1. Introdução1
A proposta de pesquisa em tela é parte da tese do doutorado sobre ‘processos de ensino-aprendizagem híbridos por meio do dispositivo SSC’ defendida em 20202. A referida teve como problema de pesquisa: como os processos de ensino-aprendizagem híbridos podem favorecer as formas de acesso à informação, comunicação, interação, colaboração, cooperação, e os estilos de raciocínio e de conhecimento? O objetivo deste recorte da tese foi compreender os processos de ensino-aprendizagem híbridos por meio do dispositivo SSC no ensino fundamental dos anos finais. O processo de desenvolvimento da tese constituiu-se da elaboração de uma fundamentação teórica sobre aprendizagem, mediação, metodologias híbridas - ativas e inventivas, ensino híbrido e cibercultura, por meio das tecnologias digitais.
O dispositivo SSC foi construído na experienciação com a pesquisa de tese e configurou-se por processos de complexificação de conhecimentos. Manifestamos a análise dos processos que subsidiaram a construção do dispositivo e a sua experienciação com alunos e professores e esclarecemos as categorias emergentes durante o processo de análise, e não a priori, com a intenção de compreender para interpretar e reconstruir conhecimentos baseados nos temas procedentes dos discursos dos alunos e concepções e práticas dos professores transformados em corpus da pesquisa.
É uma análise qualitativa que se apresenta sistematizada a partir da ATD fundamentada na teoria do conhecimento complexo de Morin (2015) e na hermenêutica Gadameriana3 que busca a compreensão em sua totalidade em um movimento cíclico. Assim, “[...] as verdades necessárias, às vezes, estão nas coisas bem diante de nós. Para isso, precisamos do estudo disciplinado do particular” (Stake, 2011, p. 199). O desenho metodológico para os achados da pesquisa percorreu por um repertório de experiências destinadas a superar a oposição pesquisador e sujeitos participantes ativos da pesquisa no interior dos processos de produção coletiva dos saberes, visando seguir ações transformadoras.
Para tanto, recursos como grupos focais com diálogos abertos em grupos presenciais e virtuais por meio de redes de comunicações (grupo fechado no facebook), questionário, entrevistas, observação participante, e vivências coletivas nos processos de aprendizagens junto aos professores e alunos, foram preponderantes para a compreensão dos achados. Nesse contexto, a Análise Textual Discursiva (ATD) que se apresenta em quatro focos: unitarização ou unidades de análises, categorização, desencadeamento do novo emergente durante o processo de análise e auto-organização possibilitou evidenciar o novo encontrado nas interações por meio do dispositivo SSC.
Esclarecemos o termo dispositivo utilizado com o aporte teórico de Ardoino (2003, p. 80) que define como “[...] uma organização de meios materiais e/ou intelectuais, fazendo parte de uma estratégia de conhecimento de um objeto”. E Deleuze (1990, p. 155) que apoiado em Foucault (1972) define dispositivo como sendo:
[uma] espécie de novelo ou meada, um conjunto multilinear, composto por linhas de natureza diferente e essas linhas do dispositivo não delimitam ou envolvem sistemas homogéneos por sua própria conta, como o objeto, o sujeito, a linguagem, mas seguem direções diferentes, traçam processos que estão sempre em desequilíbrio, e que ora se aproximam ora se afastam uma das outras.
Assim, o termo dispositivo está sendo apropriado no contexto pedagógico, organizado para desenvolver a cognição constituído no fazer reflexivo e em desequilíbrio/equilíbrio num processo cíclico dos processos de aprendizagem. O ser humano é dinâmico e se ressignifica a cada experiência por meio das redes de conhecimentos com possibilidades de se reinventar de forma autônoma e de acordo com seus pontos de vista.
2. Síntese do dispositivo para o ensino híbrido SSC
O dispositivo possui sete momentos auto-organizados, processuais e cíclicos para a aprendizagem e estão descritas de forma mais aprofundadas e fundamentadas na tese. São eles: 1) conhecimento prévio do aluno; 2) metodologias híbridas (ativas e inventivas); 3) associação (conhecimento real e novo); 4) experienciação do conhecimento (solução e/ ou invenção do desafio); 5) complexificação do conhecimento; 6) compreensão e apropriação do conhecimento; 7) avaliação. Este, por sua vez, permeia todos os outros.
O dispositivo para ensino híbrido SSC aborda as etapas construtivas e reflexivas, mediadas pelas tecnologias digitais em espaços físicos e virtuais para a construção e compreensão de conhecimentos de forma colaborativa. Sobre a etapa relacional do conhecimento prévio do aluno o objetivo é conhecer um pouco dos estilos de aprendizagem e conhecimentos dos conteúdos curriculares nos espaços-tempos que o professor considerar necessários. A teoria dos estilos de aprendizagem contribui para a construção do conhecimento por meio de atividades com uso das tecnologias, devido às formas particulares e flexíveis de cada aluno, o que permite a personalização do ensino e a ergonomia cognitiva que colaboram para a construção do conhecimento.
A etapa relacional da utilização de metodologias híbridas com desafios reais e/ou inventivos são pensadas para contribuir com a maturidade cognitiva do aluno. Esse processo de crescimento se opera, por uma constante reorganização e reconstrução das experiências vividas, uma vez que os desafios instigam a criatividade e são fontes de apoio pedagógico para um trabalho problematizador, ou seja, ativo diante dos problemas do cotidiano. Instigar o aluno, individualmente e em grupo, em pensar e resolver problemas existentes deve ser o foco da aprendizagem colaborativa.
A associação do conhecimento é uma etapa do dispositivo SSC que se constitui devido ao processo de aprendizagem para o conhecimento novo e busca desenvolver capacidades intelectuais para compreender o que ainda não se conhece ou reconstruir a partir do que existe. Essa construção e reconstrução acontece por meio de um ciclo de atividades instigadoras e desafios reais capazes de promover novas descobertas. Com isso, o aluno começa a fazer comparações de conceitos, ainda não amadurecidos por meio das novas informações, através de situações concretas e pela experiência.
Com relação a experienciação do conhecimento as questões instigadoras e desafios reais são apoios pedagógicos que poderão ser desenvolvidos por meio dos modelos de ensino híbrido já existentes ou das metodologias híbridas de acordo com a escolha do aluno. Este, que já passou pelo processo de associações, contextualizações, incorporações necessárias para a construção do conhecimento novo, precisa experienciar e assim complexificar o conhecimento de acordo com seu nível de maturidade cognitivo.
A complexificação do conhecimento é uma etapa relacional e tem o objetivo de enfatizar o processo de aprendizagem em momentos de reflexão e de complexificação dos conhecimentos. Isso significa imergir o mais profundo possível para encontrar o esperado e o inesperado. Essa dinâmica contribui para as tomadas de decisões e ressignificação do conhecimento, resultado das relações e conexões e das constantes transformações. Portanto, separar dos conhecimentos para compreendê-los é uma ação segundo Morin (2015) de possível atrofia da capacidade para o conhecimento complexo.
