INTRODUÇÃO
No quadro dos direitos humanos, o direito à educação constitui a matriz fundamental para o acesso aos demais direitos coletivos e individuais. Nos espaços de privação de liberdade, nas suas diversas conceituações — prisões, presídios, penitenciárias, entre outras —, o direito à educação ainda é visto como um “benefício” ou “privilégio” pela grande maioria da sociedade (Barros Filho, 2021a). Em nossa experiência, no Brasil e em Portugal, com ações educativas e pesquisas nos ambientes prisionais, constatamos a existência de uma dicotomia face à privação de liberdade: uma concepção que tem por base a repressão através do aprisionamento de pessoas; e outra que se orienta pela intenção de contribuir para a formação, a partir da educação, e pelo quadro do exercício da cidadania para apoiar a emancipação. Se o direito à educação é negado às pessoas em contexto prisional, os Estados/nações tornam-se os violadores desse direito universal. Como solucionar o paradoxo, nos contextos prisionais, entre punição e formação? Por que é importante discutir o direito à educação em prisões nas dimensões jurídico-normativas internacionais e as concepções de educação que as suportam?
Esses questionamentos refletem o caráter emergencial de discutir projetos de sociedade que contemplem as pessoas em privação de liberdade, nos Estados-nação signatários dos direitos humanos, para além dos marcos legais vigentes. Tendo essa ideia por referência, o estudo justifica a sua relevância científica ao situar o espaço prisional como um ambiente estratégico da educação de jovens e adultos e da aprendizagem ao longo da vida. Buscamos ir além do debate sobre a oferta quantitativa do direito à educação em espaços de privação de liberdade (UNESCO, 2021). Nesse sentido, o estudo tem por objetivo contribuir com fundamentos teóricos que qualifiquem as práticas pedagógicas, a partir de uma revisão da literatura atualizada sobre a educação nas prisões e os modelos vigentes. Do ponto de vista da construção de conhecimento, o estudo responde às seguintes questões de investigação: como o direito à educação nas prisões é assegurado nas dimensões jurídico-normativas? Que concepções de educação são veiculadas por políticas de educação nas prisões?
O DIREITO À EDUCAÇÃO NAS PRISÕES
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de 1948 (UN, 1948), de responsabilidade das Nações Unidas (NU), tem como intenção que os Estados-nação signatários preservem a dignidade da pessoa humana e assegurem o direito à educação. Ao longo dos 73 anos da implementação da DUDH, os Estados-nação signatários vêm desenvolvendo e aprimorando os marcos legais jurídico-normativos, seguindo orientações expressas em recomendações e resoluções das NU para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Essas recomendações, ao considerarem as populações a quem tem de ser conferido o direito à educação, incluem as pessoas em privação de liberdade, tendo em atenção as especificidades legais/penais de cada Estado-nação no que diz respeito ao cumprimento da pena.
Historicamente, as prisões, no mundo inteiro, acumulam inúmeros problemas no que diz respeito à defesa da dignidade da pessoa humana e das garantias de direitos às pessoas presas, conforme têm denunciado os relatórios de instituições em defesa dos direitos humanos, tais como, entre outros, o da Human Rights Watch (2020) e o da Anistia Internacional (Amnesty International, 2021).
A relevância do estudo que este artigo apresenta justifica-se também por haver mais de 11 milhões de pessoas em privação de liberdade no mundo (UNESCO, 2021), o que exige dedicar esforços para assegurar que o direito à educação seja efetivado durante o período de cumprimento de pena, em busca da qualificação e (re) socialização dessas pessoas.
Em nível mundial, as pesquisas sobre a educação nas prisões predominam no norte global (Carrington et al., 2019) e são escassas nas demais partes do mundo (Rangel Torrijo e De Mayer, 2019). Essa situação é difícil de compreender, tendo em consideração um exponencial crescimento na comunidade científica internacional, principalmente, nos últimos sete anos (Alliance for Higher Education in Prison, [s.d.]; Bennett, 2016; Key e May, 2019; Rangel Torrijo e De Mayer, 2019; UNESCO, 2019; 2021). Nessa mesma linha de ideias, um estudo de Barros Filho (2021b) dá conta de uma enorme preocupação pela falta de interesse da sociedade e das universidades pela temática da educação em espaços de privação de liberdade.
Em 2021, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC, 2021) apresentou relatório de pesquisa destacando que, nas duas últimas décadas (2000 a 2019), a população prisional mundial cresceu 25%, enquanto a população global cresceu 21%. Esses números refletem a emergencial necessidade da discussão acerca da preservação dos direitos humanos, em especial, no âmbito das políticas de educação voltadas às pessoas em privação de liberdade. Essa é uma responsabilidade coletiva, segundo a qual os Estados-nação, as universidades, a sociedade, a imprensa e demais sujeitos sociais e institucionais precisam urgentemente intervir na construção de caminhos e projetos de sociedade que contemplem as pessoas reclusas como parte das agendas mundiais para o desenvolvimento global da humanidade, numa cultura de paz e de garantias de direitos. Essa orientação é preconizada pela Agenda 2030 (ONU, 2015, p. 18), especialmente, no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 4, quando reforça a importância de garantir uma educação de qualidade inclusiva e equitativa, que promova “[…] oportunidade de aprendizagem ao longo da vida para todos […]”.
