INTRODUÇÃO
As investigações sobre a educação não se resumem aos espaços, tempos, conteúdos e conjuntura escolar. Isso se dá visto que os processos educacionais não ocorrem apenas em um único núcleo. Melo (2020a) detecta que, tanto em cenários escolares como não escolares, historicamente, foram elaboradas distintas estratégias para que os sujeitos se ajustassem a determinadas necessidades e interesses sociais. Dessarte, diversificados espaços da sociedade podem ser importantes polos prescritores e difusores de noções educativas, inclusive os clubes, ambiente a que pretendemos dar atenção no presente artigo.
Silva (2009), ao tratar do Rio de Janeiro da década de 1920, percebe que uma das dimensões importantes dos processos de educação para a adoção de comportamentos considerados hodiernos se manifestou ao redor dos espaços de entretenimento — tanto com relação à sua estruturação quanto ao estabelecimento de regras para frequentar esses locais. Assim, o autor nos convida a refletir sobre o papel que ambientes para além do contexto escolar, como confrarias, irmandades, sociedades profissionais e clubes, desempenharam na construção de modos de viver, agir e pensar em sociedade — incluindo personas diversas que participavam desses espaços de alguma forma.1
Nessa direção, Melo (2020b), ao explorar as performances públicas difundidas por meio da formação de clubes atléticos no Rio de Janeiro, observa que tais experiências podem ser importantes ocorrências da história. Isso decorre do fato de que, com a investigação dessas dinâmicas, é possível explorar expressões variadas de determinado contexto, tanto no que se refere às tensões sociais, imposições, resistências e negociações sobre os modos de se portar e agir em público quanto aos aspectos relacionados às possibilidades de exposição corporal e de usos do corpo. Trata-se de ocasiões intimamente ligadas às noções culturais, sociais, econômicas e educacionais do seu tempo, elementos que, portanto, permitem lançar um olhar sobre a história, inclusive a história da educação.
Carvalho (2009), Rosa (2009) e Marques (2011) afirmam que a sociabilidade promovida por grupos com interesses em comum tem suas origens em movimentos que se estabeleceram especialmente no Brasil do século XVIII, estando estreitamente ligados a questões religiosas. Para Barreto (1987), a criação de irmandades religiosas em território nacional proporcionou um dos primeiros estímulos e condições para a participação ativa da população em iniciativas comunitárias.2 De toda forma, as diversas experiências de associativismo, como aquelas realizadas nos clubes, têm suas raízes em movimentos que se consolidaram principalmente no século XIX no Brasil, um período marcante na história do país. Trata-se de uma época singular no que se refere a sua formação enquanto Estado-nação em um território que fez a transição de colônia para império. Foi um momento de mudanças intensas no que diz respeito ao desenvolvimento e à adesão a ideias de modernidade e progresso, que estavam profundamente relacionadas a um desejo de formular espaços que pudessem ser benéficos para uma melhor conformação da vida em cidade. Nesse sentido, os clubes e outras estruturas de sociabilidade eram ambientes que nasciam como possibilidades de contribuir para o progresso urbano e para o refinamento dos costumes por meio das mais distintas atividades realizadas nesses espaços.
De fato, esses locais tiveram importância para a progresso3 material e cultural das cidades brasileiras. Como destaca Mezzadri (2000), os clubes são espaços típicos do meio urbano e, portanto, eram vistos como úteis dentro do discurso imaginado para as cidades brasileiras alcançarem o status de modernas — seguindo principalmente os modelos de organizações já difundidos em solo europeu, considerados como parâmetros de civilidade e exemplo do que seria o mundo moderno (Pereira, 2002; Gruner, 2010; Santucci, 2016).
As naturezas dessas agremiações eram diversas: políticas, sociais, esportivas, profissionais, entre outras. No caso específico do Clube Curitibano, uma instituição fundada na cidade de Curitiba em 1881 e foco do presente artigo, o desejo inicial era, conforme aponta Marach (2013), criar um ambiente onde os associados pudessem socializar-se em torno de dinâmicas instrutivas, especialmente aquelas de caráter letrado. Cabe ressaltar que a escolha de pesquisar um clube se deu pelo reconhecimento de que, se desejamos entender como se formaram determinados processos educacionais para além do seio escolar, uma possibilidade é investigar as dinâmicas cotidianas que foram mobilizadas como intervenções. Logo, compreender as especificidades da estruturação dessas iniciativas pode nos ajudar a obter novas perspectivas sobre a história da educação.
Alguns pesquisadores já dedicaram considerações ao Clube Curitibano. Os trabalhos de Marach (2013; 2014) e Gonçalves Júnior (2016) abordam a entidade, no entanto suas análises concentram-se principalmente na trajetória de intelectuais que de alguma forma fizeram parte do clube em questão. Por sua vez, os estudos de Pastre (2009) e Silva (2017) apresentam aspectos de atividades recreativas fomentadas pela agremiação, especialmente aquelas de caráter físico em períodos posteriores ao investigado neste texto. São, portanto, pesquisas que não se propuseram a destacar as características específicas das experiências letradas4 realizadas no Clube Curitibano e a proximidade desses momentos com ideários educacionais que dialogavam com as concepções pensadas na e para a sociedade do período — questionamentos que pretendemos abordar.
Nesta perspectiva, tendo em conta essas considerações introdutórias, o presente artigo tem como objetivo discutir as experiências letradas promovidas no Clube Curitibano entre os anos 1881 e 1890. Destaca-se que o recorte temporal se refere, primeiramente, ao ano de fundação da instituição, enquanto a delimitação final está intimamente relacionada com a conjectura de que o mundo das letras estava irradiado na agremiação nesse momento, visto que foram criados diversos mecanismos para fomentar e impulsionar ações eruditas — como a criação de uma revista literária própria —, conforme será exposto ao longo do texto.
Para alcançar os objetivos, utilizamos fontes ligadas à imprensa, uma vez que, conforme destacado por Vieira (2007, p. 16), os jornais são documentos relevantes para a escrita da história da educação, pois os textos jornalísticos atuam "(…) como lugar de produção, veiculação e circulação dos discursos — assumem uma função importante no processo de formação das representações sobre o mundo". Os jornais seriam, segundo os argumentos apresentados pelo autor, veículos que geralmente almejavam a estruturação de ideias de progresso social e cultural. Nessa linha, cabe comunicar que os impressos, durante o recorte do presente texto, de acordo com Corrêa (2009), já despontavam em Curitiba como relevantes prescritores e requerentes de diversas questões que envolviam a cidade, incluindo aquelas relacionadas a iniciativas educacionais em várias esferas da sociedade curitibana.
