Introdução1
O ensino de Ciências da Natureza, consoante a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tem o compromisso de desenvolver no estudante a capacidade de atuação no e sobre o mundo, mediante a sua compreensão, bem como a de aspectos atrelados às suas transformações, embasados nos aportes teóricos e epistemológicos das Ciências (BRASIL, 2017). Além disso, dentre as suas principais finalidades, o ensino de Ciências da Natureza visa ao desenvolvimento crítico do sujeito, instigando-o ao exercício pleno da cidadania à luz dos princípios da sustentabilidade e do bem comum (VIECHE- NESKI; CARLETTO, 2013). Neste viés, a escola, como instituição social, deve propiciar aos estudantes, por diferentes meios e processos, o diálogo sobre questões relativas à Ciência correlacionado a elementos que circundam a realidade do sujeito, de modo a lhe promover o acesso à cultura científica desde o início de seu processo de escolarização (VIECHENESKI; LORENZETTI; CARLETTO, 2012; SOBREIRA, 2017; KURZ; BEDIN; GROENWALD, 2020).
Considerando que nos anos iniciais da escolarização os estudantes possuem contato com uma série de objetos, materiais e fenômenos que permeiam o seu cotidiano e a relação com seu entorno, Lorenzetti (2000) e Viecheneski (2013) ressaltam que, por mais que a criança, em diferentes momentos, tenha se defrontado com os conhecimentos científicos, a escola tem como compromisso sistematizar, ampliar e contextualizar estes saberes. Complementarmente, Lorenzetti e Delizoicov (2001) destacam que mesmo que o estudante ainda não possua apropriação da linguagem e da escrita, é imprescindível proporcionar-lhe o desenvolvimento do pensamento científico, uma vez que, por meio deste, o sujeito é capaz de atribuir significados aos símbolos, caracterizando-se como uma maneira de desenvolver a capacidade de compreender o mundo, corroborando para a sua formação integral e para o exercício da cidadania.
Nessa perspectiva, a sistematização e o desenvolvimento do conhecimento científico possibilitam ao estudante (re)construir percepções sobre o mundo, contribuindo para a sua interpretação e o seu entendimento sobre ele. Todavia, é importante se atentar a esse movimento, que se caracteriza como um processo gradativo, o qual evolui por meio das relações causais que estão associadas desde as propriedades dos materiais e suas transformações às questões relacionadas aos seres vivos e às características da Terra, do Sol, da Lua e outros corpos celestes (BRASIL, 2017). Esse processo envolve o uso de diferentes linguagens, seja pela oralidade, pela escrita ou pela ilustração, a fim de externalizar e representar a construção do conhecimento do estudante no que tange os aspectos natural, social e tecnológico (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001; BRASIL, 2017).
Para tanto, é necessário adotar uma abordagem adequada e coerente com o nível de ensino, assim como é imprescindível compreender o processo de desenvolvimento cognitivo do estudante, a fim de lhe proporcionar subsídios para a formalização dos conhecimentos relativos às Ciências e para a construção de significados sobre estes à luz de sua vivência (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001; SOBREIRA, 2017). Deve-se, ainda, promover ambientes de aprendizagem significativos e expressivos, nos quais o envolvimento e o posicionamento das crianças sejam contemplados (BRASIL, 2013). Maestrelli (2018), assim como Viecheneski, Lorenzetti e Carletto (2012), relembra que é preciso priorizar no início do processo de escolarização do aluno a gradativa aproximação dele ao conhecimento científico, evidenciando suas relações com a sociedade e com o mundo.
Nesse contexto, Viecheneski e Carletto (2013) destacam que o professor, como mediador dos processos de ensino e aprendizagem, deve explorar as possibilidades de ensino, fomentar o espírito investigativo e incitar a curiosidade dos estudantes, de modo que consigam definir problemas, analisar hipóteses, socializar resultados, confrontar ideias, apontar conclusões e propor intervenções, corroborando para a construção do conhecimento científico e para a formação crítica do discente. Essa gradativa aproximação dos processos, práticas e procedimentos científicos corrobora para a construção sólida do conhecimento - um aspecto imprescindível à formação de sujeitos críticos e reflexivos - e para a construção de uma sociedade mais justa (BRASIL, 2017). Entretanto, conforme apontado em pesquisas atreladas à temática, os professores de ciências têm apresentado dificuldades em promover ambientes desafiadores na abordagem dos objetos de conhecimento relativos a Ciências da Natureza (ROCHA; NETO, 2010; TOLENTINONETO; POSSEBON, 2013; BEDIN; DEL PINO, 2018; KURZ; BEDIN, 2019).
Frente a tais considerações, este estudo, alicerçado em uma revisão sistemática das publicações nacionais nos últimos 10 anos sobre a temática, buscou entender de que forma o ensino de Ciências da Natureza vem sendo desenvolvido nos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF), dando-se ênfase aos seguintes questionamentos: a) Quais são as regiões do Brasil que se destacam pela pesquisa em relação ao ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do Ensino Fundamental? b) Quais são as principais vertentes de estudos relacionadas ao ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do Ensino Fundamental? c) Quais são os principais resultados que emergem quando o ensino de Ciências é desenvolvido no início do processo de escolarização?
Diante de tais questionamentos, e considerando a importância do ensino de Ciências da Natureza no início da escolarização, este texto visa a apresentar e refletir sobre os resultados advindos da análise e da interpretação de teses e de dissertações desenvolvidas no espaçotempo de 2009 a 2019, relacionadas a essa temática. Para tanto, julgou-se importante, ao longo da apresentação e da discussão dos dados, reforçar, a partir das concepções e das perspectivas de investigadores da área específica, a importância do conhecimento científico para a formação do sujeito; logo, na parte condizente a esta etapa, apresentaram-se as contribuições das teses e das dissertações que abordam o ensino de Ciências da Natureza no início da escolarização de forma mais específica e sólida.
