Introdução1
A problemática desta pesquisa pode ser configurada em três perguntas que se interconectam: É possível realizar uma inovação na Educação que não se limite à criação de novos produtos como um mero exercício tecnicista? Podem elementos do Design contribuir para o Ensino de Geografia? A inovação no campo educacional pode ser sustentável, não se render à lógica capitalista e se manter social e pedagogicamente responsável?
Desenvolvemos este artigo sustentando que as respostas para tais perguntas são afirmativas. Para isso, apresentamos projetos que temos desenvolvido desde 2018 na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. O objetivo é detalhar todos os procedimentos envolvidos em tal processo, não apenas com uma proposta descritiva, mas também prescritiva, a fim de estimular futuras produções sob uma perspectiva similar.
Neste artigo trazemos, com abordagem qualitativa, um relato de experiência do desenvolvimento de projetos que articulam métodos do Design Gráfico e do Web Design com os princípios da Educação Aberta para fins de uma inovação educacional que visa a criação, produção e disponibilização de recursos e materiais didáticos voltados para o Ensino de Geografia, defendendo que tal combinação de metodologias e princípios consiste em uma perspectiva de inovação promissora e estratégica na promoção de uma Educação de qualidade e acessível.
A ideia de construção desses projetos surgiu a partir da vivência enquanto discente da disciplina de Metodologia do Ensino de Geografia II, ministrada pela Profa. Dra. Núria Hanglei Cacete no curso de Graduação em Geografia da Universidade de São Paulo. A disciplina é oferecida por essa docente desde 2004, e tem como proposta principal o desenvolvimento de um Estudo do Meio em algumas cidades históricas localizadas no Vale do Rio Paraíba do Sul Paulista, a saber: Areias, Silveiras, São José do Barreiro e Bananal. Ao longo de todos esses anos, a proposta tem se mostrado bastante significativa e relevante quanto às formas de abordagens de conteúdos na formação inicial de professores/as de Geografia, evidenciando o seu potencial para a construção coletiva de conhecimentos tanto no Ensino Superior quanto na Educação Básica.
Em todos os anos em que foi possível realizar o referido Estudo do Meio, os/as discentes realizaram trabalhos que eram, além de embasados e críticos, muito criativos. A partir disso, surgiu a ideia de criação de um projeto para divulgar o conhecimento, os recursos e materiais didáticos construídos pelos/as estudantes. Inicialmente, tínhamos como pretensão apenas a divulgação desses trabalhos. Conforme o projeto foi sendo desenvolvido, foram surgindo novas ideias e propostas. Foi assim que observamos o quanto dialogar com a área de Design Gráfico tem sido importante para a concretização da nossa intencionalidade, pois se trata de uma área que possui elementos cruciais para a comunicação e a educação, uma vez que visa a harmonizar as linguagens escrita e visual, aumentando o apelo estético dos conteúdos, sua eficiência comunicativa e tornando-os mais acessíveis tanto para um público mais amplo quanto a atender a pessoas com deficiência (PCD). Isso potencializa o processo comunicativo de construção e divulgação do conhecimento, evidenciando o papel social do Design Gráfico, conforme indicado por Braga (2011).
A seguir, apresentamos o contexto de desenvolvimento, o histórico dos projetos em andamento, os processos metodológicos e técnicos com referenciais teóricos que apontam para a importância do Design Gráfico e do Web Design na divulgação do conhecimento e, por fim, os processos ocorridos na execução dos projetos, os resultados obtidos, as discussões e considerações finais geradas a partir dessa experiência de inovação no Ensino de Geografia, que pode ser ampliada para a área de Educação em geral.
Contexto de desenvolvimento e histórico dos projetos
O Estudo do Meio é uma metodologia de ensino interdisciplinar que busca desenvolver o que chamamos de raciocínio geográfico, ou seja, um olhar sobre os fenômenos físico-naturais e sociais de forma integrada, com o objetivo de proporcionar, por diálogos e discussões, uma compreensão da realidade em sua complexidade e multidimensionalidade (LOPES; PONTUSCHKA, 2009). Ações como esta são muito importantes para a formação inicial de professores/as de Geografia, pois superam a lógica conteudista do ensino desta disciplina. Sendo os/as docentes dessa área do conhecimento leitores/as do mundo, uma formação sob esta abordagem estimula o desenvolvimento de propostas que possibilitam aos/às discentes tornarem-se também leitores/as do mundo, conforme apontado por Girotto (2015).
É importante destacar que o Estudo do Meio não pode ser confundido com a realização de um trabalho de campo estritamente, pois é um método de ensino composto por três etapas: 1) pré-campo, 2) campo propriamente dito e 3) pós-campo. Assim, para aplicá-lo, é necessária uma preparação prévia que requer tempo, organização e planejamento. Passar por todas essas etapas é crucial para o processo de construção do raciocínio geográfico.
