Introdução1
A formação de pesquisadores da área de Educação, no Brasil, é a temática central deste artigo, que é fruto de um conjunto de pesquisas que vêm sendo realizadas nos últimos anos com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Desse modo, o que apresentamos ao do longo texto é um recorte das análises que viemos desenvolvendo com o objetivo de resgatar alguns aspectos dos passos iniciais da organização daquilo que é considerado o embrião da passagem da pesquisa individual para a pesquisa de grupos, em direção às atuais redes de pesquisa e à perspectiva de internacionalização da PósGraduação induzida pelo “Programa Institucional de Internacionalização” (CAPES-PrInt). Em termos metodológicos, trabalhamos com a análise de documentos e também com dados de pesquisa recente sobre o processo de formação e atuação de orientadores de dissertações e teses na perspectiva de apreender como se passou da orientação individual, espontânea, assistemática, intuitiva, para a orientação coletiva, em direção a uma preconizada “pedagogia/didática da orientação” (WALKER, THOMSON, 2010; PEELO, 2011), trazendo especialmente os elementos relacionados à criação dos grupos de pesquisa e a organização da própria pesquisa em educação no Brasil. Como parte desta investigação, além da revisão de literatura, fizemos observação participante e desenvolvemos grupo focal com três Grupos de Pesquisa consolidados das Regiões Sul, Sudeste e Nordeste, somado a entrevistas com suas líderes. Aplicamos um questionário a 1971 líderes de grupos de pesquisa registrados no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, com 562 líderes respondendo ao questionário. Também realizamos entrevistas com Dermeval Saviani e Bernardete Gatti, no ano de 2016,considerando seu amplo reconhecimento na comunidade educacional do país. Ambos estão incluídos na coletânea “Perfis da Educação”, conforme podese constatar em Vidal (2011) e Garcia (2010).
Considerando o exposto, o foco recairá, inicialmente, sobre as experiências pioneiras que fomentaram grupos/redes de pesquisa. Para a análise dos “Centros” e do “Projeto”, utilizamos documentos de época, artigos escritos por Gatti (1982, 2001, 2005, 2017), o trabalho de Garcia (2010), assim como a entrevista que ela nos concedeu em dezembro de 2016.
Na segunda parte deste texto, como espécie de ´ponto de chegada´, buscaremos seguir o movimento de criação do Programa de Internacionalização (PrInt), programa este financiado pela CAPES e que visa o aprofundamento da internacionalização da educação superior a partir da criação de redes de pesquisa.
O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e os Centros de Pesquisas Educacionais do INEP
A partir de 1955 e início dos anos de 1960, são criados o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs), como parte da estrutura organizacional do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), vinculado ao então Ministério da Educação e Cultura. Esta iniciativa, afirma Ferreira (2008, p. 279), “representou um importante estímulo ao desenvolvimento de pesquisas em ciências sociais sobre questões relacionadas à educação brasileira”. Segundo a autora citada, este aspecto deu-se tanto “por meio da contratação de pesquisadores formados nessa área do conhecimento para integrar seus quadros permanentes, quanto pelo financiamento a projetos em ciências sociais elaborados fora dessas instituições”.
Esta é considerada a primeira iniciativa governamental voltada à organização, sistematização e ao incentivo a pesquisas que avaliassem, subsidiassem e promovessem investigações direcionadas ao mapeamento da situação educacional do país. Um ponto forte da iniciativa era o financiamento oferecido aos pesquisadores e às instituições para realizarem estas pesquisas.
Neste período, a relação entre educação e possibilidade de desenvolvimento do país (CUNHA, 1975) era muito forte e tornava-se necessário contar com diagnósticos da situação educacional que permitissem desenvolver estratégias para a implantação e dinamização da pesquisa educacional. Conforme Ferreira (2008, p. 282), “na década de 1950, época de desenvolvimento econômico e social fomentado pelo Estado, o Centro Brasileiro e os CRPEs - criados na gestão de Anísio Teixeira no INEP - entraram em funcionamento”. De acordo com a autora, o seu propósito era “promover a realização de pesquisas em ciências sociais acerca das relações existentes entre a educação e os processos de mudança para uma sociedade de tipo urbano-industrial, que se estava estabelecendo, em diferentes ritmos, nas diversas regiões do país”.
No final da década de 1950 e início da década de1960, o Brasil encontra-se em um momento de grande efervescência econômica, social e educacional. No tocante à educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, após uma longa discussão que se estende por mais de uma década, está no seu processo de finalização e promulgação (LDB 4024/61), em um cenário de acirradas disputas entre católicos e liberais2 (CURY, 1978).
É nesse contexto que são criados e entram em funcionamento o CBPE e os CRPEs. O Centro Brasileiro tinha sua sede no Rio de Janeiro, a capital federal, e as Regionais criadas foram as de São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre. Os Centros foram concebidos como meios para colocar em prática iniciativas desencadeadas por, entre outros intelectuais, Anísio Teixeira (1900-1971) em anos anteriores quando o INEP foi criado, nos anos de 1930. Em documento que apresenta a proposta de criação dos Centros, Teixeira (1956) reafirma o compromisso de fazer do INEP o principal instrumento de coordenação e controle da expansão educacional brasileira, entendendo que os Centros deveriam promover um programa de pesquisas educacionais em todo o País e de assistência pedagógica aos Estados, ao elaborarem e aplicarem instrumentos que permitissem contar com dados objetivos e reveladores sobre a educação e estimulassem a troca de informações e esclarecimentos. No mesmo documento, enfatizava-se que os Centros teriam como objetivo “contribuir para que o Governo possa exercer uma liderança estimuladora e criadora no quadro de descentralização administrativa da educação, a ser regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, então em votação no Congresso” (TEIXEIRA, 1956, p. 1). Os Centros foram dinamizados por pesquisadores que tinham Lourenço Filho (1897-1970), Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro (1922-1997), Florestan Fernandes (1920-1995), Luís Pereira (1933-1985) e outros tantos educadores e sociólogos como mentores e incentivadores.