Metodologia
A partir do objetivo e dos pressupostos apresentados, considerando uma Revisão Sistemática da Literatura, o Estado do Conhecimento foi adotado como abordagem metodológica desta pesquisa, pois essa se torna “importante na medida em que apresenta ao leitor um panorama sobre uma mesma temática, dando ênfase a um trabalho como referencial” (BEDIN, 2015, p. 70). De outra forma, a escolha por esta técnica deriva da concepção de que por meio do Estado do Conhecimento é possível sistematizar os dados em relação à produção acadêmica em um espaço-tempo específico, emergindo panoramas gerais acerca de um determinado tópico. Assim, entende-se que tais procedimentos “agregam condições e sabedoria na compreensão do conhecimento sobre determinado tema, em determinado período de tempo e, consequentemente, suas sistematizações e análises” (BEDIN, 2015, p. 71).
Neste caso, o método Estado do Conhecimento, de acordo com Machado (2017) e Cavalcanti (2016), tem como finalidade mapear e discutir a produção científica em um determinado tempo, identificando as tendências, ênfases e escolhas teóricas e metodológicas, sendo crucial uma discussão para a sustentação das reflexões em relação à pesquisa, assim como para nortear suas ações frente aos questionamentos e aos objetivos estabelecidos. Isto é, Haddad (2002, p. 9) afirma que estes estudos possibilitam, “num recorte temporal definido, sistematizar um determinado campo de conhecimento, reconhecer os principais resultados da investigação, identificar temáticas e abordagens dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados abertos a pesquisas futuras”.
Portanto, este método contempla estudos com o intuito de analisar e compreender determinados conhecimentos que se delimitam em um campo de estudo, tempo e espaço, a fim de sistematizar os tópicos de pesquisas desenvolvidas, bem como destacar pontos que ainda necessitam ser explorados, evidenciando a relevância e a contribuição da pesquisa para a sociedade. Desse modo, Mattana (2018), em concordância com Palanch e Freitas (2015), elenca elementos que contribuem para essa modalidade de pesquisa, conforme a Figura 1.
À luz da Figura 1, observa-se que, após a definição do tópico e dos objetivos da pesquisa, foram traçados os descritores que determinaram o escopo da investigação. Em seguida, indicou-se o banco de dados a ser utilizado e procedeu-se à seleção dos materiais que compõem o corpus de estudo, atendendo os critérios estipulados para a busca. Sucessivamente, realizou-se a coleta do material de pesquisa, a leitura das produções, a elaboração de sínteses preliminares de cada obra e a sistematização do relatório dos resumos, destacando-se as tendências sobre o respectivo tópico, para, então, pontuar as considerações sobre o mesmo.
Portanto, considerando-se a Figura 1, a pesquisa tem como tópico o ensino de Ciências nos anos iniciais do EF e, dentre as principais finalidades, busca-se analisar as contribuições de estudos relacionados a essa temática. Quanto à definição dos descritores da pesquisa, o Estado do Conhecimento foi realizado no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, utilizando como requisito o termo “ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental”, o qual devia obrigatoriamente constar no título, no resumo ou nas palavras-chave da pesquisa. Desta forma, contemplou-se todas as áreas do conhecimento, delimitando-se apenas o período de investigações, considerando as pesquisas realizadas de 2009 a 2019. Após este processo, foram selecionadas somente as pesquisas que estavam disponíveis em arquivo digital, de modo que a análise pudesse ser realizada. Posteriormente, foi realizada a leitura do texto na íntegra e a elaboração de um resumo, mencionando o problema e o objetivo geral, assim como informações sobre o universo da pesquisa e a população, dando-se ênfase aos principais resultados.
Dando prosseguimento às atividades, realizou-se a análise, a categorização e a discussão das sínteses. Com vistas à perspectiva qualitativa da pesquisa, analisou-se o conteúdo à luz da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016), com base nos três aspectos cronológicos: i) pré-análise: a qual consiste na etapa de organização da análise e, portanto, na escolha dos documentos, na formulação de objetivos e hipóteses e na proposição de indicadores; ii) exploração do material: etapa em que se realizam as operações de codificação e decomposição; e iii) tratamento de dados: que se refere a inferência e a interpretação dos dados (BARDIN, 2016). Para tanto, utilizou-se o software Atlas.ti, pois, de acordo com Forte et al. (2017) e Corbin (2017), é uma ferramenta utilizada para a análise qualitativa de dados. Este software analisa e articula abordagens teóricas e metodológicas, a fim de (re)criar unidades de análise, reduzir dados e elaborar categorias a partir de suas propriedades em diferentes etapas de investigação, para ressaltar as contribuições e destacar os pontos que necessitam de estudos.
Neste contexto, foram elencadas quatro categorias que nortearam o processo de análise do estudo, sendo elas “propostas pedagógicas”, “formação inicial e continuada de professores”, “pesquisas teóricas” e “outros estudos”. A escolha das categorias é relevante enquanto promove a discussão de questões importantes em um contexto educacional, visto que propõe a análise e o debate de ações pedagógicas, estratégias e metodologias de ensino que contribuem para os processos de ensino e aprendizagem. Em simultâneo, propõe a discussão sobre a necessidade de fomento da formação inicial e continuada de professores, a fim de subsidiar a prática cotidiana e as complexas demandas que permeiam a sociedade do século XXI.
No que tange às pesquisas de natureza teórica, estas se referem ao estudo do currículo, análises da perspectiva histórica do ensino de ciências, a questão da inclusão de estudantes com deficiência e outros temas. A categoria “outros estudos” permitiu a discussão de temas relevantes que, apesar de não se enquadrarem necessariamente nas outras categorias, ainda são importantes em um contexto de educação. Por fim, essas categorias permitiram uma abordagem abrangente e multidisciplinar na discussão e no aprimoramento do ensino de Ciências, sendo possível explorar diferentes áreas de pesquisa e reflexão.
