Introdução1
Sob a égide das Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, consideram-se estudantes “[...] com altas habilidades/superdotação (AH/SD): aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” e, para eles, assegura-se a oferta de “[...] atividades de enriquecimento curricular desenvolvidas no âmbito de escolas públicas de ensino regular em interface com os núcleos de atividades para altas habilidades/superdotação e com as instituições de ensino superior e institutos voltados ao desenvolvimento e promoção da pesquisa, das artes e dos esportes.” (BRASIL, 2009, p. 1-2).
Todavia, decorridos 12 anos de sua publicação, ainda é diminuto o número de pesquisas e/ou relatos brasileiros sobre a articulação deste com a sala de aula comum (ARAÚJO; FRATARI; SANTOS, 2016), restringindo-se ao Atendimento Educacional Especializado, ainda em centros pulverizados pelo território brasileiro, normalmente concentrados em certas regiões, como Sudeste e Sul, distantes de serem em número suficiente para o contingente esperado de estudantes com AH/SD, se levarmos em conta estudos e pesquisas de alguns autores, como Marland (1971), o qual indica que o mínimo proposto seria de 3 a 5% da população escolar. Ademais, tais estudantes enfrentam entraves, como um número restrito de membros na equipe, a falta de espaço adequado para desenvolvimento das atividades e o desinteresse do poder público (ANJOS, 2018, p. 113), que não contribui para o processo de (in)formação dos professores das salas de aula comuns, quer continuada (JOB, 2020), quer em serviço (SOARES, 2019).
Porém, Bates e Munday (2007, p. 45) problematizam que, “[...] a despeito do quão boas sejam as atividades suplementares e extracurriculares oferecidas aos alunos [com AH/SD] [ainda que pulverizadas como aludido], é na sala de aula [comum] que os alunos participam das atividades formais de ensino-aprendizagem e é nesse local que deve haver desafios suficientes para [esses alunos]”, de forma que se crie um “[...] ambiente educacional enriquecedor, estimulante e criativo, que favoreça o desenvolvimento integral [de todos].” (FAVERI; HEINZLE, 2019, p. 8; cf. RONDINI, 2019). Mas, por que esses estudantes permanecem “invisíveis” aos olhos do sistema educacional”, completamente inominados nos bancos escolares das salas de aula comuns brasileiras (FAVERI; HEINZLE, 2019, p. 2; BERGAMIN, 2018; PINHEIRO, 2018)?
Pesquisas recentes apontam, como alguns dos fatores para essa invisibilidade e não atendimento desse estudante, o caso de “[...] as políticas públicas para Altas Habilidades/Superdotação no Brasil ainda [serem] pouco difundidas e conhecidas [pelos agentes educacionais]” (FAVERI; HEINZLE, 2019, p. 2); “[...] a falta de informação [docente] que aparece como um obstáculo para identificação e o oferecimento de atenção educacional de qualidade para esses alunos [...] e uma formação inicial [que] não ofereceu subsídios para sustentar a prática pedagógica inclusiva” (BERGAMIN, 2018, p. 23), culminando em desamparo adquirido (RONDINI, 2019, p. 90) e na desinstrumentalização (RECH; NEGRINI, 2019) desses professores. Estes “[...] continuam sem saber como explicar e o que fazer com estes alunos, que por razões desconhecidas, aprendem rápido e, constantemente, cobram-lhes outras intervenções, em sala de aula” (PINHEIRO, 2018, p. 42), indicando a necessidade de “[...] professores com postura acadêmico-científica que leve à “reinvenção”” (BERGAMIN, 2018, p. 38), os quais consigam perpetrar ações autônomas de busca por (in)formações e práticas inclusivas a esse alunado (RONDINI, 2019), mesmo em um sistema educacional engessado, como o do Brasil, e de uma formação inicial deficitária.
Dessa forma, apartado de uma transposição literal de realidade e experiência que conserva sua singularidade, este artigo refletirá sobre o processo (in)formativo e práxis de professores de duas escolas de duas cidades de pequeno porte no Condado de Tippecanoe, Estado de Indiana, Estados Unidos, no tocante aos estudantes com AH/SD. Uma delas mantém um programa de atendimento ao estudante superdotado, dentro de seus muros, enquanto outra não o faz. O que esses contextos podem revelar para os fatores desencadeadores da invisibilidade e da falta de atendimento aos estudantes superdotados no contexto brasileiro, supramencionados, é o que a sua leitura fornece.
Método
Apresenta-se aqui recorte descritivo de projeto2 de estágio de pós-doutoramento desenvolvido em duas escolas públicas de Educação Fundamental I, de duas cidades vizinhas, do Estado de Indiana, Estados Unidos, no período de 2015-2016. Sua proposta geral assentava-se na observação participante, inserida “[...] no conjunto das metodologias denominadas, no campo educacional, de qualitativas, e, muitas vezes de etnográficas.” (MARTINS, 1996, p. 269). Segundo Queiroz, Vall, Souza e Vieira (2007), há três etapas no processo da observação participante: i) aproximação do pesquisador com o grupo em estudo; ii) a observação - coleta de dados, que pode acontecer de diversas formas - estudo documental; entrevistas; visitas; identificação das instituições envolvidas; história da vida diária; entre outras, sendo a utilização de um diário de bordo indicada nessa fase; iii) sistematização, organização e análise dos dados.
Nesse cenário, serão discutidos dados das entrevistas realizadas com 15 agentes educacionais relacionados com essas escolas e cidades. Para expor as informações decorrentes das entrevistas, cumprindo as exigências do HRPP (Human Research Protection Program) local, utilizaram-se pseudônimos para representar os participantes. O Quadro 1 traz informações gerais dos mesmos e das escolas observadas, nas cidades locus da pesquisa, doravante identificadas por E_L (escola a leste - com cerca de 49 mil habitantes) e E_O (escola a oeste - com cerca de 73 mil habitantes).
DIRETORES | |||||
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Função/Local* | Pseudônimo | Sexo | Idade | Anos de experiência | Formação |
Direção/E_L | Diret_A | F | 47 | 21 | Bachelor of Science Master in Education Educational Specialist (superintendent) |
Direção/E_O | Diret_B | F | 54 | 28 | Bachelor of Arts Master of Science Master of Educational Administration Reading Kindergarten Endorsement High Ability Endorsement |
ASSISTENTE | |||||
Função/Local* | Pseudônimo | Sexo | Idade | Anos de experiência | Formação |
Administrativo/E_L | Admin_A | F | 44 | 15 | Bachelor of Science |
PROFESSORES | |||||
Função/Local* | Pseudônimo | Sexo | Idade | Anos de experiência | Formação |
Jardim de infância/E_L | Prof_A | F | 49 | 25 (19)** |
Bachelor of Science |
1º ano/E_L | Prof_B | F | 37 | 13 (20) |
Bachelor’s Elem. Ed & Reading Master of Literacy English Language Learners |
2º ano/E_L | Prof_C | F | 45 | 20 (26) |
Bachelor of Arts Master of Education Gifted Endorsement |
3º ano/E_L | Prof_D | M | 40 | 17 (26) |
Bachelor of Arts Master of Education Administration |
4º ano/E_L | Prof_E | F | 32 | 10 (26) |
Bachelor Elementary Education Master of Educational Theory & Practice |
Música/E_L | Prof_F | F | 52+ | 28 | Bachelor in Choral |
Chinês/E_L | Prof_G | M | 371 | 10 | Master |
Jardim de infância/E_O | Prof_H | F | 33 | 12 (23) |
Bachelor of Arts in Education Master in Elementary Education |
1º ano/E_O | Prof_I | F | 55 | 30 (22) |
Bachelor’s Elementary and Special Education Master’s in Reading |
2º ano/E_O | Prof_J | F | 52 | 30 (20) |
Bachelor’s Elementary Education |
3º ano/E_O | Prof_K | M | 43 | 18 (23) |
Bachelor Masters |
Música/E_O | Prof_L | F | 63 | 35 | Bachelor of Music Bachelor in Piano Performance and Music Education Master of Music |
Fonte: Elaborado pelos autores.