Esses Centros não se tornaram importantes somente no que diz respeito à criação de um ethos pesquisante onde foram organizados e funcionaram nas diversas regiões do Brasil. Foram importantes também no desencadeamento do processo de discussão da teoria e da metodologia da pesquisa, bem como da ´entrada´ da pesquisa na universidade3.
Com o golpe de 1964, muitas iniciativas tiveram que ser abandonadas, suprimidas ou passaram a funcionar com outras demandas. As atividades dos Centros, embora redirecionadas, foram mantidas até que, finalmente, em 1970, os Centros de Pesquisas Educacionais do INEP foram extintos. No entanto, o processo de organização da pesquisa no país estava em funcionamento e em momento oportuno, de forma gradativa,passaria a emergir novamente, agora com outros protagonistas institucionais, porém, com a novidade de fomentar e envolver grupos de pesquisa, para sua afirmação e na direção da formação de redes de pesquisadores nacionais e internacionais. Entre esses entes estarão indivíduos e grupos no interior das universidades, em especial com a criação e expansão da pós-graduação stricto sensu, formalmente, a partir do Parecer n. 977/65 e da criação de Associações, como foi o caso da ANPEd, em meados da década de 1970. Entre protagonismos e induções4- de indivíduos, grupos, associações e órgãos governamentais de financiamento e avaliação -gradativamente, a história da pesquisa educacional no Brasil vai ganhando contornos cada vez mais nítidos. No próximo item veremos mais um dos passos nessa direção.
O Programa de Intercâmbios (1981-1992)
Em entrevista concedida a Walter Garcia, a profa. Bernardete Gatti5 descreve as inúmeras frentes educacionais nas quais se envolveu, de forma protagonista. No que nos interessa aqui, ela assim se manifesta: “Muito enriquecedora foi minha participação na concepção, com outros pesquisadores, do Projeto de Intercâmbio entre Pesquisadores de Educação, para CNPq, FINEP, ANPEd, INEP e CAPES, nos anos 1980, que foi sediado pela Fundação Carlos Chagas e o qual passei a coordenar até o seu término, oito anos depois” (GARCIA, 2010). Nesta entrevista, ela também faz referência a um artigo publicado na Revista Brasileira de Educação (n. 30/2005), no qual se estende mais demoradamente nas informações e análises sobre esta iniciativa. Em continuidade, trazemos elementos desse texto (GATTI, 2005) relativos ao Projeto de Intercâmbio, iniciativa tributária das atividades de pesquisa desenvolvidas pelos Centros Federal e Regionais de Pesquisas Educacionais.
De acordo com a profa. Bernardete, no início dos anos de 1980, a pesquisa era desenvolvida “de modo esparso em universidades e instituições autônomas, públicas ou privadas”, a partir de núcleos que tinham condições materiais e humanas diversas. Segundo a autora “as dificuldades materiais, pela distância entre os diversos Centros, e a falta de tradição de comunicação científica na área da pesquisa em educação, que estava começando a tomar corpo, resultava no relativo isolamento desses pesquisadores”, o que gerava uma situação em que “deixavam de se beneficiar da contribuição e da crítica dos seus pares para e sobre o seu trabalho”.
A professora analisa que começou a se impor a necessidade de criar “condições para incentivar a comunicação e o aperfeiçoamento qualitativo do trabalho resultante”. É neste momento, que surge a proposta, elaborada pelos comitês e pelas agências de fomento, de “um programa de intercâmbio na área da pesquisa educacional, nos moldes do que já havia na área da saúde”. A ideia era, por meio de recursos específicos, abrir “o leque de contatos dos pesquisadores e das próprias instituições às quais pertenciam”. Objetivava-se, com isto, melhorar “a qualidade da pesquisa educacional no país, por meio do aperfeiçoamento dos profissionais envolvidos, da permuta de informações e da realização de trabalhos de pesquisa em cooperação”. O meio utilizado seria “uma sistemática de intercâmbio com o trabalho face a face de pesquisadores das várias instituições envolvidas, bem como pela assessoria a grupos emergentes por grupos mais solidamente estabelecidos na área”. Para Gatti, ao analisar os documentos da época, é possível aferir que o resultado esperado era “o aprimoramento na elaboração teórica das pesquisas, o aprimoramento e a diversificação do tratamento metodológico, e, ainda, a criação de condições para a realização de pesquisas comparadas ou de trabalhos conjuntos de pesquisa” (GATTI, 2005, p. 124-5).
O Programa contou com o apoio de órgãos como CNPq, INEP, CAPES, FINEP e da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), entidade que havia sido criada em 1978.