Com referência a compreensão e apropriação do conhecimento é uma etapa do dispositivo SSC cujo objetivo é colaborar com o aluno na compreensão do provisional. É um ato de refletir sobre os temas abordados e, diante do pensamento crítico, compreender os conceitos, as ideias, e os temas para serem descobertos e redescobertos. Entendemos a aprendizagem como uma construção integral dos conhecimentos culturais e científicos, produzida pela humanidade e consideramos os pontos de vista guias de transformações das incertezas.
Os momentos das avaliações são de reflexões contínuas nas ações realizadas para os processos de aprendizagem. Professor e alunos juntos, numa relação dialógica dos saberes avaliam o desenvolvimento das atividades no decorrer dos processos para pensarem e decidirem como construírem a aprendizagem de forma significativa. Isso significa planejamento e avaliação flexível para que os conteúdos discutidos sejam apreendidos e compreendidos por todos os envolvidos.
3. Processos de aprendizagens colaborativas por meio do dispositivo para ensino híbrido SSC
Por meio do método de Análise Textual Discursiva - ATD apresentamos os processos de aprendizagens colaborativos na construção e experienciação do dispositivo SSC. Foram realizadas as análises referentes aos grupos focais, aos processos de aprendizagens realizados durante a pesquisa - atividades presenciais e por meio dos ambientes virtuais de aprendizagem (facebook e classroom) com os alunos do nono ano do ensino fundamental, participantes da pesquisa. Esses cenários virtuais/digital foram de escolha dos alunos das respectivas escolas, nos quais pudemos realizar atividades com oportunidade de discussões e aprendizagens e por conterem dados pessoais ficarão para inserção posterior. Foi considerado a ambiência necessária para a integração das atividades e envolvimento dos participantes da pesquisa que redesenharam as formas para aprender com objetos de aprendizagem - vídeos, links para atividades, textos, músicas, articulados aos assuntos desenvolvidos durante os processos. Assim a construção dos saberes agregada às práticas pedagógicas tornara-se atraentes e, de acordo com as narrativas, afirmamos que ressignificaram o pensar e fazer para a construção e reconstrução dos conhecimentos.
Os alunos das duas escolas pesquisadas participaram de seminários sobre profissionalização, ida ao cinema para realização de análises textual sobre o assunto trabalhado em sala presencial, bem como observação participante durante os processos construídos e realizados. Nesse item apresentamos as duas análises referentes aos alunos e professores da pesquisa durante os processos de aprendizagens.
A primeira fase de organização dos processos da ATD se estabelece na unitarização do corpus da pesquisa ou unidade de sentido em que se realiza a desmontagem dos textos para examinar de forma detalhada. Os quadros construídos e abordados aqui têm a intenção de dar visibilidade e detalhar os processos de experienciação. Cada etapa realizada da ATD está em evidência no texto e em movimentos de complexificação até a auto-organização e as desmontagens (unitarização). Em seguida, estruturamos as categorias iniciais, intermediárias e finais.
No quadro 1 apresentamos as unidades de análise/significados/sentido, que foram construídas durante as leituras observadas nos processos por meio de grupos focais, durante as visitas a museu e cinema; orientações sobre profissões, já que os alunos cursavam o 9º ano e precisavam escolher o que estudar no ensino médio; processos de aprendizagem em sala de aula/física e nos cenários virtuais/digital por meio da experienciação do dispositivo SSC. A observação participante foi viável para reconhecer e ampliar as percepções das narrativas dos alunos, na tentativa de conhecer as formas de interações e relações destes para o desenvolvimento das aprendizagens.
A formação das categorias iniciais emergiu das narrativas dos alunos participantes e posterior para as categorias intermediárias e finais. Nesta pesquisa não houve pretensão de testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las, mas tecer uma rede de diálogos construtivos de aprendizagens mediadas pelo dispositivo para ensino híbrido SSC.
3.1 Experienciação do dispositivo para ensino híbrido SSC: uma análise textual discursiva (ATD) com o corpus produzidos pelos alunos participantes da pesquisa
As categorias emergentes das duas escolas pesquisadas: EMEF Costa Melo da cidade de Aracaju/SE E EMEF Santa Marta em São Leopoldo/RS foram analisadas não separadamente, mas em único conjunto, trazendo as ideias dos participantes da pesquisa presentes nesse contexto ao alcance que se pode dar às suas vozes, já que o objetivo iria além de conhecer a realidade sem a intenção de resolver situações pontuais, e sim participar dos processos coletivos de construção de conhecimentos durante as práticas pedagógicas dos professores participantes na construção e experienciação do dispositivo SSC.
Tendo em vista que, mesmo sendo de contextos diferentes e disciplinas diferentes, são alunos com faixa etária semelhante, turmas do mesmo ano acadêmico, embora com processos de práticas divergentes em suas especificidades de áreas do conhecimento e estilos de ensino-aprendizagem. O importante foi caminhar com eles durante as realizações de aulas com os professores participantes da pesquisa, como estímulo para avançar nas construções das categorias intermediárias e finais, com base nas unidades do mesmo sentido/significado das categorias que iam sendo estabelecidas durante a análise.
Com essa disposição das categorias, percebe-se que sua condução se voltou para práticas pedagógicas colaborativas. Realizamos o processo de validação para que se perceba que as suas identificações se deram por encaminhamentos contínuos provenientes das unitarizações, unidades de análise/sentido até as categorias. Para Moraes e Galiazzi (2016, p. 105)
[categorizar] é reunir o que é semelhante. Na construção de um conjunto de categorias é importante que a organização se dê a partir de um único critério. O uso de uma única dimensão na classificação dos materiais conduz a categoria homogêneas, homogeneidade que deve ser aplicada a cada nível de categorização.
Depois da validação, as categorias ‘tecnologias’ e ‘relações interpessoais’ passam a ter outros sentidos. São válidas devido ao aspecto de serem parte dos processos de aprendizagem, homogêneas em relação as demais categorias, precisas por estarem bem situadas na relação de aprendizagem e com possibilidade de excluir outras ideias. No entanto, não se pode dizer que possuem as mesmas amplitudes das categorias que emergiram as subsequentes. O quadro abaixo mostra as diferentes interpretações das unidades de sentido que estão dispostas na unitarização em apêndice.