O pré-campo refere-se a uma preparação para a realização do trabalho de campo; o campo consiste no contato direto com a área de estudo escolhida; e o pós-campo tem como objetivo organizar o que foi observado na investigação in loco, confrontando-a com os dados coletados na primeira etapa. Após a realização do campo, os/as estudantes devem ser estimulados/as para que haja uma maturação das ideias e a construção de novos conhecimentos em relação ao objeto de estudo, visando uma melhor compreensão da complexidade e totalidade do espaço geográfico (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009). Pontuschka (2004, p. 260) destaca que temos de ter em mente que “o espaço e o tempo não se separam, pois as observações sensíveis permitem uma aproximação concreta com problemas estudados pela história e pela geografia, com questões propostas por alunos e professores. O meio é uma geografia viva”.
A escolha do Vale do Rio Paraíba em sua porção paulista como área de investigação não é por acaso. Essa localidade mostra-se bastante importante para a formação cidadã de todas as pessoas brasileiras, ou que moram no Brasil, por ser uma região que se desenvolveu economicamente a partir da exploração da mão de obra de pessoas negras que foram escravizadas durante um longo período do século XIX. Podemos destacar que esse processo de expansão econômica foi tão intenso que Bananal chegou a ser conhecida como a cidade mais rica do país, situação em que possuía até mesmo moeda própria (FARIA, 1995).
Com a decadência da economia cafeeira, a região passou por um processo de falência estrutural, houve um declínio demográfico e passou a ser conhecida como “Cidades Mortas” - denominação dada por Monteiro Lobato ([1919] 2012) em conto homônimo motivado por sua vivência no município de Areias como promotor no início do século XX. A fim de mudar esse status e depreciação, houve um movimento que passou a cunhá-las como “Cidades Históricas”. Esta denominação é utilizada como um slogan até os dias atuais a fim de alavancar a economia turística na região. Assim, a arquitetura colonial da cidade é mantida a duras custas, visto que investimentos públicos na preservação do patrimônio histórico e cultural são escassos. Isso faz com que a cultura material e imaterial sejam mantidas, principalmente, por intencionalidades e ações individuais privadas que, em geral, visam o lucro resultante da perpetuação e manutenção da história dos vencedores e do apagamento, silenciamento e invisibilidade da história de lutas e resistências dos povos indígenas e negros que viveram na região. Exemplos de elementos visuais de uma investigação sobre a arquitetura da colonial presente no Vale do Paraíba podem ser conferidos em Marquese (2010), onde o autor analisa o caso de uma das mais famosas fazendas da região: a Fazenda Resgate.
Notamos na visita de campo a essas cidades que a região preserva não só o cenário como também a mentalidade colonial. Impressiona e incomoda observar como esse passado reverbera até hoje, perpetuando o racismo estrutural em ações e discursos realizados pela maioria dos/as mediadores/as dos locais visitados. Assim, são urgentes propostas e ações que visem a propagação de pedagogias decoloniais com o objetivo de trazer outras narrativas sobre a região, promovendo um discurso intercultural crítico (OLIVEIRA; CANDAU, 2010; OLIVEIRA, 2016; WALSH, 2012a). Essa questão é apontada no Plano de Desenvolvimento Turístico Municipal de Bananal desenvolvido por Gagliardi et al. (2017), em que os/as autores/as fizeram um estudo detalhado sobre as ações turísticas difundidas na cidade de Bananal e apontam a necessidade de uma mudança de postura para a efetivação de um turismo pedagógico.
Precisamos reconhecer e evidenciar que estamos mergulhados em uma mentalidade colonial devido ao processo de colonização que negou e dizimou inúmeras vidas, identidades e saberes dos povos originários e diaspóricos. A colonização gerou mortes físicas e simbólicas, genocídios e epistemicídios ao longo da história do Brasil e de outros países que são fruto do mesmo processo. Dessa forma, se faz necessária a descolonização do ser, do poder e do saber (LANDER, 2005) para que, enfim, seja possível reescrever nossa história trazendo outras narrativas (MACHADO, 2018; RIBEIRO, 2017), a fim de criarmos epistemologias do Sul (SANTOS; MENEZES, 2010) e termos melhores perspectivas de um futuro mais democrático com o respeito à história e memória dos povos que foram e continuam a ser marginalizados. Propostas que possuem essas intencionalidades possibilitam o enfrentamento de ações neoliberais e propiciam a descolonização e a decolonialidade do conhecimento (CASTRO-GOMEZ; GROSFOGUEL, 2007; MALDONADO-TORRES, 2011; WALSH, 2005; WALSH, 2012b).
A experiência de realização de Estudos do Meio no Vale do Rio Paraíba do Sul Paulista tem se mostrado de grande valia tanto para os/as discentes quanto para a docente formadora que realiza essa proposta. O contato direto com a realidade apresentada na região é precedido de uma pesquisa histórica e um recorte de investigação, a partir dos quais são elaborados e construídos argumentos e olhares críticos sobre os contextos observados in loco pois, segundo Santos (2017), o contato com a materialidade da paisagem evidencia as rugosidades presentes no espaço e revela processos sociais tanto do passado quanto do presente de uma dada região. Esses procedimentos metodológicos, somados ao estímulo do protagonismo estudantil, materializam-se na produção dos trabalhos finais, que têm como proposta a criação de recursos e materiais didáticos para o Ensino de Geografia direcionados à Educação Básica. Os trabalhos dos/as discentes têm se mostrado bastante criativos, trazendo discussões importantíssimas sobre a realidade não só da área em questão, mas do país como um todo, por se tratar de uma das regiões-síntese da formação socioespacial brasileira.