O comitê responsável pelos Intercâmbios era formado por pesquisadores de instituições com trajetória de pesquisa reconhecida e com representatividade regional. Assim, em 1981, na primeira reunião realizada para definir os rumos do Programa, participaram representantes de seis universidades (UFMT, UFPA, UFRGS, UFSC, UFC, UFPB) e tambémda Fundação Carlos Chagas (FCC)6. Em 1983, com um número maior de representantes, envolvendo outras IES, foi realizada a sua avaliação e uma das conclusões da equipe foi a de que o formato “estágio” proposto no Programa foi aquele que alcançou os melhores resultados, dentro dos objetivos propostos para o Programa. Gatti (2005, p. 127) explicita em que consistiam esses “estágios”, remetendo-se a um documento da ANPEd no qual se definem as intenções e o formato do estágio, a saber:
Entende-se por estágio, no Programa de Intercâmbio, a situação em que pesquisador(es) de um Centro responsável por ou participante(s) de uma pesquisa em andamento desloca(m)se para outro Centro durante certo tempo e ali entra(m) em contato com outro(s) pesquisador(es) envolvido(s) em pesquisa relativa ao mesmo problema, ou realizada com a mesma metodologia, ou interessada numa mesma teoria, para a troca de experiências e de ideias em situação de trabalho. O que se pretende com esse tipo de ação é: a) que pesquisadores envolvidos em pesquisas análogas tenham contato pessoal direto e que esse contato se centre nos problemas concretos das pesquisas em que estão envolvidos; b) que a troca de informações, experiências e ideias realizadas em função de interesses comuns representem apoio e estímulo recíprocos para os pesquisadores e que esse contato direto tenha continuidade de outros modos, independentemente do Programa; c) que, instalado esse intercâmbio, se desenvolva o interesse por outras formas de colaboração entre os pesquisadores e entre os Centros, tais como a realização de pesquisas comparativas ou de pesquisas em colaboração. (ANPEd, 1984, p. 3, apudGATTI, 2005, p. 127).
Esses estágios, por meio dos quais pesquisadores mais experientes, de instituições mais consolidadas,colaboravam com pesquisadores e instituições onde a realização de pesquisas era ainda incipiente, tinham como foco temáticas de pesquisa que gradativamente se fortaleceram e deram origem a Grupos de Trabalho (GT) da ANPEd. Este aspecto ganhou tal espaço que na 10ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em 1987, definiu-se que se faria a extensão do “Programa de Estágios” a todos os Programas de Pós-graduação em Educação vigentes. Podemos dizer que os “Estágios”, realizados em estreita articulação com GTs da ANPEd, favoreceram o alcance do principal objetivo do Programa de Intercâmbios, ou seja, aproximar pesquisadores experientes dos iniciantes, bem como reunir pesquisadores experientes para discutir problemas de pesquisa considerados de ponta. Ao avaliar esta perspectiva dos “Estágios”, Gatti afirma que sua extensão a todos os Programas de Pós-graduação em Educação e seu vínculo com a ANPEd, “deu nova feição aos trabalhos” (2005, p. 130). Segundo a autora, após discussão e orientação oriunda da 11ª Reunião Anual da ANPEd, em 1988, “a organização dos intercâmbios foi transferida definitivamente para os grupos de trabalho, que, apoiados pela direção da Associação, passaram a propor e organizar os futuros encontros em função da própria evolução dos GTs e de suas necessidades”. Ao analisar a importância do Programa de Intercâmbios, e dentro dele, dos “estágios”, para o desenvolvimento da pesquisa em educação, a autora ressalta que,
dos primeiros encontros à expansão, verifica-se que os participantes nesses estágios se consolidaram como pesquisadores-chave em suas subáreas, por suas pesquisas, trabalhos e publicações, bem como por seu papel na formação de novas gerações de pesquisadores, por meio das orientações de mestrados e doutorados e da institucionalização de núcleos de referência em suas instituições (GATTI, 2005, p. 132).
As avaliações realizadas a respeito do impacto dos “Estágios” foram muito positivas, seja por apontarem os ganhos que a estratégia garantia, seja por mostrar aspectos que precisavam ser observados e supridos. No geral, é consenso que a sua implementação preencheu uma lacuna no que diz respeito ao processo de fazer pesquisas e de socializá-las, a fim de criar uma cultura da pesquisa. Tanto os pesquisadores individualmente quanto os grupos de pesquisa tiveram a possibilidade de criar o “hábito de intercâmbio”, garantindo o “fluxo de trocas” (GATTI, 2005, p. 131). Na análise de Gatti, o entusiasmo presente nas avaliações talvez se deva ao fato de ser a “primeira vez que explicitamente se destinavam recursos específicos para atividades de intercâmbio na área de pesquisa em educação, de modo sistemático e planejado pelos envolvidos”. A autora afirma que isto significou “um investimento a médio e longo prazo, coisa rara nas perspectivas de nossas instituições”. (IDEM, p. 132).
Como decorrência desta iniciativa de intercâmbios para disseminar a cultura da pesquisa, iniciativas similares foram tomadas em outras frentes7. No decorrer do próximo subitem outras menções a este respeito serão feitas.
A constituição dos grupos de pesquisa na área de educação
Neste subitem nos concentramos nas manifestações da profa. Gatti, a partir da entrevista que nos concedeu no final de 2016. Suas falas são indicadoras dos caminhos da pesquisa em educação e dos pesquisadores para organizarem-se em grupos e redes de pesquisadores.