* E_L: possui 38 professores e 505 estudantes - considerados de classe social média a baixa (refeições gratuitas: 248 (49,1%); refeições a preço reduzido: 42 (8,3%); refeições pagas: 215 (42,6%)). E_O: possui 44 professores e 673 estudantes - considerados de classe social média a alta (refeições gratuitas: 132 (19,6%); refeições a preço reduzido: 23 (3,4%); refeições pagas: 518 (77,0%))
**Número de estudantes na classe.
+ O professor de música atende todos os estudantes da escola.
1 O professor de chinês atende somente os estudantes superdotados da escola.
A região onde se realizou o estágio de pós-doutoramento é dividida em três corporações (distritos), A, B e C: duas (B e C) possuem programas especiais para estudantes com AH/SD. O foco deste artigo está alicerçado na corporação A, onde se situa a escola E_L, e B, na qual está a escola E_O.
A corporação A, com 12 escolas, compreendendo desde o Jardim de Infância (estudantes entre 5 e 6 anos) ao Ensino Médio, 7.743 estudantes e 550 professores, mantém um programa denominado High Ability Program, cujos objetivos sobre estudantes superdotados consistem em:
1. High ability students will pursue challenging, differentiated curriculum that will allow them to become independent learners. 2. High ability students will discover and understand their own uniqueness and will display positive self-concepts as they pursue their individual interests and needs, and develop innovative products. 3. High ability students will understand divergent views and respect individual’s viewpoints as they cooperatively and responsibly interact with their communities. 4. High ability students will utilize higher level thinking skills and meta-cognitive processes in their pursuit of mastering advanced content. 5. High ability students will display a multi-cultural awareness and appreciation of diversity within a global perspective.
Para o estágio de pós-doutoramento, optou-se por acompanhar as atividades desenvolvidas no programa elementar na escola E_L, que corresponde ao período do 2º ao 4º ano, no qual, no contexto brasileiro, geralmente se inicia o processo de identificação precoce dos estudantes com AH/SD, (FLEITH, 2007) e, ao mesmo tempo, se tem um professor regente por classe, fator considerado favorável ao processo de identificação (GUENTHER, 2012, p. 30).
Em B, composta por 3 escolas, compreendendo desde o Jardim de Infância ao Ensino Médio, 2.276 estudantes e 150 professores, a escola participante foi a E_O, cuja missão é “[...] to engage students in a world-class educational experience that prepares them to be well-rounded, innovative, creative, productive and adaptive citizens who will shape our global society.” (BOWERS, BOYD, 2015, p. 1). Segundo Bowers e Boyd,
[a]o contrário de muitas escolas do Estado, E_O é capaz de acomodar as necessidades dos alunos com altas habilidades dentro de suas salas de aula de educação geral. Usando como prática regular a estratégia de instruções diferenciadas para pequenos grupos, os professores conseguem atender às diversas necessidades de todos os seus estudantes. (2015, p. 7, grifo nosso).
À vista do exposto, este trabalho refletirá sobre a experiência de uma escola que possui salas separadas para estudantes com AH/SD, o que não existe, até o momento, no contexto brasileiro, e outra que atende, diferentemente, todos os estudantes, em uma sala de aula comum. Alocar estudantes de diferentes níveis de desenvolvimento em uma mesma sala, considerando apenas a idade cronológica deles, assemelha-se às escolas públicas brasileiras, com exceção do trabalho diferenciado, o qual, no Brasil, quando ofertado, se faz geralmente “[...] no turno inverso da escolarização” (Art. 5º), “[...] no âmbito de escolas públicas de ensino regular em interface com os núcleos de atividades para altas habilidades/superdotação e com as instituições de ensino superior e institutos voltados ao desenvolvimento e promoção da pesquisa, das artes e dos esportes.” (BRASIL, 2009, Art. 7º).
A análise dos dados teve como arcabouço teórico-metodológico a Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (2011). Ademais, contou-se com o apoio do Software IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) versão 0.7 Alpha 2. A Análise de Conteúdo de Bardin organiza-se em três fases: a) pré-análise; b) exploração do material e c) tratamento dos resultados, quando ocorrem a inferência e a interpretação dos dados (BARDIN, 2011). É uma modalidade de análise textual que objetiva a interpretação sistemática de dados qualitativos da comunicação humana produzidos pela linguagem, a partir da materialização do conteúdo verbal em um corpus textual, podendo ser desenvolvida por procedimentos quantitativos ou qualitativos. Na abordagem qualitativa, busca-se um sentido, de modo que fragmentos de textos com palavras distintas possam ser agrupados pela similaridade semântica e a importância que esta tem para o pesquisador. Por tal via, formam-se categorias (ou classes), em função dos núcleos de significação. Na abordagem quantitativa, os léxicos, ou signos linguísticos, têm a sua frequência contabilizada, de forma que as classes emergem com base na repetição de determinadas palavras e dos termos que frequentemente as acompanham (CAREGNATO; MUTTI, 2006).
Na confecção deste artigo, adotou-se, de forma complementar, a abordagem quantitativa e a qualitativa, sendo que a análise quantitativa foi realizada primeiramente, como recurso principal e a partir do IRAMUTEQ. Como se verá detalhadamente, adiante, a análise qualitativa foi empregada de maneira complementar, principalmente quando o aproveitamento do corpus pelo software tenha ficado abaixo de 70,0%.
O corpus é uma construção do pesquisador, formada pelo material levantado, frente à temática de sua investigação. Ou seja, é elaborado a partir do conjunto de textos. Os textos, por sua vez, dependem da natureza da pesquisa. Numa coleta de dados feita por entrevista (guiada por questionário semiestruturado), como é o caso que se apresenta, a resposta de cada entrevistado a uma determinada questão constitui um texto, e o agrupamento de todas as respostas a essa questão forma um corpus de análise, que o IRAMUTEQ irá dividir em unidades menores, denominadas segmentos de textos (ST), conceituados ainda como ambientes de palavras.