Dessa forma, desde 2016 tem sido recorrente o desejo-manifesto de estudantes pela criação de algum meio com a proposta de compartilhamento organizado e sistemático de seus trabalhos, bem como de questões voltadas ao Ensino de Geografia em geral, a fim de que as discussões não terminem com a conclusão da disciplina. Visto que grande parte dos/as discentes atuam como profissionais da educação, consideramos que seria um grande desperdício não reconhecer e valorizar o potencial pedagógico do material produzido por eles/as.
Sendo assim, em 2016, por iniciativa de alguns e algumas estudantes, foi criado um grupo aberto na rede social Facebook chamado “Metodologia do Ensino de Geografia”2. Em 2017, outros/as discentes propuseram a criação de um projeto de cultura e extensão, via edital do Programa Unificado de Bolsas da Universidade de São Paulo (PUB-USP), financiado pela Pró-Reitoria de Graduação da instituição. Intitulado “Potencial Pedagógico da Metodologia Estudo do Meio: Editoração, Design Instrucional e Registro Audiovisual”, o projeto foi contemplado com uma bolsa no edital de 2018/2019. A fim de agregar conhecimentos diferentes daqueles dos/as participantes voluntários/as do projeto (nas áreas de Geografia, Biologia, Física, Pedagogia e Audiovisual), optamos deliberadamente por selecionar um estudante do curso de Design da Faculdade de Arquitetura (FAU-USP). Isso possibilitou vários aprendizados, trocas e insights potencializadores para a continuidade da proposta e sua ampliação nos editais seguintes.
No projeto inicial, durante o segundo semestre de 2018, o objetivo foi documentar todas as etapas do Estudo do Meio, com a intenção de produzir recursos e materiais didáticos visando a divulgação para além da academia. Esse trabalho envolveu 60 licenciandos/as. Além da documentação e respectiva organização sistemática do material coletado, o projeto tinha como objetivo a criação, produção, publicação e divulgação dos recursos e materiais produzidos tanto pelos/as estudantes que cursaram a disciplina quanto pelo bolsista que participou do projeto. Esses produtos seriam compilados na forma de um e-book composto por tais trabalhos e textos produzidos pelos/as licenciandos/as (foi feita uma chamada para publicação de artigos), catálogos de fotografias e um documentário com o material filmado durante o acompanhamento de todas as etapas do Estudo do Meio.
No entanto, como o projeto foi contemplado com apenas um bolsista e houve uma grande quantidade de materiais reunidos nesta documentação, não foi possível cumprir todas as etapas previstas e surgiram novas demandas. Assim, submetemos o projeto em curso no edital 2019/2020 e criamos, adicionalmente, o projeto “Metodologia do Ensino de Geografia: Web Design”, por considerarmos importante a criação de um website em que pudéssemos disponibilizar sistemática e estruturadamente todos os materiais, recursos e referências bibliográficas utilizadas nas disciplinas de Metodologia de Ensino de Geografia I e II ministradas pela referida professora. Ambos os projetos foram contemplados com duas bolsas; constituiu-se, então, uma equipe composta por dois bolsistas oriundos do curso de Design, um bolsista do curso de Artes Visuais e uma bolsista do curso de Geografia. Já no edital 2020/2021, participaram dos projetos dois bolsistas do Audiovisual, dois das Artes Cênicas e uma da História.
Dos procedimentos metodológicos e técnicos adotados
Esta pesquisa foi pautada na abordagem metodológica qualitativa, uma vez que se dedica a apresentar e analisar uma proposta ocorrida em uma situação do mundo real de relações sujeito-sujeito, refletindo sobre as nossas ações e negociações ocorridas durante a realização dos projetos relatados, em um processo de dupla hermenêutica (GIDDENS, 1978) e observação participante (ALONSO, 2016).
Como procedimentos metodológicos, foram utilizados elementos do Design Gráfico e o Double Dimond.
Quanto ao Design Gráfico, como afirmam Lencastre e Chaves (2007), a utilização dos elementos básicos da linguagem visual como meios para o conhecimento e compreensão da realidade é um método útil para a obtenção de uma maior eficácia visual e comunicacional. Por isso, do ponto de vista metodológico, o projeto baseia-se fundamentalmente em elementos do Design Gráfico. Indo além dos objetos meramente gráficos, compreende-se aqui o Design Gráfico como uma atividade de caráter mediador que garante forma material a conceitos intelectuais (CARDOSO, 2008; FONTOURA, 2002) e considera que os conhecimentos oriundos do Design Gráfico são estratégicos para o processo de ampliação da experiência visual e da configuração de recursos educacionais visuais e verbais mediadores de conhecimento (BRAGA, 2011).
A principal metodologia utilizada para a criação e produção dos elementos gráficos foi a Double Diamond (DESIGN COUNCIL, s.d.), um método bastante popular na prática de Design que consiste, resumidamente, em dois momentos: pesquisa (descoberta e definição do problema) e projeto (desenvolvimento e entrega do produto). Em ambas as etapas é gerada uma amplitude de conhecimentos em um movimento de abertura e, a partir do refinamento (também conhecido como movimento de fechamento no Design), se chega a uma definição mais clara do problema, bem como a um resultado mais adequado para o que é esperado no projeto ou produto final a ser desenvolvido.
