensino, de modo que todos os participantes são tutores e aprendizes.
Todos os participantes foram avaliados um mês depois da conclusão da atividade e reavaliados depois de dois anos. Nos testes realizados após um mês, na comparação com o pré-teste, as diferenças de resultado foram pequenas entre as metodologias utilizadas, porém todos os estudantes demonstraram evolução. A maior diferença, embora não muito significativa, foi do grupo que aprendeu ensinando. Já nos testes realizados depois de dois anos, as diferenças foram mais acentuadas. Os alunos que aprenderam por palestras e os que aprenderam com colegas pontuaram menos, ao passo que o grupo que aprendeu ensinando pontuou ainda melhor que no teste realizado apenas um mês após a atividade. Isso demonstra o efeito positivo e duradouro do aprendizado pelo ensino. Além desses resultados, a aprendizagem pelo ensino foi evidenciada como a melhor metodologia e a melhor estratégia de ensino, capaz de promover a mudança conceitual e a aprendizagem em longo prazo.
Em outro trabalho selecionado para esta investigação, Okita et al. (2013) relatam uma investigação em que adultos ensinavam outros adultos em um ambiente virtual. O estudo divide o aprendizado pelo ensino em três etapas, similares às descritas por Duran (2016), focando principalmente na importância da terceira etapa, a observação do feedback recursivo, que se refere às informações obtidas pelo tutor ao observar as performances de seu aluno, de forma independente, utilizando o aprendizado adquirido na tutoria.
O feedback recursivo mostrou-se efetivo nos testes, como uma etapa muito importante para o aprendizado pelo ensino que pode ser estendida aos ambientes virtuais on-line. Segundo Okita et al. (2013, p. 193, tradução nossa),
[...] a eficácia do feedback recursivo exigia que os tutores mantivessem representações de seu próprio entendimento, do que ensinavam e do entendimento de seus alunos. Além disso, essas representações precisam ser consideradas simultaneamente, para que os tutores possam classificar quais aspectos do desempenho dos alunos estão relacionados a qual nível de representação.
Os autores pontuam duas principais barreiras para o sucesso do feedback, implicando em prejuízos para o aprendizado. A primeira é a inclinação natural do feedback em ferir o ego dos estudantes, já que eles tendem a atribuir feedbacks negativos à sua própria inteligência, em vez de recebê-los como uma avaliação que busca ajudá-los a encontrar uma forma de melhorar seu desempenho em uma tarefa específica. Outra é a complexidade cognitiva de interpretar o feedback, que, no caso de uma resposta que o estudante não foi capaz de atingir, pode demandar conhecimentos prévios que ele não possui, e por isso não conseguirá compreender suas implicações.
Na atividade de ensino, segundo os autores, o ego pode ser protegido pelo fato de que o tutor tem seu foco voltado ao aluno, e não somente a si próprio. Assim, os erros cometidos podem ser interpretados como responsabilidade do aluno, o que tira do tutor o aspecto de descrença em sua capacidade. Além disso, aprender ensinando auxilia a desenvolver os conhecimentos prévios necessários para o uso recursivo do feedback nas etapas que o antecedem: preparação e explicação. Nessa perspectiva, o estudo indica que o feedback é potencializado ao ser integrado a um modelo de aprendizagem pelo ensino, que permite ao estudante aproveitar suas vantagens, contornando as possíveis barreiras que impediram seu sucesso (OKITA et al., 2013).
Yeung et al. (2017), ao considerarem que o ensino está presente no exercício da medicina e que parte importante do trabalho do médico é instruir seus pacientes, desenvolveram um programa no qual os estudantes de níveis iniciais do curso se envolveram com atividades de ensino relacionadas ao aprender ensinando. Nesse trabalho, observou-se o aumento da confiança e das habilidades de comunicação dos estudantes. Além disso, a atividade proporcionou aos alunos conhecimento de estratégias que poderiam ser úteis para a sua própria aprendizagem na condição de estudantes, como, por exemplo, definir objetivos pessoais de aprendizagem e identificar e comunicar lacunas de aprendizagem.
Sobre aprender ensinando em cursos de Medicina, Veloso et al. (2019), em artigo desenvolvido a partir de sua tese de doutorado, avaliou a ampliação do conhecimento e das habilidades de estudantes ao ensinar outras pessoas, analisando, também, o aprendizado delas. Os estudantes foram divididos em dois grupos, o caso e o controle. Ambos realizaram um pré-teste e, em seguida, uma preparação para ensinar, elaborando cartazes e folhetos explicativos. Posteriormente, os alunos do grupo caso ministraram um curso sobre o suporte básico de vida para profissionais da área da saúde. Finalizadas essas atividades, ambos os grupos passaram por novos testes.