Isto posto, vejamos como as experiências letradas foram difundidas no Clube Curitibano.
MUITO ALÉM DE UM "CLUB"
Para que possamos compreender as experiências letradas realizadas no Clube Curitibano como dinâmicas que tinham proximidade com ideários educacionais concebidos na e para a sociedade durante o recorte em tela, faz-se necessária a exposição, ainda que sintética, do contexto do Paraná na segunda parcela do século XIX. Dessa forma, será possível perceber as metamorfoses socioeconômicas que ocorreram na região e que permitiriam até mesmo a formação da vida erudita local.
Corrêa (2006) sinaliza que, enquanto no cenário nacional, de modo geral, o principal produto comercial era o café, em solo paranaense a mercadoria predominante era a erva-mate — planta nativa que, ao ser fomentada em escalas técnico industriais, possibilitou o crescimento e investimentos na região. Pereira (1996) caracteriza esses avanços e peculiaridades da produção do mate paranaense:
O desenvolvimento da indústria na região, quando colocado no contexto brasileiro, pode ser considerado sui generis, pois ele não se prende ao processo de substituição de importações que teve o seu centro em São Paulo. No decorrer do século XIX, a fração da burguesia paranaense que se dedicava ao comércio exterior promoveu um processo autossustentado e relativamente autônomo de tecnificação do beneficiamento da erva-mate, que se aproximava do modelo paradigmático da industrialização europeia. (Pereira, 1996, p. 8)
É possível observar, no trecho acima, que o cultivo do mate passava a se aproximar do processo de industrialização. Bahls (1998) relata que os engenhos passaram a se multiplicar progressivamente no decorrer do século XIX no Paraná, especialmente nos arredores da capital Curitiba. Esses elementos permitiram um salto na produção do mate e, por consequência, fortaleceram o comércio e os lucros ligados à lavoura da planta.
Ocorrida nesse período, a Guerra do Paraguai (1864-1870) teve impacto significativo na prosperidade ervateira paranaense, notadamente em razão da derrota do país vizinho no conflito. Corrêa (2006; 2009) observa que os paraguaios eram os principais concorrentes no cultivo e venda do mate, e, com o resultado desfavorável no combate, o comércio da planta, sobretudo o ligado à exportação para os outros países platinos (Argentina e Uruguai), passou a ser majoritariamente abastecido pelos engenhos do Paraná.
Essa conjuntura possibilitou o fortalecimento gradual de uma burguesia ligada ao plantio e comércio da erva-mate. Com os ganhos provenientes da produção agrária, além de intensificar a tecnificação dos seus engenhos, promoveram-se processos de remodelamento nas urbes que se localizavam ao redor das suas "indústrias". Essas modificações abrangiam desde aspectos técnicos da infraestrutura das cidades, como pavimentação, alargamento e planejamento das ruas e casas, até questões relacionadas à saúde, higiene, saneamento, educação e aspectos da esfera cultural em geral — criação de praças, parques, clubes e de um mercado variado de entretenimentos (Melo e Gomes, 2021).
A finalização da Estrada da Graciosa em 1873 talvez seja um dos melhores exemplos para ilustrar as modificações materiais promovidas graças aos lucros provenientes da produção agrícola do mate. O trajeto era o principal meio de ligação entre a capital e o litoral. Representava a possibilidade de intensificação do transporte da erva-mate e, por consequência, maior eficiência e lucros. Essas características seriam ainda mais otimizadas em 1885 com a criação da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba. Além disso, é importante ressaltar que houve relativo crescimento populacional na região. A população da capital aumentou de 11.730 habitantes em 1872 para 24.553 nos anos 1890, o que pode atestar que havia uma população considerável para atender às demandas e necessidades dessa nova realidade em formação.
No campo educacional formal,5Osinski e Vezanni (2016) relatam que algumas medidas nas décadas de 1870 também foram formuladas e eram, até mesmo, encaradas como avanços na educação, principalmente porque representavam uma tentativa de equipar Curitiba com instituições nos diversos níveis de ensino. A principal movimentação, de acordo com as autoras, ocorreu em 1876, quando foi criado o Instituto Paranaense de ensino secundário — tratava-se de uma substituição ao antigo Liceu de Curitiba, fundado em 1846 e extinto em 1874, quando foi incorporado à Escola Normal. A nova estrutura escolar se localizava na Rua Aquidabã, atual Emiliano Perneta, no centro da cidade.
Gruner (2010) assinala que, independentemente das abordagens, métodos, fontes e modelos de análises, a historiografia sobre o cenário da Curitiba das décadas finais dos oitocentos é marcada por considerações que notam um grau de projeção de civilização desejada para a cidade — e que foi um período de intensas transformações de todas as ordens. As metamorfoses dessa época se fizeram notar em diversificados âmbitos da sociedade — sendo até mesmo um momento de ascensão de uma população voltada para as instruções letradas. De acordo com Marach (2013), em cidades como Ponta Grossa, Lapa, Morretes, Antonina, Campo Largo, São José dos Pinhais e na capital Curitiba, foram criados vários clubes literários, teatros, bibliotecas e livrarias, o que apontava para um inédito cenário cultural instrutivo no Paraná. Sobre essa conjuntura, Rocha Pombo (1900) é enfático ao dizer que:
Um phenomeno bem característico que, de 1875 em diante, revelou entre os paranaenses uma grande tendência para alargamento dos horizontes intellectuaes da população, foi sem duvida o afan extraordinário com que em todas as localidades da antiga provincia se foram organizando clubs e sociedades litterarias, cada qual com a sua biblioteca. (Rocha Pombo, 1900, p. 283)
Foi nessa ambiência que, em 28 de setembro de 1881, o Clube Curitibano foi fundado. A iniciativa, segundo os jornais6 da época, foi idealizada pelo Coronel Romão Rodrigues Branco, que se teria reunido com cerca de 60 cavalheiros interessados no Salão Lindemann, um dos principais locais de eventos de Curitiba na época, situado na Rua do Fogo (atual São Francisco), região central da cidade. É relevante destacar que o local escolhido para a reunião era de propriedade do comerciante Adolfo Lindmann, um alemão de certa notoriedade na cidade. Colatusso (2004) ressalta que Lindmann, por um período, foi membro da empresa sanitária municipal e envolveu-se em diversas iniciativas de dinamização social. Entre essas iniciativas, destaca-se a fundação da Sociedade Thalia em 1882, vinculada à comunidade alemã, que servia para encontros de canto, conversas e até mesmo leituras. Sobre essas iniciativas, o jornal O Paranaense se pronunciou da seguinte maneira:7
Club Curitybano — A convite do Snr. Romão Branco, reuniou-se na tarde de 26, no Salão Lindemann, grande numero de cavalheiros dos que adherirão a idéa de creação de um Club que proporcione aos associados um ponto de reunião, de estudo e de recreio. (O Paranaense, 28 de setembro de 1881, p. 3)
Notemos que se tratava de uma agremiação idealizada com o propósito de reunir os associados em um espaço com finalidades recreativas e culturais, nas quais o mundo ligado aos estudos desempenhava um papel relevante. Nessa mesma reunião ocorreu a estruturação e eleição da primeira diretoria.