Com a nova interpretação da categoria ‘tecnologias’ ficou evidente que esta possibilitou ‘comunicação ubíqua’, ‘aprendizagem’ e ‘inovação’, assim como a categoria ‘relação interpessoal’ que se sucedeu em ‘trabalho individual’ e ‘engajamento’. Logo, ambas são constitutivas de outras e não podem ser descritas no mesmo grau. Realizado o processo de validação e feita essa nova análise a partir da unitarização dos textos e daremos início à produção dos metatextos, com base nas categorias iniciais, intermediárias e finais. Os metatextos segundo Moraes e Galiazzi (2016, p. 229) se constroem no seguinte percurso
[a] escrita propriamente dita de um texto é encaminhada a partir da categorização. Pode ser iniciada pela escrita de parágrafos com base nas categorias menos abrangentes construídas, seguida de um encadeamento cada vez mais consistente dos parágrafos entre si. Ao mesmo tempo estabelecem-se as interlocuções teóricas e empíricas com diferentes sujeitos no sentido da construção da validade dos textos produzidos.
Destacamos a categoria final enquanto compreensão mais complexa dos discursos produzidos em textos. Nessa etapa de comunicação dos processos, apresentamos uma tese geral baseada na categoria final PRÁTICA PEDAGÓGICA COLABORATIVA e passamos a teorizar sobre esta com o objetivo de ampliar as teorias já existentes e buscar construir novas visões teóricas que serão expostas na subseção a seguir.
3.1.1 Prática Pedagógica Colaborativa: metamorfose textual
Essa fase da análise textual discursiva, usando a expressão de Moraes e Galiazzi (2016) é a conclusão das metamorfoses que emergiram até aqui, pois, novas interpretações podem surgir quando mergulhamos nas leituras da escrita que comunicamos nossas ideias. Com isso, ancoramos na lição de Moraes e Galiazzi (2016, p. 222) que dizem
[mesmo] que esse processo produtivo de ideias sobre o tema seja em sua própria natureza inesgotável, podendo-se encontrar sempre novos interlocutores, é importante que o pesquisador-autor consiga estabelecer um limite em que nem se tenha um caos excessivo, nem que a complexidade dos elementos seja insuficiente para uma emergência efetiva de novos modos de compreensão.
Diante das interlocuções dos sujeitos participantes da pesquisa, das teorias a priori e das que emergiram a partir das compreensões, a emergência auto-organizada de novas compreensões surgiu com as construções e desconstruções das unitarizações e da intuição. Esta denominada por Moraes e Galiazzi (2016, p. 226) intuitiva globalizada. Esse modo de categorização exige, de acordo com os autores, maior flexibilidade, conviver com a insegurança e não ter medo de continuar no processo. E assim aconteceu, foram muitas paradas de reflexões para captar e teorizar, portanto, (re) produzir e comunicar o novo emergente.
A categoria final encontrada, PRÁTICA PEDAGÓGICA COLABORATIVA, se deu em um processo de transição entre os discursos dos alunos para apreender os significados das unidades de sentidos, por eles construídas como também da intuição. As considerações dos alunos acerca das relações interacionais e interpessoal de comunicação entre alunos e professores são de que aprendem e ao mesmo tempo ensinam, sendo uma relação de ensino-aprendizagem colaborativa.
Os alunos das escolas experienciadas4 apresentam em alguns de seus discursos:
MA/RS “me conectar com amigos e aprender pesquisando é uma coisa boa, simples, tudo é mais rápido”.
CL/SE “ a aprendizagem pela pesquisa e tirar dúvidas com o professor ajuda muito”;
JE/RS “gosto dos professores que são bastante divertidos, maneira que nos dão aula”
AL/SE “estilos de aulas diferentes que ajudam a comunicar com colegas e professores e escolas sem quadros com atividades online e em vídeo”.
SM/RS “é um professor que interage bem com as turmas e tem uma boa postura de professor e na minha opinião é o professor mais legal da escola”
AL/SE “eu apoio o Ensino Híbrido e a representante professora Sheilla está de parabéns por ter esse impulso em levar esse tipo de ensino diferente para os estudantes”
LI/RS “a tecnologia ajuda bastante no dia a dia de várias pessoas as auxiliando-as no trabalho e curiosidades matinais”
JP/SE “a tecnologia e a internet são importantes para aprendizagem e para o trabalho”.
Esses discursos representam o processo de aprendizagem como sendo uma ação didática construída, coletivamente, e entendemos ser essencial para uma prática que se deseja ser colaborativa. Kenski (2012, p. 88) afirma que
[as] tecnologias ampliam as possibilidades de ensino para além do curto e delimitado espaço de presença física de professores e alunos na mesma sala de aula. A possibilidade de interação entre professores, alunos, objetos e informações que estejam envolvidos no processo de ensino redefine toda a dinâmica da aula e cria novos vínculos entre os participantes.
Os interesses e objetivos relacionados à construção e reconstrução de conhecimentos precisam ser comuns fortalecendo a parceria e engajamento de todos. Deve-se levar em consideração nessa relação os tipos de níveis5 e diferenças de conhecimentos específicos de alunos e de professor. Sabe-se que os conhecimentos dos alunos de modo geral e do ensino fundamental aqui em análise são provenientes do campo empírico, portanto, incertos.
Por meio dessa natureza complexa do conhecimento, compreendemos a aprendizagem na perspectiva Vigotskiana como processos sócio-interacionistas e nas relações interpessoais cuja mediação para conhecer se dá entre as pessoas, mas não isoladamente. E, nesse processo, consideramos os diferentes níveis cognitivos dos alunos e do professor como pontos de referências para uma prática pedagógica colaborativa, ao passo que destacamos os cenários de aprendizagem presenciais (físicos) e/ou virtual (digital) como elementos importantes para os processos de aprendizagem socialmente construídos em colaboração.
Na medida em que professores compreendem os diferentes níveis de conhecimentos dos alunos sobre determinados assuntos, ele tem condições de mediar a construção e reconstrução do conhecimento potencial e transitório em colaboração. Denominamos esse conhecimento transitório em colaboração a partir da ideia da ZPD de Vigotski (2007) e agregada à ideia de que o conhecimento não é estático, mas um processo contínuo que se transforma.
Foi possível sentir e refletir, durante a experienciação os movimentos dos processos de construções de conhecimentos, a falta destacada por eles de uma relação interpessoal que considere as suas respostas, suas dúvidas, limitações e anseios. Dessa forma, podemos nos apropriar dessa condição de desejos coletivos para a promoção e engajamento dos planejamentos e ações realizadas por meio de dispositivos sejam eles a pesquisa, o ensino híbrido, as tecnologias digitais e, uma proposta pedagógica com consideração relevante aos estilos de aprendizagem, aos saberes, aos fazeres e experiência, enquanto oportunidades para criação ou recriação do novo conhecimento. Como enfatizado por Nóvoa (1995, p.23), “o trabalho do professor depende da colaboração do aluno”. Assim como a aprendizagem do aluno depende da colaboração do professor. Durante a participação com os sujeitos da pesquisa, pude vivenciar momentos de interação e colaboração de aprendizagens nos espaços físicos quanto virtual/digital. As figuras 3 e 4 mostram parte dos processos de experienciação do dispositivo SSC.