O estudo mostrou melhor desempenho do grupo caso. A percepção dos alunos desse grupo demonstra que a atividade de ensino desenvolveu a segurança e a confiança em si mesmos, pois, de acordo com o pesquisador, todos se disseram capazes de aplicar o suporte básico de vida em situações reais, contra 73% dos estudantes do grupo controle. Da mesma forma, 97,1% do grupo caso sentiram-se aptos a ensinar, contra 62,2% do grupo controle (VELOSO et al., 2019).
Por fim, o último estudo selecionado para esta categoria, desenvolvido por Lazarus et al. (2016), ao contrário dos demais, não teve o aprendizado pelo ensino como objetivo. Entretanto, o efeito dessa abordagem foi encontrado nos resultados de uma atividade com alunos de Medicina no ambiente do laboratório de anatomia. Os estudantes relataram a influência da atividade de ensino em seu próprio processo de aprendizagem, motivando o resumo dos materiais e auxiliando-os a determinar os conteúdos que deveriam ser enfatizados. Além disso, relataram a sensação de responsabilidade com o aprendizado dos outros como fator motivacional para o engajamento nas atividades de ensino.
Os estudos analisados neste grupo, embora apresentem diferentes formas de trabalhar com metodologias baseadas no aprendizado pelo ensino, revelam resultados positivos em vários fatores pertinentes à aprendizagem de conhecimentos científicos e ao desenvolvimento de habilidades importantes para os estudantes, como comunicação, trabalho em equipe, motivação e autoconfiança. Esses resultados positivos, no entanto, dependem de diversas variáveis que devem ser levadas em conta no desenvolvimento das atividades de ensino. Contudo, parece ser consenso a importância de um treinamento prévio que prepare os estudantes para ensinar, bem como o acompanhamento criterioso do professor, que, além de orientar os alunos, deve tomar cuidado para que conceitos equivocados ou concepções alternativas não sejam ensinadas por estudantes menos preparados.
Aprender ensinando agentes virtuais de aprendizagem
Os trabalhos que compõem esta categoria propõem a utilização de softwares que simulam o comportamento de um aluno real, que, ao ser ensinado, faz perguntas e interage de maneira considerada ideal para desenvolver o aprendizado do sujeito que está ensinando. Tais softwares, denominados de “agentes virtuais de aprendizagem”, foram desenvolvidos para estimular a aprendizagem pelo ensino, isto é, são programados para simular o comportamento de um aluno, recebendo e interpretando informações, bem como provendo feedbacks ao operador (SONG, 2017). Esses softwares, ainda, coletam e interpretam dados de quem o manipula, podendo se adaptar às necessidades do indivíduo e, assim, ser um ajudante personalizado.
Nessa perspectiva, esta categoria compreende onze estudos que discutem a utilização de agentes virtuais na aprendizagem pelo ensino. O Quadro 3 apresenta o título, o(s) autor(es), o ano de publicação e o periódico onde foram publicados.
Título | Autor(es) | Ano | Periódico |
---|---|---|---|
From Design to Implementation to Practice a Learning by Teaching System: Betty’s Brain | Gautam Biswas; James R. Segedy; Kritya Bunchongchit | 2016 | International Artificial Intelligence in Education Society |
Identifying Learning Behaviors by Contextualizing Differential Sequence Mining with Action Features and Performance Evolution | John S. Kinnebrew; Gautam Biswas | 2012 | International Educational Data Mining Society |
Teachable Agents and the Protégé Effect: Increasing the Effort Towards Learning | Catherine C. Chase et al. | 2009 | Journal of Science Education and Technology |
Preparing Students for Future Learning with Teachable Agents | Doris B. Chin et al. | 2010 | Society for Research on Educational Effectiveness |
Designing a Teachable Agent System for Mathematics Learning | Donggil Song | 2017 | Contemporary Educational Technology |
Cognitive Anatomy of Tutor Leaming: Lessons Leamed With SimStudent | Noboru Matsuda et al. | 2013 | Joumal of Educational Psychology |
Effects of Prior Knowledge in Mathematics on Learner-Interface Interactions in a Learning-by-Teaching Intelligent Tutoring System | Rex P. Bringula et al. | 2015 | Journal of Educational Computing Research |
Studying the Effect of a Competitive Game Show in a Learning by Teaching Environment | Noboru Matsuda et al. | 2013 | International Journal of Artificial Intelligence in Education |
A Teachable Agent Game Engaging Primary School Children to Learn Arithmetic Concepts and Reasoning | Lena Pareto | 2014 | International Journal of Artificial Intelligence in Education |
Immediate and Long-Term Effects of “Learning By Teaching” on Knowledge of Cognition | Mary Gutman | 2017 | Journal of Education and Learning |
Reinforcing Math Knowledge by Immersing Students in a Simulated Learning-By-Teaching Experience | Douglas B. Lenat; Paula J. Durlach | 2014 | Journal of Artificial Intelligence in Education |
Fonte: dados da pesquisa, 2020.