Ficou assim composta: Presidente — Commendador Ildefonso Pereira Corrêa. Vicepresidente — Dr. João P. Lagos. 1º Secretario – Romão R. de Oliveira Branco. 2º Dito – Nivaldo Teixeira Braga. Thesoureiro—Antonio José Rodrigues. Procurador—Eduardo de Vasconcellos Chaves. Orador—Dr. Manoel Eufrazio Correâ. (O Paranaense, 28 de setembro de 1881, p. 3)
Entre os nomes da primeira administração, estavam membros com influência na cidade, com destaque para sujeitos de carreira pública e profissões liberais. O presidente era o Comendador Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul, importante comerciante de erva-mate e pioneiro do setor industrial de transporte e negócios bancários em Curitiba. Como vice-presidente, estava o advogado e professor João Pereira Lagos. O cargo de 1º secretário era ocupado por um militar, o Coronel Romão Rodrigues de Oliveira Branco. Nivaldo Teixeira Braga, professor e fundador do Collegio Curitybano (1879), detinha a função de 2º secretário. O comerciante Antonio José Rodrigues foi nomeado tesoureiro. Eduardo de Vasconcellos Chaves, tesoureiro da província, ocupou o cargo de procurador. Por fim, como orador, assumiu o advogado e redator jornalístico Manoel Eufrásio Corrêa.
Devemos mencionar alguns pontos que vão além da trajetória profissional dos membros, especialmente aqueles ligados às suas direções político-ideológicas, a fim de compreendermos um pouco mais do perfil dos associados. De acordo com Gonçalves Júnior (2016), o Curitibano se destacava por englobar no mesmo espaço indivíduos conservadores e liberais, religiosos e anticlericais — seria uma agremiação em torno das letras que buscava superar eventuais dissonâncias.
Nessa perspectiva, se averiguarmos alguns dos membros, é possível detectar particularidades. Embora a diretoria inicial tenha sido majoritariamente composta de indivíduos ligados ao partido conservador, também havia integrantes com diversificadas orientações políticas. Por exemplo, um dos líderes, Barão do Serro Azul, tinha inclinações monarquistas (ainda que, mais tarde, tenha se alinhado às ideias republicanas e, principalmente, às causas abolicionistas). Outro membro de renome, José Francisco Rocha Pombo, um dos maiores intelectuais da história do estado, era parte do grupo liberal e chegou a ser deputado pelo partido (Oliveira, 2015).
Nas causas espirituais a pluralidade também era evidente. O orador da primeira diretoria, o senhor Manoel Eufrásio Corrêa, era espírita. Outro nome de destaque no clube e na sociedade curitibana, Júlio Perneta, era poeta, escritor e um dos líderes do movimento anticlerical em Curitiba. Todos conviviam na mesma agremiação com católicos zelosos, como o Padre Alberto José Gonçalves (Marach, 2013).
Temos que observar que, embora o Clube Curitibano englobasse em seu cerne sujeitos com pensamentos, ações e posições sociais diversas em seu seio, isso não significa necessariamente que a instituição, assim como outros espaços de associação coletiva, fosse sempre harmoniosa. Certamente, tanto no caso do Curitibano quanto em outras agremiações sociais, disputas por espaço, conflitos de ideias, projetos e ações eram comuns. Isso é perceptível pela própria necessidade de seleção de sócios. A respeito de quem poderia se associar, a instituição definia os critérios necessários:
a) ter idade maior que 18 anos; b) ter ocupação honesta e bom procedimento; c) levar uma proposta para aceitação dos já membros e a mesma ser aceita por pelo menos três sócios efetivos e depois ser provada em seção pela diretoria por maioria dos votos. (Revista Club Curytibano, 1 de mar, 1890, p. 8)
Apesar de o espírito de associação com relação a assuntos e ações de interesse coletivo ser a peça central para a formação de um clube, como ressaltado por Carvalho (2009), é comum que conflitos e disputas em busca do estabelecimento de objetivos e promoção de mudanças ocorram dentro desses espaços. Mesmo quando existem mecanismos burocráticos e relativamente democráticos, como as votações usuais, a busca por interesses pode gerar cenas de disputa. Nesse sentido, observamos que, no caso do Curitibano, a preocupação com a maioridade e, principalmente, com as ocupações dos indivíduos pode demonstrar que certos comportamentos perante a sociedade eram esperados dos potenciais membros. Isso pode até mesmo ser um sinal de que havia um mecanismo de exclusão de alguns sujeitos que, mesmo preenchendo esses pré-requisitos, precisariam da aprovação do coletivo.