No decorrer da entrevista, as primeiras indicações sobre a constituição de grupos de pesquisa na área de educação foram referências ao trabalho realizado pela professora Aparecida Joly Gouveia (1919-1998) e por outras colegas que atuavam na FCC. Para Gatti, a gênese dos grupos de pesquisa está aí8:
Então, quando eu vim aqui para a Fundação Carlos Chagas, logo que fiz o meu doutorado, encontrei a ideia de grupo de pesquisa. Nós éramos cinco pesquisadores que demos início aqui ao Departamento, mas nós tínhamos direito de ter um grupo, tínhamos bolsas e tínhamos que constituir um grupo em função dos projetos a desenvolver. Então eu constituí um grupo na área de formação de professores.[...]. A ideia de grupo de investigação esteve na origem dos nossos trabalhos na FCC, com inspiração da Aparecida Joly Gouveia e do José Pastore, da USP, que foram consultores, com apoio da Fundação Ford, para montar esse Departamento. Propuseram o esquema de formar grupos com um pesquisador coordenador e outros em formação. Porque eles percebiam que não dava para avançar no mundo da investigação em educação sem nuclear, de modo individualista como predominava, então, no sistema da universidade.
Ao falar sobre o momento atual, remete-se às pesquisas em educação e à formação de grupos de pesquisa no final da década de 1970 e início da década de1980. Para Gatti, o momento atual é um ponto de chegada de iniciativas anteriores ligadas a órgãos governamentais, como foi o caso pioneiro do INEP.
Gatti continua falando sobre sua inserção no CNPq, como avaliadora de projetos de pesquisa. Esta experiência evidenciou que as demandas dos pesquisadores a partir dos seus projetos eram predominantemente individuais. E ressalta: até hoje é! Segue fazendo um relato sobre a sua trajetória neste órgão de fomento à pesquisa, indicando que havia um grupo que atuava no setor do CNPq voltado para o desenvolvimento social. Este grupo procurou atuar dentro de uma proposta de organização de projetos de pesquisa coletivos que abrangessem temáticas supradisciplinares: foi nesta integração que surgiu um projeto que eu acho que realmente provocou na área de educação a formação de grupos de pesquisa.
Na sequência, a professora Bernadete faz um longo depoimento sobre os ganhos, a consolidação de grupos de pesquisa e as perdas, resultantes das descontinuidades dos Programas oriundos de políticas públicas:
Esse germe nos anos de 1980, me parece que foi muito importante. (...) No setor de Desenvolvimento Social seguiu-se na ideia de que nós precisaríamos ter uma formação melhor dos nossos grupos de pesquisa. (...) Sobre o Programa de Intercâmbio as reuniões eram feitas aqui em São Paulo porque nós podíamos oferecer espaço, suporte. Então fazíamos aqui de preferência. Trazia os grupos e oferecia o espaço. Aí quem capitaneava a reunião era um dos docentes pesquisadores experiente no tema. Eu assisti várias das reuniões porque eu estava aqui. Vinha a presidente da ANPEd e representantes da Associação nas reuniões. Ali sim foi uma coisa muito interessante. Isso depois passamos para a ANPEd e deu origem ao GTs e os grupos estão funcionando9. Mas agora acho que falta articulação entre os pesquisadores. Nós perdemos essa coisa da articulação. E das redes. E aí os grupos começaram a surgir de outras maneiras. Há pesquisadores que estão constituindo redes nacionais e cada um trabalha isolado.
Ao concluir seu depoimento, a professora Bernardete reforça a necessidade de aprofundamento teórico na área de pesquisa, um aspecto que as trocas proporcionadas pelos grupos de pesquisa podem ajudar e fortalecer, algo necessário na década de 1980 e mais ainda na atualidade.
Ao chegar aos dias atuais, o olhar em retrospectiva evidencia inúmeros ganhos para a área de Educação,que sequer se constituía como tal na classificação do CNPq até inícios da década de 1980, quando estava agregada à área de Psicologia. Houve grande expansão dos mestrados e doutorados, com reestruturação e organização dos Programas de Pós-graduação em Educação em torno de linhas de pesquisa, visando adequar-se ao objetivo da formação de pesquisadores10. Com a criação do comitê Assessor da Área de Educação11, iniciativas induzidas de financiamento, como a dos “Intercâmbios”, foram sendo criadas12. Um número maior de Bolsas de iniciação científica, de mestrado e doutorado foram concedidas, somadas ao incremento de bolsas por parte da CAPES e das Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados. Dotações orçamentárias foram feitas para induzir/apoiar projetos de pesquisa de pesquisadores individuais e grupos de pesquisa, visando à estruturação de redes de pesquisa nacionais e internacionais13. Presente nesses esforços está a “ideia que percorrerá a década de oitenta que pesquisa se aprende fazendo, no trabalho com equipes competentes...” (GATTI, 2017, p. 160), com manifestações em inúmeras frentes nos dias atuais.
Contudo, se há muito a festejar, em termos de conquistas, não há como deixar de ter presente que as mais expressivas tendem para o quantitativo, para a adequação a avaliações mais afetas a dados, classificações, rankings, levando a sacrificar ou secundar o caráter formativo de que as iniciativas deveriam se revestir e que as avaliações deveriam promover.
No próximo subitem, fazemos um salto histórico para focar em um programa público indutivo de atuação e formação de pesquisadores na perspectiva da internacionalização da educação superior, via pós-graduação: o “Programa Institucional de Internacionalização - CAPES-PrInt”. Com isso, nossa intenção é levantar a seguinte reflexão: Em que medida o que está sendo proposto e executado é tributário de experiências anteriores, representando um adensamento, um patamar qualitativo mais elevado na espiral das preocupações e iniciativas voltadas à formação de pesquisadores, à execução de pesquisas e à criação de redes?
CAPES-PrInt: rede de pesquisadores
O estímulo à formação de redes de pesquisa internacionais é um dos objetivos do Programa CAPES-PrInt, que foi lançado no final de 2017, por meio da portaria nº 220, de 4 de novembro de 2017 (MEC/CAPES, 2017). Como percebemos, é um Programa recente, o que limita as possibilidades em termos de acesso aos dados de acompanhamento, bem como no tocante a possibilidades de adensamento analítico.