De fato, são esses segmentos que sofrem as comparações e análises estatísticas inerentes ao método escolhido (Nuvem de palavras, Classificação Hierárquica Descendente (CHD), Análise de Similitude etc.) (CAMARGO; JUSTO, 2013). O corpus deve ser monotemático, a fim de que as categorias formadas não reproduzam as próprias pautas do texto, e ter volume suficiente, para que a análise possa ter um bom nível de aproveitamento. Logo, um maior número de entrevistados e/ou respostas mais completas (e longas) tendem a favorecer tal aspecto.
Levando essas duas circunstâncias em consideração e reportando-se ao fato de que os participantes dessa pesquisa são distribuídos em quatro categorias profissionais - superintendente, diretores, assistente e professores (Quadro 1) -, as análises feitas por meio do software tiveram como mote o questionário (semiestruturado) destinado às entrevistas dos professores, pois se tratava da categoria com maior número de respondentes.
O questionário aludido, construído especificamente para o estágio de pós-doutoramento, tendo como base os objetivos gerais e específicos da pesquisa, estava dividido em três blocos: Teacher training and knowledge about high-ability students (composto por sete questões); Identification of high-ability children (com quatro questões) e Work in the classroom (com oito questões).
Assim, os corpora de análise foram construídos, primeiramente, a partir do conjunto de respostas que os professores deram a uma determinada questão. Contudo, havendo uma questão correlata no questionário das demais categorias, as respostas desses sujeitos foram acrescidas a um determinado corpus que se referia a uma mesma temática, podendo, dessa forma, aumentar o número de textos e vigor da análise, além de tornar o processo mais eficaz. Com tal estratégia de agrupamento textual, foram criados 16 corpora (no presente artigo, serão discutidos sete deles, relativos ao bloco - Teacher training and knowledge about high-ability students), cada um com uma temática distinta (monotemas). Feita essa preparação, os corpora foram submetidos à análise estatística e, principalmente, à CHD.
Nesse momento, sucessivos testes Qui-Quadrado são aplicados sobre matrizes que cruzam as formas reduzidas com os segmentos de textos, obtendo-se, assim, uma classificação. Segmentos de textos com vocabulários de maior semelhança são aglutinados em classes e, a partir da comparação dos vocabulários das classes, verifica-se a proximidade ou o distanciamento entre elas. Ao término desse processamento, o resultado é exibido em uma representação gráfica denominada dendrograma, a qual, como o nome postula, indica a grafia das ramificações do corpus em classes, com sua distribuição feita pelas similitudes e diferenças estabelecidas, de sorte que sejam indicativas de suas inter-relações. São ainda apresentadas as palavras com mais significância, dentro de cada classe. A interpretação semântica de cada classe e sua denominação são obtidas pelo pesquisador, com base em sua interpretação semântica concernente às palavras mais significativas e aos segmentos de texto que compõem a classe (CAMARGO; JUSTO, 2013).
Dentre as mensurações estatísticas geradas pelo software, ao se aplicar a CHD, Camargo e Justo (2013) salientam as seguintes: a) Número de textos: indica a quantidade de textos inicialmente reconhecidas pelo software, a partir das linhas de comando citadas no tópico anterior - no escopo deste artigo, refere-se à quantidade de respostas obtidas para cada questão; b) Segmentos de Textos (ST): ambientes de palavras. São fragmentos gerados automaticamente, extraídos dos textos; c) Formas distintas: concernem à quantidade de termos únicos (a quantidade de raízes lexicais contabilizadas); d) Ocorrências: a quantidade total de palavras no corpus; e) Formas ativas: são as classes gramaticais que o pesquisador seleciona, durante a lematização (parametrização), a fim de que o software considere, nas análises; f) Classes: os agrupamentos textuais gerados pela análise; g) Retenção: a mais fulcral, relaciona-se ao aproveitamento que o IRAMUTEQ conseguiu fazer do corpus examinado. É mensurado pela divisão dos segmentos de textos que foram passíveis de categorização pelo número total de segmentos. Camargo e Justo (2013) indicam que a literatura especializada postula que uma análise confiável requer um aproveitamento de, no mínimo, 70,0%. Assim, tais dados já permitem ao pesquisador obter um panorama quantitativo inicial do corpus analisado e especialmente verificar, pelo índice de retenção, se a análise é útil e adequada.
Quando a análise automática não alcança esse nível, é possível ao pesquisador recuperar os segmentos de textos que o software não conseguiu processar e, assim, proceder a uma análise considerada manual. Tal análise tem caráter fundamentalmente qualitativo e, portanto, está mais propensa a aspectos subjetivos, uma vez que, com a leitura de cada segmento não aproveitado, deverá se levar em conta se este se relaciona conceitualmente com alguma classe existente. Em resumo: ainda que não partilhe das mesmas palavras (vocabulário) constituintes de uma classe, deverá partilhar o sentido. Há ainda a possibilidade de que vários desses segmentos não analisados expressem uma ideia em comum, diferente das categorias elencadas pelo IRAMUTEQ, de maneira que é possível a criação de categorias extras, de autoria exclusiva do pesquisador.
Resultados
A Tabela 1 traz as mensurações estatísticas apontadas por Camargo e Justo (2013), mostrando que, dos sete corpora extraídos, um (Experience with HA) não atingiu o percentual mínimo (70,0%) de retenção indicado pela literatura, mesmo após a análise dos segmentos de textos não aproveitados pela CHD e, portanto, não será considerado neste artigo.
Corpus | Textos | Formas Distintas | Ocorrências | Formas ativas | Classes | Análise dos ST | Retenção (%) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Educational Background | 15 | 543 | 2385 | 299 | 5 | 47/67 | 70.1 |
Career | 16 | 655 | 3262 | 412 | 4 | 63/92 | 68.4 |
Experience with HA | 16 | 644 | 2793 | 644 | 4 | 42/78 | 53.8 |
Up-to-date | 12 | 472 | 1805 | 237 | 5 | 33/49 | 67.3 |
Conception of Giftedness | 15 | 768 | 4112 | 425 | 5 | 82/113 | 72.5 |
Laws | 11 | 520 | 2457 | 255 | 6 | 49/70 | 70.0 |
Professional development | 12 | 662 | 3318 | 348 | 5 | 63/90 | 70.0 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os resultados serão apresentados tendo como ordem o corpus, contemplado na Tabela 1, e suas respectivas classes e relações entre elas, sendo que, para essas, trechos das falas dos participantes serão enunciados.
Para o contexto Please tell me about your educational background (especially in teacher education programs). How much training have you received in educating high-ability students?, a CHD dividiu o corpus Educational Background em cinco classes, as quais se encontram ilustradas no dendrograma da Figura 1, onde se verificam as relações das ramificações, focalizando as palavras mais significativas de cada classe e a porcentagem dos ST classificados.