Biswas, Segedy e Bunchongchit (2016) apresentam os resultados de dez anos de pesquisa, desenvolvimento e implementação de um sistema computadorizado de aprendizagem pelo ensino chamado Betty’s Brain. Tal sistema foi projetado para tornar o aprendizado de Ciências um processo ativo, construtivo e envolvente para o aluno. De acordo com os autores, esse agente ensinável aprende com base em modelos construídos pelos alunos no formato de mapas que representam relações entre conceitos. Esses mapas são interpretados pelo agente, que é capaz de interagir com o aluno, respondendo perguntas e permitindo que ele avalie seu mapa e perceba possíveis erros de interpretação.
Durante o processo de aprendizagem, o primeiro contato do aluno com o conteúdo que irá ensinar ocorre por meio de recursos textuais. Após a leitura, podendo retornar ao texto sempre que necessário, desenvolve o mapa de conceitos, faz perguntas ao agente e, de acordo com as respostas e os feedbacks fornecidos pelo sistema, pode realizar as modificações pertinentes para que seu mapa se torne mais correto. Nesse processo, o programa coleta dados do usuário, como o tempo gasto em cada tarefa, as alterações no mapa e as relações entre essas alterações e as respostas do agente. O sistema analisa essas informações e identifica as dificuldades do aluno, buscando dar sugestões para que obtenha sucesso na tarefa de ensiná-lo.
Segundo Biswas, Segedy e Bunchongchit (2016), os estudos com o Betty’s Brain permitiram que o software fosse desenvolvido e aprimorado ao longo dos anos, demonstrando que o uso de agentes virtuais pode envolver e motivar os alunos na construção do conhecimento. Um dos estudos que apresentou a sua utilização foi o de Kinnebrew e Biswas (2012). Nesse trabalho, os alunos de alto e baixo desempenho escolar foram comparados em relação ao comportamento de leitura, mostrando que
[...] os alunos de alto desempenho empregaram diferentemente comportamentos que indicavam uma estratégia mais cuidadosa e sistemática de leitura. Seus padrões de atividade envolviam mais frequentemente a releitura de páginas dos recursos, como o uso de releituras completas dos recursos antes de adicionar um link. Além disso, os padrões de atividade de leitura que distinguem os de alto desempenho e os de baixo desempenho geralmente envolviam leitura de páginas relevantes para ações recentes, sugerindo um comportamento de leitura mais sistemático em geral (KINNEBREW; BISWAS, 2012, p. 63, tradução nossa).
Os alunos de baixo desempenho, por sua vez, tendiam a reler partes irrelevantes do texto e apresentaram mais dificuldade em identificar relações entre conceitos.
Os resultados do estudo demonstram as potencialidades dos agentes virtuais como recursos de coleta de dados e análise do comportamento dos alunos, sendo muito importantes para a identificação das suas dificuldades e, consequentemente, para o desenvolvimento de atividades que os auxiliem na superação (KINNEBREW; BISWAS, 2012).
Também utilizando o Betty’s Brain, Chase et al. (2009) buscaram identificar a presença e determinar as causas do chamado “efeito protégé”, o qual parte da concepção de que alunos que aprendem com expectativa de ensinar se esforçam mais do que se aprendessem apenas para si mesmos. Para a realização da pesquisa, um conjunto de alunos foi dividido em dois grupos. Para ambos, foi solicitada a realização das mesmas tarefas no software. No entanto, um dos grupos acreditava estar desenvolvendo mapas conceituais com o objetivo de aprender, enquanto o outro tinha o objetivo de ensinar o agente. De acordo com os resultados, os alunos que ensinaram se dedicaram e aprenderam mais do que aqueles que aprenderam para si mesmos, sendo a diferença mais acentuada entre os alunos de baixo desempenho escolar.