Resultados e discussão
Considerando o objetivo da pesquisa, em consonância com os pressupostos do método Estado do Conhecimento, analisaram-se as contribuições dos estudos relacionados ao ensino de Ciências no EF I, em um respectivo espaço-tempo de 10 anos, a fim de identificar os principais resultados e abordagens, assim como pontuar as lacunas que necessitam ser exploradas. A partir da visitação ao Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, foram encontradas 87 pesquisas desenvolvidas, considerando a expressão “ensino de Ciências nos anos iniciais”. Dessas, 86 atendiam ao segundo requisito, o qual se referia a estudos desenvolvidos entre os anos de 2009 e 2019. Como último descritor da pesquisa, desconsideraram-se tanto os trabalhos anteriores à Plataforma Sucupira quanto aqueles disponíveis somente na biblioteca depositária, ou seja, aqueles que não estão disponíveis em meio digital, restando 55 trabalhos.
A partir do mapeamento das produções acadêmicas, o corpus da investigação aqui descrita é composto pelas 55 pesquisas selecionadas. Desse total, têm-se 47 dissertações e 8 teses desenvolvidas no respectivo período, conforme especificado na Figura 2. Nesta, percebe-se que entre 2009 e 2012 não há estudos que atendam aos descritores estabelecidos na busca. Ou seja, do corpus da pesquisa estabelecido no espaço-tempo delimitado para o Estado do Conhecimento, identificou-se a produção de trabalhos com o fio condutor a partir do ano de 2013. Além disso, conforme a Figura 2, percebe-se um aumento significativo de pesquisas de mestrado desenvolvidas a partir de tal época, o que não ocorre ao se analisar as teses produzidas. Em relação ao ano de 2019, quando a presente pesquisa foi desenvolvida, supõe-se que as pesquisas ainda estavam em fase de desenvolvimento e, portanto, não se encontrou publicações até o término deste estudo.
A partir da análise da Figura 3, contata-se que foram desenvolvidas na região Sudeste 22 pesquisas, das quais 10 se concentraram no Estado de São Paulo. Na região Sul, foram desenvolvidos 18 estudos, com destaque ao estado do Paraná. Na sequência, apresenta-se a região Nordeste com 7 pesquisas, sendo a Bahia referência regional em estudos deste gênero. Por fim, tem-se apenas 04 trabalhos desenvolvidos tanto na região Centro-Oeste, com notoriedade ao Estado de Goiás, quanto no Estado do Pará, representante da região Norte do Brasil.
Neste sentido, é evidente que a região Sudeste se destaca em relação à produção científica de pesquisas desta temática no país. Supõe-se que este fato esteja diretamente relacionado aos dados disponibilizados pelo Censo da Educação Superior 2016, que indicam que a região Sudeste concentra aproximadamente 42,5% das Instituições de Ensino Superior do país. Além disso, há uma série de particularidades históricas, econômicas e socioculturais que contribuem para essa maior produção na região; logo, estes fatores possibilitam uma produção mais abrangente nesta região brasileira.
Após a identificação da produção por região do corpus da pesquisa, utilizou-se como ferramenta de apoio para análise qualitativa das pesquisas o software Atlas.ti, a partir do qual se elaborou uma nuvem de palavras, sendo esta composta por agrupamentos de termos em função de sua frequência e de sua densidade nas pesquisas investigadas. A referida nuvem de palavras é apresentada na Figura 4.
Por meio deste método, as palavras são agrupadas graficamente em função da sua frequência na área correspondente ao centro da nuvem de palavras, proporcionando facilmente a identificação das palavras-chave do corpus de investigação. Isto é, as palavras com maior frequência de aparecimentos nas pesquisas são posicionadas no centro da nuvem e escritas em tamanho maior, sendo este diretamente proporcional ao número de ocorrências do termo nas pesquisas. Nesse contexto, as palavras-chave que obtiveram maior densidade e assiduidade nas 55 pesquisas analisadas são: “ensino”, “ciências”, “formação”, “professores”, “pesquisas”, “conteúdos”, “processo”, “aprendizagem” e “atividades”, entre outras que apresentaram uma frequência média. Portanto, todas as palavras expressas nesta técnica são pertinentes à temática, visto que apresentam uma ideia inicial das pesquisas relacionadas ao ensino de Ciências nos anos iniciais, as quais se supõe estarem pautadas na formação de professores, em atividades que visam aos processos de ensino e aprendizagem e em pesquisas de modo geral, no intuito de entender as particularidades desta temática.
Ainda como supracitado, para a análise, a interpretação e a categorização das dissertações e teses examinadas à luz da qualificação teórica, optou-se por utilizar o método qualitativo da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016). Para isso, realizou-se a leitura dos resumos das respectivas pesquisas e, na sequência, a análise qualitativa dos dados, considerando tanto os significados atribuídos pelo pesquisador quanto as circunstâncias de produção de cada estudo para, ao término, emergir a categorização. Destaca-se, portanto, que as categorias emergiram a partir da leitura e da análise das pesquisas, bem como de sua articulação com a temática em investigação, permitindo a identificação de categorias mais amplas e transversais, capazes de englobar e integrar as diferentes perspectivas teóricas e metodológicas presentes nas dissertações e teses analisadas.
Ao interpretar a Figura 5, pode-se observar a organização das pesquisas em quatro categorias: “formação de professores”, com 26 pesquisas desenvolvidas, “propostas pedagógicas”, com 17 estudos, “pesquisas teóricas”, somando 8 estudos, e “outros”, com 4 trabalhos. Ressalta-se que uma mesma pesquisa pode estar vinculada a mais de uma categoria, uma vez que em sua amplitude, por meio da interpretação empírica do texto, perceberam-se expressivos desdobramentos e significados distantes uns dos outros.
Nesse contexto, como esta pesquisa contempla um número significativo de estudos, acredita-se ser importante explorar de forma expressiva e profunda as pesquisas selecionadas, considerando suas respectivas categorias, dando-se ênfase tanto à análise do conteúdo quanto ao contexto apresentado pelo respectivo autor. Portanto, na sequência, por meio de uma síntese de discussão sobre as 55 pesquisas analisadas, apresenta-se de forma sistematizada e específica as pesquisas mais relevantes em cada categoria, a fim de fundamentar e enriquecer a discussão.