Assim, a pesquisa dos bolsistas consistiu, primeiramente, em uma fase de familiarização com a proposta, com os conceitos relacionados à Geografia e ao Estudo do Meio; levantamento de dados sobre a área de estudo (aspectos históricos, culturais e linguísticos); levantamento de recursos gráficos que poderiam ser utilizados e, por fim, conhecimento do público-alvo ao qual a proposta seria direcionada, a saber: professores/as e estudantes da Educação Básica e do Ensino Superior da área de Geografia e demais interessados/as na área de Educação. Já em relação ao projeto, o trabalho abarcou momentos de decisões preliminares, definição de conceitos, geração e discussão de alternativas com toda a equipe, construção gráfica, refinamento, fechamento dos arquivos, exportação, publicação e divulgação.
Para a coleta de materiais, tivemos uma equipe composta por três pessoas que acompanharam presencialmente todas as etapas do Estudo do Meio realizado no segundo semestre de 2018. Além disso, entramos em contato com estudantes egressos/as via e-mail e redes sociais, a fim de adquirirmos as autorizações de publicação e divulgação dos trabalhos que fizeram, bem como convidá-los/as para elaboração de artigos acadêmicos a fim de compor o livro que tínhamos o intuito de produzir.
Os equipamentos utilizados em campo foram: câmeras fotográficas DSLR (Digital Single Lens Reflex), tripés, microfones de lapela, microfone boom e gravador de áudio.
Posteriormente ao acompanhamento do Estudo do Meio, trabalhamos com recursos gratuitos do Google, utilizando ferramentas presentes no Google Drive, como Documentos, Planilhas, Formulários e My Maps, para organização de todos os materiais, produção de textos colaborativos, acompanhamento do trabalho dos bolsistas, construção de mapas interativos etc. Já para a produção dos elementos e produtos gráficos, os bolsistas trabalharam com softwares da Adobe Acrobat, como Photoshop, InDesign e Illustrator.
Em relação ao site, como esta mídia é estruturada em uma dimensão estética e outra funcional, há de se destacar que a estética emprega conhecimentos da área de Design Gráfico e a funcional está voltada aos conhecimentos em Web Design (HTML, CSS e WordPress)3.
No âmbito das infraestruturas, o desenvolvimento do website contou com o apoio da Incubadora de Sites da USP, um projeto resultante “de uma parceria entre a Divisão de Mídias Online (SCS - Superintendência de Comunicação Social) e a Superintendência de Tecnologia da Informação”, que fornece “ferramentas de auto-gestão para criação e manutenção de sites” de forma gratuita para toda e qualquer unidade da USP4.
A hospedagem dos documentos e imagens no site utilizou conhecimentos em arquivologia para orientar a inserção dos respectivos metadados e de referenciais relacionados a ferramentas de acessibilidade/inclusão voltadas à PCDs visuais, como Fiorini e Manzini (2009), Santarosa (2010), Tobias e Fonseca (2018) e Cassiano (2020) apontam.
Segundo os dados do último Censo Demográfico (IBGE, 2010), aproximadamente 24% da população brasileira possui algum tipo de deficiência, sendo que a maioria delas (78%) possui algum tipo de deficiência visual. É por isso que escolhemos, neste primeiro momento de desenvolvimento dos projetos, a aplicação de ferramentas que possibilitem a esses/as usuários/as o acesso aos conteúdos que estamos desenvolvendo e divulgando.
Assim, para além de seguir as metodologias do Design Gráfico e do Web Design propriamente ditos, a concepção e produção dos e-books e do site também foram situadas no contexto da produção das Tecnologias Assistivas ou Tecnologias Digitais Acessíveis (HOGETOP; SANTAROSA, 2002; SANTAROSA et al., 2010)5, uma vez que o conteúdo textual foi diagramado nos e-books e todos os arquivos de texto do site com o recurso de Reconhecimento Óptico de Caracteres (mais conhecido pela sigla, em inglês, OCR - Optical Character Recognition).
Arquivos com OCR são importantes por ser uma condição técnica mínima necessária para garantir que um texto (interno a um documento) seja recuperado em motores de buscas como o Google e possa ser lido por softwares leitores de tela em voz alta, possibilitando que PCDs visuais tenham acesso ao conteúdo desses arquivos. Já as imagens contidas nos e-books e no site possuirão descrições textuais implementadas por meio de um recurso tecnológico denominado “texto alternativo”, que consiste na disponibilização de uma legenda oculta para pessoas videntes, mas recuperável pelos softwares leitores de tela para garantir às PCDs visuais algum nível de acesso ao conteúdo das imagens.