Tendo essa orientação por referência, o estudo que se apresenta constitui um contributo às pesquisas sobre políticas de educação nas prisões, por analisar a situação em países que têm as 10 maiores populações prisionais do mundo (números absolutos). Esta análise poderá promover novos olhares para além das produções da América do Norte e da Europa, como apontam as críticas de Frey (2014) e Ugelvik, Jewkes e Crewe (2020). Nessa linha, é importante compreender o avanço jurídico-normativo internacional e nacional e principalmente situar as políticas de educação nas prisões, levando em consideração a diversidade de orientações educacionais e penais em todo o mundo (Biao, 2018).
É também de se ter em consideração que cada estabelecimento prisional tem um modelo de gestão e peculiaridades próprias na concretização de intervenções educacionais (De Mayer, 2013; Barros Filho, 2021a). É esse sentido que o estudo tem em conta quando vai além da apresentação de dados quantitativos, como se constata na maioria dos relatórios prisionais.
METODOLOGIA
Do ponto de vista metodológico, o estudo recorre a uma análise documental de políticas públicas educacionais, nos documentos oficiais das NU/UNESCO, a partir da implementação da DUDH (UN, 1948), bem como a dados oficiais disponíveis nos sites de cada Estado-nação. Nesta análise, optou-se pelas dez maiores populações prisionais mundiais, indicadas pela base de dados World Prison Brief,1 do Instituto de Pesquisa de Política Criminal da Universidade de Londres, que agrega dados mundiais sobre o sistema prisional. Paralelamente, o estudo identificou e analisou artigos indexados nas bases de dados SCOPUS e EBSCOhost que têm como foco a educação nas prisões, utilizando as palavras-chave “educação nas prisões”, “educação correcional” e “educação prisional”, relativos a cada país investigado, utilizando como recorte temporal o período de 2015 a 2021. Essas pesquisas relativas a estudos disponíveis dos países selecionados para a pesquisa foram realizadas prioritariamente na língua inglesa, porém ampliadas a outras línguas (português, russo, indonésio, espanhol e mandarim) que dispunham de tradução dos documentos oficiais das políticas dos sistemas penal e educacional.
RESULTADOS
O Quadro 1 sistematiza os documentos relativos a disposições jurídico-normativos internacionais, com ênfase no direito à educação, em especial, das pessoas em privação de liberdade, tendo em consideração o recorte temporal a partir da DUDH, de 1948 (UN, 1948).
Ano | Documento |
---|---|
1948 | Declaração Universal dos Direitos Humanos (UN, 1948) |
1955 | Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros (ONU; UNESCO, 1955) |
1960 | Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino (UNESCO, 2003) |
1966 | Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966a) |
1966 | Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU, 1966b) |
1990 | Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1998a) |
1997 | V Conferência Internacional sobre a Educação de Adultos (UNESCO, 1998b) |
2000 | Educação para todos: o compromisso de Dakar (UNESCO, 2001) |
2009 | VI Conferência Internacional sobre a Educação de Adultos (UNESCO, 2010) |
2015 | Education 2030 Incheon declaration: Towards Inclusive Education and Lifelong Learning for All (UNESCO, 2016a) |
2015 | Recomendação sobre Aprendizagem e Educação de Adultos (UNESCO, 2016b) |
2015 | Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela — UNODC, 2015) |
2020 | Quarto Relatório Global sobre Aprendizagem e Educação de Adultos (UNESCO, 2020) |
Fonte: Elaboração dos autores.
Tendo por base o recorte jurídico-normativo do direito à educação e das garantias de direitos humanos, que contemplam as pessoas em privação de liberdade, no Quadro 2, é sistematizado o ranking, em números absolutos, das 10 maiores populações prisionais do mundo, na relação com a população geral.
Estado/Nação | População prisional | População geral |
---|---|---|
1.° EUA | 2.068.800 | 334.339.087 |
2.° China | 1.690.000 | 1.449.560.516 |
3.° Brasil | 811.707 | 213.665.097 |
4.° Índia | 478.600 | 1.403.645.823 |
5.° Federação Russa | 471.490 | 146.008.160 |
6.° Tailândia | 309.282 | 70.173.608 |
7.° Turquia | 291.198 | 86.368.610 |
8.° Indonésia | 266.259 | 278.180.867 |
9.° México | 220.866 | 131.336.192 |
10.° Irã | 189.000 | 85.405.618 |
Fonte: Elaboração dos autores a partir da base World Prison Brief/ICPR/Universidade de Londres (https://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/prison-population-total?field_region_taxonomy_tid=All).