Primeira Categoria: Formação de professores
Vinte e seis pesquisas, por propor uma investigação acerca da formação de professores, bem como de sua prática docente, se enquadram na categoria Formação de Professores. Nesse contexto, conforme representado pela Figura 6, as pesquisas foram agrupadas mediante as três seguintes perspectivas: Formação inicial de professores, Formação continuada de professores e Ação docente. Nesse sentido, destaca-se que a análise das pesquisas selecionadas é fundamental para compreender as nuances da formação de professores e sua relação com a prática docente.
Em relação à Formação inicial de professores, os pesquisadores Bonelli (2014) e Guisso (2018) investigaram o estágio supervisionado do curso de Pedagogia. Guisso (2018) analisou as abordagens metodológicas para o ensino de Ciências mobilizadas por acadêmicas e verificou que, mediante o uso das metodologias utilizadas durante o estágio, é possível promover um ensino de Ciências à luz da alfabetização científica. Em corroboração, Bonelli (2014) destaca que é possível desenvolver o ensino de Ciências visando à formação crítica do estudante, tanto na educação básica quanto no ensino superior, por meio da utilização de propostas pedagógicas que visam a fomentar o raciocínio, a curiosidade, a problematização e o trabalho colaborativo entre pares. Não diferente, Netto (2016) assevera que em tempos e espaços do curso de Pedagogia o uso da pesquisa permeia o princípio educativo em práticas pedagógicas investigativas no ensino de Ciências.
Em contrapartida, Silva (2014), ao investigar a formação inicial de pedagogos para o ensino de Ciências nas universidades estaduais do Paraná, identificou carências em relação à carga horária e abordagens de conhecimentos específicos no currículo, fato que também foi constatado por Oliveira (2014) nos cursos de graduação pelo PARFOR/UFPA. Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de reflexão sobre os elementos que compõem o currículo da formação inicial dos professores que ensinam Ciências, de modo a corroborar para, além dos processos que envolvem a prática docente, as disciplinas direcionadas à construção de conhecimentos relativos a Ciências (ROCHA; NETO, 2010). Nesse sentido, é necessário pensar sobre a reformulação nos cursos de formação docente, bem como a seleção dos professores formadores, de modo que estes profissionais tenham maior proximidade da área que lhes compete ensinar. Por conseguinte, Botelho (2017) e Muline (2018) apresentam uma análise sobre as matrizes curriculares de diferentes cursos de Pedagogia, enfatizando as relações entre a formação inicial, a prática pedagógica e a percepção docente sobre o ensino de Ciências.
Ademais, M. Rodrigues (2018) buscou analisar a concepção de acadêmicos da Licenciatura Integrada acerca da utilização de espaços não formais de ensino, bem como as contribuições dessa estratégia na formação dos sujeitos. Nesse contexto, o autor aponta alguns resultados que confirmam a ideia de que a utilização de espaços não formais de ensino, quando atrelados a temáticas regionais, caracteriza-se como uma estratégia didática para corroborar com os processos de ensino e aprendizagem, transcendendo aspectos decorrentes de práticas tradicionais de ensino. Semelhante, Epoglou (2013) investigou um grupo de pedagogas, mediante encontros periódicos, para entender como elas associam as ideias freireanas ao ensino de Ciências. Ao final da investigação, Epoglou evidenciou, em meio a uma concepção progressista acentuada, que a ação docente de forma reflexiva, responsável e autônoma pressupõe a compreensão do ensino de Ciências e seus aspectos social, intelectual, afetivo e político.
No que tange as especificidades da formação inicial de professores, Favretto (2018) procurou investigar as manifestações do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo, ou seja, a capacidade da ação docente em abordar determinado conhecimento de forma que ele possa ser compreendido pelo discente. Em decorrência disto, caso o professor não tenha um repertório de conhecimentos específicos sobre determinado objeto de estudo, se evidencia um maior grau de dificuldade em desenvolver subsídios conceituais nos estudantes, acarretando obstáculos epistemológicos aos processos de ensino e aprendizagem. Não diferente, Souza (2013), em sua pesquisa, objetivou averiguar as bases epistemológicas que amparam a formação do pedagogo.
Nesse aporte, as investigações supracitadas buscam suprir lacunas referentes à formação inicial dos professores que ensinam Ciências, na medida em que compreendem que o caráter polivalente do processo formativo tende a implicar negativamente na ação docente para o ensino de Ciências (KURZ; BEDIN, 2019).
Afinal, a falta de compreensão dos objetos conhecimentos relativos a esta área, articulada a insegurança do professor quanto à abordagem de tais conhecimentos, tem implicações no planejamento docente e na elaboração de estratégias de ensino, bem como na contextualização do conteúdo com base nos elementos que circundam a realidade do estudante, na concepção em relação ao conhecimento científico e na compreensão de como deve ser desenvolvido no início do processo de escolarização (ROCHA; NETO, 2010). Ainda, os autores destacam a necessidade de atentar-se a tais aspectos, uma vez que estes influenciam nas concepções, na significância e no interesse sobre a construção do conhecimento científico por parte dos estudantes.
Todavia, no que diz respeito à Formação continuada de professores, Moreira (2015) ressalta que esta consiste em um processo permanente e substancial, visto que proporciona refletir sobre a prática, em busca de alternativas plausíveis para as demandas educacionais. Essa necessidade se torna ainda mais evidente quando se trata da formação continuada de professores dos anos iniciais, devido a questões atreladas tanto à ação docente quanto à necessidade de se apropriar de diferentes áreas do conhecimento, que são frequentemente abordadas de forma superficial durante a formação docente inicial. Em vista disso, ressalta-se a primordialidade de processos formativos, de modo que seja possível desenvolver um ensino de qualidade que contribua com a formação integral dos estudantes.