Observando-se o dendrograma, nota-se que as Classes 3 e 5 pertencem a uma mesma subdivisão, estabelecendo, portanto, profunda relação e podendo, em termos de sentido, ser compreendidas como uma única classe, pois o que se altera é a formação obtida e/ou o local, mas a temática é a mesma. Predomina, na Classe 3 (Local e período de obtenção do diploma de graduação), a obtenção do título de Bacharel em Educação Fundamental, na Universidade de Purdue (situada na mesma cidade da E_L), na década de 1990. Na Classe 5 (Obtenção de títulos e local de formação), a ênfase recai sobre a Pós-Graduação, com Mestrado, já nos anos dois mil.
Nos depoimentos dos participantes, tais dados se explicitam:
I graduated from Purdue University in nineteen ninety with a degree in elementary education and an endorsement so that I could teach kindergarten as well I have been teaching and working with little kids for twenty-five years […] (Prof_A).
I wanted to be a special education teacher so I transferred to George Washington University in dc and the reason I went there is every course I took you did field work so my first major class in special education was in an elementary school […] (Prof_I).
[…] obviously I have a bachelor s a master s and a specialist a doctorate and I have had no coursework on working with high ability students when working toward all those degrees […] (Super_A).
I have a bachelor of arts from Purdue in elementary education I did not go to school for high ability […] (Admin_A).
[…] my educational background comes from Purdue University I was a nineteen eighty three graduate I’m in elementary education in addition to that I did eighteen hours in curriculum and instruction in master s work […] (Diret_B)
De maneira análoga, as Classes 2 (Formação/treinamento para trabalhar com superdotados) e 4 (Ausência de treinamento específico e prática docente) também podem ser consideradas como uma única classe, na qual os entrevistados, majoritariamente, afirmam não ter recebido nenhum treinamento específico, a não ser a própria prática com os estudantes:
I would say that’s probably minimal training for the high ability students I took a class called differentiated instruction where I had to make like different stations at different ability levels for the students and that is pretty much it […] (Prof_J).
I haven’t gotten any training on high ability students on educating them but I do adapt I really adapt well like several of my piano students are high ability so I’m able to push certain kids further and more and do more with them […] (Prof_F).
[…] now as a superintendent I’ve attended several conferences and meetings regarding high ability students so the bottom line is that I have learned it on the job in my last role as a superintendent I worked with a dr […] (Super_A).
Na Classe 1 (Período de obtenção da licença/obtenção do mestrado), os docentes discutem se têm ou não a licença para trabalhar com superdotados; ora, a maioria a possui, relatando ainda o período em que iniciaram a lecionar para esse público:
[…] so I started working on my gifted and talented license at that time it is now called high ability license I took four classes over two semesters and got my high ability license in two thousand seven or two thousand eight […] (Prof_D).
I don’t have a gifted license but in my masters I also took two classes that we’re all about high ability students so I’ve received two to classes and then an extra ten days of professional development […] (Prof_E).
Concernente ao tema Your teaching career (your career in education), a CHD dividiu o corpus Career em quatro classes, observadas no dendrograma da Figura 2.
A Classe 1 (Anos de atuação docente) remete a períodos (em anos) de atuação docente anteriores ao momento atual da pesquisa (2016), quando muitos enfatizam o trabalho com outras séries, em comparação ao trabalho com superdotados:
[…] so I’ve taught three years of 4th grade those have all been in Indiana this is my first year teaching high ability it’s been the most fun year here in E-N […] (Prof_E).
I taught three more years in the fourth grade for a total of five years I taught six years before I started teaching high ability so after my sixth year I was asked to take over this third grade high ability class […] (Prof_D).
I went for kindergarten and for regular elementary I was a teacher’s assistant for a couple years and then I got my teaching job then I decided to be a stay-at-home mom then I went into preschool teaching […] so I haven’t had any true high ability training officially […] (Admin_A).
A Classe 3 (Começo da docência), muito próxima à Classe 1 (pertencente ao mesmo subgrupo), traz como conteúdo o início da carreira, enfatizando a prevalência da E_O como local e os anos noventa como período:
I started here E_O ten years ago we moved from Connecticut so my first year here I did not teach after about six months I wanted to see what was here so I became a paraprofessional through glass which is the special education services for all of Tippecanoe County […] (Prof_I).
A Classe 4 (Dinâmica do ano letivo) aborda os períodos de interrupção das aulas, em relação ao ano letivo:
[…] and then we would have two weeks around Christmas for the winter and then we would have two or three weeks off for our spring time so we had different times off but it was spread out through the year instead of all in the summer […] so there was only six weeks six weeks off in the summer but during the school year we would have two or three weeks off in the fall around thanksgiving time in November […] (Prof_K).
I’ve been teaching for ten years I taught 6th grade my first year in California then I taught five years of 5th grade then I taught one year of second grade and then this is my third year of fourth grade […] (Prof_E).
A Classe 2 (Educação Especial) é a mais distinta das demais, como evidencia o dendrograma. Nela, os docentes enfatizam o trabalho com a educação especial e a experiência com crianças com necessidades específicas de aprendizagem, passando pela temática legal da licença, a fim de operar nessa modalidade:
I didn’t have special needs license and I would say I know an awful lot about special needs kids through my experience over fifteen years of working with them it’s kind of like on-the-job […] I worked with kids with autism I worked with kids with down syndrome mildly mentally handicapped moderately mentally handicapped lots of special needs kids in United States is it permissible for a teacher with no specific undergraduate training to teach students with special needs […] now you cannot do that teach special needs students anymore because now the law has changed and in order to do that teach you have to have a degree in that special needs […] they’re never going to pay me more if I go and get that degree so some people have it some don’t I do not but I have twenty years of experience of working with kids […] so they just decided that sometimes that’s worth just as much as the high ability degree that’s something that I can continue to work with and learn more about that specific area high ability the same way I did with special needs […] (Prof_A).
I’ve got the wide array if you will I have lots of age groups in different kinds of curriculum experience and stuff like that so it’s been fun […] (Diret_A).
A análise dos segmentos de textos não aproveitados pela CHD, feita pelo software, permitiu a recuperação de 20 segmentos de texto, levando a um aproveitamento de 92% do corpus (83/92). Esse material constituiu a Classe 5 (Momento atual: relatos e perspectivas). Nela, os docentes relatam suas experiências idiossincráticas advindas do trabalho cotidiano, de sorte que em algumas falas ultrapassam o aspecto descritivo e apresentam análises e perspectivas sobre o desenrolar de suas práticas, bem como sobre o desempenho dos estudantes:
[…] so far I feel like this because to me yes they may be high ability they may be very good at math or English or social study or other subject […] but to me I haven’t find or haven’t notice that they are student like super in my expectation of Chinese language they’re almost the same as the non-high ability student I don’t see any Chinese language difference no […] (Prof_G).
[…] some really low like you were able to experience last week that weren’t able to recognize their name still learn letter and sound to student read chapter book doing pretty complex since we are so close to Purdue University we have […] (Prof_H).
[...] my experience with gift and talented program again I kind of oversee the program here but Diana whom you talk with early is very helpful she take care of all the test and we meet after school is out in early June or late may […] at our meet that I mention in late may early June there are some teacher and a guidance counselor that come over from Sunnyside when we talk about our child come from 4th to 5th because now when I get to 5th grade they go to Sunnyside […] (Diret_A).