Sobre os dez países que constam do Quadro 2, foi realizada uma pesquisa de artigos publicados no período de 2015 a 2021 na intenção de identificar pressupostos teóricos que fundamentem o direito à educação nas prisões. Em relação aos Estados Unidos da América (EUA), que detêm a maior população prisional do mundo, com 2.068.800 pessoas nas prisões, Capettini e Rabinowitz (2021) e Sojoyner (2016) referem que o perfil das pessoas em privação de liberdade nesse país sofre total influência das questões raciais. Pessoas negras têm seis vezes mais chance de serem presas em comparação com pessoas brancas.
Segundo o relatório da Human Rights Watch (2021, p. 710, tradução nossa), no que diz respeito ao sistema jurídico penal dos EUA: “Em vez de abordar os problemas de pobreza ou de saúde que contribuem para o crime, muitas cidades dos EUA focam o policiamento agressivo em comunidades pobres e de minorias, alimentando um ciclo vicioso de encarceramento e violência policial.”.
Segundo Green (2020), essa situação social das prisões nos EUA reflete o modelo excludente presente nas escolas ao longo da vida educacional de estudantes negros e latinos, o que mostra a necessidade de uma pedagogia da libertação (Freire, 1984) como possibilidade de superação do quadro de exclusão e segregação existente. Felson e Todorović (2021), tendo por base a Pedagogia Dialógica de Paulo Freire como modelo de ensino de clássicos da Grécia antiga, referem a importância de maior engajamento e reflexão dos estudantes presos no processo de construção de conhecimento em sala de aula. Em contrapartida, Castro e Brawn (2017) revelam o paradoxo em desenvolver pedagogias críticas em salas de aula nas prisões a partir do modelo de encarceramento nos EUA.
O relatório “Encarceramento em Massa — 2020”, da Prison Policy Initiative (Sawyer e Wagner, 2020, tradução nossa), revela que o modelo de prisão adotado nos EUA não vem promovendo possibilidades de (re)socialização. Nesse sentido, é apontada a necessidade de uma reforma política e jurídica do modelo prisional vigente. Uma proposta de reforma para esse modelo dos EUA é defendida também por Eisenberg (2020, p. 5) ao sustentar o princípio do “retorno” ao longo do cumprimento da pena:
Deve, no mínimo, incluir a ideia de uma chance justa de se restabelecer em sociedade, para viver uma vida decente, produtiva, autossustentável e sociável. A atenção a este princípio de retorno nos obriga a criticamente examinar as “práticas de encarceramento”, incluindo o ambiente e os programas da prisão, sejam profissionais, educacionais, religiosos, artístico ou recreativo — que promova ou prejudique a reentrada de um prisioneiro na sociedade. Essas práticas de encarceramento são de vital importância tanto para ex-prisioneiros e seus futuros vizinhos e comunidades.
Reconhecendo que as pessoas presas fazem parte da sociedade e que retornarão, em sua maioria, ao convívio social, Eisenberg (2020) preconiza a necessidade da mudança do discurso nacional sobre a função da punição e do aprisionamento. Os processos formativos devem incluir, além das pessoas presas, os profissionais de segurança que atuam nas prisões, os sistemas político e jurídico e a sociedade. Por outro lado, todos esses sujeitos sociais e institucionais devem ser mediados por uma proposta educativa que contribua para um projeto social inclusivo e de formação para cidadania.
Gilligan (2020), ainda a propósito do investimento na educação nas prisões, refere a sua importância como estratégia de prevenção da violência, uma vez que o modelo punitivo vigente nos EUA a promove, em vez de inibi-la. Em Lockard e Rankins-Robertson (2018) e Ahmed et al. (2019), encontramos a opinião de estudantes universitários presos que apontam caminhos para tornar as prisões mais humanas e significativas. Um exemplo de êxito é referido por Ellis (2020), que monitoriza egressos que vivenciaram programas educacionais na prisão. Os resultados a que chega indicam que a maioria dos ex-estudantes presos apresenta melhorias nos desenvolvimentos pessoal e familiar, no aumento de conhecimento e no desenvolvimento de novas habilidades e não reincidiu às prisões no período entre seis meses e dois anos. Nesse sentido, esse último autor destaca a necessidade de concretização de programas educacionais e de trabalho para que ex-reclusos não voltem a reincidir.
Na perspectiva da educação superior nas prisões, é de se destacar o trabalho desenvolvido pelo Bard College, do estado de Nova Iorque, que desenvolve, em seis unidades prisionais, o programa Bard Prison Initiative (BPI, 2021). Essa experiência do BPI vem sendo ampliada através de um consórcio com mais 14 faculdades e universidades em mais 10 estados dos EUA. Outra experiência relevante é desenvolvida pela Temple University, na Filadélfia, Pensilvânia, através do The Inside-Out Prison Exchange Program (The Inside-Out Center, [s.d.]). O programa existe há 25 anos e conta com várias instituições universitárias parceiras nos EUA, no Canadá, na Austrália, na Dinamarca, no México, na Holanda e no Reino Unido.