Visando a ampliação de acesso e de uso dos materiais disponibilizados, aliamos à metodologia os princípios da Educação Aberta, que tem como objetivo “buscar alternativas sustentáveis para algumas das barreiras evidentes no que tange ao direito de uma educação de qualidade” (AMIEL, 2012, p. 18), e tem como intencionalidade promover “uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade para todos, com ênfase em práticas e recursos abertos, software e tecnologias livres e direitos digitais”6 . Assim, propusemo-nos a disponibilizar o máximo de materiais na plataforma digital criada no formato de Recursos Educacionais Abertos (REA ou OER, em inglês - Open Educational Resources). Esse termo foi utilizado pela primeira vez no Forum on the Impact of Open CourseWare for Higher Education in Developing Countries [Fórum sobre o Impacto de Recursos Abertos na Educação Superior em Países em Desenvolvimento], realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2002. A Unesco e a Commonwealth of Learning (COL) (UNESCO; COL, 2011, p. v), utilizam a definição de REA construída por Atkins, Brown e Hammond (2007): “materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer meio disponível no domínio público, que foram disponibilizados com licenças abertas, permitindo acesso, uso, redestinação, reutilização e redistribuição por terceiros, com poucas ou sem nenhuma restrição”. Ainda, em outro documento, a Unesco e a COL (2015, p. 34) mencionam que “[...] o elemento chave que distingue um REA de qualquer outro recurso educacional é a sua licença. Portanto, um REA é simplesmente um recurso educacional com uma licença que facilita o seu reuso - e, possivelmente, adaptação - sem necessidade de solicitar a permissão do detentor dos direitos autorais”.
A licença aberta pela qual optamos foi do tipo Creative Commons, que possui seis variações7 . Tivemos o cuidado de analisar todas elas para podermos escolher qual seria a mais viável e interessante para a nossa proposta. Após definirmos o tipo da licença, solicitamos autorização de todos/as estudantes para a disponibilização e publicação dos trabalhos sob a licença do tipo CC BY-NC-SA (Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International), a qual dá permissão para remixar, adaptar e criar a partir dos materiais didáticos disponibilizados, desde que seja sem fins comerciais e que os créditos sejam atribuídos aos/às autores/as e os novos produtos sejam licenciados sob os mesmos termos8, o que dialoga com os princípios da Educação Aberta.
Sobre a execução dos projetos, resultados e discussões
Projeto Potencial Pedagógico da Metodologia Estudo do Meio: Editoração, Design Instrucional e Registro Audiovisual
O primeiro ano de execução deste projeto foi destinado à coleta e organização dos materiais e recursos obtidos. No segundo e terceiro anos, os bolsistas ficaram responsáveis pelos trabalhos de classificação e catalogação dos arquivos audiovisuais (áudios, fotografias e vídeos), tratamento de imagens para fins de divulgação (vetorização, aplicação de filtros, edição e montagem), produção de peças gráficas, como cartazes, e pelo projeto gráfico e diagramação do e-book.
O e-book foi o principal produto deste projeto e utilizamos a metodologia Double Diamond para seu planejamento e execução. A partir de reuniões de briefing9, discutimos com a equipe propostas de identidade visual e como poderíamos organizar o livro digital, visto que a intenção era reunir artigos acadêmicos na primeira parte e, na segunda, como anexos, colocar os trabalhos finais dos/as discentes na íntegra. Esse foi um grande desafio, pois os trabalhos são muito diversificados e estão em diversos tamanhos e formatos de arquivos. Avaliamos várias possibilidades de organização do e-book. Houve até mesmo uma proposta de refazermos todos os trabalhos dos/as estudantes de forma a seguir uma única identidade visual, a ser criada - proposta que foi logo descartada, porque conflitava com a nossa intenção de divulgar os trabalhos na íntegra e em suas originalidades e criatividades. Considerando que o objetivo é incentivar professores/as da Educação Básica a aplicarem essa proposta com seus alunos/as, esses sujeitos poderiam ser inibidos de tal realização caso o “modelo” disponibilizado tivesse uma identidade única e estética profissional. Ademais, isso anularia a diversidade e a identidade que cada grupo estabeleceu em seu trabalho. Felizmente, o livro no formato digital pode adequar-se às dimensões originais de cada trabalho, utilizando uma diversidade de formatos e tamanhos de página, o que se mostrou como a solução para o nosso dilema.
Após muitas discussões, chegamos ao consenso de que seria melhor transformar a ideia inicial em dois e-books. Assim, surgiu a proposta da coleção “O Potencial Pedagógico do Estudo do Meio no Vale do Paraíba”, em dois volumes, sendo que o primeiro foi constituído apenas com os artigos enviados por estudantes egressos/as acerca da experiência de participação no Estudo do Meio e no segundo foram reunidos os trabalhos que os/as discentes elaboraram durante a realização da disciplina.
Outra questão bastante discutida foi o critério utilizado para a organização da sequência de trabalhos a serem apresentados no volume 2: se seria pelo formato do arquivo (visto que estão em .PDF, .PPT, .DOC, .JPG e .MP4) ou de acordo com a temática. Considerando o Design centrado no/a usuário/a, a sugestão dos bolsistas foi a última, visto que um e-book se torna mais funcional para os/as leitores/as quando estruturado desta forma - algo que não estava tão óbvio naquele momento para o restante da equipe, que não possui conhecimentos na área de Design. Assim, o volume 2 foi organizado em quatro categorias: Cotidiano e Memória; Economia e Turismo; Paisagem; Patrimônio e a subcategoria Fotografia, tendo em vista a relevância do papel da fotografia no mundo imagético hodierno e o engajamento de alguns estudantes, cujos registros fotográficos realizados durante o trabalho de campo se destacaram em relação a qualidade e sensibilidade. Essa categorização foi utilizada também para a organização de submenus no website.