A respeito da questão How you stay up-to-date on issues related to the education of high-ability students. How often do you attend in-service meetings on gifted education?, a CHD dividiu o corpus Up-to-date em cinco classes, as quais se encontram ilustradas no dendrograma da Figura 3.
A Classe 1 (Grupos e leitura de artigos) remete à formação de grupos, a qual, por sua vez, pode aglutinar não somente docentes como também pais e mesmo estudantes, em especial os grupos on-line. Comenta-se ainda que, na interação entre os seus membros, ocorrem indicações e trocas de artigos. Frisa-se igualmente que nem sempre os grupos e discussões são especificamente voltados a estudantes com AH/SD:
[…] they’re a bunch of high ability groups that have joined with parents and other professors and educators and put out plenty of articles I can kind of keep up with those articles and then I try to share them with my parents as well so that they get educated about their own students […] (Prof_B).
[…] our grade levels or we have a literacy team or a math team where we get together and we share ideas on things that have worked and how we can meet the needs of different students but again it’s not always necessarily just for high ability students […] (Prof_H).
[…] she sends me articles that she sees and then the other high ability students with high ability teachers they’ll also post things so I always read those mostly concerning high ability students with their need of personality quirks things like that that i really educate myself on […] (Prof_E).
Ao longo da Classe 5 (Empenho em ler, ensinar e trocar), os entrevistados relatam o empenho em manter uma leitura constante de revistas, artigos etc., como forma de desenvolver suas habilidades pedagógicas. Embora em menor grau, aparece também o papel formativo que o próprio professor pode exercer sobre os demais, apontando a partilha de experiência e materiais:
I read a lot I read a lot as there are new articles about education and better teaching practices I try to read them I try to read and see what could I do better yes […] I teach a lot of other teachers so I give a lot of the in-services material but for things like reading and for math I go to those to learn as a teacher […] (Prof_K).
I get different magazines that I look through such as teacher education magazines to give me ideas about what to do but as far as in-service we don’t have a lot of in-service programs available to us for the gifted education […] (Prof_J).
As Classes 3 e 4 trazem informações sobre as práticas formativas desenvolvidas na própria escola. No decorrer da Classe 3 (Recursos da escola e a (pro)atividade docente), as falas mencionam os encontros havidos entre os próprios docentes, tangenciando ainda a troca de informações, dadas as diferentes formações. Os entrevistados relatam ainda a consulta ao acervo da biblioteca da própria escola:
[…] recently they created a whole high ability curriculum for language arts for every grade level so now if you’re an incoming high ability teacher you can get right on to the state’s website they’ve got an entire year’s curriculum for language arts that you can use […] (Prof_D).
[…] we have some books in our library that we can check out that are on different topics I will look at some of those books that we have in the library for teachers to check out […] we meet once every month throughout the whole year after school it depends on how long we need to meet it can last anywhere from 30 minutes to an hour or more each time we meet [...] (Prof_J).
Por sua vez, a Classe 4 (Os focos dos grupos de estudo/trabalho) concentra uma dimensão descritiva e histórica sobre o que ocorre, ao longo dos encontros. Os entrevistados relatam que, no ano anterior à pesquisa de pós-doutoramento (2015), o foco incidiu sobre as diferentes habilidades. Contudo, no ano da coleta de dados (2016), a temática principal era a questão da pobreza:
[…] this year we meet with different focus groups the focus group I’m on is dealing with poverty we’ve been reading a book about poverty and how to help those kids are in poverty try to reach a higher level […] (Prof_J).
[…] this is how I would challenge them so we don’t have specific trainings on high ability but it’s to meet the needs since it is such a common theme at this building to have kids at such different levels most of our training cover from the bottom to the top […] (Prof_H).
[...] then I can start grouping kids based on this so this book is helping me learn how to differentiate more in math next year a lot of it is me doing my own stuff [...] (Prof_I).
A Classe 2 (Reuniões em serviço), a classe mais isolada das demais, toca sobre a possibilidade de participar de cursos de formação continuada. As falas apontam para uma quantidade boa de oferta, especialmente nos períodos de recesso do verão. Entretanto, a participação entre os docentes é variada, uma vez que as formações acontecem pelo Estado e nem sempre são subsidiadas, exigindo investimento econômico do próprio professor:
[…] it has all kinds of seminars and workshops that I keep refreshed up-to-date on music education we talk about all kinds of issues including advancement of students we also talk about special education as well […] (Prof_L).
[…] another thing I also do is every summer the state also puts on a little I wouldn’t say conference in-service where they talk for one or two days about how to teach lessons that spiral from kindergarten all the way up to 6th grade […] that is yearly every year they have a big conference in Indianapolis well it rotates last year was in Indianapolis it was three days of nonstop conferences from nine am to five p. m. […] (Prof_B).
[...] with funding in education these days, it’s very hard for in-service it’s very hard to get this training unless you pay for it yourself [...] (Prof_I).
[...] no I have not attended any in-service meeting of gifted education [...] (Prof_G).
Os segmentos de textos não aproveitados pela CHD foram analisados manualmente. Nenhuma nova classe emergiu da análise, pois, embora formados por termos e expressões distintas, corroboravam o sentido de duas classes já formadas. À Classe 1 foram aglutinados mais três segmentos, enquanto à Classe 2 adicionou-se mais um. Com isso, o aproveitamento do corpus passou para 75,5%:
I follow the national association of gift child I read their journal and we read stuff online I also follow different site on twitter and have access to news that way to stay up to date [...] (Prof_C).
Indiana association for the gift is how I keep up-to-date with the high ability I go to that pretty much every other year but we also get email from the state from the high ability coordinator in the state about what the current issue are [...] (Prof_D).
I really don’t stay up to date on issue I just feel like as far as piano goes I was a high ability achiever in piano and so I understand when they need to be push and when they need to do more […] (Prof_F).
[…] we don’t necessarily have in-service development on just specifically high ability we have a lot of train on differentiation but it’s not too definitely target to high ability so we will have we are constantly having meeting and work together with […] (Prof_H).
Na questão What is your conception of giftedness or high-ability students?, a CHD dividiu o corpus Conception of Giftedness em cinco classes, as quais se encontram ilustradas no dendrograma da Figura 4.
Na Classe 1 (Superdotação e altas habilidades: uma sinonímia?), os participantes se mostram confusos sobre uma definição consensual ou clara, especialmente pelo fato de que mesmo os programas desenvolvidos para os estudantes com AH/SD costumam trocar os termos. Assim, assumem que os termos sejam intercambiáveis. Citam ainda algumas características desses estudantes, como: capacidade para pensar “fora da caixa”; maior/melhor desempenho em uma ou várias áreas que seus pares; pensamento crítico e estratégias diferenciadas para resolução de problemas:
I think in my mind high ability is different than giftedness I don’t know if that is correct or not high ability or high achieving to me whereas gifted students and some high ability students I would say are gifted […] (Prof_C).
[…] my conception of giftedness or high ability students obviously they have been given this ability to reason and problem solve to think outside of the box and to reason with different strategies and really become critical thinkers […] (Diret_A).