Neste subitem, apontamos alguns avanços na investigação do Programa, com o objetivo de analisar a política de formação de pesquisadores e incentivo a grupos/redes de pesquisa na atual conjuntura. O subitem está organizado em três subdivisões, a partir de elementos que consideramos importantes à compreensão da criação e efetivação deste Programa: 1. CAPES-PrInt: antecedentes e caracterização; 2. CAPES-PrInt e o estímulo à formação de redes: ‘internacionalizar as redes’ ou ‘redes para internacionalizar’?; e 3. As Redes, os pesquisadores e a internacionalização.
CAPES-PrInt: antecedentes e caracterização
Em termos de origem, o CAPES-PrInt é precedido pelo Programa Ciências sem Fronteiras (CsF) (2012-2017), cujo objetivo era promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileiras. Segundo Leal (2020), o CAPES-PrInt é elaborado a partir de críticas ao CsF, como consta em relatório da Diretoria de Relações Internacionais da CAPES sobre o estado do conhecimento da ‘internacionalização’ nas universidades brasileiras (CAPES, 2017b).
O cenário em que ambos os Programas são lançados é de substanciais mudanças no paradigma de educação superior em âmbito global, crescente pressão pela internacionalização da educação superior e acirramento da competitividade dos/entre países, blocos e universidades - para responder às demandas do mercado e garantir a inserção na chamada “economia/sociedade do conhecimento”14.De acordo com Morosini (et al 2023, p. 14):
As políticas de Internacionalização da Educação Superior acompanham o movimento de atualização do conceito, pois, conforme a internacionalização adquire maior importância no âmbito das IES, a implementação de políticas, planos, estratégias, ações e indicadores se torna necessária. Isso porque, “a internacionalização não é mais uma questão além da vida acadêmica. Deve estar no âmbito das políticas e decisões estratégicas dos conselhos institucionais superiores. Ela deixa de ser uma opção e se transforma em uma meta a ser alcançada, com razões evidentes para isso (apud STALLIVIERI, 2017, p. 19).
O objetivo do Programa é colaborar com a implantação da internacionalização da educação superior a partir da construção de “um processo mais sólido, focado em instituições que já tivessem uma política institucional voltada à internacionalização e que demonstrassem potencial para o desenvolvimento desse tipo de programa” (MOROSINI et al, 2023, p. 15).Neste viés, o PrInt“estimula o avanço na internacionalização das Instituições de Ensino Superior brasileiras”, visando resultar “na competitividade e visibilidade da produção científica do País” (INFOCAPES, 2018, s/p, destaque nosso). Os objetivos do PrInt são: fomentar a construção, a implementação e a consolidação de planos estratégicos de internacionalização das instituições em áreas do conhecimento priorizadas; estimular a formação de redes de pesquisas internacionais; ampliar as ações de apoio à internacionalização da pós-graduação; promover a mobilidade de docentes e discentes; provocar transformações das instituições participantes em um ambiente internacional.
Dentre as ações previstas e financiadas, via editais, destacam-se: missões de trabalho no exterior; bolsas no exterior; professor visitante júnior; professor visitante sênior; bolsas no país: jovem talento, pós-doutorado, entre outras possibilidades.
Para concorrer à seleção do PrInt, as IES devem: apresentar um plano de internacionalização em duas línguas - português e inglês; possuir pelo menos quatro (4) programas (dois doutorados) recomendados pela CAPES, com a nota mínima 4; definir uma série de instrumentos para fins de “acompanhamento e das avaliações do projeto de internacionalização”, o que tem incluído visitas regulares da CAPES às IES selecionadas e encontros/workshops promovidos pelo órgão e seus parceiros, para tratar de temas relacionados ao Programa; estabelecer metas para melhoria da qualidade da pós-graduação, com parcerias estratégicas e contrapartidas bem definidas, prevendo o fortalecimento de grupos de pesquisa em colaboração internacional (INFOCAPES, 2018).
Percebe-se, assim, a busca de consolidação de uma ‘política de editais competitiva15’ e a edificação de um Programa mais voltado para a internacionalização do âmbito institucional das IES do que efetivamente dos indivíduos, como ocorreu com o CsF. Leal (2020, p. 154) destaca ainda outras diferenças do CAPES-PrInt em relação ao CsF: a exclusividade na pósgraduação16 e a possibilidade de atuação mais autônoma e ativa das universidades, uma vez que os comitês gestores passam a gerenciar o financiamento e as próprias IES devem traçar seus projetos estratégicos e ‘escolher’ os parceiros internacionais.
No que se refere à forma de alocação de recursos, o PrInt materializa a tendência de aprofundamento da diferenciação institucional a partir da concentração de fundos em algumas instituições com potencial de tornarem-se de ‘excelência’ a partir de um regime de base competitiva.
A explicitação dessas diferenças do PrInt em relação ao CsF torna evidente que o Programa materializa/expressa tendências a subsidiar a internacionalização da educação superior, uma vez que contém as características do modelo de Universidade de Classe Mundial (UCM) (SALMI, 2009).
Como afirma Leal (2020, p. 154):
A CAPES busca investir na mudança comportamental de um número específico de instituições - as que “vêm [...] aproveitando melhor das oportunidades de fomento oferecidas [...] [e que portanto] permite[m] uma ação ampla [...]” (CAPES, 2017a, p 43) - para transformá-las em ‘universidades de classe mundial’: instituições de pesquisa que se apresentam como mais produtivas do ponto de vista da capitalização de recursos e que ocupam posições significativas nos rankings universitários.