Em contrapartida, Blaszko (2014), a partir de sua pesquisa, aponta indícios de que os cursos de formação continuada voltados para a temática têm apresentado pouca demanda e baixa eficácia para o aperfeiçoamento do corpo docente, em função da curta duração, da desconsideração da realidade escolar, da desarticulação entre teoria e prática e, dentre outros fatores, da contemplação de abordagens superficiais. Nesse contexto, entende-se que é preciso compreender que a formação continuada não se refere apenas a um curso de formação, visto que envolve uma linha cronológica tanto de tempo quanto de eventos e fatos. Assim, entende-se que a formação continuada deve propiciar momentos de reflexão, discussão e trocas de saberes e experiências a fim de que seja possível compreender a ação docente e aprimorá-la constantemente.
Em suma, Lamêda (2018) destaca a necessidade de a formação continuada ser compreendida como um prolongamento da formação inicial, tendo como finalidade o aperfeiçoamento profissional e abrangendo tanto aspectos práticos como teóricos em relação ao respectivo contexto de atuação. Segundo Lamêda, a formação docente contínua é crucial para uma profissão que possui compromisso com a construção e a internalização de saberes à formação humana, principalmente em um período no qual ocorrem mudanças significativas nos currículos, na aquisição e na utilização das tecnologias em sala de aula, bem como se salientam os problemas socioeconômicos. Em consonância, as escolas vivenciam dois processos, o primeiro referente a reformulação, seja por inovações estruturais ou alternativas na gestão e mudanças no currículo e nas práticas pedagógicas, e o segundo referente a gestão, em decorrência da mudança do perfil de aluno, que se transforma em função da assimilação de novos valores e impactos dos meios de informação que repercutem nas salas de aula.
Complementarmente, Moreira (2015) e Lamêda (2018) objetivam em suas pesquisas investigar e compreender como a formação continuada pode contribuir para o ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do EF. Para tanto, os autores mencionados propõem a estruturação de cursos de formação continuada atrelados ao PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), a implantação do programa de formação continuada de professores do Espaço Ciência InterAtiva (ECI), propostas de investigação-ação, blog educativo (como plataforma de cursos de extensão) e sistematização de Unidades de Ensino Potencialmente Significativas (UEPS), com o intuito de subsidiar a ação docente.
Nessa linha, as pesquisas relacionadas à formação de professores com ênfase na Ação docente apontam concepções de que esta deve propiciar diversificação e inovação nas abordagens em sala de aula, bem como primar pelo envolvimento dos estudantes nos processos de ensino e aprendizagem, a fim de corroborar para a construção do conhecimento e da formação crítica do sujeito. Nesse sentido, Muline (2018) buscou identificar quais são as características necessárias para ser um bom professor, além de elencar estratégias para formar este docente a fim de que seja capaz de atender as demandas da sociedade. De maneira semelhante, Lobo (2018) observou e analisou a prática docente no que tange a formação de conceitos em Ciências, com base na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky e na teoria do Ensino Desenvolvimental de Davídov. Com o intuito de captar os sentidos dos termos disciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, Gonçalves (2014) investigou a ação docente para identificar as representações sociais em relação ao ensino de Ciências à luz da Teoria das Representações Sociais na concepção de Moscovici.
Lamêda (2018) e Mota (2018) investigaram a ação docente a partir das metodologias utilizadas por professores nas abordagens de conhecimentos atrelados ao ensino de Ciências. Em outro viés, Silva (2013) buscou tecer relações entre a formação inicial, a ação docente e a concepção destes profissionais sobre o ensino de Ciências da Natureza. Por meio de um relato de como concebem e desenvolvem o processo de ensino a partir de práticas formativas, Silva (2015) apresenta uma reflexão acerca da interpretação que os professores realizam das orientações sobre o ensino de Ciências. Torres (2017) analisou as dúvidas e as dificuldades apresentadas pelos professores dos anos iniciais em relação à alfabetização científica, no intuito de elencar estratégias para fomentar o uso de diferentes táticas de ensino.
A partir destas pesquisas, as quais se relacionam direta e indiretamente a formação inicial e continuada de professores de Ciências, pode-se constatar que há um consenso em relação à importância de promover espaços propícios à (re)construção do conhecimento. Esses espaços permitiriam que os estudantes vivenciassem situações investigativas e tivessem a oportunidade de questionar, experimentar e socializar as suas ideias à luz da ressignificação de saberes sociais aos conhecimentos científicos. Mediante tais elementos, seria possível propiciar momentos de reflexão para que os profissionais da educação possam dialogar sobre suas práticas e concepções frente aos processos de ensino e aprendizagem, de modo que possam ressignificar seus saberes sobre o ensino de Ciências, a fim de que suas ações docentes possam propiciar a construção do conhecimento de forma potencialmente significativa por parte dos estudantes (VIECHENESKI; CARLETTO, 2013; KURZ; BEDIN, 2019). É importante destacar que essa reflexão é especialmente relevante nos anos iniciais, visto que uma parte dos professores ainda compreende que as crianças dessa faixa etária não possuem condições de se apropriar dos saberes científicos (VIECHENESKI; LORENZETTI; CARLETTO, 2012).
Segunda Categoria: Propostas pedagógicas
Foram analisadas e sistematizadas dezessete pesquisas acerca de metodologias e propostas pedagógicas com o intuito de promover aprendizagens significativas e expressivas no ensino de Ciências da Natureza. Como se pode observar na Figura 7, essas pesquisas foram agrupadas em quatro categorias: Literatura Infantil, Sequência Didática, Sequências de Ensino Investigativo e Outros, identificadas a partir da análise dos trabalhos.