[…] some of my students are better artists than me I would consider them gifted in art or some of their hand writing is much better than mine you have to look at every different aspect of the child to find what it is […] (Prof_J).
[…] but I have a hard time pushing them ahead while I’m working with a group of kids that just doesn’t get it so we really have to look at how we identify those students that should be in the high ability program […] but there’s not one specific stereotype for a high ability students because it’s everything from a kid who may be really quiet to kid who is really loud and outgoing […] (Prof_D).
Na Classe 2 (Lidando com as necessidades educativas), os professores apresentam suas considerações a respeito do desenvolvimento não só cognitivo como também socioemocional dos estudantes. Transparece o posicionamento didático dos docentes, os quais alertam os pais de que uma escola primária deve ser desafiadora, mas não de forma a gerar estresse diário, que represente uma luta constate à criança. Nessa linha, os docentes ainda dão especial atenção à interação social, em seus vários níveis: a espontânea, que pode levar estudantes com superdotação a permanecer em seus grupos, nos momentos de intervalo, por não compartilharem interesses com os demais, devendo-se atentar para as habilidade sociais (a ponto de ensinar a fazer amigos); as implicações de um estudante ser considerado e estar num programa para superdotados; e o aspecto social, levando-se em conta estudantes que moram longe e vão de ônibus, o que também pode dificultar a formação de amizades fora do grupo.
No aspecto cognitivo, citam o fato de que os interesses diversos e a facilidade de aprendizagem (a qual, inclusive, se relaciona com a dificuldade de interação com pares não superdotados) devem ser trabalhados com cuidado, a fim de que o conteúdo seja aprofundado nas temáticas, mas sem deixar lacunas. Esse aspecto exige grupos pequenos, para serem didaticamente trabalhados, todavia, favorece ainda mais uma interação circunscrita ao próprio grupo:
[…] in my opinion I tell the parents if you’re kid s coming home crying or struggling daily that’s not what elementary school should be about yes I want to challenge them but they shouldn’t be stressed out and under so much pressure when you’re 9 years old […] I notice when they go out on the playground they are kind of huddle together because they don’t really have the same kinds of interests outside of school that the other kids have […] (Prof_D).
[…] we need smaller groups because you might have one idea but then they come up with that one idea that sparks other ideas you constantly have to be ready to serve their needs which can be much greater than in a smaller class […] (Prof_J).
A Classe 3 (Áreas de manifestação) enfatiza áreas de manifestação e estilos de aprendizagem dos estudantes. A característica mais marcante é a diversidade, inclusive pelo fato de que, apesar de partilharem o status de superdotados, os estudantes apresentam personalidades muito distintas. Como já sugerido na Classe 2, a Classe 3, ao discutir estilos de aprendizagem, também denota a atenção dos docentes para as dificuldades dos estudantes superdotados para outros domínios, ou para uma relação inversa, na qual um estudante com dificuldades em várias áreas tem a possibilidade de apresentar superdotação num determinado domínio (implicando a necessidade de diversificação e incentivo):
[…] but gifted children can also have challenges in other areas so there’s no one easy definition of gifted there are many different ways that children and adults are gifted and need to be encouraged and supported […] (Diret_B).
[…] there are certain characteristics I think all the kids are different they really are but a lot of the kids have specific characteristics such as they worry about being perfect all the time […] (Prof_A).
Os relatos da Classe 4 (Opiniões sobre o programa ofertado e visão parental) são permeados de análises de professores, os quais, em algum momento, tiveram seus filhos inseridos em programas para crianças superdotadas; assim, a classe revela aspectos de experiência que ultrapassam o campo da docência. Embora inespecíficos, os relatos apontam para prós e contras. Já se posicionando enquanto docente, alguns relatos sugerem que as diretrizes para inclusão de estudantes no programa para superdotados devem ser mais rígidas, sob pena de causarem sofrimento excessivo àqueles que podem entrar, mas, depois, mostram dificuldades para manter o ritmo de execução das atividades:
[…] the other kids might be watching the Nascar Race on TV on Sunday and our kids in this program are building legos and robots and stuff like that so their interests were completely different […] (Prof_D).
I have a different view just because I’ve seen both ends of it since I’ve had my daughter go through the high ability program and now I’m an employee I get to see kind of the outside view of it […] I think it is a wonderful program I think looking back at my daughter it was a very good thing that I did it for her […] (Admin_A).
A Classe 5 (A superdotação como a profundidade da compreensão) se destaca das demais, como evidencia a Figura 4, por versar sobre a dinâmica ensino/aprendizagem estabelecida com os estudantes. Os professores demonstram a importância da sensibilidade em analisar conteúdo proposto e desempenhos obtidos, salientando que, muitas vezes, não é necessariamente a quantidade de conteúdo vencida num determinado prazo, mas, sim, o nível de profundidade obtido dentro daquela temática, explicitando ser este um diferencial do superdotado, capaz não apenas de reter informações, mas de relacioná-las (compreensão conceitual). Essa sensibilidade parece ser imprescindível, tanto para saber o quanto aprofundar como para saber a hora de mudar de temática ou mesmo de domínio:
[…] they’re really different than some of the regular they’re still five so they still have some of the emotional and social needs of a normal five years old but that academic piece is a lot different than the other kids so it makes them special […] (Prof_A).
[…] high ability students are those who have an ability to grasp ideas and concepts and materials faster it’s interesting that some students are able to do that when they are in music when they do not accomplish high ability in other subjects […] (Prof_L).
[…] they love using their creativity and they like taking their time to dig down deep with something it’s not always about how fast you go […] (Prof_E).
Na questão What is your knowledge of specific laws, which are targeted for high-ability students?, a CHD dividiu o corpus Laws em seis classes, as quais se encontram ilustradas no dendrograma da Figura 5.
A Classe 1 (Exigência do Estado e apoio financeiro) apresenta o apoio financeiro ofertado pelo Estado, em relação ao tamanho da corporação. Nesse sentido, refere-se ao dinheiro para que se invista em programas voltados aos estudantes com AH/SD. Aponta-se para o fato de que, dos nove segmentos de textos que compõem essa classe, oito derivam da resposta dada pelo Prof_D; assim, a classe é constituída quase exclusivamente pela fala dele e não pode ser confundida com uma opinião presente nos discursos da maioria dos participantes:
[…] the state 5 years ago mandated that every school corporation have a high ability program or some way of serving high ability students our program here has been around since 1986 so we’ve had this for 30 years […] is that a high ability program no but it satisfies what the state says you have to do you have to provide service for high ability student so they can document to the state that we pulled out those kids out we work with them [...] (Prof_D).
A Classe 4 (Sala de aula como espaço de autonomia do trabalho docente) conta com as análises dos professores a respeito do próprio trabalho quanto ao desempenho de seus estudantes. Os professores demonstram-se satisfeitos com os resultados, bem como exibem grande autonomia sobre como avaliar e desenvolver suas tarefas:
[…] I think that my classroom runs well I think that my students are learning a lot but they are also learning at different levels some of them they are doing a low level of work some of them are doing a very high level of work […] they are very good at math but their writing they don’t excel there I like having all levels of students in my classroom I like the challenge […] (Prof_K).