Em segundo lugar no ranking prisional está a China, com 1.710.000 pessoas nas prisões. Segundo o relatório da Human Rights Watch (2021, p. 160, tradução nossa) sobre a China, “A repressão do governo chinês a defensores dos direitos humanos, jornalistas e ativistas, e as restrições à internet também tornam difícil obter informações precisas sobre as políticas e ações do governo chinês”. Essa situação talvez justifique a escassez de pesquisas sobre a educação nas prisões da China, conforme destacam Zhao et al. (2019, p. 2714, tradução nossa):
Pesquisas sobre a participação de presidiários no contexto chinês são escassas. Programas de Educação acadêmica e profissional não prevalecem em todas as prisões chinesas porque a oferta de tais programas requer recursos financeiros adicionais e instrutores qualificados. Portanto, sem uma estrutura de reabilitação de presidiários uniformemente empregada e um suporte adequado de pesquisas teóricas e empíricas, a reabilitação de prisioneiros na China fica para trás em aspectos importantes.
O dado referido é preocupante no que diz respeito ao direito à educação nas prisões da China. Segundo Li (2017), o direito à educação nas prisões da China está camuflado na própria lei prisional, que descritivamente assegura que devem ser ofertados programas de educação, destacando, no entanto, que a prioridade deve ser dada ao trabalho produtivo para gerar receitas para a manutenção do estabelecimento prisional. O autor ainda revela que os trabalhos obrigatórios são manuais, de baixo nível, e que não contribuem para o desenvolvimento de habilidades e competências para o retorno em sociedade, promovendo o distanciamento de possibilidades educativas nas prisões.
O modelo de aprisionamento na China é ainda pior com os povos uigures2 e outros muçulmanos turcos, cuja perseguição está presente no relatório “Como se fossemos inimigos numa guerra: internamento em massa, tortura e perseguição de muçulmanos em Xinjiang”, divulgado pela Anistia Internacional (Amnesty International, 2021). Segundo Smith Finley (2021), essa perseguição étnico-religiosa já aprisionou mais de 1 milhão de pessoas para transformação do pensamento e reeducação, com violações que vão desde o trabalho forçado até tortura, estupros e mortes. Essa violação de direitos humanos mostra o perigo de se usar a educação ou (re) educação para validar um modelo com indícios de opressão e de dominação. Por isso, a situação nas prisões de Xinjiang, na China, requer ser investigada e acompanhada por uma maior fiscalização dos organismos internacionais de direitos humanos.
Numa perspectiva mais detalhada, as pesquisas de Alduais, Deng e Gokmen (2021) apresentam uma revisão da literatura sobre a educação correcional da China, com recorte temporal de 1987 a 2019. Os resultados a que chegam demonstram que 25% dos estudos apresentam um sistema de educação correcional positivo. Os outros 75% revelam que o sistema de educação correcional da China apresenta um modelo “negativo” e “conflitante”, com uma “[…] priorização do controle de pessoas para servir aos interesses do Partido Comunista Chinês, e que violam os pactos internacionais de direitos humanos.” (Alduais, Deng e Gokmen (2021, p. 18, tradução nossa).
Em síntese, existe uma relação contraditória entre os discursos político, jurídico e normativo da China e as práticas vigentes para o aprisionamento de pessoas (Yang, 2020), tendo a educação nas prisões uma orientação de dominação, com fins de doutrinação ideológica correcional (Li, 2017).
O Brasil tem a terceira maior população prisional do mundo, com 811.707 pessoas nas prisões. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, apenas 24,74% das pessoas presas estão inseridas em atividades educacionais (Ministério da Justiça e Segurança Pública, [s.d.]). Recorde-se que o Brasil é um país signatário dos direitos humanos, tendo avançado na criação de instrumentos jurídico-normativos do direito à educação nas prisões. Esse direito está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (Brasil, 1988), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.° 9.394/96 — Brasil, 1996), bem como em outras diretrizes nacionais que regulamentam a educação nas prisões, em especial, através da educação formal na modalidade educação de jovens e adultos (EJA).
Apesar do avanço nos marcos legais que asseguram o direito à educação nas prisões, existem graves denúncias de violações de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro. Em Barros Filho (2021a, p. 21), são destacados os principais problemas do modelo prisional brasileiro:
Ao longo dos anos, o sistema prisional no Brasil acumula grandiosos problemas que estão associados às denúncias de maus tratos, torturas, aumento da violência interna, presídios superlotados, execuções sumárias, corrupção sistêmica, além de outros inúmeros problemas associados à má gestão pública no tocante ao cumprimento de políticas efetivas de governos signatários de direitos humanos.
Esses problemas são potencializados pela superpopulação prisional. No Brasil, existe um crescimento desproporcional da população prisional em comparação ao crescimento populacional geral, principalmente nas últimas duas décadas. Em 2001, a população prisional era de 233.859 pessoas presas, enquanto a geral era de 172.385.826 habitantes. Em 2020, a população prisional consistia em 811.707 pessoas presas, e a geral de 211.755.692 (IBGE, 2022; Ministério da Justiça e Segurança Pública, [s.d.]). Nos últimos 20 anos, a população prisional cresceu 347%, enquanto a geral cresceu 22,8%. Esses dados refletem as dificuldades do estado brasileiro em matéria de ressocialização.