Esses registros são produtos do contexto da pesquisa-ação-intervenção com alunos e professores das escolas estudadas. Entender as relações interpessoais e interacionais como substanciais aos processos de aprendizagem pude refletir sobre aspectos afetivos e a relação de empatia entre alunos e professores. Na relação da afetividade e aprendizagem, para Vigotski (2001, p. 455), “o mestre deve viver na comunidade escolar como parte inalienável dela e, nesse sentido, as suas relações com o aluno podem atingir tal força, transparência e elevação que não encontrarão nada igual na escola social das relações humanas”. Os conhecimentos específicos dos alunos e professores, bem como seus níveis cognitivos são impulsionadores da prática colaborativa se, nessa relação, houver respeito aos diferentes pontos de vista.
Esse processo relacional tanto por meio da presença física/ face a face quanto virtual/digital vem sendo cada vez mais expandida com as tecnologias digitais e suas possibilidades interativas. Todavia, assim será, se bem apropriadas por professores e alunos para os processos de aprendizagem provocadores e estimulantes das relações interpessoais que tanto os alunos conclamaram em seus discursos.
Temos como aliadas as tecnologias digitais para o processo relacional consideradas como pontos positivos mencionados pelos alunos: JE/RS “[...] considero pontos positivos o modo de se comunicar que é mais rápido e prático, agilidade para realizar trabalhos, tecnologia hoje em dia serve para tudo, se informar sobre o tempo, se informar sobre segurança, etc,” e GU/SE “[...] a tecnologia é importante para se comunicar com quem está distante”. Essas considerações são reais na e para a vida das pessoas por isso, entendo que as tecnologias digitais com destaque para a rede internet e as criações das mídias sociais tais quais Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter, Telegram e outras são redes de comunicações e interações com condições de ajudar nos modos de compreender os conhecimentos de acordo com a teoria da complexidade na perspectiva de Morin (2015) ou por associações de acordo com o que Latour (2012) chama de rizomas ou movimentos vivos e associativos que formam o social.
Essa cultura está representada nos atos de pesquisar assuntos em sites de busca, de mobilidade conectiva através do wifi, 4G, GPS, de interagir por meio das leituras, concordando, discordando e compartilhando nas mídias sociais em contextos híbridos, reticular6, atópicos7, pervasivos e ubíquos8. Em vista disso, as práticas pedagógicas precisam estar associadas à essas culturas híbridas e conectivas e serem vivenciadas enquanto experiências vivas9 que valorizem a criatividade e o papel de coautoria de alunos e professores.
Essas experiências, por conseguinte, possuem qualidades que segundo Dewey (1976, p.16) compreendem dois aspectos: “o imediato de ser agradável ou desagradável e o mediato de sua influência sobre experiências posteriores”. Com isso, a prática pedagógica colaborativa não só pode promover prazer no processo de conhecer, mas despertar para que alunos e professores consigam construir significados ao que está aprendendo e lhes sirvam em situações do cotidiano ao longo da vida.
Ao passo que o professor ampliará seus conhecimentos teóricos e práticos, os alunos tecerão suas redes de conhecimentos o que Dewey (1976) chamou de “continuum experiencial”. Essa ênfase da continuidade é trazida por Osorio (2011, p. 89) “como um conjunto de ideias que apoiam o design e o desenvolvimento de atitudes educacionais em ambientes híbridos de aprendizagem como ambientes para a construção individual e colaborativa do conhecimento”. Logo, atitudes, objetivos, relações interpessoais e interacionais e engajamentos são condições necessárias para que os processos de aprendizagem desenvolvidos em ambientes híbridos correspondam aos anseios do alunado. No subitem que segue, relatamos o corpus produzido pelos professores e as análises de seus discursos e práticas.
3.2 Experienciação do dispositivo para ensino híbrido SSC: uma análise textual discursiva (ATD) com o corpus produzidos pelos professores participantes da pesquisa
Os professores participantes da pesquisa têm cerca de 10 anos de magistério. A professora identificada por PPCM possui licenciatura em Letras Vernáculas e mestrado em Linguística Textual pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e o professor identificado por PMSM é licenciado em Matemática com mestrado em educação e Ciências da Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Nessa etapa serão compreendidos dois metatextos PB (categorias intermediárias) e PC (Categoria final). Nesse último metatexto, apresentamos as considerações e teorização, a partir do que se pode constatar, sobre os discursos dos professores, pois nesse momento há desconstrução-reconstrução importantes para emergir novas formas de compreensões sejam elas provenientes de consensos ou dissensos. Com isso, elas são criadas por processos autopoiéticos10 que alimentam a capacidade de nós humanos interpretar, autotransformar e autoadaptar sem perdermos nossa identidade.
O Metatexto PB é constituído a partir das categorias intermediárias: formação continuada, interação, motivação, tecnologias e ensino híbrido. Nesse metatexto os sujeitos participantes da pesquisa, os dois professores (PPCM e PMSM), serão contemplados em seus modos de compreender as categorias elencadas de forma discursiva coletiva com base sociocultural apresentadas por cada um, durante os processos da pesquisa, bem como da entrevista. Assim, foram realizadas as articulações entre as categorias iniciais e as intermediárias para os ajustes de ideias dos sujeitos participantes da pesquisa, trazendo proximidades com as teorias para atingir interpretações mais aprofundadas conforme o método de análise aqui utilizado expressa.
A categoria formação continuada está relacionada à formação em serviço e formação inicial e continuada. Os caminhos percorridos por estes professores apresentaram rastros de experiências de vida que demonstraram profissionalismo na busca de compreender e ser compreendido, mesmo com as dificuldades abordadas e conhecidas por eles. Assim, embora haja percalços o compromisso faz com que eles acreditem valer a pena percorrê-los, haja vista cada dia ser um começo e recomeço de aprendizados que surgem por processos dinâmicos e coletivos aprendidos no fazer.
Constituir-se enquanto ser em construção é permitir-se conhecer, no entanto, como disse Maffesoli (2006) a vida social se organiza para o que é previsível através da razão sem saber, que isso acaba promovendo fadiga. E esta, é talvez a causa principal de apatia nas relações afetivas, depressão, estresse, indiferença com o político e desinteresse no exercício da profissão. Assim, a magia de ser professor deve ser de tal modo que encontre e se encante com cada caminho percorrido, que o autoconhecimento sirva para desvendar os mistérios próprios da vida, assim como os saberes diversos surjam para promover um ambiente de trabalho mais leal, amoroso e que agregue as pessoas para a interação humana.