Desse modo, “o foco ocorre naquilo em que o sistema de educação superior e as IES selecionadas têm de ‘melhor’, ou seja, aquilo que é mais ‘comercializável’ do ponto de vista da capitalização de recursos no contexto da ‘economia global do conhecimento’” (LEAL, 2020, p.159).
O resultado do primeiro edital corrobora esses argumentos, uma vez que contemplou 36 IES, a grande maioria da região Sul e Sudeste. Apenas seis são do Nordeste. Nenhuma IES da região Norte foi contemplada com financiamento e nenhum PPG com nota 4.
Em termos gerais, a diferenciação aprofundada pelo Programa induz a criação de polos, ambos operando em favor do mercado, o que implica deflagração das diferenciações na oferta de educação superior, que reforçam uma lógica excludente, mascarada pela falsa democratização do acesso e pela meritocracia.
Diferenciações interinstitucionais também são potencializadas, uma vez que o enfoque sobre a pesquisa em detrimento de outras funções da universidade circunscreve seu alcance aos programas de pós-graduação com maior potencial de elevar o posicionamento da IES nos ranqueamentos universitários globais pela via, entre outros aspectos, das publicações científicas de alto impacto.
Processo similar ocorre quando se trata da escolha dos parceiros para cooperação internacional. No Anexo 1 do Edital do PrInt (CAPES, 2017c) estão listados os 26 países17de localização das instituições às quais ao menos 70% dos recursos para parcerias devem ser alocados. Os outros 30% dos recursos podem ser alocados para parcerias com Instituições de países que não constam dessa relação dos países mais desenvolvidos.
A seleção dos países prioritários para cooperação em rede explicita a concepção de internacionalização hegemônica e colonial que instrumentaliza o Programa, deixando uma margem muito estreita para a edificação de relações pautadas por outras concepções de compartilhamento científico.
No âmbito da gestão, a aparente desburocratização do financiamento, travestida de “autonomia” dos grupos das IES, aprofunda a responsabilização pela eficiência e amplia a presença de mecanismos de monitoramento de resultados. Isto é, implica maior intervenção estrutural no âmbito da instituição universitária de modo a minar a autonomia quanto às formas de interagir internacionalmente.
CAPES-PrInt e o estímulo à formação de redes: ‘internacionalizar as redes’ ou ‘redes para internacionalizar’?
Dentre os objetivos do PrInt, destacamos aqueles referentes ao estímulo à formação de redes de pesquisas internacionais. Assim, se nas experiências dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs) (1950-1960) e do “Programa de Intercâmbios” (1981-1992), apresentados anteriormente, vemos a estruturação e a consolidação da pesquisa em educação e da formação de pesquisadores a partir da criação de grupos de pesquisa regionais e nacionais, o movimento atual, com o PrInt, orienta-se em direção à internacionalização desses grupos a partir da dinâmica das redes de pesquisa. Tais redes são apresentadas como formas de “aprimorar a qualidade da produção acadêmica vinculada à pós-graduação” (CAPES, 2017a, p.1).
A necessidade da criação de redes de pesquisa internacionais, todavia, já estava sinalizada em outros documentos da política educacional e de ciência e tecnologia a partir de 2000 (LEAL, 2020). No Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2020), por exemplo, a internacionalização aparece como uma expectativa, notadamente nas estratégias de consolidação de programas, projetos e ações com escopo alinhado à internacionalização da pesquisa e da PG; no incentivo à atuação em rede; no fortalecimento de grupos de pesquisa e na promoção do intercâmbio científico e tecnológico, nacionais e internacionais. O lançamento do PrInt expressa a materialização desta lógica de internacionalização via redes de pesquisa na pós-graduação (LEAL,2020).
De acordo com Knight (2012), a existência de redes, associações e projetos internacionais é uma das dimensões do processo de internacionalização, bem como a mobilidade acadêmica (estudantes/professores), a inclusão de uma dimensão internacional/intercultural e/ou global no currículo e no processo de ensino-aprendizagem.
Em conteúdo sobre o Programa, na página oficial de informações da CAPES (INFOCAPES, 2018, s/p), a então coordenadora geral de PG da Universidade Mackenzie, uma das cinco IES privadas selecionadas para fazer parte do Programa, afirma: “o PrInt veio ao encontro da nossa tentativa de se aproximar, em projetos colaborativos, de países que têm impacto muito maior na ciência”. Ainda de acordo com a entrevistada, “o programa vai permitir dar mais visibilidade e projeção mundial ao Brasil”.
Por ora, podemos observar que a formação de redes de pesquisa não expressa o objetivo central do PrInt, mas apresenta-se como uma dimensão de promoção da internacionalização da educação superior. Trata-se, pois, de uma política indutiva no sentido de promover parcerias com grupos e pesquisadores internacionais, publicações em parceria, internacionalização do currículo, estimular a oferta de disciplinas em língua inglesa, dentre outras questões que aparecem de forma explícita no Edital do Programa e também no conjunto de orientações para a elaboração dos projetos institucionais conforme orientações disponíveis no site do CAPES-PrInt. Em estudo recente sobre as estratégias de internacionalização das instituições que que fazem parte do PrInt, Morosini et al (2023, p. 13) destacam que “é a partir desse modelo de rede que a produção técnico-científica internacionalizada se consolida nas IES brasileiras que participam do Programa CAPES-PrInt”. Um questionamento importante sobre a indução das redes está relacionado ao lugar e aos interesses do Brasil na organização das redes de pesquisa internacional.