Em concordância com os pesquisadores Antloga (2014), Dentz (2018) e Pirôpo (2018), destaca-se a articulação entre a literatura infantil e o ensino de Ciências, como uma possibilidade para os estudantes vivenciarem um processo de exploração e de descoberta do conhecimento científico. Assim, a abordagem contextualizada e interdisciplinar do objeto de estudo, a qual contempla elementos que permeiam o cotidiano do estudante, bem como o ambiente lúdico, reflexivo, dinâmico e instigante, fomentam o envolvimento do sujeito de forma ativa nos processos de ensino e aprendizagem, além de aperfeiçoar sua capacidade argumentativa a partir de relações entre a literatura e os conhecimentos científicos, evidenciando sua presença no cotidiano. Portanto, a literatura infantil embasada nos conhecimentos científicos contribui para o desenvolvimento da compreensão de mundo, no que tange o aspecto natural, social e tecnológico, contribuindo significativamente para a formação do discente e a promoção de sua capacidade como sujeito transformador de sua realidade.
Nascimento (2016) salienta que a sequência didática se caracteriza como um conjunto de atividades sistematizadas, que possuem um objetivo em comum, visando colaborar para os processos de ensino e aprendizagem. Esta metodologia, que tem como premissa a qualificação científica da formação do sujeito, engloba a utilização de uma série de recursos como a literatura infantil, tecnologias de informação e comunicação, jogos, utilização de espaços não formais de ensino, entre outras possibilidades (MEZACASA; KURZ; BEDIN, 2020). Nesse sentido, com base na Teoria Histórico-Cultural, Dallabona (2013) desenvolveu uma sequência didática denominada “Formigas”, a qual contemplou uma investigação sobre insetos, a fim de averiguar os processos de construção do conhecimento científico pelos estudantes. Complementarmente, Moreira (2016) apresentou em seus estudos a elaboração e a aplicação de uma sequência didática abordando conceitos de física, como a construção de um caleidoscópio, no intuito de investigar a formação de múltiplas imagens nos espelhos planos.
Destarte, segundo as orientações epistemológicas dos pressupostos de Ciências, Tecnologia e Sociedade, os autores Viecheneski (2013), Sobreira (2017) e Maestrelli (2018) elaboraram sequências didáticas com o intuito de averiguar suas contribuições para o processo de alfabetização científica nos anos iniciais do EF. Em especial, Viecheneski (2013) apresenta uma investigação acerca da “Alimentação Humana”, no que tange a alimentação saudável, práticas de higiene e prevenção da contaminação de alimentos, pontuando como esta pode potencializar aspectos atrelados à leitura e à escrita do estudante. Não distante, Sobreira (2017) apresenta as contribuições de uma sequência didática relacionada à temática energia, enquanto Maestrelli (2018) pauta a temática educação ambiental, dando ênfase aos aspectos relacionados à reciclagem e à água, respectivamente. Em ambos os trabalhos, como pano de fundo, objetivou-se desenvolver os conhecimentos científicos, os valores e as atitudes dos estudantes nas aulas de Ciências. Em consonância, os pesquisadores Barcellos (2017) e Castro (2014), com base na Teoria Histórico-Cultural de Vygotsky, apresentam uma sequência de ensino investigativa. Barcellos (2017) elaborou uma proposta didática para o ensino da temática interação entre radiação ultravioleta e o corpo humano, enquanto Castro (2014) apresenta um estudo de conceitos de estrutura e funcionalidade dos seres vivos. Ambas as propostas têm como finalidade a ação de analisar como as sequências de ensino analisadas podem corroborar para o processo de construção e de apropriação do conceito. No que lhe concerne, T. Rodrigues (2018) estruturou uma sequência de ensino investigativo para abordar a temática Ciclo da Água, a fim de promover propostas significativas de ensino que contribuem para o desenvolvimento de forma significativa e autônoma dos processos de (re)construção do conhecimento.
Visando promover o letramento científico desde o início do processo de escolarização, Cândido (2017) sistematizou em sua pesquisa estratégias qualitativamente significativas a partir da utilização de instrumentos musicais, os quais foram elaborados a partir de materiais reutilizados. Na mesma linha, enquanto Ozelame (2015) destacou as contribuições de uma visita a um espaço não formal de ensino para a abordagem da temática fauna, Zborowski (2017), por sua vez, analisou as contribuições da Engenharia Didática como metodologia de ensino atrelada à temática cadeia alimentar.
Neste sentido, consoante ao apresentado na categoria Propostas Pedagógicas, evidencia-se que as propostas contemplam uma relação dialógica e participativa do saber de Ciências com os sujeitos envolvidos. Além disso, salientam aspectos de contextualização e de interdisciplinaridade nas atividades desenvolvidas; a diversificação tanto das tarefas quanto dos recursos pedagógicos utilizados fundamenta ações e processos que qualificam a sistematização dos conhecimentos prévios dos estudantes como subsídios no decorrer dos processos de ensino e aprendizagem. Desse modo, as pesquisas aqui destacadas contribuem para a apropriação do conhecimento científico pelo aluno que, em meio a competências e habilidades docentes, capacitam o estudante para analisar e compreender melhor o mundo em que se encontra inserido, propiciando o desenvolvimento e o posicionamento crítico e reflexivo em relação aos aspectos fundamentais para o exercício da cidadania.
Com base neste cenário, espera-se romper com o ensino de Ciências que se limita, em sua maior parte, à transmissão de informações e à memorização de vocábulos e fenômenos, pois embora os estudantes consigam compreender tais conceitos, são incapazes de atribuir significados aos mesmos e de correlacioná-los a elementos que permeiam seu cotidiano (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001). Assim, embora a realização de práticas educativas dialógicas e investigativas ainda seja, de acordo com as pesquisas supracitadas, um grande desafio para muitos professores, tais práticas propiciam experiências potencialmente significativas, especialmente nos anos iniciais do EF (VIECHENESKI; LORENZETTI; CARLETTO, 2012); portanto, espera-se que sua utilização possa corroborar para a formação integral do sujeito, bem como do pensamento científico dele (TOLENTINO-NETO; POSSEBON, 2013).
Terceira Categoria: Pesquisas teóricas
Oito estudos caracterizam-se como pesquisas teóricas, os quais, mediante as análises e as interpretações realizadas, foram agrupados, em função da similaridade temática, em quatro conjuntos, a saber: Revisão da literatura, Currículo e documentos norteadores da prática docente, Livros didáticos e Outros, como pode ser observado na Figura 8.