A Classe 5 (Formas de trabalho e relação com o material (conteúdo)) contempla alguns questionamentos acerca do conteúdo disponibilizado aos estudantes, questionando se os conteúdos básicos são ofertados aos estudantes com AH/SD ou sobre a forma ideal de trabalhar com esses estudantes. Em alguns momentos, os professores trazem informações sobre outros programas de escolas distintas, a fim de evidenciar a variabilidade de manejos:
[…] they’re kind of pushing him ahead of the others they’re great kids he gets the stuff pretty quickly but in a smaller community like that mostly what they do is a pull-out program […] sometimes it may only be like an hour a week where they pull these kids off to the side just kind of doing enrichment stuff with them to make sure that they’re kind of supplementing what they do in the classroom […] (Prof_D).
I know in another school they have specific classes and they are the gifted class and they do pull those kids out and they’re in one classroom so I don’t know if they have it and they probably have an extra […] (Prof_H).
[…] is it a classroom where we teach as a class or is everybody working on a different project it depends it depends on what the school wants whether that’s the principal or the superintendent and how they want to see their schools run […] (Prof_K).
As Classes 2 e 3 estão aglutinadas na mesma iteração e, em ambas, os entrevistados apontam para o não conhecimento da legislação. Na Classe 2 ((Não)conhecimento das leis pelos docentes), os docentes postulam que não gastam muito tempo para conhecer a legislação, em seus pormenores, buscando seguir os padrões de ensino firmados pelas diretrizes estaduais encontrados no site do Departamento de Educação do Estado de Indiana, assumindo inclusive que talvez não haja leis específicas, uma vez que a legislação referente à Educação Geral já contempla, de algum modo, as AH/SD:
I do not know what the current laws are I did not start this year in this position I was in a general education classroom and I was moved to this position so I have fallen behind I do not know what the laws are […] (Prof_C).
[…] really technically as far as I know in the state of Indiana at least laws wise that we have to I don’t believe there’s anything really concrete yet but we do like the thing for everyone in general and education […] (Prof_B).
[...] we don’t spend a lot of time learning the laws but we are expected to know the standards and you can get to the standards from like the department of education website if that’s something that you would like [...] (Prof_H).
Ao longo da Classe 3 (Distintas diretrizes estaduais (UF)), os entrevistados versam sobre as diferentes diretrizes legislações e diretrizes estaduais voltadas à educação, ressaltando o impacto que isso pode ocasionar na vida dos estudantes que mudam de uma região a outra. Cita-se ainda a tentativa de enfrentar esse quadro, através de common core standards, bem como o que fazem em sala de aula:
[…] any students with master those skills before they move on to the next grade and sometimes you have students West Lafayette that say okay here the standards that the state wants us to have but we’re also going to go above […] to get all the states in America to adopt the common core standards so if the student left the school in Indiana and moved to California they would still be working on the same skill set […] (Prof_H).
[…] there’s about 5 working together basically like what I’m doing here they’re just now starting 4th grade math so next week he ll start 4th grade math but he’s a third grader […] (Prof_D).
[…] as a teacher I like being able to have the higher conversation with the higher students and the lower students seeing that strive to be higher themselves that said I worked with high groups before and sometimes they have a different set of problems […] (Prof_K).
A Classe 6 (Desconhecimento de leis específicas) constitui-se basicamente dos trechos nos quais os entrevistados afirmam não conhecer leis específicas direcionadas aos estudantes com AH/SD. Assim, ainda que com palavras distintas, em termos de sentido, pode ser compreendida como uma extensão da Classe 2:
I do not know of specific laws about that I do know what they have required as far as music that it’s become a core subject and certain in the latest laws that were passed that music is very important in the student’s development […] (Prof_L).
[…] they’re higher than the rest of the students but those students are very few I have examples in here in my room right now of students who in some places and some subjects are very high but in other areas are not […] (Prof_K).
[…] if they don’t meet the expectations for both they only come in for just the one subject I don’t know any specific laws about this […] (Prof_E).
Para a indagação How much professional development on teaching methods and classroom planning do you usually receive during the academic year? Are high-ability students usually addressed in these trainings or meetings?, a CHD dividiu o corpus Professional Development em cinco classes, as quais estão ilustradas no dendrograma da Figura 6.
Na Classe 1 (A GenEd e o papel do assistente), os docentes tratam do trabalho em sala de aula, assegurando que o trabalho com estudantes com AH/SD não é menor, pois ainda que estes consigam atingir níveis mais profundos, demandam o mesmo empenho no preparo de atividades e na quantidade de instruções. Alguns professores ainda colocam que. na GenEd (sala de aula comum), contavam com um assistente, o que facilita muito o trabalho:
I’m going to contrast it to you I don’t know if it will be helpful but when I was in a general education classroom I had an assistant all day […] I feel that people have a misconception just because they’re high ability they get things quicker but the amount of instruction is the same and the range within the classroom is the same as within a general education classroom […] (Prof_C).
[…] but the idea is that we’re meeting the needs of all students including high ability students and specifically in the general education class if I’m teaching a gened class and I have low students in there and i have high students how am I meeting both of their needs […] (Prof_D).
Cita-se, na Classe 3 (Reuniões informais de docentes), a importância das reuniões que ocorrem entre os próprios docentes, geralmente com frequência semanal. Ressaltam que, apesar de não terem um foco específico direcionado às AH/SD, contribuem para o processo pedagógico, através da troca de informações, ideias e compartilhamento de recursos:
[…] we have meetings usually on Wednesdays so 2 or 3 times a month we get together as a whole faculty and then a couple times a month we’ll get together at our grade level and we share those ideas we share resources but it’s not specifically on high ability students […] it’s just sharing ideas of what you’ve done in the classroom that can help students and hear some great ideas to help the student that is struggling here are some ways to help in the average students and then this might be how you can differentiate and challenge your higher students […] (Prof_H).
[…] so I need to prepare more material to teach the high ability I can see the difference between high ability and non_high ability students what I’m saying is because I teach kindergarten and first grade the difference is not that much […] not high ability students they may be I don’t know they just give you a concept maybe they need a month to memorize the 10 words but for high ability maybe they just need a week to memorize those ten words [...] (Prof_G).
A Classe 2 (Percepções sobre as oportunidades de desenvolvimento ofertadas) destaca que as ofertas e oportunidades de formação, no geral, são percebidas como abundantes. A formação ofertada na escola refere-se à formação em serviço e trocas docentes, já que muitas formações são oferecidas pelo Estado, o que nem sempre permite a participação. Os docentes escolhem as áreas as quais consideram que devem desenvolver. Formações voltadas para o campo AH/SD acontecem em menor número, mas é possível aproveitar aprendizagens advindas de outras temáticas e adaptar para esse público:
I don’t know how much professional development I get I would say at least 30 to 50 hours a year I would say about a third of the stuff I attend is for high ability because that’s obviously my interest and what I need to attend […] but then there are a lot of things that I can apply to high ability for instance I go to a_learning conference and that can be applied to high ability based on the different apps and the different websites that they present at these technology conferences […] (Prof_E).