Embora seja muito prematura qualquer afirmação e generalização sobre o que as redes de pesquisa organizadas via PrInt promovem em termos qualitativos, cabe alertar que os Organismos Internacionais (OIs) entendem a dinâmica de redes como uma alternativa para países menos desenvolvidos. De acordo com documentos organizados pela Unesco e pelo Banco Mundial (BM), as redes são formas de os países que não compõe o eixo dinâmico do capital “construírem força suficiente em campos selecionados, a fim de promover a participação na ciência global18” (SADLAK; CAI, 2009, p. 66). Assim, tem-se que, “[...] na economia global, pequeno significa que você tem que ser focado e ágil, encontrar um nicho e trabalhar com parceiros” (IDEM, p. 185).
Neste mesmo sentido, percebemos que a criação de redes de pesquisa internacionais em torno de áreas prioritárias também vem sendo a dinâmica adotada pela União Europeia, no âmbito do Programa Horizonte 2020, lançado em 2014, e pela Rede de Universidades do Brics, lançada em 2015 (THIENGO, 2018). Nos dois movimentos percebemos a busca pela excelência acadêmica e científica fundamentada na formação de redes entre universidades de diferentes países-membros, a centralidade da pesquisa e, no âmbito da PG, a promoção da mobilidade acadêmica, políticas para atração de talentos, estabelecimento de áreas estratégicas, interação com o setor produtivo.
Assim, nos parece que ao PrInt cabe a mesma consideração que fizemos em pesquisa anterior sobre os Programas acima referidos:
A introdução de programas promotores de excelência baseados em diferenciação financeira, prêmios, fusões e seleções tende a criar um cenário com poucos vencedores e muitos perdedores, o que pode desencadear um efeito desmobilizador para a maioria dessasinstituições. Outro possível desdobramento estreitamente relacionado às questões da investigação científica é o privilégio concedido a algumas das dimensões de atividade das IES, neste caso, à pesquisa induzida. Assim, a promoção de certos tipos de excelência pode vir a ser feita em detrimento da qualidade observada em outras dimensões, porventura menos valorizadas em termos de prioridades políticas e institucionais (THIENGO, 2018, p. 182).
Não queremos afirmar com isso que as redes de pesquisa não apresentam potencialidades em termos de desenvolvimento científico. Pelo contrário:
A heterogeneidade dos componentes dos grupos torna o processo de pesquisa desafiador e proporciona originalidade e solidez nos resultados, permitindo realizar monitoramento para detectar erros ou inconsistências nos dados encontrados. No caso de estudantes de graduação e pós-graduação, as redes propiciam o acesso a diferentes abordagens do conhecimento e especificidades de outros territórios acerca de uma temática específica (MOROSINI et al, 2023, p.13).
Todavia, como indicamos anteriormente, é preciso destacar que as políticas de internacionalização em âmbito global e local induzem mudanças comportamentais em um reduzido número de universidades com potencial de contribuir para a inserção do país, de forma mais competitiva, no mercado global. Além disso, acirram a competitividade intra e entre as IES e tendem a estimular a incorporação de um ethos internacionalizado em substituição à noção de qualidade, ou mesmo, “estreitar” a própria noção de qualidade.
As Redes, os pesquisadores e a internacionalização
No edital da CAPES-PrInt está explícito que a efetivação das redes de pesquisa internacionais tem também como objetivo (e fim) a atração de corpo docente internacional. A questão está diretamente relacionada com a intenção de tornar mais ativa a dinâmica de mobilidade internacional estabelecida inicialmente com o Programa CsF. Morosini et al (2023) identificam que são centrais a criação e o fortalecimento de redes colaborativas como estratégias de internacionalização das IES que fazem parte do PrInt, o que ocorre a partir das ações, como: missões e visitas técnicas, incentivo à atração de pesquisadores internacionais, fomento à criação de projetos com participação de docentes e pesquisadores internacionais e instituição ou fortalecimento do Programa de Cátedras.
Neste sentido, compreendemos que o PrInt materializa orientações da lógica de ‘classe mundial’, segundo a qual “o primeiro, e talvez o mais importante determinante da excelência, é a presença de uma massa crítica de estudantes e professores de primeira classe” (SALMI, 2009, p. 6). Essa posição é convergente com publicação organizada pela Unesco (SADLAK; CAI 2009), em que estão assinaladas as dificuldades para transformar ‘pesquisas excelentes’ em produtos ou serviços comercializáveis. Para a Unesco “há evidências crescentes de que os desenvolvimentos econômicos dependem cada vez mais de trabalhadores talentosos e altamente qualificados, particularmente aqueles que possuem as habilidades científicas e de engenharia necessárias”. Como desdobramento, os países têm interesse em atrair cientistas ‘de classe mundial’, que “possam ter ideias brilhantes ou estejam prontos para investir em novos projetos” (SADLAK; CAI, 2009, p. 63). As redes de pesquisa, incluindo instituições de diferentes países e também o setor privado, neste contexto, são incentivadas a tornarem-se cada vez mais úteis.
Não se trata, pois, de qualquer docente. De acordo com documento do BM sobre as UCMs, os professores “devem ter consciência de sua essência internacional” (ALTBACH; SALMI 2011, p. 20). Isso significa colaborar com colegas que residem em países diferentes, participar de eventos e publicações internacionais e, inclusive, estar disponível para mudanças geográficas. Outra orientação relevante é a necessidade de conhecimento da Língua Inglesa, já que uma das principais marcas das universidades de pesquisa é seu caráter internacional. A formatação via Rede de Pesquisa Internacional apresentada pelo PrInt é, então, orientada nesta perspectiva.