No Clube Curitibano, os sócios deveriam pagar uma quantia mensal para os cofres do clube, com a finalidade de contribuir para a prosperidade da organização. Os valores mensais eram de 2$000, e mais uma taxa de 10$000 referente à entrada (O Paranaense, 28 de setembro de 1881, p. 3). Não eram valores exorbitantes, ainda mais para sujeitos com certas posses. A título de comparação, itens comuns do cotidiano, como a assinatura anual do jornal O Paranaense, também custava os mesmos 10$000 (O Paranaense, 14 de janeiro de 1882, p. 1). Além disso, 1 kg de erva-mate da marca Ilex-Mate para consumo tinha o valor de 500$ (Dezenove de Dezembro, 3 de janeiro de1883, p. 3).
Apesar de as mensalidades serem relativamente acessíveis, é importante ressaltar, conforme destacado no item (c) da fonte acima, que o eventual associado precisaria ser aceito por pelo menos três membros e, adicionalmente, receber a aprovação da diretoria por maioria de votos. Assim, é provável que somente aqueles cujos interesses de alguma forma se alinhassem às inclinações dos membros já pertencentes ao clube pudessem se tornar sócios. Esses elementos sugerem que a composição da instituição, na realidade, derivava dos interesses pessoais dos indivíduos estabelecidos no clube. Isso também aponta para a ideia de que nem todas as formas, indivíduos, pensamentos e ações eram aceitos na instituição.
A agremiação buscou fortalecer-se. Um marco fundamental para essa robustez foi a instalação da sua primeira sede social ainda em 1882, na Rua do Fogo (conforme já mencionado, atual São Francisco), na esquina com a rua da Graciosa (hoje rua Barão do Serro Azul) (Figura 1).
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Fonte: Acervo Histórico Clube Curitibano. Disponível em: https://revistahaus.com.br/haus/arquitetura/as-muitas-sedes-docuritibano/. Acesso em: 12 dez. 2022.
Figura 1 1ª sede social do Clube Curitibano, 1882.
O referido espaço simbolizava o desenvolvimento da entidade. Observemos que o prédio parece ser amplo. É provável que a estrutura proporcionasse requinte e maior conforto aos associados. Destaca-se nesse mesmo local a criação de um ambiente fundamental para a elaboração do apreço ao mundo das letras: a biblioteca. A maioria dos volumes era doada pelos próprios associados. O acervo era composto de obras dos mais variados estilos.
Forão oferecidas as seguintes obras: Pelo socio Euclides Requião: Livre d'or de l'exposition de 1889. Pelo socio Dr. Manoel de Alencar Guimarães: As Minas de Prata 3v. Os filhos da fé 3v. A viuvinha 1v. Pelo socio Manoel José Gonçalves: Zoologia 1 brochura. Diario de Lazaro. 1 Sciencias physico naturaes 1. Chnographia de Porgal 1. Botanica 1. Eletrecidade 1. Desenho 1. Mithologia 1. Forão adquiridas pelos cofres sociaes as seguintes obras: Nossa Senhora de Pariz 1v. Marquez de Pombal 1v. Historia da Guerra do Paraguay 3v. O Dever 1v. Poesias de Golçalves Dias 2v. A biblioteca do Club, acha-se franca aos socios, nos dias uteis, das 7 ás 9 horas da tarde, e nos santificados de 1 as 3 horas. (Revista Club Curytibano, 1 de abril de 1890, p. 4)
Livros sobre zoologia, botânica, ciências físicas/naturais e guerras demonstram certo caráter técnico e instrutivo do acervo, que também englobava materiais clericais de Nossa Senhora de Pariz, obras de desenho, mitologia e romance — o que enfatiza a pluralidade das estantes da instituição. Além disso, é importante notar que a biblioteca operava diariamente, até mesmo nos dias santificados (domingos e feriados religiosos), indicando uma demanda considerável.
Myskiw (2008), ao analisar as experiências das carreiras de intelectuais de Curitiba, explica que as sociedades literárias se tornaram locais considerados apropriados para a leitura, em grande parte pelo fato de que essas instituições possuíam bibliotecas em suas estruturas. De acordo com Balhana et al. (1991), a maior parte dos clubes paranaenses vivia em situações financeiras precárias, o que historicamente levou muitas dessas sociedades a operarem por períodos curtos. Conjuntura distante da realidade do Clube Curitibano. É necessário lembrar que a entidade era composta de indivíduos de influência social, econômica e intelectual da cidade — basta pensarmos no perfil de sua primeira diretoria e de alguns sócios ao longo de sua trajetória. Esses elementos constitutivos certamente contribuíram para o desenvolvimento e a prosperidade da instituição (que perdura até os dias atuais), o que inclui o provimento do acervo bibliotecário que, com certa frequência, era abastecido pelos membros:
Durante o anno forão adquiridos para a bibliotheca 983 volumes de diversas obras, Contem ella hoje 1.135 volumes encadernados em 954 tomos. Dos volumes adquiridos, forão comprados 45 e 991 offercidos por generosos e prestimosos socios e pela casa Garnier do Rio de Janeiro. Alem desses volumes existem muitas brochuras de obras importantes. Recebeu a Bibliotheca durante o anno, por assignatura, os principaes jornaes do Rio de Janeiro, e por oferta alguns de S Paulo e todos que se publicam nesta cidade. Forão retirados por socios 997 volumes de literatura para leitura em suas casas e consultadas as 74 de sciencias. (Revista Club Curytibano, 1 de março de 1890, p. 7-8)
Os associados do clube, que nesse momento contava com cerca de 500 membros,8 retiravam anualmente mais de mil volumes do acervo para leitura. Assim, é possível perspectivarmos que a biblioteca era um espaço relativamente frequentado pelos sócios — um indício que reforça a ideia de que o mundo das letras de fato era tema de interesse dos associados. Myskiw (2008) explica que ser visto com um livro nas mãos era, para a sociedade brasileira da época, sinônimo de "letrado" e "culto". Ao que tudo indica, o Clube Curitibano estava alinhado com o pensamento coletivo do país. Esses aspectos ficam evidentes em um trecho que abordava os objetivos da instituição, o qual declarava: "O Club Curitybano, tem por objecto pôr os sócios a par de seu movimento litterario e diversivo e concorrer para a educar e elevar-lhes o espirito, o coração, a intelligencia e o sentimento" (Revista Club Curytibano, 16 de fevereiro de 1890, p. 8).