Quando a professora (PPCM) reclama de que a “[...] universidade não prepara os professores para educação básica, de modo geral e se mantém afastada dela, pois não promove discussões e ações que ajudem nos contextos educacionais” é uma constatação e ao mesmo tempo trata-se de uma questão antiga e, que Candau (1997, p. 49), em sua pesquisa sobre os rumos das universidades traz uma reflexão
[somente] um movimento que parta dos profissionais diretamente envolvidos poderá ir ampliando sua base de sustentação e ir construindo uma prática coletiva, rompendo, assim, com o caráter individualista que tem marcado o exercício do magistério em todos os níveis, especialmente no superior.
Apoiamos essa conclamação, mas somos a favor de desenvolver a capacidade de conhecer de forma muldimenssional para entender melhor as partes. A formação continuada é o alicerce capaz de dinamizar os processos de ensino-aprendizagem, além de viabilizar a consolidação das redes de trabalho coletivo, tornando a escola um espaço de formação contínua. Nóvoa (1995, p. 25) destaca
[a] formação não se constrói por acumulação de cursos, de conhecimentos ou de técnicas, mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante investir na pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência.
Ao invés de formar professores para usos das tecnologias digitais como ocorrem com as políticas públicas implementadas na educação, os professores discutem sobre a necessidade de se apropriar das tecnologias digitais de modo a integrá-las nos processos de aprendizagem, levando em consideração os vários universos culturais das pessoas, para assim facilitar a produção ou reprodução do conhecimento numa visão crítica de acordo com o seu propósito de vida. Nessa perspectiva, a categoria interação emergida nos discursos dos professores é compreendida na relação com o professor-aluno, relação universidade-escola, relação professor-aluno-universidade-escola. A pesquisa com os professores mostrou o quão a interação entre os professores e os alunos tornam os processos de aprendizagem muito mais dinâmicos e atrativos; isso é constatado nas orientações dos professores para a realização das atividades, nas considerações das falas dos alunos quanto ao desenvolvimento das etapas do dispositivo SSC, ou seja, escolhas das metodologias a serem utilizadas nos processos de aprendizagem e nas observações de como os alunos se articulam para resolver problemas.
Essa categoria emergiu, também dos discursos da professora (PPCM) participante da pesquisa “[...] a troca de experiências tanto do aluno com o professor, quanto do professor com o aluno não só de questões teóricas, do currículo, mas também extracurrículo deve ser considerado” e do professor (PMSM) “[...] trabalho em grupo e equipe tem que ser mais valorizado no ambiente escolar”. Para estes professores, (PMSM) “utilizar o Facebook para a comunicação com os alunos como meio de expressar as dúvidas e o professor sanar com elas, utilizar jogos para aprender os conteúdos” e (PPCM) “produzir vídeos e fazer debates” foram exemplos de que a interação ocorre de forma mais agradável quando há afeição entre as pessoas. Nesse sentido, ficou evidente que o “compartilhar dúvidas, saberes e até mesmo elogios” de acordo com o professor (PMSM) são provenientes de reações recíprocas e sem condenação do que está sendo compartilhado, mas de respeito mútuo pela diversidade de pontos de vista próprios das pessoas.
Para ajudar essa realização, a cibercultura assegura a interação e a interatividade, pois de acordo com Lèvy (1999) é um processo relacional comunicativo entre as pessoas, as tecnologias, as informações e toda representação cultural como objetos, monumentos, cidades, músicas e todos os tipos de gêneros textuais. Essa transformação causada pela conectividade generalizada da internet vem reconfigurando as redes sociais e as práticas comunicacionais. Com isso, torna-se emergente que professores e alunos numa relação de engajamento mútuo se inspirem na cultura digital para usufruir dos benefícios das tecnologias digitais no tocante ao aprimoramento das capacidades mentais, e levando-as à condição de sábios digitais, conforme apregoa Prensky (2012).
Os processos interacionais para construir e reconstruir conhecimentos são conquistas a serem cada vez mais buscadas por todos que pesquisam sobre os conhecimentos, desse modo, Vigotski (2008, p. 67) enfatiza que “[...] um conceito não é uma forma isolada, fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da comunicação, do entendimento e da solução de problemas”. Então, respeitar o pensamento individual para construir o pensamento complexo é uma expectativa dos professores entrevistados.
A categoria motivação relacionada com a motivação profissional, aprendizagem e trabalho em equipe. Partindo do pressuposto de que a afetividade é um vínculo importante para uma relação entre professor e aluno, os processos de aprendizagem gerados com satisfação são frutos, também, da motivação em ensinar-aprender juntos. Nesse sentido, os professores buscam relacionar-se com os alunos objetivando promover vínculos capazes de tornar possível a satisfação recíproca de quem ensina e aprende numa relação dialógica. Para Freire (1980, p. 109) “o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”.
Os professores justificam suas motivações pelo fato de: “[...] ver o desenvolvimento intelectual e social dos alunos, [...] em saber que contribui na aprendizagem da leitura e escrita dos alunos de forma gradual” (PPCM). “Gosto de me sentir útil, [...] é possível transformar o mundo [...] eu me sinto bem com os alunos[...]” (PMSM). A pesar de não serem tão valorizados, discursos dos professores, tais constatações evidenciam que a categoria motivação é essencial para o desenvolvimento e permanência da carreira de professor que está, também, relacionada aos processos de aprendizagens.
Enfatizamos o conceito de biologia do amor de Maturana (1998) que tem como alicerce a ideia de que o amor é “um domínio de ações”, portanto, nas ações dos professores da pesquisa pude constatar posturas de convivência com seus alunos diante do respeito mútuo que pude evidenciar nas minhas observações participantes e em alguns discursos dos alunos: Aluna JO (CM): “estou adorando participar dessas aulas de ensino híbrido, porque quebra esse tabu de sala de aula e deveres no quadro”. Aluna SM (SM): “eu gosto de estudar matemática porque o professor João tem boa explicação, sempre fazendo com que o aluno entenda melhor os conteúdos e é um professor que interage bem com as turmas e tem uma boa postura de professor e na minha opinião é o mais legal da escola”. As considerações dos professores quanto aos processos motivacionais são pontuais e estão diretamente ligadas ao ser professor construído no seu percurso profissional e humano em prol de tornar sua prática pedagógica mais adequada e satisfatória, tendo as tecnologias como possibilidades de criação e invenção de estratégias para esse fim.
Nesse percurso de análise textual discursiva, emerge a categoria tecnologias relacionada a artefatos tecnológicos e apropriações para aprendizagem. Não se trata de uma discussão tecnocêntrica entre os tecnófobos e tecnófilos, cujas preocupações estão principalmente no que é (artefatos) e como fazer (métodos) que são partes da cultura do ser humano, mas da preocupação com o entendimento do que é a tecnologia como cultura promotora do bem-estar das pessoas que se apropriam dela e possam contribuir para a consolidação de projetos de ensino engajadores e democráticos e, longe de colaborar com mecanismos obscuros contra a vida das pessoas.