Está em debate a possibilidade da privatização das prisões brasileiras como método de reduzir a reincidência criminal, que, segundo Oliveira et al. (2017), promoverá um novo mercado lucrativo e contraditório com os princípios emancipatórios. Esses autores interrogam que “[…] se um dos intuitos de privatizar o sistema carcerário é justamente reduzir a quantidade de presos, como esse mercado irá prosperar, ou seja, como ele continuará lucrando, se o objetivo principal é reduzir a demanda com a qual trabalha?” (Oliveira et al., 2017, p. 405). Outra discussão emergencial, como referem Souza, Nonato e Fonseca (2020) e Ireland e Lucena (2016), é a necessidade de se ampliar o desenvolvimento de políticas de educação para mulheres nas prisões.
No que diz respeito à educação nas prisões, é ainda importante que a formação inicial de professores em Pedagogia e demais licenciaturas que atuam em prisões tenha, no currículo, a especificidade de, na educação de jovens e adultos, serem contemplados aqueles que se encontram em privação de liberdade. Como referem Penna, Carvalho e Novaes (2016, p. 111), “[…] é urgente se pensar na formação de um educador capaz de atuar com jovens e adultos em situação de privação de liberdade, seja no exercício da docência, da gestão ou da pesquisa.”. O que ocorre é que, muitas vezes, os professores são inseridos em escolas nas prisões sem compreender suas limitações e especificidades.
Em Cabral, Onofre e Laffin (2020), essa discussão é ampliada quando apontam a necessidade de se desenvolver uma política pública para EJA nas prisões a partir de projetos político-pedagógicos articulados. Reafirmando esse caminho pedagógico para EJA nas prisões, Silva, Moreira e Oliveira (2016, p. 9) sustentam “[…] a necessidade de um projeto político pedagógico que articule e integre os saberes existentes na prisão e o trabalho dos diversos profissionais.”. No caso do Brasil, uma proposta educacional para as prisões deve comungar com a reflexão de Julião (2016, p. 39), quando destaca: “É necessária uma concepção educacional que privilegie e ajude a desenvolver potencialidades e competências; que favoreçam a mobilidade social dos internos; que não os deixem se sentir paralisados diante dos obstáculos que serão encontrados na relação social.”.
Nessa perspectiva, consideramos que a educação popular freiriana apresenta fundamentos pedagógicos que podem contribuir para a educação nas prisões. Essa discussão é apresentada nas pesquisas de Onofre, Fernandes e Godinho (2019, p. 470) sobre a EJA nas prisões, que também destacam a necessidade do desenvolvimento de ações articuladas para além da educação formal escolar:
Entendemos que a escola, as oficinas de trabalho, de artesanato, de informática, de jogos dramáticos, os cultos religiosos, as atividades de lazer, as rodas de leitura, as discussões de documentários, entre outras, se constituem em práticas que educam, uma vez que nelas se estabelecem o convívio, as aprendizagens e o respeito pelo outro […]. Não se trata de tomar um sujeito a ser atendido por diversas ações isoladas, mas promover um programa educativo integrado, que respeite a singularidade e que faça com que as pessoas se sintam seguras de estar no mundo, saibam fazer escolhas e estejam conscientes de que existem múltiplas formas de se viver. Tais aprendizagens poderão contribuir com o processo de (re) inserção social e na organização de um projeto de vida.
Essa visão político-pedagógica ampliada pode possibilitar novos caminhos para a educação nas prisões. Também Lima, Gomes e Santiago (2019, p. 733) referem que as atividades de educação profissional nas prisões, “[…] se bem trabalhadas nessa modalidade de ensino, podem se apresentar como um propulsor para um novo futuro em relação a essas pessoas.”.
A Índia tem a quarta maior população prisional do mundo, com 478.600 pessoas. Um estudo publicado por Dhanuka (2021) revela uma análise do sistema prisional indiano nos últimos 100 anos, destacando que não houve nenhuma mudança significativa no que diz respeito às garantias de direitos humanos. Sobre a educação nas prisões da Índia, segundo o último relatório do National Crime Records Bureau (2019), tiveram acesso às intervenções educacionais 114.262 pessoas, sendo: 47.860 na educação primária; 44.438 na educação de adultos; 11.917 na educação superior; e 10.047 em cursos de informática.
Em 2016, o governo indiano publicou o Model Prison Manual (Government of India, 2016), que apresenta o funcionamento do seu sistema prisional. Nesse manual, a educação nas prisões está prevista no Capítulo XIV, no qual é destacada a importância da educação para a reabilitação das pessoas presas e sua reintegração social. Esse manual propõe ações jurídico-normativas em defesa de direitos humanos. Apesar dessas orientações, a Índia ainda recorre à pena de morte, que, em sua maioria, sentencia pessoas com perfis de pobreza, exclusão social e marginalização (George, 2015).