Educar o espírito, o coração e a inteligência — noções que deixam evidente que a entidade tinha como objetivo a aspiração por condutas que representavam juízos educativos com relação aos valores dos seus sócios. Boni (1985) lembra que parâmetros morais associados a ideias de civilidade, bons comportamentos públicos, repúdio à selvageria e à violência se estabeleciam nesse período como basilares na capital paranaense como um todo. Segundo a autora, tratava-se de aspectos vistos como contribuintes para uma cidade que ambicionava a melhoria da sua conformação urbana e, ao que parece, o Curitibano também seguia essa mesma direção.
Moraes e Silva (2011) também afirma que códigos municipais e mecanismos de controle para punir aqueles que se comportassem de forma considerada não civilizada (costumes ligados à bebida, vadiagem, baderna e brutalidade) em Curitiba se intensificaram. Os comportamentos capazes de depreciar a moral e os bons costumes deveriam ser banidos das ruas da capital. O autor ainda elucida que os habitantes que não incorporassem tais noções educacionais eram tidos como descorteses — sujeitos com gestualidades inapropriadas para habitar a cidade que estava buscando o progresso.
Nesse contexto, podemos considerar que, em Curitiba, enquanto a escola representava o espaço educativo por excelência (Bencostta, 2001; Souza, 2004), os clubes, por sua vez, poderiam se configurar como outro ambiente instrutivo que, a depender de suas atividades, também contribuiria para a preparação dos indivíduos para a vida em sociedade. O Clube Curitibano, ainda que talvez nem sempre ciente disso, estruturava-se como um local que possibilitava aos seus associados o contato com os valores em voga e que tinha o mundo das letras como o principal meio de difusão.
Melo (2001) salienta que os clubes no Brasil, durante a virada do século XIX para o XX, se tornaram importantes locais para a transmissão de valores julgados como afáveis. O autor argumenta que o próprio uso do termo club, proveniente da língua inglesa, indicava um local frequentado por cavalheiros. Além disso, significou a manifestação de mudanças políticas e culturais que ocorriam em vários lugares. Vigarello (1999), ao tratar do contexto francês, reitera que os clubes desempenharam um papel central no desenvolvimento de mentalidades inéditas com relação aos usos sociais do corpo. Nessa esteira, os clubes podem ter uma responsabilidade educativa na esfera social. O envolvimento entre os membros em torno das mais distintas atividades possibilita diversas trocas de experiências, que podem promover aprendizado — e isso parece estar em consonância com a finalidade que o Clube Curitibano estabelecia para si mesmo.
Um dos fins mais nobres a que tem servido o Club Curitybano tem sido o desenvolvimento do espirito de associação. A verdade de phrase de lamennaes de que não se pode saber, nem calcular o tudo que pode operar a força de associação constantemente dirigida para fim, tem sido escopo dessa instituição utilíssima, que tem tambem sido rigorosa na pratica do dever, base de toda cohesao social. A associação, quer ella se de terreno exclusivo de aggremiação de esforços materiaes, quer se alimente no ideal da congregação de esforços de outra ordem para consecução de um fim moral ou social, funda a solidariedade dos indivíduos, creando a segurança, a abundancia e a força. (Revista Club Curytibano, 16 de março de 1890, p. 1)
A passagem indica a preocupação com a transparência moral e social que a instituição buscava projetar diante de seus associados e da sociedade curitibana. O Clube Curitibano aspirava a ser um espaço o qual, por meio do espírito de solidariedade entre seus membros, pudesse transmitir segurança e oferecer orientações morais de ordem social.
Ao que aparenta, o Clube Curitibano caminhava na direção dos valores que se intensificavam em Curitiba e na sociedade brasileira durante as décadas finais do século XIX. A associação acabou desenvolvendo pautas que preconizavam comportamentos considerados afáveis (cavalheirismo, solidariedade, inteligência, honestidade etc.) — noções que se materializavam principalmente por meio das dinâmicas e espaços promovidos em seu cerne. Se o cidadão ideal deveria incorporar uma educação baseada nos valores de civilidade em voga à época, as experiências letradas proporcionadas pelo Curitibano ganhavam destaque na formação desse sujeito, conforme veremos a seguir.
EXPERIÊNCIAS LETRADAS E SEUS OFÍCIOS INSTRUTIVOS
De acordo com Gruner (2010), o desejo do poder público e da elite ervateira em Curitiba era construir uma capital pretensamente atualizada e cosmopolita, seguindo os padrões europeus. Ainda, o autor adverte que a busca por novos hábitos e padrões de comportamentos desempenhou um papel central para acompanhar as transformações materiais pensadas para a cidade — como a literatura e a prática da leitura. O cultivo de tais comportamentos eruditos denotava uma aproximação com as noções europeias de civilidade e progresso.
Nessa direção, as conferências literárias destacavam-se como um dos principais momentos letrados produzidos pelo Clube Curitibano. Tratava-se de ocasiões em que sujeitos (normalmente membro da entidade) discursavam sobre um tema com base em um texto escrito por eles mesmos. Aos olhos dos jornais da época, as celebrações que envolviam a escrita e a leitura estavam repletas de momentos que possibilitavam a difusão de comportamentos e assuntos considerados como os mais atualizados. Sevcenko (1983) sinaliza que os periódicos no século XIX e início do XX eram os principais meios de acesso às informações debatidas como benéficas para a transformação social e cultural. Eram esses periódicos que direcionavam os assuntos e, consequentemente, tornavam acessível o que era permissível e discutido na sociedade.
Os jornais em Curitiba foram, até mesmo, um importante instrumento pedagógico para o acesso às informações e comportamentos considerados como hodiernos (Gonçalves Júnior, 2016). Com efeito, os folhetins se tornaram um locus representativo dos valores difundidos no Clube Curitibano, apresentando observações sobre os acontecimentos realizados na instituição. As conferências literárias do clube frequentemente eram abordadas pelos impressos locais. "Domingo, 18 do corrente, ás 8 horas da noite, o orador deste Club, Dr. Vicente Machado dissertará sobre a these: - A ideia abolicionista no Brasil. Pede-se o comparecimento de todos os Srs. Socios" (Dezenove de Dezembro, 14 de fevereiro de 1883, p. 4).