O estudo demonstra, ainda, que o comportamento dos alunos em relação ao computador pode ser muito próximo do que teriam diante de uma pessoa. Conforme os autores, ensinar um agente virtual pode ativar sentimentos de responsabilidade e empatia que garantem a motivação do aluno, sem a mesma pressão de ensinar uma pessoa. Nesse sentido, o uso de agentes virtuais de aprendizagem “[...] invoca um senso de responsabilidade que motiva o aprendizado, fornece um ambiente no qual o conhecimento pode ser aprimorado através de revisão e protege o ego dos alunos das ramificações psicológicas do fracasso” (CHASE et al., 2009, p. 1, tradução nossa), tornando mais fácil reconhecer os erros e buscar uma maneira melhor de ensinar.
Na mesma direção, e utilizando um agente ensinável similar ao Betty’s Brain, baseado no uso de mapas conceituais, Chin et al. (2010) desenvolveram um estudo que mostra que agentes ensináveis auxiliam o aprendizado, mesmo quando não estão mais sendo usados. Ou seja, essa ferramenta contribui para preparar os estudantes para continuarem aprendendo, estimulando a identificação de relações causais entre conceitos, fator importante, principalmente, no aprendizado de Ciências.
No entanto, segundo os investigadores, a utilização de mapas conceituais como linguagem principal de comunicação entre aluno e computador traz certas limitações para o agente ensinável construído sob essa perspectiva, sobretudo por barrar as possibilidades de aplicação em diferentes áreas do conhecimento, que não apresentam elementos causais e relacionais tão claros (CHIN et al., 2010).
Como alternativa, Song (2017) propõe um agente ensinável que utiliza um método de comunicação baseado em símbolos próprios da Matemática, sendo adequado para o aprendizado dos conteúdos dessa área. O software foi desenvolvido para fornecer ao estudante interações de diferentes formas, como explicações, perguntas e respostas, além de resolução de problemas. Ainda, o agente apresenta flexibilidade, podendo se adaptar aos diferentes sujeitos que o manipulam, de modo a priorizar uma adaptação mútua entre agente e aluno.
Em seu trabalho, Matsuda et al. (2013a) exploram o agente ensinável SimStudent como ferramenta tecnológica para investigar hipóteses relacionadas a aprender ensinando. Os autores evidenciam que o SimStudent aprende por meio da generalização de exemplos providos pelos alunos, enquanto simula o comportamento de um ser humano, fazendo perguntas, solicitando explicações e dando feedbacks quanto ao seu aprendizado. Eles também destacam que essa tecnologia facilita a coleta de dados detalhados sobre a interação entre o aluno e o agente. Partindo dessas considerações, os pesquisadores realizaram testes com alunos que aprendiam equações lineares, a fim de compreender se o agente ensinável realmente aprende mediante a tutoria e se os tutores, por sua vez, aprendem ao ensiná-lo. Ainda, buscaram observar como - e se - ocorre esse aprendizado, além da correlação entre tutor e agente.
O estudo aponta que ensinar o agente SimStudent é efetivo para o aprendizado de habilidades procedimentais, mas não de conhecimentos conceituais. Além disso, o principal problema encontrado no grupo de alunos que não obtiveram sucesso em ensinar o agente foi a dificuldade de reconhecer que não estavam ensinando adequadamente. Esse grupo de estudantes respondia de forma incorreta e ensinava os mesmos problemas repetidamente, o que sugere a necessidade de um metatutor, ou seja, um terceiro participante capaz de observar as atividades e auxiliar os alunos cognitiva e metacognitivamente. Segundo os autores, “para obter um aprendizado bem-sucedido, os alunos devem monitorar simultaneamente o desempenho de seus alunos e o seu próprio” (MATSUDA et al., 2013a, p. 1161, tradução nossa).