[…] we have lots of different opportunities to have professional development in lots of different areas it’s really up to the individual teachers to decide if they’re lacking in something or if they feel like they need more help in one area or the other […] (Prof_A).
[...] as I said before we do have fairly frequent in-service or professional developments offered in our schools I was at one just this past Tuesday looking at economics in the classroom how to bring economics through Lego and it was very interesting […] (Prof_K).
[...] the professional development we get is very little the ones that we do do are usually us helping each other teach each other I feel like I do more on my own on my own time and very rarely in high ability […] (Prof_I).
Na Classe 4 (Descrição das reuniões), é exposto um histórico descritivo de como acontecem as reuniões. Os docentes relatam o estudo do processo de diferenciação em relação à identificação dos alunos com AH/SD e também de alguns livros com abordagens pedagógicas voltados ao reconhecimento dos estilos de aprendizagem e necessidades específicas dos estudantes. De uma maneira geral, ambos os trabalhos apontam para a adaptação curricular:
[…] there’s seven different ways that you can do it and in different levels of how hard it is for the kids we presented on that all year and learned more about differentiation there was a book study and we had high ability teachers come in […] (Prof_A).
[…] we have a faculty meeting and a grade level is responsible for one chapter out of the book and then they present what they’ve learned from the book to the rest of the staff so that’s what we’ve been doing this year […] unless I seek out specific professional development there isn’t much provided this year we are doing on a book study as a staff on differentiation, differentiation doesn’t have to be high ability it can be with anybody [...] (Prof_D).
A Classe 5 (Impasses administrativos e econômicos), como subtemática mais distinta das demais, aponta para uma preocupação da administração com o desempenho dos estudantes no ISTEP (Indiana Statewide Testing for Educational Progress)3, de forma que o foco do investimento em formação seja destinado a como fazer com que os estudantes com maior dificuldade sejam aprovados, porque isso se atrela à obtenção de recursos financeiros:
[…] they know they’re going to pass the focus is on those low kids those kids that are right on the bubble of passing ISTEP test so they put all their time and effort and money into working on those low kids to bring those kids up to pass the test […] I don’t say that they don’t care about these kids but bottom line is we need kids to pass the ISTEP test because that’s how we get funding that’s how we get graded by the state […] (Prof_D).
Algumas considerações
A leitura dos dados que nos ocupa evidencia não ser a força da lei voltada aos superdotados que move a práxis dos agentes educacionais participantes da pesquisa, seja para o contexto das salas de aula comuns, seja para as específicas dos estudantes superdotados. Tão pouco uma formação singular associada ao tema, em seu nível inicial, isto é, no âmbito dos cursos de graduação. Nem mesmo saber diferenciar os conceitos altas habilidades ou superdotação, pois, mesmo em meio a terminologias difusas, a não existência de um estereótipo específico de estudante se mostrou perceptível aos professores.
A práxis dos participantes assenta-se na formação básica que considera imprescindível o desenvolvimento pleno de seus estudantes e em níveis de excelência, embora considerando o ritmo e o estilo de aprendizagem de cada um. Nesse cenário, os segmentos de textos apresentados revelam a imperiosidade de se perseguir uma (in)formação em níveis, quer continuada, quer em serviço, ainda que esta possa não acarretar aumento salarial ou algum outro bônus ao professor, para além de seu próprio aprimoramento e de sua práxis, atuando por reforço intrínseco, que é o prazer de ver o desenvolvimento do seu estudante.
Fato é que, em geral, havendo ou não (in)formação in loco, nas escolas onde eles trabalham, esses profissionais demonstraram não terceirizar esse processo, colocando para si tal determinação. Livros, artigos, conferências, reuniões não ordinárias de professores, sites em geral ou do Departamento de Educação do Estado, redes sociais (Twitter, Facebook) foram alguns dos exemplos apresentados pelos participantes como fontes de busca para tal (in)formação. Com poucas exceções, eles enfatizaram não esperar isso acontecer ou que fosse proposto a eles, além de revelar grande satisfação com os resultados obtidos em sala de aula, pelas informações/conhecimentos advindas dessas fontes.
Nem tudo nesse contexto está ligado ao tema AH/SD, como pode ser notado pelos segmentos de textos apresentados, independentemente se o professor está à frente de uma sala de aula comum ou específica. Todavia, segundo os relatos, todo o aprendizado compete ao desenvolvimento integral da diversidade de estudantes, afinal, pobreza, diferenciação instrucional e curricular, tecnologias, melhores práticas de ensino, entre outros assuntos que foram abordados, perpassam a todos os perfis de estudantes, podem e devem ser adaptados aos seus diferentes níveis e ritmos de aprendizagem, tornando as aulas mais interessantes e estimulantes aos estudantes.
Talvez essa seja a lente que se deve usar para a leitura dos segmentos de textos nos quais ambos os perfis de professores - de sala de aula comum e de sala de aula específica, aqui tomados como participantes da pesquisa -, tenham demonstrado satisfação em estar nesse papel, pois, em ambos os contextos, os professores se revelaram sensíveis aos estudantes que as compõem. Todavia, atente-se para a circunstância de ambos os perfis de professores terem evidenciado tratar-se de práxis laboriosa, quando se pretende um ensino com as características aludidas. Isto é, “dá trabalho” buscar por (in)formação atuais, refletir e atualizar a sua práxis em sala de aula, mas o resultado final, o processo ensino-aprendizagem dos estudantes, é gratificante. O sucesso desse processo, com estudantes bem avaliados nos testes estaduais, como o mencionado, é que pode garantir à escola uma boa classificação estadual, com consequente aporte financeiro, a fim de manter os programas para estudantes com AH/SD, beneficiando a escola inteira.
Tais conjunturas, ainda que se mantenha o distanciamento necessário de transposição literal de contextos singulares, são opostas ao quadro brasileiro, cujos professores se colocam como dependentes das intervenções legais, são passivos no seu processo de (in)formação e alienados à práxis de diferenciação instrucional e curricular. Em que pese o fato de o ensino brasileiro ser organizado exclusivamente em salas de aula comuns, como verificado na E_O, o distanciamento se amplifica, quando se constata que as escolas brasileiras, por meio de padrões previamente definidos, usam o conceito de “média” para processos de ensino-aprendizagem de seus estudantes. O contexto americano mostrou ser avesso à média.
A média, como Medida de Tendência Central, é sensível a valores extremos (estudantes com desempenho aquém ou além da média), não sendo medida que deva ser tomada para balizar a práxis desse grupo assimétrico de estudantes, esquivando-se do atendimento do estudante com AH/SD. Mas, ao contrário, a média precisa ser lida e relida a partir de cada sujeito, em sua singularidade - exatamente como os dados apresentados ao longo deste artigo evidenciam, contrapondo-se totalmente aos fatores desencadeadores da invisibilidade e da falta de atendimento aos estudantes superdotados, no contexto brasileiro, focalizados na introdução deste artigo.