A quantidade de trabalhos em cada categoria é: Cotidiano e Memória - 10; Economia e Turismo - 4; Paisagem - 3; Patrimônio - 3; Fotografia - 5. É importante mencionar que grande parte dos trabalhos contribuem para a construção de práticas decoloniais na Educação. Além disso, destacamos que a categoria Cotidiano e Memória foi a que apresentou a maior quantidade de trabalhos, sendo a maioria deles relacionada à crítica ao racismo estrutural presente na região.
O projeto gráfico e a identidade visual dos e-books tiveram como ponto de partida as fotografias de Marc Ferrez feitas no Vale do Paraíba no século XIX10 . Estas possuem um tom sépia-avermelhado (Figura 1) que serviu como inspiração para a paleta de cores: alaranjado e amarelo.
O bolsista responsável pelo projeto gráfico dos e-books selecionou as fotografias do acervo do projeto, que possui em torno de 3.000 (três mil) imagens adquiridas nos trabalhos de campo realizados no Vale do Rio Paraíba do Sul Paulista de 2016 a 2018, para compor as separações dos capítulos com a intenção de estabelecer um diálogo com os conteúdos presentes nos artigos. Ao olhar o volume 1 do e-book, é possível notar que a abertura e o fechamento de cada capítulo apresentam uma fotografia tratada no Photoshop em harmonia com a identidade visual criada. Nessas divisórias, ganha destaque um círculo na região central, em que as fotografias estão rotacionadas (invertidas verticalmente) com o intuito de, por meio de uma licença poética, fazer alusão à distorção de alguns conceitos e ideais que perduram nas cidades em questão (Figura 2).
Devido à situação decorrente da pandemia de Covid-19 na qual nos encontramos desde março de 2020, tivemos alguns contratempos e conseguimos, até o momento, finalizar e publicar apenas o volume 1 (CACETE; DURÃES, 2020). O volume 2 está em andamento. Ambos os e-books serão publicados no Portal de Livros Abertos da USP12, bem como no site e nas redes sociais do projeto.
Projeto Metodologia do Ensino de Geografia: Web Design
Com o intuito de democratizar o acesso aos materiais e recursos didáticos que estamos reunindo e produzindo, foi desenvolvido um repositório digital de conteúdos dedicados à temática Ensino de Geografia na forma de um website que denominamos PlanEnGeo (Plataforma Ensino de Geografia)13 . Essa plataforma será alimentada continuamente de forma colaborativa, sob os princípios da Educação Aberta. Portanto, levará em consideração propostas e produtos trazidos e elaborados tanto por discentes quanto por docentes, nos formatos de textos, vídeos, fotografias etc. Além disso, temos como intenção a criação de uma base de dados georreferenciada. Somaremos esforços para disponibilização do máximo de produtos e recursos sob licença Creative Commons. Buscamos, assim, criar um repositório tanto bibliográfico, relevante para a área de conhecimento em questão, quanto de produções autorais de licenciandos/as em Geografia, bem como de professores/as e estudantes da Educação Básica, em um exercício de ampliação do diálogo da Universidade com a sociedade.
Sendo um dos bolsistas do edital 2019/2020 estudante de Artes Visuais, este ficou responsável pelas partes criativa, técnica e operacional do site, ou seja, pela criação, produção e manutenção do mesmo. Suas principais atividades estiveram ligadas à criação de uma identidade visual para o projeto e a criação de uma logomarca para ser utilizada em futuros materiais de divulgação.
O processo de criação da identidade visual baseou-se também no método Double Diamond, com uma fase inicial de conceituação ampla, na qual foram elencados alguns temas que poderiam ser traduzidos visualmente de forma simples para compor a logomarca. Essa fase inicial gerou algumas alternativas (Figura 3), das quais uma pequena quantidade foi escolhida. O processo se repetiu, resultando em uma segunda rodada de opções. Após discussões e apontamentos, foi escolhida coletivamente uma das propostas que, após refinamento/finalização, resultou na versão final da logomarca em duas versões: uma clara e outra escura (Figura 4).
Uma característica marcante presente na paisagem do Vale do Rio Paraíba é o domínio morfoclimático Mares de Morros (AB'SÁBER, 1967), o que caracteriza uma paisagem emblemática e gera uma carta topográfica da região com várias curvas de nível. Essa característica fez com que o bolsista tivesse a ideia de utilizar uma pequena área da carta, especificamente de Bananal (por ser o principal município da região), como elemento gráfico mais relevante da logomarca, como pode ser observado na Figura 4. Essa logomarca está sendo utilizada no site e nas redes sociais da plataforma. Nas imagens de capa do Facebook e do YouTube é possível observar também que foi feita uma versão estendida do grafismo das curvas de nível sobreposta a uma fotografia em que é possível ver os Mares de Morros observados em uma vista da paisagem a partir de um ponto da Rodovia dos Tropeiros (SP-068) situado na cidade de Areias (Figuras 5 to 6).