De acordo com os pesquisadores, a correlação entre os aprendizados do tutor e do agente mostra que os estudantes tendem a aprender mais quando ensinam o agente de forma correta, em termos conceituais e metodológicos. Nas palavras dos autores:
Se os alunos não estiverem bem preparados para dar aulas, os benefícios do aprendizado pelo ensino poderão ser reduzidos. Além disso, uma vez que os alunos se tornem especialistas em um conteúdo e possam resolver problemas com fluência (e assim se tornem melhores professores), os benefícios da aprendizagem pelo ensino também poderão diminuir. O aprendizado pelo ensino é essencialmente um fenômeno paradoxal, cujos mecanismos ainda não foram completamente elucidados (MATSUDA et al., 2013a, p. 1162, tradução nossa).
Por fim, os resultados indicam que os benefícios cognitivos da aprendizagem pelo ensino serão maiores quanto menor for o domínio do aluno, corroborando a ideia de que aprender ensinando funciona também para aqueles alunos com mais dificuldades em determinado conteúdo (MATSUDA et al., 2013a).
Ainda sobre o SimStudent, Bringula et al. (2015) realizaram uma pesquisa a respeito da influência dos conhecimentos prévios de Matemática na interação com um sistema inteligente de aprendizagem pelo ensino. O objetivo era identificar se os conhecimentos prévios permitem ao aluno tirar mais proveito da tutoria enquanto espaço para demonstrar suas habilidades de resolução de problemas. O estudo mostra que a identificação dos erros cometidos pelo computador e dos motivos que o levam a cometê-los é uma tarefa muito difícil para um aluno que está aprendendo álgebra básica. No mesmo trabalho, os investigadores salientam que é igualmente difícil identificar o aprendizado de conteúdos por meio de pré e pós-testes. No entanto, segundo eles, ao perceber que foram capazes de ensinar bem o agente ensinável, os estudantes adquirem confiança não só para realizar essa tarefa, mas também para serem testados em relação ao conteúdo trabalhado.
Uma variação do SimStudent foi testada por Matsuda et al. (2013b), buscando identificar em que medida a competição entre agentes ensináveis afeta o aprendizado do tutor. Assim, uma função de Game Show competitivo foi adicionada ao software, de forma que cada aluno ensinava seu agente e o colocava para competir com o agente de outro estudante, criando um sistema de ranking, em que venceria a disputa o agente que resolvesse corretamente o maior número de problemas algébricos.
Similarmente aos estudos anteriores, os resultados mostram que os alunos melhoraram a habilidade de resolver equações lineares ao ensinar o SimStudent, porém, a compreensão conceitual permaneceu inalterada. Os resultados sinalizam, ainda, que o Game Show promoveu um maior engajamento dos estudantes, levando a que suas respostas aos questionamentos do agente se tornassem mais frequentes e aprofundadas. Além disso, segundo os autores, o engajamento e a motivação dos estudantes não apresentaram correlação com o aprendizado, seja conceitual ou procedimental, assim como não se observou qualquer efeito negativo causado pela motivação externa à aprendizagem, ou seja, pelo desejo de vencer a competição. Porém, esse formato consome mais tempo em outras atividades que não a tutoria (MATSUDA et al., 2013b).
Pareto (2014), em um estudo envolvendo agentes virtuais como jogadores que precisam ser ensinados, chegou a um resultado diferente: os alunos que ensinaram o agente obtiveram ganhos de compreensão conceitual maiores que o grupo controle, sem acesso ao software. A investigação, que teve como participantes crianças de diversos níveis escolares, mostrou, ainda, que o modelo de jogo utilizando agentes ensináveis promoveu o engajamento em quase todos os sujeitos e que esse é um fator muito importante para a aprendizagem. Diante disso, as atividades devem serem desenvolvidas “[...] combinando desafios e dificuldades com incentivos e atividades motivadoras” (PARETO, 2014, p. 279, tradução nossa).
O agente ensinável utilizado no estudo de Pareto (2014) aprende por meio de exemplos, observando as ações do tutor, e de perguntas que faz ao aluno. Essas perguntas são escolhidas buscando a progressão do conhecimento do agente, ou seja, estão um pouco acima de sua capacidade atual. O agente, então, aprende até alcançar o mesmo nível de conhecimento do estudante e, respeitando a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, segue aumentando o nível de dificuldade, pois desafia o tutor com perguntas mais avançadas até cessar a progressão do aluno. Nesse sentido,
o agente ensinável aprimora o aprendizado, envolvendo os alunos na reflexão e explicação de suas ações de jogo sob o pretexto de que ensinam um agente a jogar. Essa ideia combina o poder motivacional dos jogos com o poder reflexivo de um agente ensinável que faz perguntas profundas sobre o material de estudo e pode melhorar os efeitos de aprendizagem dos jogos (PARETO, 2014, p. 279, tradução nossa).