Destacamos as acepções do termo tecnologia, discutido pelo filósofo Vieira Pinto (2005): tecnologia como logos da técnica, ou epistemologia da técnica; tecnologia como equivalência da técnica; tecnologia no sentido de conjunto de todas as técnicas de que dispõe determinada sociedade e tecnologia como ideologização da tecnologia. Técnica é entendida pela definição de Vieira Pinto (2005, p. 175) como “mediação na obtenção de uma finalidade humana consciente”. E não ao embasbacamento, ou seja, o pensamento acrítico sobre a tecnologia tão presente na sociedade. Bruseke (2010) corrobora com a preocupação do pensamento acrítico perante a tecnologia e enfatiza o desocultamento como algo próprio da técnica moderna, algo definidor da relação do homem com o mundo. Para Bruseke (2010, p. 43-44)
Nós pensamos tecnicamente e desocultamos o mundo tecnicamente, supondo que este mundo se deixa reduzir aquilo que denominamos matéria; supondo também um mundo objeto, que esteja à espera de que o homem descubra seus mecanismos internos, para desmontá-lo e recompô-lo ao seu gosto.
No entanto, o que se defende é compreender as tecnologias como criações da inteligência humana, portanto, essas devem servir aos propósitos do humano, essencialmente no campo da educação e desenvolvimento dos processos de aprendizagem quando assim assimiladas. Para a professora (PMSM)
[elas] facilitam a aprendizagem. Por exemplo posso trabalhar com determinado gênero utilizando uma tecnologia. Posso levar meu aluno a produzir um texto dissertativo crítico por meio de um vídeo. Ele pode filmar um outro colega, fazendo debates, apresentando argumentos. Então acho que a tecnologia pode ajudar nesse sentido. Já que eles usam, não todas, porque nem a todas têm acesso. Esse negócio de dizer que todos têm acesso é mentira. Mas elas facilitam a aprendizagem.
O discurso da professora evidencia os vieses da tecnologia e como eles se articulam de acordo com a percepção que se tem dela. É fato que as contribuições oferecidas sejam para quem tem acesso e consegue utilizar para beneficiar a si e a outrem, mas também, como mostra a professora, a apropriação do conhecimento é algo que depende dos processos cognitivos que ajudem a distinguir uma informação com fundamento científico, daquele cujo objetivo é distorcer a realidade e se beneficiar em detrimento da ignorância cognitiva. Nessa linha de pensamento, o professor (PMSM) percebe as tecnologias
[eu] vejo que as tecnologias têm de estar presentes sempre na educação porque faz parte do dia a dia, mercado de trabalho. Então eu não vejo elas como uma coisa boa ou ruim, eu vejo como uma ferramenta qualquer e que a gente tem que aprender a utilizar de maneira correta. E esse aprendizado da maneira correta para se utilizar na educação eu vejo que está ainda muito no início.
A essas compreensões destaco Vieira Pinto (2005), Lèvy (1998) e Castells (2015) que corroboram com a premissa da tecnologia ser o meio e não o fim. Outro ponto em comum desses autores se refere aos projetos e modelos implementados de forma descontextualizada da realidade dos locais que deverão ser apropriados pelos professores, alunos, gestores e toda comunidade escolar. Nesse sentido, a tecnologia é uma atividade desenvolvida pelo humano por isso, subordinada aos aspectos de concepção humanos, de educação, de ética e moral.
A professora (PPCM) ressaltou a necessidade de “participação dos governos juntos às escolas, a própria tecnologia e qualificação profissional” e o professor (PMSM) tem outra realidade, pois a escola onde trabalha possui uma variedade de tecnologias digitais, mas mesmo assim ele menciona “eu gostaria de trabalhar mais as coisas que eu ainda não tenho domínio. Por exemplo, eu gostaria de trabalhar com programação”. O que está em pauta diante dos discursos dos professores quanto às tecnologias digitais nos processos de ensino-aprendizagem referem-se a paradoxos que perduram e podemos inferir a necessidade de uma política educacional de inserção das tecnologias digitais na educação, de forma responsável, comprometida e de valorização aos professores que colaboram na construção de uma literacia de apropriação das tecnologias nos processos de aprendizagem.
A categoria ensino híbrido está relacionada ao ensino-aprendizagem e apropriação das tecnologias e, emergiu a partir da apresentação aos professores do conceito e se desenvolveu na experienciação do dispositivo SSC. A definição de híbrido nos estudos de Latour (1994, 2012) é uma associação entre o mundo natural e o social, em que os elementos da natureza e cultura, de humanos e não humanos são inseparáveis. Ensino híbrido como sendo “qualquer programa educacional formal no qual um estudante aprende, pelo menos em parte, por meio do ensino híbrido on-line, com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, o lugar, o caminho e/ou ritmo” (HORN & STAKER, 2015, p.34). E a definição do dispositivo para ensino híbrido SSC como sendo “processos metodológicos auto-organizados em etapas construtivas e reflexivas, mediados pelas tecnologias digitais em espaços físicos e virtuais para a construção e compreensão de conhecimentos de forma colaborativa”. (Conceição, 2020, p. 85).
Após uma discussão sobre o assunto, a professora (PPCM) entendeu ensino híbrido
[é] aquele em que podemos utilizar recursos da tecnologia para servir de suporte, alicerce pra essa aprendizagem. Então para aprender algo e esse algo iniciar em sala de aula, mas com o suporte da tecnologia para complementar e incrementar esse estudo que estou fazendo com determinado conteúdo. Então uso a modalidade presencial e on-line.
E o professor (PMSM)
[acho] legal dar uma visão diferente para os alunos e também a questão de a escola não terminar na escola, as atividades não terminarem na escola, os alunos poderem pensar em aprendizagem em conteúdo matemático ou não. Qualquer outro tipo de aprendizagem fora da escola. Acho que o ensino híbrido vai suprir essa necessidade. Agora eu percebo em meus alunos aqui, hoje uma dificuldade de usar as tecnologias na residência deles, mas é uma área que a gente tem que ir avançando aos pouquinhos, não pode se limitar aos muros da escola.
Esses destaques dos professores participantes da pesquisa tais quais tecnologias, modalidades de ensino-aprendizagem (presencial/ físico e virtual/digital), integração escola-espaços-tempos-atividades-tecnologias são compreensões de elementos do ensino híbrido e de inovações sustentadas híbridas e disruptivas que fazem parte das apropriações necessárias para aprimorar e melhorar os processos de aprendizagem.