Como se vê na Figura 8, Garvão (2018) objetivou, em sua pesquisa com enfoque no ensino de Ciências nos anos iniciais do EF, sistematizar a produção acadêmica socializada no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC). Nesse sentido, a partir de um corpus de 328 trabalhos, a autora destaca que o estudante neste nível de ensino está em pleno processo de apropriação e de elaboração dos conceitos científicos, caracterizando-o como uma etapa profícua para fomentar a curiosidade e a imaginação do sujeito, de modo a oportunizar-lhe desenvolver competências e habilidades para capacitá-lo a intervir no mundo. Salienta ainda que, embora haja uma discrepância significativa entre as pesquisas sobre o ensino de Ciências em comparação com os demais estudos desenvolvidos no âmbito escolar, é possível evidenciar lentamente um processo de constituição de uma comunidade de pesquisadores desta área de estudo, aspecto também observado por Rocha e Neto (2010).
Em relação à análise de livros didáticos, Albuquerque (2017) buscou compreender a abordagem das atividades experimentais em livros de Ciências destinados aos 4º e 5º anos. A pesquisadora evidenciou um caráter demonstrativo e ilustrativo das atividades experimentais que compõem o livro didático, assim como uma falta de contextualização em relação ao cotidiano vivenciado pelo estudante, tampouco ponderando os conhecimentos prévios deste. Portanto, enfatiza-se a necessidade de contemplar propostas experimentais de cunho investigativo e reflexivo, bem como sugestões de estratégias interdisciplinares, como uma possibilidade de articular as diferentes áreas de conhecimento e transcender a compartimentalização dos conhecimentos, além de visitação a espaços não formais de ensino, a fim de instigar no sujeito o espírito científico (TOLENTINO-NETO; POSSEBON, 2013).
Dourado (2015) investigou o ensino de Ciências em relação ao currículo modelado pelos docentes em comparação ao currículo em ação. A partir de sua pesquisa, é possível entender que o acesso ao ensino de Ciências consiste em um direito do discente, cabendo à escola promover e qualificar este acesso à cultura científica; neste desenho, a ação docente possui um papel decisivo na concretização dos conteúdos. No entanto, a autora destaca que as particularidades do ensino de Ciências emergem sob diferentes perspectivas, decorrentes do acesso aos conhecimentos científicos e da prática docente, a qual, segundo a autora, ainda se encontra pautada na ação passiva e acrítica, aspectos também pontuados por Rocha e Neto (2010).
Com base nos documentos oficiais disponibilizados pelo Ministério de Educação e Cultura, e materiais didáticos de estudantes oriundos de diferentes escolas, Ortiz (2017) procurou analisar os documentos oficiais que norteiam o currículo de Ciências em diferentes respectivas regiões. Tal análise enfatizou o PNAIC articulado a vivências de uma dada instituição de ensino e à priorização dos conhecimentos atrelados a Língua Portuguesa e Matemática em detrimento das demais, principalmente em função do tempo, assim como pontuado nas pesquisas de Kurz e Bedin (2019). Adicionalmente, a pesquisa de Ortiz (2017), com base no cenário vivenciado, propõe um recurso didático visando a formação de um indivíduo cientificamente alfabetizado. Por sua vez, Barros (2017) averiguou os aspectos pertinentes à implantação de políticas governamentais, como: a inclusão de Ciências nas avaliações de larga escala, a adesão ao Programa Cientistas do Amanhã e ao Programa Ciência Hoje, e a formulação e a distribuição de recursos pedagógicos.
Ademais, a pesquisa de Zago (2015) buscou demonstrar os desdobramentos da avaliação em larga escala de Ciências da Natureza com estudantes do 1º ao 5º ano, bem como a percepção dos professores sobre esta. Neste aspecto, Tolentino-Neto e Possebon (2013) pontuam que o desmerecimento do ensino de Ciências é evidente nas avaliações externas de larga escala, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), uma vez que este pretende avaliar a qualidade do ensino, mediante a coleta de dados junto as instituições de ensino. Esta avaliação ocorre a cada dois anos, sendo avaliados estudantes matriculados nas turmas de 2º, 5º e 9º anos do EF e do 3º ano do Ensino Médio, das redes pública e privada de ensino, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática de forma censitária. Somente nas primeiras edições, e em 2019, houve testes de rendimento para as áreas de Ciências da Natureza e Ciências Humanas, porém em caráter amostral, sendo aplicadas apenas a turmas de 9º ano.
Quarta Categoria: Outros
Nesta categoria, encontram-se quatro pesquisas que não se enquadraram nas unidades anteriores, porém contemplam aspectos pertinentes e contribuições significativas à temática em estudo.
Considerando a diversidade cultural das populações ribeirinhas na Amazônia, Pires (2017) questiona quanto à ação docente em turmas multianos, com ênfase no ensino de Ciências nos anos iniciais do EF. Desse modo, com o intuito de perscrutar a respectiva questão, principalmente no que tange a apropriação de conhecimentos teóricos-científicos, Pires evidenciou a prevalência do ensino de conhecimentos empíricos, pouco envolvimento dos estudantes na construção do conhecimento e a limitação da ação docente quanto a apropriação do conhecimento pedagógico-didático. Sob o mesmo viés, Cruz (2016) elaborou um modelo de ensino de Ciências para subsidiar a ação docente nas classes multisseriadas frente à heterogeneidade, seja decorrente da faixa-etária ou do nível de conhecimento.
A pesquisa de Manga (2013) traz uma importante contribuição para o debate sobre inclusão no âmbito escolar, evidenciando a importância da instrução científica para alunos com deficiência visual e as necessidades específicas desses alunos em relação aos materiais utilizados e às relações interpessoais no ambiente escolar. Além disso, a pesquisa ressalta a importância de compreender a situação do aluno com deficiência visual com base em seus contextos sociais e históricos. Nesse sentido, a pesquisa de Possebon (2015) sobre a formação inicial do professor apresenta uma abordagem complementar, destacando a importância de incluir discussões sobre educação especial nas disciplinas de formação de professores, a fim de aperfeiçoar a atuação dos profissionais da educação em relação à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais.