Ao comparar alunos em atividades de ensino semelhantes, realizadas face a face ou com o auxílio de agentes virtuais de aprendizagem, Gutman (2017) também observou que o uso do ambiente tecnológico proporciona um maior desenvolvimento de conhecimentos procedimentais relacionados ao ensino. Porém, nesse estudo em particular, não foram percebidas diferenças quanto ao aprendizado.
Utilizando inteligência artificial, Lenat e Durlach (2014) desenvolveram um sistema em que o agente ensinável simula o aprendizado, criando um modelo mental do aluno com quem está interagindo, para, assim, ser capaz de adaptar seu comportamento de acordo com o que considera mais vantajoso pedagogicamente. Conforme os autores, diferentemente do que acontece em outros agentes ensináveis, nesse, o aparente aprendizado observado pelos estudantes no papel de tutores é apenas uma simulação, pois o sistema já possui os conhecimentos que o aluno irá ensinar. Assim, toda a interação ocorre por meio de um jogo no estilo de aventura. O jogador se comunica com um avatar, comandado pelo computador, estabelecendo diálogos semelhantes aos que teria com um humano, enquanto o personagem finge precisar de ajuda para resolver problemas de Matemática. Os resultados obtidos no estudo indicam que esse procedimento motiva o aluno a ensiná-lo com base em atividades que julga necessárias para auxiliar na superação das suas dificuldades.
A partir dos trabalhos analisados nesta categoria, a aprendizagem pelo ensino mostrou-se similar à identificada na categoria anterior. No entanto, no ambiente virtual, houve divergência entre os estudos quanto ao aprendizado de conhecimentos conceituais, pois nem todos observaram a mesma evolução. Esse fator pode ser relacionado às especificidades de cada agente ensinável, ou, ainda, pode representar uma fragilidade dessa modalidade. Já o desenvolvimento de habilidades procedimentais foi resultado frequente nos trabalhos examinados. Assim, percebe-se que, mesmo com o uso de softwares, os alunos podem aprender enquanto ensinam.
Considerações finais
De acordo com Moran (2000), o mundo moderno tem exigido que os indivíduos se envolvam em atividades cada vez mais complexas. Nesse contexto, segundo o autor, o processo de ensinar e aprender, desenvolvido nos ambientes escolares, precisa proporcionar situações que levem os estudantes a constantes motivações, seleções, interpretações, comparações, avaliações e aplicações.
Metodologias de ensino que buscam promover aprendizagens por meio de ações de ensino, tema abordado na presente investigação, têm se mostrado alternativas com grande potencial de promover os estudantes a patamares correspondentes ao centro do processo de ensinar e aprender, tornando-se agentes ativos nesse cenário. Sobre isso, os resultados demonstram uma ampliação, no decorrer dos anos, de estudos referentes a aprender ensinando. Percebeu-se que estudos mais antigos buscavam, em sua maioria, a identificação ou comprovação da aprendizagem pelo ensino. Já nos estudos mais recentes, evidenciou-se que os pesquisadores passaram a explorar novas formas e métodos voltados à utilização do ensino para gerar aprendizagem. Nesses estudos, também, identificou-se a busca dos pesquisadores por compreender a relação da aprendizagem ocorrida em propostas de ensino pela aprendizagem com a motivação, a autoestima, os estilos de aprendizagem e a autoconsciência - elementos que apontam a presença do domínio afetivo ao lado do desenvolvimento cognitivo.
A investigação demonstrou, ainda, a utilização de diferentes metodologias para a promoção de aprendizagens por meio do ensino, sendo evidenciadas estratégias em que os estudantes ensinam uns aos outros e metodologias em que eles ensinam agentes virtuais. Segundo os trabalhos analisados, todas essas possibilidades revelam resultados positivos em diversos fatores relacionados à aprendizagem de conhecimentos científicos e ao desenvolvimento de habilidades como comunicação, trabalho em equipe, motivação e autoconfiança.
Em síntese, os resultados apontam que a metodologia de aprender ensinando tem sido adotada em diferentes contextos escolares, consolidando-se como uma estratégia de ensino na promoção de aprendizagens sólidas e duradouras tanto para aqueles que ensinam quanto para os aprendizes. Assim, essa metodologia apresenta um grande potencial de tornar o estudante o ator central do processo de ensinar e aprender.