Na educação essa hibridização pode ser vista na combinação dos elementos educacionais já existentes que se agregam ao ensino on-line através de propostas de aprendizagem compartilhada em processos de interação e interatividade. A urgência referente à infraestrutura e conhecimentos necessários para atuar de forma mais adequada na educação são destaques no discurso da professora durante a realização da pesquisa e em entrevistas.
O ensino híbrido é uma atitude de gestores, professores e alunos com objetivos de desenvolver planos de engajamentos coletivos para a construção do conhecimento complexo conforme Morin (2015). O metatexto PC constitui-se após novas análises de atributos e compreensões das categorias iniciais e intermediárias encontradas nos discursos e convivência com os professores da pesquisa. Assim, emergiram para a categoria final: Prática Pedagógica do Professor relacionada à pesquisa e ensino-aprendizagem.
Falar em prática pedagógica é entender a pedagogia enquanto articuladora das culturas e dos sujeitos envolvidos no ato de aprender, considerando que antecedem, continuam e vão além da escola. Sacristán (1999, p.74), entende como uma “bagagem cultural consolidada acerca da atividade educativa, que denominamos propriamente de prática ou cultura sobre a prática”. Já a prática educativa compreende, de acordo com o autor, a ação do professor através de suas experiências acumuladas durante suas ações para a aprendizagem.
Diante desse esclarecimento, os conceitos de prática pedagógica e educativa se articulam, mas possuem especificidades quanto as suas epistemologias na contemporaneidade. Destacamos dois sentidos complementares e não excludentes sobre práticas educativas e pedagógicas: a primeira de caráter normativa do ofício de ser professor, ou seja, está ligada ao como ensinar para atingir objetivos, no entanto se compõem por culturas compartilhadas, amplamente diversificadas e reconstruídas. A segunda, possui caráter construtivo e coletivo com intencionalidades que considerem as diferenciações do humano, a complexidade e dinâmicas próprias dos processos de aprendizagem, isto é, está relacionada ao por que ensinar. Sendo assim, a pedagogia é uma prática social que dar sentidos às práticas educativas.
Esta explicação ressalta a categoria Prática Pedagógica devido aos discursos e práticas dos professores em apresentarem ponderações sobre suas próprias formações. A professora (PPCM) menciona na entrevista que “o município através da SEMED não oferece cursos da parte textual, que é a que mais me interessa”. “A universidade faz crítica à educação básica, mas na verdade ela não está aberta para educação básica em muitos vieses”. “Grupo de pesquisa eu preferi até o momento deixar de lado, embora eu sei que é uma coisa importante que ia agregar demais a minha vida acadêmica e principalmente profissional”. O professor destaca a SEMED por “sempre tem cursos, mas devido aos horários é difícil, a viabilidade da escola liberar o professor é complicada”. “Eu participo do grupo de pesquisa com a professora Eliane Schlemmer da UNISINOS/RS e tem sido muito produtivo minha prática com gamificação”. Esses discursos mostram seus perfis de atuação direcionados para a preocupação com os conhecimentos considerados importantes para uma prática pedagógica que possibilite a aprendizagem dos alunos.
Consideramos as práticas dos professores da pesquisa, estabelecidas na relação com o outro, ou melhor, mediada por negociações e deliberações coletivas com objetivos de produzir saberes referentes aos conteúdos, metodologias, projetos de aprendizagem, avaliações, às questões sociais, políticas, ética e de valores. Enfim, um conjunto de saberes que ajudam no acompanhamento crítico e dialógico dos processos de aprendizagem entre alunos e professor.
Nessa relação de saberes, as tecnologias são produtos construídos pelos seres humanos, mas com propósitos que se diferem de acordo com a intenção de uso. No entanto, a prática pedagógica do professor com esse fundamento, parte do princípio de que as tecnologias digitais na contemporaneidade precisam ser apropriadas de modo crítico. Nesse sentido, Lèvy (1999, p. 174) enfatiza
[não] se trata aqui de usar as tecnologias a qualquer custo, mas sim de acompanhar consciente e deliberadamente uma mudança de civilização que questiona profundamente as formas institucionais, as mentalidades e a cultura dos sistemas educacionais tradicionais e sobretudo os papéis de professor e de aluno.
Essa é uma dinâmica social em que há contingências próprias das transformações humanas e tecnológicas, portanto, nessa relação tudo pode acontecer quer seja para o benefício, quer seja para causar malefícios às pessoas, a depender de como são entendidas e dos propósitos de uso. Nas palavras da professora (PPCM) ela percebe “o mau uso delas é quando a gente vai para a tecnologia, pesquisa um assunto, mas não se apropria dele”. E o professor (PMSM) destaca a experiência com um jogo “[..] foi uma ferramenta utilizada para ensinar alguns cálculos da matemática. Então depende da maneira como a gente usa”. Nessa perspectiva, percebemos as concepções acerca das tecnologias nos dois vieses de apropriação.
Com relação às metodologias e estratégias para os processos de aprendizagem, a professora (PPCM) “Leitura, reescrita de textos, colagem, debates, peças de teatro, projetos. Não fico só nos conteúdos, mas abordo exercícios que trabalham os vários aspectos dos gêneros. Não fico no pergunta e resposta”. O professor (PMSM) utiliza-se de “Aula expositiva, trabalho em grupo, pesquisa, aulas práticas, atividades individuais, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem em pares e Gamificação”.
O educar pela pesquisa no viés da própria prática profissional do professor (PMSM) é tão importante quanto o utilizar a estratégia da pesquisa para desenvolver os processos de aprendizagem com seus alunos. Logo, o professor é aquele que aprende quando pesquisa ao passo que ensina por meio dela em processos dialógicos considerando os diferentes pontos de vista como fonte de pesquisa e análises.
Há uma fala do professor (PMSM) que destaca a preocupação com a formação dos alunos: “Eu penso na questão do mercado de trabalho. Eu não sei se a educação vai conseguir suprir as demandas do mercado de trabalho, acho que não”. A figura mostra a reunião com alunos, professores da escola e convidados externos para falar sobre as possíveis profissões no mercado de trabalho na atualidade.
A prática pedagógica dos professores da pesquisa foi marcada por engajamentos destes e dos alunos nas propostas dos projetos idealizados. Houve intenções que ultrapassaram os conhecimentos conteudistas, levando os alunos a pensarem e discutirem sobre suas vidas no presente e futuro. As ações foram baseadas na relação entre teoria e prática para que os alunos aprendessem de acordo com suas diferenciações cognitivas e, levando em consideração que eles podem aprofundar os conhecimentos. Havia uma organização das aulas por meio de projetos com atividades fora do espaço de sala de aula a exemplo de visita ao museu, cinema e palestra sobre quais profissões são destaques na atualidade.