Sendo assim, a despeito da diversidade e do enriquecimento teórico e metodológico que o intercâmbio de professores de outros/outras países/culturas acadêmicas pode promover com PPGs e IES brasileiras, cabe questionar: Quais os desdobramentos dessa dinâmica para a pesquisa em termos qualitativos? E para a constituição e o funcionamento dos/ das grupos/redes de pesquisa? Quais as repercussões dessa dinâmica para o corpo docente vinculados aos PPGs e às IES? O que significa, para professores e discentes, a obrigatoriedade de desenvolvimento de disciplinas e de intercâmbios em língua inglesa? Como situar-se em termos de equanimidade quando as relações globais predominantes seguem a (uni)direção norte-sul? E no tocante à especificidade das Ciências Sociais e Humanas, em particular, à área de Educação, pergunta-se: Qual o lugar da Pesquisa em Educação no CAPES-PrInt? Quantos PPGs em Educação fazem parte dos Projetos em desenvolvimento?19 Que tipo de avanço qualitativo promove o Programa para a formação de pesquisadores na área? E em relação ao Brasil, como garantir que esse Programa não seja mais uma ´vítima´ da descontinuidade administrativa e/ou do redirecionamento de prioridades, (re)formatadas pelos e para os desígnios do mercado, nos quais não cabem as humanidades ou, quando inseridas, o serão marginalmente?
Embora ainda seja prematuro levantar estas questões, dado o histórico das políticas de financiamento anteriormente apresentadas, torna-se necessário elencá-las.
Neste sentido, cabe retomar a pesquisa de Leal (2020) sobre o cenário de internacionalização no Brasil, incluindo o PrInt. Para a autora, a indução à criação de redes de pesquisa tende a dicotomizar os indivíduos/grupos da Universidade em ‘internacionalizados’ e ‘não internacionalizados’, institucionalizando uma hierarquização entre os docentes e os grupos, de modo a legitimar uma ‘elite acadêmica´. A indução, via PrInt, de alguns centros/grupos de excelência em pesquisa, coexiste com a lógica da produtividade e da competitividade científica - quando não a induz! -, pautada por formas de avaliação quantitativo-classificatórias que, paralelamente às vantagens que traz, intensifica o processo de trabalho e interfere na dinâmica do processo formativo da universidade que deveria pautar-se por critérios diversos daqueles do mercado.
Considerações finais
A preocupação com a formação de pesquisadores da área de educação no Brasil é uma constante que se desenvolve/modifica ao longo do próprio processo de consolidação e expansão do sistema de educação superior no Brasil que, por sua vez, está articulado a um processo mais amplo de mudanças na dinâmica capitalista global.
Como vimos na primeira parte do texto, nas experiências dos “Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs)” (1950-1960) e, especialmente, no “Programa de Intercâmbios” (1981-1992), havia uma preocupação em qualificar pesquisadores e qualificar teóricometodologicamente as pesquisas. Desse modo, a articulação a partir de Grupos de pesquisa assumia, frente a distintas estratégias, um caráter formativo com o objetivo de consolidar a produção científica na área. Uma análise mais aprofundada permitiria entender o quanto a formação e atuação de grupos e redes de pesquisa atuais e a própria organização da ANPEd em Grupos de Trabalho (GTs) - assentados na atuação de pesquisadores e de grupos de pesquisa - são tributários das referidas iniciativas anteriores.
Neste sentido, ao olharmos para essas experiências seminais é que problematizamos sobre o que pretende o PrInt e quais elementos fundamentam a dinâmica de rede de pesquisa internacional. Considerando que há um interstício temporal significativo entre as propostas analisadas, a escolha do CAPES-PrInt deu-se a partir da compreensão de que este Programa expressa, de forma mais avançada e também mais atualizada, o lugar da universidade, da pósgraduação e da pesquisa na atual conjuntura.
A condição recente e em andamento do Programa, como inferimos anteriormente, suscita cautela em nossas análises. Ainda assim, podemos afirmar quea constituição de redes de pesquisadores tem como objetivo precípuo a internacionalização e não o contrário, o que reforça uma filosofia determinística e reducionista por trás da ideia de ‘internacionalização como imperativo’, suscitando que os membros da comunidade universitária sejam concebidos como instrumentos de efetivação de uma determinada ‘internacionalização’ requerida ao ajustamento a uma suposta “necessidade global”.
Nesse mesmo sentido, podemos afirmar que a perspectiva de internacionalização adotada pelo CAPES-PrInt é hegemônica e está “imersa na matriz cultural do poder colonial, que reforça geografias desiguais de poder, de saber e de ser”, o que promove a “reincidência de um viés mimético e reprodutivo, que nega o lócus da inserção regional e reforça a ideia dicotômica Norte-Sul, com todas as mazelas coloniais que enseja” (LEAL, 2020, p.148 ).Tais considerações apontam para questões, como: A quem serve essa internacionalização? O que promove efetivamente a articulação em rede? O que significa, em termos de formativos, a interação prioritária com determinados tipos de conhecimentos/países?
Assim, se em retrospecto vimos, ainda que com algumas contradições, a consolidação da pesquisa em educação a partir de 1950-60, e de forma mais contundente na década de 1980, a partir da emergência dos grupos de pesquisa, hoje, estaríamos acompanhando um salto qualitativo com a criação de redes internacionalizadas, ou seria esse o esfacelamento da pesquisa na área pela falta de ‘prioridade’ ou ‘mérito’ internacional?