Ocupando o quinto lugar entre os países com as maiores populações prisionais está a Federação Russa, com 471.490 mil pessoas reclusas. A pesquisa de artigos publicados em revistas indexadas na SCOPUS e EBSCOhost nos últimos sete anos não identificou estudos sobre a educação nas prisões desse país. Por isso, nesse caso, foram recolhidos dados no site oficial do sistema penitenciário da Federação Russa. As ações educacionais nas prisões estão sob a responsabilidade do Departamento de Trabalho Educacional, Social e Psicológico3 e delas é destacado que “[…] de acordo com os requisitos da legislação penal-executiva, os meios mais importantes para corrigir os condenados são o trabalho educativo, a obtenção de uma educação geral e a influência social.” (Federal Penitentiary Service of Russia, 2015). Apesar desse discurso, não foram encontrados relatórios oficiais atuais da oferta educacional nas prisões da Federação Russa. Essa ausência de informação e relatórios oficiais sobre a educação nas prisões da Federação Russa requer, por isso, novas investigações e um maior controle dos órgãos internacionais em defesa dos direitos humanos.
A Tailândia é o sexto maior país no ranking mundial das populações prisionais, com 309.282 pessoas em privação de liberdade. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Justiça da Tailândia (Thailand Institute of Justice e UNODC, 2021), a população carcerária é composta de 80% de crimes relacionados com drogas. Além desse fato, a Tailândia tem a maior taxa proporcional de mulheres presas do mundo. Outro fator preocupante no âmbito da educação nas prisões é que apenas 1% do orçamento do sistema prisional da Tailândia é destinado para programas de reabilitação.
De acordo com o relatório da Anistia Internacional (Amnesty International, 2021), a Tailândia é denunciada por graves violações de direitos humanos, que vão desde sentenças de mortes, desaparecimentos forçados e torturas até perseguição aos defensores de direitos humanos e à imprensa. Essas violações de direitos humanos também estão presentes no relatório da Human Rights Watch (2021, p. 654, tradução nossa):
A Tailândia enfrentou uma grave crise de direitos humanos em 2020. O governo do primeiro-ministro, general Prayut Chan-ocha, impôs restrições aos direitos civis e políticos, especialmente à liberdade de expressão, prendeu arbitrariamente ativistas pela democracia e arquitetou a dissolução de um importante partido político da oposição por motivos políticos, e impôs um estado de emergência em todo o país, usando a pandemia da covid-19 como pretexto.
Diante desse cenário de violações de direitos, as prisões tornam-se espaços de repressão e as possibilidades de desenvolvimento da educação nas prisões são minimizadas. No estudo, de acordo com a metodologia adotada, não foram identificados artigos sobre a educação nas prisões da Tailândia. Essa ausência de produções científicas pode ser um indicador do modelo de gestão autoritário vigente, possibilidade que requer novas investigações.
Em sétimo lugar no ranking está a Turquia, com 291.198 pessoas nas prisões. Segundo o relatório “Prison in Europe”, do European Prison Observatory (2020), a Turquia, apesar de ter uma legislação para educação nas prisões, apenas oferece a alfabetização em prisões de regime fechado. Nas prisões de regime aberto, existem algumas experiências educacionais, como é referido por Demiray et al. (2016), relativamente à educação superior com o uso de tecnologias digitais na educação a distância, promovida pela Universidade de Anadolu (Turquia).
Em relação às mulheres presas, Akin (2021, p. 22) revela que, apesar de existirem vários problemas nas garantias de direitos, a educação nas prisões da Turquia é positiva, justificando que “[…] oficinas prisionais e oportunidades educacionais são o lado bom das prisões na Turquia.”. A pesquisa realizada sobre os relatórios da Direção Geral de prisões e casas de detenção do Ministério da Justiça da Turquia não identificou qualquer relatório de ofertas educacionais atualizados, sendo os últimos de 2016. Esse é um fator preocupante, pois, associada a essa ausência de informações, a Turquia vem enfrentando uma profunda crise de direitos humanos nos últimos cinco anos (Human Rights Watch, 2020). Esse fato requer também novas investigações.
A Indonésia detém a oitava maior população prisional mundial, com 266.259 pessoas em privação de liberdade. Ao investigar no site oficial da Direção Geral de Correções,4 do Ministério de Direito e Direitos Humanos da República da Indonésia, constatamos a ausência de políticas de educação nas prisões para pessoas adultas, apesar de estar assegurado “teoricamente” na Lei da República da Indonésia n.° 12, de 1995, sobre Correções, no artigo 14, ponto 1. Essa lei destaca que a pessoas presas têm o direito de “[…] obter educação e ensino […]” (Presiden Republik Indonesia, 1995, p. 9, tradução nossa).