Talvez as pautas das reuniões fossem motivo de interesse de um público leitor geral. Afinal, por vezes, abordavam assuntos que representavam inquietações da sociedade da época, como as de cunho abolicionista que, com certa regularidade, eram discutidas na agremiação. Não devemos descartar a possibilidade de que essa exposição jornalística estivesse vinculada às representações sociais de alguns membros do clube, que não raro colaboravam de algum modo para os impressos.9 De toda forma, essas posições publicadas por periódicos são valiosas representações para compreendermos o que era retratado no período em tela.
O orador que dissertava sobre as ideias abolicionistas era mais um importante nome local, o bacharel em direito ligado às causas republicanas Vicente Machado. Com a Proclamação da República, chegou a ser governador da região, foi professor no Gimnásio Paranaense e promotor público. Trechos de um poema recitado nos salões do Curitibano pelo poeta paranaense Alfredo Coelho, em comemoração ao primeiro aniversário do fim da escravidão, destacam os pontos de vista aos quais a entidade estava vinculada a respeito desse assunto:
Não mais o crime infame, a negra escravidão!
O Barbaro feitor — o cynico e o tyrano
Carrasco de tão bruto e fero coração
Não mais a raça preta açoita — o deseumano
Não mais pela senzala, entrando a madrugada.
Acorda, chicotando, a escrava desprezada.
Não mais a mãe escrava o filho vê partir
Para uma terra extranha, atraz deixando o lar,
O Berço onde nasceu que fica a lhe sorrir…
Não mais a raça preta estorce se a penar.
Saudamos a Nação nesse glorioso dia
Que arranca-nos o pranto e traz-nos a alegria!
(A Galeria Allustrada, 1889, p. 12)
Ligado ao movimento simbolista, Alfredo Coelho representa, por meio da subjetividade lírica do poema acima, traços que enfatizam uma percepção de vergonha e tristeza com relação às profundas marcas da escravidão no Brasil, uma mancha que demoradamente desvaneceu, mas que finalmente se dissipou com tamanho crime infame. O espaço de diálogo e exposição de ideias proporcionado pelo Clube Curitibano estimulava conexões entre as pessoas, resultando em uma dimensão educacional fundamentada nas interações sociais. Nessa direção, Brandão (1984) argumenta que a educação pode emergir por meio de relações sociais. Para o autor, em várias comunidades, contextos, redes e estruturas sociais o aprendizado de saberes e instruções variadas pode existir, mesmo na ausência de um modelo formal e centralizado de ensino.
Dessa perspectiva, portanto, a educação pode estar disseminada nos mais variados cenários e aspectos da vida em sociedade, tornando-se parte intrínseca do modo de vida dos grupos sociais que compartilham, produzem e praticam conhecimentos entre si, independentemente de seu papel como instrutores ou aprendizes. Desse modo, entre as leituras, poemas e conferências, embasado em lógicas de associação, o Clube Curitibano proporcionava um cenário propício para a instrução dos associados, promovendo aprendizagem coletiva entre os participantes.
Outra pauta comum no Clube Curitibano e na sociedade do período dizia respeito aos movimentos relacionados à Proclamação da República.10 A agremiação serviria até mesmo de espaço para conferências republicanas:
Coube-nos a honra de assistir a conferencia feia no Club Curitybano, na noute de 2 do corrente pelo Sr. Dr. Alvaro Chaves. Correspondeu dignamente ao que esperavam.
Occupando-se largamente dos mais notaveis acontecimentos políticos, fel-o com a maior precisão, relevando a par de muito estudo e illustração, uma correctissima dicção.
Sem Exagerar os factos, nem fazer comparações odiosas dos dous partidos monarchicos em confronto com sua escola politica, S.S revelou muita sinceridade, valendo-lhe isso mais sinceras sympathias do auditório, revelada nos applausos que lhe foram prodigalizados ao deixar o illustre conferente a tribuna que tanto honrou. (Dezenove de Dezembro, 4 de fevereiro de 1887, p. 2)
A exposição de Alvaro Chaves, um dos líderes e fundadores do Partido Republicano Riograndense, nos salões do Clube Curitibano reforça as ligações da agremiação com os ideários que ascendiam na sociedade do período. Notemos que a atuação do orador recebeu descrições positivas, em grande parte devidas às expectativas que eram depositadas sobre seu comportamento. As observações de que o sujeito demonstrava possuir muito estudo, boa dicção e entonação ao abordar sobre um assunto tão relevante podem mostrar que as conferências demandavam uma preparação cuidadosa por parte daqueles que estavam presentes. Além disso, é notório que os próprios espectadores esperavam por determinadas posturas, que seguiam uma lógica na qual o conhecimento deveria ser transmitido de maneira serena, sincera, simpática e amena, preservando a precisão da explanação e acompanhando uma conduta polida.
Paixão (2011), ao estudar a formação de um público consumidor de literatura no Rio de Janeiro, afirma que a valorização das experiências letradas no Brasil teve forte ligação com a Proclamação da República. Myskiw (2008) corrobora tal questão dizendo que se tornava comum entre os paranaenses, com o fim da monarquia, a emergência de um vínculo com aspirações relacionadas ao ideal de nação, república e progresso. Segundo o autor, a busca por um avanço material e cultural próprio do Brasil se fazia necessária para o "bem de todos", mesmo que esses aspectos fossem moldados de acordo com os padrões da ciência e modernização europeias.
Nesse sentido, Sevcenko (1983) enfatiza que os textos e experiências letradas se tornaram termômetros das mudanças ocorridas nas principais cidades brasileiras do final do século XIX — por meio de olhares sobre as estruturas, mentalidades e sensibilidades que emergiam na sociedade. A literatura passava a abordar visões principalmente por intermédio de interpretações atreladas aos aspectos práticos, como a ciência, natureza, urbanização, educação, nação e higiene. Esses tópicos eram debatidos como fundamentais para consolidar o país como um centro urbano moderno, similar aos instaurados em países que já aderiam a tais ideias, notadamente a França e a Inglaterra.
Com o caminhar republicano, a escrita e a literatura passaram progressivamente a ganhar mais destaque nas cidades brasileiras, contribuindo diretamente para a constituição das ideias de progresso, manifestando-se por meio de jornais, revistas, livros, prosas, imagens e nos mais variados eventos eruditos. Nesses conteúdos, eram revelados os anseios por transformações ou conservações na sociedade brasileira e, consequentemente, na população paranaense/curitibana. Um desses desejos era o de construir um país letrado (Myskiw, 2008). Ao que parece, as experiências letradas no Brasil, nesse período, passavam a travar uma negociação com o mundo social, onde acabavam sendo e tendo influências na formulação de espaços e momentos para seu desenvolvimento e disseminação (Sevcenko, 1983).