Tais atividades se hibridizaram com as questões problematizadoras para que houvesse a máxima participação dos alunos. Isso, pode ser constatado nas narrativas dos alunos quanto a essa categoria quando estes consideraram interessantes e dinâmicas as aulas. De acordo com Sacristán (1999, p. 75)
As marcas das ações passadas são bagagem de prática acumulada, uma espécie de capital cultural para as ações seguintes; essa bagagem é possibilidade e condicionamento que não fecha a ação futura. A sociedade cria as condições para a ação, a fim de que os seres humanos possam agir e o faça de uma forma determinada, como fruto da socialização, mas as ações envolvem decisões humanas e motivos dos sujeitos.
Nesse sentido, a preocupação que se evidencia na consideração sobre a prática pedagógica dos professores está na concepção de educação, humanização, dialogicidade e emancipação. Essas foram as premissas de Freire (1983) quando na apresentação de sua visão de homem enquanto “[...] ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, o que o faz ser o ente de relações que é.” (FREIRE, 1983, p. 39).
Vale ressaltar que essa prática do professor é um enfrentamento contínuo do que pode ocorrer no dia a dia de ensino-aprendizagem, mesmo que seja planejada e construída com base em seus princípios pedagógicos e sociais. Em virtude disso, consideramos a prática pedagógica um ato individual, social, interacional e complexo, enfatizando mais uma vez que a análise dos discursos é de caráter inacabado, por causa de outras interpretações que podem surgir, portanto, são indicativos para outras pesquisas e análises.
4. Considerações finais sobre a aprendizagem colaborativa mediada pelo dispositivo SSC
Com as análises ficou perceptível que alunos e professores anseiam por inovações das práticas pedagógicas tendentes a uma aprendizagem compartilhada e dialógica, mediada pelas TDIC. Os processos de aprendizagem durante a experienciação foram destacados pelo aspecto relacional, exibido nas modalidades presencial e virtual pelos engajamentos, relatos dos discursos dos alunos e professores da pesquisa o que responde ao problema da pesquisa e atinge ao objetivo deste recorte de tese que foi o de compreender os processos de ensino-aprendizagem híbridos, por meio do dispositivo SSC no ensino fundamental dos anos finais. Entretanto, não se pode generalizar, visto que as ações humanas se mantêm em particularidades-genericidade constantemente.
O texto apresenta os processos de aprendizagens colaborativos e híbridos por meio do dispositivo SSC no ensino fundamental dos anos finais. Foram percursos construídos por criações, descobertas e realizações de atividades que tornaram instigadores. As etapas relacionais do dispositivo SSC nos processos de ensino-aprendizagem foram analisadas durante a experienciação. A primeira refere-se ao conhecimento prévio dos alunos utilizando-se do questionário de Honey e Alonso (2000), apresentado para fazer um diagnóstico de como os alunos aprendem. Com relação à etapa relacional das metodologias híbridas foram escolhidas pelos professores, de acordo com a apropriação para o desenvolvimento das atividades. A professora utilizou a metodologia aprendizagem por projetos, já o professor trabalhou na perspectiva híbrida e agregou método de pesquisa com gamificação.
A etapa referente à associação dos conteúdos foi analisada por meio da observação participante, dos grupos focais e dos registros feitos durante a experienciação nos espaços físicos e virtuais de aprendizagem. Na atividade sobre a influência africana na Língua Portuguesa apresentada em vídeo, alunos fizeram associação da palavra rastafári aos cabelos de pessoas negras, assim como a palavra sinhô associaram às novelas que ouviam as expressões dos escravos referentes aos senhores brancos e ricos. A partir de tarefas atribuídas pelos professores para os alunos realizarem e responderem aos desafios, os alunos teriam que experienciar e apresentar a solução ou invenção.
Nessa etapa da experienciação do conhecimento, apresentamos duas situações: criar ou inventar uma solução para o problema da escola que tem áreas ociosas e, como solução sugeriram a construção de horta, espaços de games e de conversas. Outro desafio foi pensar em problema surgido durante o ano letivo e escrevessem uma solução para ajudar os alunos do nono ano seguinte. Destacaram a desunião da turma e, como solução, consideraram importante a criação de grupos para conversar, fazer amigo secreto, montar horários no contra turno para estudarem juntos. Assim, os alunos puderam dialogar em grupo sobre as soluções, motivando assim aproximações dos conhecimentos discutidos no coletivo.
A etapa relacional do dispositivo SSC complexificação do conhecimento foi um momento importante para refletir sobre as produções, ou melhor, questionar-se tanto individualmente, quanto em grupo, em razão de que o compartilhamento das soluções ou invenções são decisivos para que as modifiquem e as aprimorem. Nesse momento, buscamos discutir com os alunos e professores, por meio de diálogos relacional nos espaços físicos e virtuais, e comentassem sobre suas produções, as quais estão armazenadas nos cenários virtuais de aprendizagem, utilizados pelos diferentes grupos em arquivo pessoal. Pudemos constatar as articulações dos conhecimentos nos comentários uns dos outros, o que lhes permitia argumentar e rever seus pontos de vista.
Esse movimento dialógico permitiu a compreensão e apropriação do conhecimento no decorrer da vida e vai sendo reconstruído em novas compreensões e apropriações. Assim sendo, as produções, as observações feitas e gravadas durante as discussões e os relatos dos alunos e professores mostraram que o desenvolvimento dos processos de aprendizagens, mediado pelo dispositivo para ensino híbrido SSC, configurou-se pelo engajamento dos alunos e professores da pesquisa, demonstrado nas categorias finais Prática Pedagógica Colaborativa e Prática Pedagógica do Professor. E a avaliação permeou por todas as outras etapas, já que são momentos de análises constantes nos processos desenvolvidos.
A análise da experienciação do dispositivo SSC percorreu em rastros e achados de intensas reflexões dos discursos analisados, mas de muitas surpresas boas também. A utilização do método da pesquisa-intervenção-participante conferiu uma posição de estar presente, compartilhando de ideias nos processos de aprendizagem com alunos e professores das escolas pesquisadas. Assim como a decisão em utilizar a ATD dos autores Moraes e Galiazzi (2016), devido à apropriação deste método de análise, considerando-o claro e detalhado com condições de qualificar, não só os processos analisados, mas também todos os encaminhamentos conduzidos.
Nesse aspecto, não tivemos a intenção de fazer análise comparativa das escolas, todavia trouxe à tona o que foi construído em cada uma delas, considerando suas peculiaridades culturais, de concepções acerca de educação, de aprendizagem, de formação profissional e humana, além dos recursos tecnológicos disponíveis.
Não obstante, o foco desta pesquisa não ter sido no contexto da pandemia, causada pelo vírus da COVID-19, destacamos a relevância de experiências vivenciadas na atualidade em contextos pandêmico e pós-pandêmico, a experienciação do dispositivo SSC vem corroborando com os processos de aprendizagens híbridos e colaborativos mediados pelas tecnologias digitais.