Considerações finais
Diante do exposto, a partir das pesquisas socializadas neste estudo, evidencia-se uma série de contribuições para o ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do Ensino Fundamental no que tange as propostas didáticas, a formação de professores, as pesquisas teóricas e demais particularidades, as quais corroboram para a consolidação da produção científica na área de Ciências da Natureza no contexto dos anos iniciais.
Neste viés, ao retornar às indagações iniciais, no que se refere à primeira - distribuição geográfica das pesquisas -, pontua-se que a grande parte das pesquisas desenvolvidas sobre a temática se concentra nas regiões sul e sudeste do país, o que convida ao seguinte questionamento: Se a grande parte da produção científica na área de Ciências da Natureza está centrada nas regiões Sul e Sudeste, o que aconteceu/tem acontecido para haver uma produção singela sobre a temática nas demais regiões do país, considerando que o ensino de Ciências é primordial para o desenvolvimento do raciocínio lógico e da argumentação crítica?
Em relação às principais vertentes relacionadas ao ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do EF, tema da segunda pergunta, foram encontradas, a partir da análise de conteúdo, as categorias Formação de Professores, Propostas Pedagógicas, Pesquisas Teóricas e Outros. Nelas, apresentam-se diferentes pesquisas que fundamentam a valorização deste ensino no início do processo de escolarização, enfatizando a formação do sujeito em múltiplas dimensões à luz da sua formação crítica e cidadã.
Quanto à terceira questão, que reflete sobre os principais resultados que emergem quando o ensino de Ciências é desenvolvido no início do processo de escolarização, de modo geral, percebeu-se que as pesquisas destacam um consenso em relação à importância do ensino de Ciências nos anos iniciais do EF, uma vez que, além de apontarem o processo de sistematização dos conceitos científicos, intensificam este processo na formação docente com vistas a estratégias de ensino que validam o contexto e a voz do estudante. Ao tocante, as propostas pedagógicas discutidas frisam a necessidade de compreender o processo de desenvolvimento dos estudantes, para propiciar subsídios para a formalização do conhecimento científico, de modo que este consiga analisar e refletir acerca de seu entorno social.
Não obstante, as pesquisas apresentam distintas estratégias para fomentar o envolvimento do estudante nos processos de ensino e aprendizagem, como visitas a espaços não formais, a utilização de recursos e interfaces digitais, jogos, atividades experimentais e literatura infantil, dentre outros. Desse modo, tem-se a finalidade de transcender um ensino dogmático, e espera-se ir além de atividades de reprodução e de memorização de conteúdos.
Ademais, sugere-se que questões atreladas ao ensino de Ciências no início da escolarização permeiem os processos de formação inicial e continuada de professores, com o intuito de aprofundar as discussões relacionadas a esta temática, bem como de promover reflexões acerca da ação docente, a qual deve estar embasada em uma prática dialógica e reflexiva. Afinal, acredita-se que uma formação neste viés pode implantar ações educativas profícuas, as quais visam a instigar a curiosidade, o interesse e o envolvimento do sujeito nos processos de ensino e aprendizagem, corroborando para o desenvolvimento de competências e habilidades, assim como para a sua formação crítica e cidadã, uma vez que os conhecimentos científicos, quando articulados à realidade do sujeito, propiciam subsídios para que este tome decisões, argumente criticamente e intervenha na sociedade em que se insere.
Embora as pesquisas apontem diferentes vieses que contemplam a formação do sujeito para a cidadania, com ênfase nos conhecimentos das Ciências da Natureza desde o início da escolarização, salienta-se que algumas problematizações emergiram a partir da análise do corpus, tais como: 1) Como a implantação da BNCC, documento normativo que determina as competências e as habilidades essenciais a serem desenvolvidas ao longo da Educação Básica, mudará a formação do aluno e o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem, considerando-se o desenvolvimento dos conhecimentos químicos, físicos e biológicos desde os anos iniciais? 2) Quais elementos de formação didático-pedagógica devem permear a formação e o aperfeiçoamento docente, considerando a necessidade da reformulação dos processos educativos, a fim de atender as demandas impostas pela sociedade contemporânea e propiciar a formação de sujeitos críticos e reflexivos com vistas à construção de uma sociedade mais justa e cidadã? 3) O uso de abordagens interdisciplinares e contextualizadas é uma estratégia docente para desenvolver o ensino de Ciências nos anos iniciais e possibilitar a aprendizagem colaborativa e interativa?
Ademais, ressalva-se que como os dados, a interpretação e a discussão da pesquisa aqui apresentada emergiram a partir de um recorte no espaço-tempo de 10 anos, compete refletir que novas interpretações e resultados podem surgir a partir de outras pesquisas, uma vez que os descritores de escolha, tais como a base de dados, o período recorte e os documentos disponibilizados virtualmente, são considerados fatores que influenciam, talvez, na impossibilidade de uma pesquisa mais complexa e abrangente. Portanto, sugere-se que pesquisas vinculadas à temática e com outros descritores sejam desenvolvidas, a fim de averiguar, a partir de outras perspectivas, a produção e a implicação do desenvolvimento do ensino de Ciências da Natureza no início da escolarização.
Destarte, além de apresentar e refletir sobre as contribuições de teses e dissertações relacionadas a esta temática em um período de 10 anos, espera-se que esta pesquisa possa contribuir para a produção científica da área, objetivando expor brevemente os estudos realizados, identificando suas respectivas potencialidades e limitações, propiciando subsídios e indicativos para a realização de novas e sólidas investigações. Portanto, sugere-se que as novas pesquisas relacionadas ao tema enfatizem questões de interdisciplinaridade e contextualização, além de investigações que visam a criação de estratégias de ensino voltadas às Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia), demonstrando resultados, possibilidades e impossibilidades de serem desenvolvidas em diferentes contextos da Educação Básica.