O desenvolvimento do site também envolveu uma fase inicial de geração de alternativas a partir do briefing e discussões baseadas em referências bibliográficas e produções audiovisuais sobre a região para pensarmos numa possível linguagem estética e organização visual. Discutimos possíveis formas de estrutura e organização do site como um todo, isto é, a arquitetura de informação (GUERRA; TERCE, 2019), bem como os critérios de escolha de informações e conteúdos importantes a serem exibidos. Foram usadas também várias referências estilísticas de outros websites14 .
A primeira proposta explorava possíveis formas de distribuição espacial de conteúdo em galeria e navegação por menu horizontal, além de um modelo de página exibindo um material individual, no caso, um vídeo, e paleta de cores em tons pastéis. Também foi proposto o uso de obras artísticas de Tom Maia15 como plano de fundo (Figura 7). A segunda proposta foi construída ao redor do uso de um mapa interativo da região, com paleta de cores marrom, vermelha e amarela, em alusão ao café (Figura 8). Já a terceira apresentou uma experimentação com um menu vertical, posicionado à esquerda e ilustrava a ideia de usar fotografias de Marc Ferrez como plano de fundo e paleta de cores preta, cinza e branca (Figura 9).
Foram apontados elementos positivos e negativos de todas as propostas, e a terceira foi definida como a mais interessante esteticamente, com a indicação de incorporar alguns elementos das demais. Após os ajustes e descarte de elementos indesejados, foi realizada a estruturação e o desenvolvimento do site tal como atualmente se encontra ativo e on-line (Figura 10).
As fontes tipográficas escolhidas para serem usadas no site nos textos e subtítulos foram Raleway16, dada sua legibilidade e versatilidade, e para os títulos, uma variação da fonte Phase17, uma fonte com componentes modulares customizáveis que foi também usada no projeto gráfico dos e-books.
Foi elaborada uma hierarquia de informações para organizar as páginas e subpáginas no site que apresenta todos os tópicos de conteúdos a serem exibidos quando se posiciona o cursor do mouse sobre cada aba do menu.
As cinco categorias que direcionaram a organização do volume 2 do e-book (mencionadas na seção anterior deste artigo) serviram para uma melhor estruturação, exibição dos materiais e navegação pelo site. Para cada uma delas foi adotada uma cor, que é exibida em diversos contextos e, além de exercer uma função estética, destaca o teor do material que está sendo acessado, pesquisado ou pré-visualizado. Essas categorias se encontram como submenus do menu “Vale do Paraíba” (Figura 11), bem como dentro do submenu “Trabalhos dos/as estudantes”, alocado no menu “Disciplinas: Metodologia I e II”. Dentro de cada uma delas, estão todos os trabalhos referentes a cada temática (Figura 12).
As bolsistas das áreas de Geografia (2019/2020) e História (2021/2021) ficaram responsáveis pela organização sistemática das referências bibliográficas (obrigatórias e complementares) das disciplinas ministradas pela professora, devidamente formatadas segundo das normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT); pela produção e revisão de alguns textos que entraram no site e pela formatação dos arquivos de texto para torná-los passíveis de intervenção utilizando a tecnologia OCR pois, além de possibilitar e agilizar operações de recuperação de informações/conteúdos em motores de busca digital como o Google, conforme mencionado na seção de metodologia, esse instrumento permite ao/à leitor/a encontrar alguma informação/palavra/expressão contida no texto pelo comando localizar (Ctrl+F), ou simplesmente copiar trechos dos textos com o objetivo de fazer citações. Além disso, participaram do apoio e da discussão sobre a curadoria do acervo de fotografias do projeto e da criação de legendas acessíveis para PCDs visuais para as imagens presentes nos e-books e no site18.
Alinhando os conhecimentos de Design Gráfico e Web Design a um compromisso social, político e ético, essas legendas foram desenvolvidas sob o tipo “#ParaTodesVerem”, cuja finalidade é descrever com detalhes as fotografias que estão no site e nos e-books, permitindo o acesso ao conteúdo visual das imagens por meio de uma transposição/tradução para a linguagem escrita e possibilitando, assim, acessibilidade para PCDs visuais, por exemplo. Para a construção das legendas, foram utilizados como referência Fiorini e Manzini (2009), Santarosa (2010), Tobias e Fonseca (2018) e Cassiano (2020), com o objetivo de que as descrições das imagens não fossem construídas sem um respaldo teórico, de forma intuitiva e aleatória. O referencial teórico auxiliou na construção de legendas objetivas, lógicas e detalhadas a fim de alcançar a intencionalidade da inclusão do público a que se destinam.