A Indonésia tem um dos sistemas penais mais rígidos do mundo para crimes relacionados com o uso ou tráfico de drogas, com penas de morte e prisão perpétua, de acordo com a tipologia do crime. Segundo os relatórios da Anistia Internacional (Amnesty International, 2021) e da Human Rights Watch (2021), o atual governo da Indonésia é acusado de violar direitos de: liberdade religiosa, liberdade de imprensa, orientação sexual e identidade de gênero e direitos das mulheres. Sobre a discussão de gênero nas prisões da Indonésia, Hayzaki e Nurhaeni (2018, p. 1, tradução nossa) tecem uma crítica sobre o modelo de educação profissional oferecido, que prioriza políticas para homens, no qual “[…] as presidiárias ainda não conseguiram entender suas diferentes necessidades que podem gerar injustiças de gênero na hora de ingressar no mercado de trabalho.”.
Outro aspecto investigado por Gulo, Jaya e Pujiyono (2020) são os fatores gerenciais de desempenho do programa de educação em instituições correcionais. Como resultados, “[…] este estudo sugere a reconstrução de modelos e programas como um avanço para melhorar a implementação de programas anticorrupção no ambiente prisional.” (Gulo, Jaya e Pujiyono, 2020, p. 749, tradução nossa).
De acordo com a metodologia seguida no estudo que aqui se apresenta, constata-se a quase inexistência de pesquisas sobre as políticas de educação nas prisões da Indonésia. Ressalta-se que esta pesquisa foi realizada nas línguas “inglês” e “indonésio”, mas não apresentou muitos resultados. Essa é, portanto, outra realidade que requer novas investigações frente às violações de direitos humanos denunciadas.
O México, com 220.866 pessoas nas prisões, está em nono lugar no ranking das maiores populações prisionais do mundo. Nesse país, há dois modelos prisionais: o gerenciado pelo governo e o privatizado. Em Rangel Torrijo (2019), situamos importantes contributos para a educação nas prisões do México e de toda América Latina. No México, existe uma grave desvalorização da educação de adultos, sendo a situação ainda pior no que à educação nas prisões diz respeito. Os resultados das pesquisas de Rangel Torrijo (2019) demonstram que as prisões privatizadas, no México, além de gerarem um maior custo, violam ainda mais o direito à educação. Nesse sentido, “[…] a educação prisional institucionaliza o respeito aos direitos humanos e reforça a lei, fazendo com que a instituição penal ganhe legitimidade, ao invés de promover o imaginário punitivo.” (Rangel Torrijo, 2019, p. 805, tradução nossa).
Na perspectiva da educação superior nas prisões do México, em De León Romero, López Armijos e Camacho Rojas (2021), são evidenciados como resultados a redução da reincidência criminal nos egressos com formação acadêmica. Esses autores destacam ainda a necessidade de programas que associem estratégias de trabalho e o apoio da família na redução da reincidência criminal.
Em décimo lugar no ranking das maiores populações prisionais mundiais está o Irã, com 189.000 pessoas em privação de liberdade. A pesquisa sobre artigos relativos à educação nas prisões iranianas não identificou qualquer um nos últimos sete anos. Foram, no entanto, encontradas denúncias de violações de direitos humanos, conforme refere o relatório da Anistia Internacional (Amnesty International, 2021, p. 190, tradução nossa):
As autoridades suprimiram fortemente os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião. As forças de segurança usaram força ilegal para reprimir protestos. As autoridades continuaram a deter arbitrariamente centenas de manifestantes, dissidentes e defensores dos direitos humanos, e condenaram muitos à prisão e açoites. As mulheres, assim como as minorias étnicas e religiosas, enfrentaram discriminação arraigada, bem como violência. Desaparecimentos forçados, tortura e outros maus-tratos foram cometidos impunemente de forma sistemática e generalizada. Foram impostas punições corporais judiciais equivalentes à tortura, incluindo açoites e amputações. Os direitos a um julgamento justo foram sistematicamente violados. A pena de morte foi usada como arma de repressão política.
Diante de um grave quadro de violações de direitos humanos, é impossível discutir o direito à educação quando o direito à vida não é respeitado, como consta da acusação da Anistia Internacional à República Islâmica do Irã.
Em síntese, as análises realizadas relativas à situação em cada um dos dez países que este estudo teve como foco permitem saber que as concepções e os modelos de educação nas prisões são diversos. Essa constatação está em sintonia com alguns resultados da pesquisa realizada pelo UNESCO Institute for Lifelong Learning (2021, p. 60, tradução nossa), sobre educação nas prisões: “A experiência de encarceramento difere dependendo do nível de segurança, das condições de confinamento, taxas de ocupação, atividades e programas disponíveis para os presos, os direitos dos presos, a dinâmica do agente penitenciário e oportunidades educacionais.”.
CONCLUSÕES
Retomando as perguntas que orientaram a pesquisa, no que diz respeito a como é o direito à educação nas prisões assegurado nas dimensões jurídico-normativas, pode-se concluir que, apesar de ter existido um avanço jurídico-normativo internacional, ainda se está por assegurar a concretização do direito à educação às pessoas em privação de liberdade em alguns dos dez países com as maiores populações prisionais. Tendo o estudo como foco o direito à educação, a pesquisa realizada permitiu saber que, em todos esses dez países, existem problemas de violação de direitos humanos, provocados principalmente pela superpopulação prisional, situação que interfere nas condições de vivência e de oportunidades para uma ressocialização.