Nesta esteira, os teores das conferências literárias do Clube Curitibano, por diversas vezes, discorreram sobre aspectos em voga na sociedade. Um desses encontros tratou do naturalismo, suas belezas e principalmente sua utilidade para a vida em sociedade.
Nos salões do Clube Curytibano realizou-se hontem á noite a segunda conferencia litteraria, sendo conferencista o sr Coronel dr. Miller de Campos, ilustre commandante interino do districto. As 10 horas da noite, achando-se os salões inteiramente repletos, o sr. Lucio Pereira, vice-presidente do club, concedeu a palavra ao sr. Coronel Muller de Campos que começou o seu discurso pedindo desculpas ao auditório pelos preciosas momentos em que faria ouvir as suas palavras, depois de fazer algumas considerações sobre a Natureza, e de se referir em termos honrosos a conferencia realisada n'aquelle club pelo sr. Niepe da Silva, o ilustre conferencista entrou no assumpto que escolhera – as arvores. Mostrou o sr. coronel Muller de Campos a utilidade das arvores, sob os pontos de vida industrial, estetico e fisiológico: falou sobre as arvores que gritam, e terminou lançando a ideia da realização o mais cedo possível, de uma festa das arvores. (A República, 5 de junho de 1890, p. 2)
Observa-se na nota uma percepção de que a natureza deveria ser parte integrante da vida em cidade. Tratava-se de uma contribuição não apenas estética, mas também uma necessidade fisiológica, na qual as árvores ganhavam destaque como elemento essencial. Se pensarmos que as movimentações do Clube Curitibano seguiam os modelos e ideários debatidos como benéficos para o progresso da sociedade, não surpreende a presença de elementos relativos à natureza nas conferências literárias realizadas na entidade. Até porque, conforme lembram Moraes e Silva, Quitzau e Soares (2018), no final do século XIX, a relação entre a cidade e a natureza estava sendo repensada no Brasil como um todo. Os autores salientam que os espaços verdes se tornaram parte integrante de projetos reformadores pensados para a ordem das cidades. Segundo Soares (2016), de fato, esses ambientes se converteram em locais úteis para a conformação material e cultural das urbes. Estruturas como passeios públicos,11 jardins, parques, praças, entre outras áreas verdes, foram desenvolvidas, e novos comportamentos públicos, como leituras ao ar livre, piqueniques e práticas com características esportivas e gímnicas foram formuladas pela emergência e uso desses locais.
Nesse rumo, a presença de atividades literárias no Clube Curitibano que tematizavam a natureza estava em sintonia com o ideário progressista do período. A importância dada ao meio natural, evidenciada nas conferências da agremiação, pode indicar uma tentativa de enquadramento nos parâmetros tidos como benéficos para a prosperidade do país. Mais elementar, do ponto de vista educacional, é que a abordagem desses temas contribuía para que os membros ficassem cientes do que se considerava adequado pensar e valorizar socialmente.
Nessa linha de possibilidade educativa por meio de experiências letradas, a criação de uma revista própria por parte do Clube Curitibano em 1890 foi um marco. O periódico foi um importante contribuinte para cravar ainda mais o mundo das letras como elemento instrutivo na instituição, auxiliando a manter seus membros informados sobre diversos eventos da cidade e do mundo. Além disso, passou a ser um considerável instrumento para melhor divulgação da instituição, de suas atividades e, até mesmo, um meio para os próprios associados exercitarem sua escrita.
De acordo com Marach (2013), a revista do Clube12 ajudou a consolidar cada vez mais o gosto pela literatura, escrita e demais preceitos preconizados pela instituição. O periódico passou a ser publicado quinzenalmente e sua distribuição era gratuita para todos os sócios, abordando ampla variedade de assuntos. Seu conteúdo englobava acontecimentos do cenário brasileiro e mundial, abrangendo questões políticas, notas educacionais, valores éticos, trechos poéticos e tiras humorísticas.
O corpo editorial era formado por três redatores, além de outros colaboradores que também contribuíam ocasionalmente para a revista. Nos seus primeiros volumes, os cargos de redatores foram assumidos pelo Padre Alberto José Gonçalves, pelo tenente e chefe da 1ª seção da secretaria do governo João Ferreira Leite e pelo bacharel em direito Francisco da Cunha Brito (Revista Clube Curitibano, 16 de janeiro de 1890, p. 1).
Foi um veículo, até mesmo, de difusão de ideias de importantes escritores paranaenses, como Ermelino Agostinho de Leão, Dario Vellozo (que ocasionalmente atuava como redator chefe), Emiliano Pernetta, Júlio Pernetta, Leôncio Correia, Silveira Neto, Antônio Braga, Sebastião Paraná e Francisco Ribeiro de Azevedo Macedo. Esses escritores compuseram a denominada "República das Letras" paranaense, expressão utilizada para demarcar o cenário intelectual, cultural e urbano de Curitiba entre os anos de 1880 e 1920 (Myskiw, 2008).
Gonçalves Junior (2016) adverte que, nesse recorte temporal, havia um grande interesse por parte dos administradores do Paraná em obter maior visibilidade da região. O intuito era fazer Curitiba passar a ser reconhecida como uma cidade moderna, a exemplo de São Paulo e Rio de Janeiro. Para alcançar tal objetivo, recorreu-se diretamente às habilidades literárias de escritores como Rocha Pombo, Dario Vellozo, Emiliano Pernetta, Júlio Pernetta, Nestor Victor e Romário Martins, com o propósito de criar imagens idealizadas da história regional do Paraná como um local crucial para a construção da identidade nacional brasileira. Dessa forma, Curitiba passou a ser reconhecida pelas demais localidades do país como a "República das Letras". Tamanho era o cenário que, de acordo com Rocha Pombo (1900 p. 127), "(…) só entre fins de 1898 e princípios de 1899 foram publicados em Curitiba nada menos de uns dez mil livros".