Além disso, desde o princípio tínhamos em mente que deveríamos criar legendas que fizessem uso da linguagem neutra ou flexões neutras de gênero, evitando, portanto, utilizar artigos e pronomes “o” ou “a”. Vale destacar que inicialmente pretendíamos utilizar a expressão “#ParaTodxsVerem” ou “#ParaTod@sVerem”. Porém, ao estudarmos o referencial teórico, observamos que a letra “x” ou o “@” no lugar de uma vogal ocasiona um problema técnico para os softwares dotados de inteligência artificial que fazem leitura de texto em voz alta, uma vez que os algoritmos de tais programas não conseguem identificar as palavras quando estruturadas dessa maneira, pois “x” e “@” não são pronunciáveis - sendo, portanto, recursos linguísticos restritos à escrita. Ademais, uma palavra escrita dessa forma pode causar dificuldades de leitura para pessoas com dislexia. Ou seja, utilizar “x” ou “@” resolve a questão na linguagem escrita, mas não na oral, na escuta auditiva e na identificação visual; assim, acaba sendo uma atitude capacitista, conforme apontado por Cassiano (2020). Dessa maneira, foi possível concluir que a letra “e” é a mais recomendada para utilização como marcador neutro de gênero.
Dessa forma, essas legendas possibilitarão uma apreciação da estética do Design Gráfico presente nos conteúdos hospedados no site e nos e-books, permitindo que as PCDs visuais possam se aproximar do tipo de experiência que estamos propondo com a produção e divulgação dos materiais apresentados.
Para finalizar, pensando na situação de distanciamento físico obrigatório causado pela pandemia de Covid-19, a construção do site foi importante para a formação inicial de professores/as que cursaram a disciplina no segundo semestre de 2020 e 2021. Sem a possibilidade de realização do referido Estudo do Meio neste contexto, nossa única alternativa foi apresentar o site, fazendo um tour virtual para que os/as discentes pudessem ter conhecimento de como tem sido importante e significativa a realização dessa proposta, visto que, além de textos, fotografias e propostas didáticas sobre o assunto, há vários vídeos/documentários produzidos pelos/as estudantes egressos/as, trazendo uma diversidade de materiais que possibilitam conhecer a região sob diversos olhares e perspectivas.
Não se propõe aqui uma defesa de que a experiência virtual possa substituir a experiência in loco. Sabemos que nada substitui a possibilidade de uso e apropriação dos lugares pela presença física, com a realização de caminhadas, observação participante, conversas com moradores locais etc. Temos que ter em mente que o mundo virtual não substitui as experiências concretas (materiais e imateriais) de criação, produção e percepção do espaço. Mas, diante da situação excepcional em que nos encontramos, a experiência virtual foi uma alternativa interessante para que os/as discentes tivessem acesso aos conteúdos referentes a esse Estudo do Meio e refletissem sobre a importância de sua realização. Assim, podemos dizer que a experiência virtual proporcionada pelo site e pelos e-books pode fazer com que pessoas se interessem em conhecer o Vale do Paraíba (quando for possível), e que é um meio de acesso a esses conhecimentos por pessoas que residem longe ou não têm a possibilidade de visitar a região. Consideramos que isso demonstra e evidencia o potencial pedagógico e social da efetivação desses projetos para a inovação de propostas voltadas à Educação.
Considerações finais
Reconhecemos que, quando se trata de inovação na produção de recursos educacionais, as mídias digitais constituem uma alternativa viável, potente e sustentável, pois podem ser on-line, gratuitas, abertas, acessíveis e inclusivas.
Assim, acreditamos que compartilhar detalhadamente a forma como foram empregados conhecimentos e métodos do Design Gráfico (para a construção dos e-books) e do Web Design (para a construção do site), a partir de uma abordagem dos REA licenciados sob Creative Commons, é uma forma de contribuir efetivamente com a inovação na Educação ao difundirmos esse conhecimento pragmaticamente desenvolvido por meio deste relato sobre uma implementação de inovação no Ensino de Geografia.
Dessa maneira, respondendo às três perguntas interconectadas que configuraram a problemática da pesquisa, concluímos que, mais do que apenas apresentar os produtos resultantes dos projetos relatados, é importante apontá-los como um processo de inovação orientado, principalmente, para o desenvolvimento de uma inovação social no âmbito educacional. Afinal, referimo-nos a objetos de aprendizagem resultantes de uma produção engajada com a integração das dimensões técnica (por se tratar de produtos digitais), social (por serem gratuitos e dotados de tecnologia assistiva), pedagógica (por ser livre de direitos autorais e, com isso, permitir a prática de uma Educação Aberta) e decolonial (por trazer materiais sob esta lente teórica). Assim, além de apresentar este caso em termos descritivos, trazemos essa experiência também como uma sugestão de perspectiva no saber-fazer de inovações na Educação.
Nossa intenção é que, com isso, possamos contribuir com elementos importantes para a inovação no campo educacional, apresentando fatos e dados que evidenciam a capacidade latente dos conhecimentos e ferramentas do Design, quando alinhados a uma proposta de Educação Aberta.
Destarte, argumentamos em defesa da importância da articulação entre áreas como Tecnologia, Comunicação e Educação engajada com a inclusão social e digital. Afinal, tão importante quanto manter um senso crítico ao perigoso emprego do Design para fins capitalistas ou neoliberais é conhecermos e explorarmos as possibilidades de suas aplicações responsáveis e promissoras na busca por uma Educação de qualidade que inclua o acesso a todas as pessoas, sem distinção.