Quanto às concepções de educação veiculadas por políticas de educação nas prisões, o estudo identificou que essas políticas são, algumas vezes, concretizadas no sentido educativo que as orienta, mas também, outras vezes, são manipuladas ou negligenciadas no modelo prisional/penitenciário vigente. As concepções de educação em que se apoiam mostram a existência de três orientações:
educação como formação (emancipação);
educação como treinamento (correção/doutrinação); e
educação como discurso jurídico-normativo (adesão teórica aos pactos internacionais).
Na primeira concepção de educação, pautada numa ótica da educação como formação, com objetivos emancipatórios no processo pedagógico, situa-se o caso de países como EUA, Brasil, Índia e México. Apesar das violações de direitos humanos no sistema penitenciário/prisional desses países, há também experiências do direito à educação nas prisões. Por isso, nesse caso, o que é necessário é avançar na ótica quantitativa da oferta do direito à educação, bem como nas dimensões qualitativas, discutindo a estrutura prisional e os espaços destinados às atividades educacionais, assim como a valorização dos profissionais que atuam com a educação nas prisões. É necessário também dialogar sobre a formação inicial e continuada de professores que exercem a sua atividade nas prisões. Esses aspectos requerem novas investigações que deem visibilidade a práxis desenvolvida nas escolas prisionais e que visem à qualificação do trabalho pedagógico desenvolvido.
A segunda perspectiva da educação nas prisões, em que a educação é concebida como treinamento correcional (dominação/doutrinação), encontra-se nos sistemas de países como China e Rússia. Nessa segunda concepção, observamos que o direito à educação, quando ofertado, em sua grande maioria busca “corrigir/doutrinar” as pessoas presas por fatores associados a questões político-ideológicas e étnico-religiosas. Nessa ótica, antes de discutir o direito à educação, torna-se emergencial discutir o sistema jurídico-normativo penal que assegura tais violações de direitos. Essa é uma discussão que necessita ser ampliada.
A terceira concepção de educação como discurso jurídico-normativo, com adesão “teórica” aos instrumentos jurídico-normativos internacionais, parece presente em países como Tailândia, Turquia, Indonésia e Irã. Nesses países, além de observarmos a violação do direito à educação nas prisões, estão associadas graves denúncias das violações de direitos humanos, desde torturas, desaparecimento forçado, perseguições políticas, étnicas, religiosas, e de gênero, entre outras. Observamos também um perfil jurídico-normativo penal extremamente punitivo com questões relacionadas com o uso e tráfico de drogas, não propiciando oportunidades de ressocialização.
Face às situações identificadas, é necessário que os Estados-nação assumam um verdadeiro compromisso político nas agendas de educação e justiça para que as pessoas em privação de liberdade possam ser inseridas no contexto do desenvolvimento global. Caso isso não ocorra, estar-se-á postergando os problemas vivenciados historicamente e tendo os Estados-nação como os grandes violadores de direitos. É isso que vem ocorrendo na grande maioria dos países investigados. É urgente ir além dos discursos proferidos nas agendas das NU/UNESCO, que reproduzem retóricas presentes nos instrumentos jurídico-normativos, para se romper com uma sociedade que não reconhece as pessoas presas como fazendo dela parte. Se nada mudar, corre-se o risco de se atingirem metrópoles penitenciárias cada vez mais punitivas.
Como ao longo deste artigo foi evidenciado, a educação nas prisões pode ser um caminho que apoie a reforma do atual modelo prisional no mundo. Defende-se uma proposta de educação que contemple as pessoas presas, os profissionais do sistema prisional, os poderes constituídos, os pesquisadores, a imprensa e toda a sociedade, para desenvolver um projeto de sociedade que busque (re) integrar as pessoas que estão em privação de liberdade, bem como humanizar a opinião social sobre a temática numa relação recíproca de formação para cidadania. É um desafio interdisciplinar lidar com a diversidade multifatorial das especificidades presentes no contexto penitenciário. Caso contrário, esse quadro só tende a piorar com as superpopulações prisionais e suas violações de direitos. Essa é uma missão coletiva que requer compromisso permanente mundial nas garantias de direitos, na atribuição de orçamentos adequados às demandas e no investimento em formação educacional para os sujeitos sociais e institucionais envolvidos nesse histórico projeto de exclusão. É preciso colocar em prática os compromissos da Agenda 2030, em seus ODS, incluindo as pessoas em privação de liberdade. É nesse sentido que este estudo busca incitar o urgente debate. O estado, a sociedade e a imprensa precisam conhecer cada vez mais as valiosas ações desenvolvidas nos espaços prisionais, bem como seus resultados positivos. A educação nas prisões, se adequadamente organizada, constitui o portal de entrada para processos de reconfiguração social numa ótica da formação para cidadania.