A educação seria uma das pautas mais frequentes nas páginas da revista do Clube, que não poupava considerações sobre sua utilidade para o desenvolvimento da humanidade.
E'a educação que vai lapidar esse diamente, cultivar essa terra virgem, aperfeiçoar essa flôr do céu, abrir-lhe as petalas brilhantes e dar-lhe o colorido, o matriz perfume. E'a educação quem em certo modo refaz o homem; amolda-lhe a natureza, inspira-lhe as ideias, de pura-lhes os sentimentos anortea-lhes as aspirações. — E’ ella que imprime a direcção para verdade ou para o erro, para o bem ou para o mal, para a civilisação ou para a barbaria. E'a educação que, tomando uma criança, pode engrandecela ou amesquinha-la, cercal-a de luz ou de trevas, enfloral-a de virtudes ou deformal-a de vícios; fazer della um anjo ou um prescito um genio bemfazejo ou um genio sinistro para a humanidade. (Revista Club Curytibano, 16 de fevereiro de 1890, p. 1)
Marach (2013) sinaliza que, na condição de eruditos, os colaboradores da revista do Clube Curitibano assumiam projetos que visavam ao desenvolvimento nacional. Nesse planejamento a educação apresentava papel de destaque. Notemos a crença de que a educação seria a grande solução para os mais distintos problemas da vida. Observemos ainda a centralidade na educação da criança, que adquiria importância crucial para uma orientação frutífera da humanidade — já que o futuro do progresso da nação dependeria das suas virtudes. Em outra redação da revista do Clube, a importância da instrução dos mais novos fica ainda mais evidente:
A experiencia e o senso comum tem innumeras vezes demonstrado como uma verdade incontrastavel que o futuro de uma nação, sua prosperidade ou sua decadência, depende em maior parte da educação de seus filhos.
Sempre e em toda parte o nível social eleva-se ou abate-se conforme a mocidade é bem ou mal educada. Uma nação forma-se incessantemente das gerações que lhe entregam as escolas. (Revista Club Curytibano, 1 de fevereiro de 1890, p. 1)
Notemos o reforço de uma percepção de que o futuro de uma geração, seja bem ou mal educada, é dependente da instrução, em suma, escolar. Devemos lembrar que, como aponta Benvenutti (2004), com a Proclamação da República, houve maior autonomia/verba para as municipalidades — movimentações que possibilitaram a efetivação ainda maior de uma série de renovações para a urbe, sendo a esfera educacional formal uma das áreas que teve avanços. Souza (2004), ao analisar a cultura escolar paranaense do início dos novecentos, caracteriza que com a ascensão republicana os jardins de infância, com os grupos escolares, ganhavam expressão para um projeto instrutivo civilizador, especialmente para a formação de uma nacionalidade que se constituía.
É provável que esses elementos que enfatizam a importância da educação escolar como contributo para o progresso da nação estejam alinhados com a oferta de instruções práticas de determinados conteúdos pelo Clube Curitibano.
De ordem da directoria, convido os Srs. socios que acha-se aberta a inscripção para as aulas nocturnas de Arithmetica, Francez, História e escriptura mercantil.
Declaro mais que serão admittidos a frequencia das aulas os filhos e filhas dos Srs. socios.
Programma
Arithmética — Terças e sextas feiras, das 8 as 9 horas, pelo Revdm. Padre Alberto Gonçalves,
Francez — Quartas e sábado, das 8 as 9 horas pelo professor Arthur Loyola.
História — Quintas Feiras das 8 as 9 horas, pelo Sr. Rocha Pombo.
Escripturação mercantil — Segundas feiras das 8 as 9 horas pelo Sr. João Luz. (Dezenove de Dezembro, 14 de março de 1889, p. 3)
Os cargos de docente eram assumidos pelos próprios membros. As aulas eram gratuitas e destinadas aos filhos e filhas dos associados, o que demonstra que a preocupação com a educação dos jovens eram uma questão não apenas dos espaços escolares, mas também de outras esferas sociais. A oferta de aulas de aritmética, francês, história e escritura mercantil no Clube Curitibano fortalece ainda mais a importância dos clubes como ambientes pedagógicos. Ainda, contribuindo com o cenário instrutivo da instituição, é possível localizar a atuação de Arthur Loyola, professor de destaque da educação formal paranaense.
As movimentações letradas promovidas pelo Clube Curitibano auxiliavam no seu reconhecimento diante do restante da urbe, como a revista A Galeria Allustrada13 observou:
As aulas nocturnas, abertas gratuitamente a todos os socios; as conferências que ali se tem realisado; a acquisição de um excellente piano; os livros que logo enriquecerão a sua ja bem sortida biblioteca, são melhoramentos introduzidos pela sensata e progressista directoria, que felizmente dirige os destinos de tão esperançosa agremiação. Não podemos negar, o Club Curitybano é hoje a mais útil sociedade litteraria de todas as que entre nós existem. (A Galeria Allustrada, 30 de abril de 1889, p. 90)
Com um leque variado de dinâmicas, a agremiação se materializava como uma admirável entidade na sociedade local. É certo que seus membros de renome tiveram algum impacto na prosperidade do Clube, que persevera até os dias atuais. As experiências letradas, por sua vez, foram a marca do desenvolvimento da instituição — seriam mesmo indicativos de que os clubes e outras instituições para além do seio escolar podem ser ricos polos educadores.
A valer, foi por meio do mundo das letras que o Clube Curitibano emergiu e buscou se equipar — concebendo sedes sociais, criando espaços para leitura como a biblioteca, adquirindo livros, promovendo conferências e fundando sua própria revista. Esses elementos tiveram contribuição na proposição de assuntos e condutas a serem pensados pelos seus membros e leitores — que consumiram, ainda que nem sempre cientes, prósperas oportunidades instrutivas.
São esses mecanismos que acabam por ressaltar que, nessa conjuntura, as dinâmicas em torno das experiências letradas estavam irradiadas na agremiação, mas não apenas nesse espaço. No âmbito social mais amplo, o mundo das letras também dialogava com noções pensadas na e para a sociedade do período, entre elas as relacionadas aos ideários educacionais, uma relação que perdura até os dias atuais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao investigarmos as experiências letradas no Clube Curitibano, parece-nos evidente que os clubes são uma entre tantas outras estruturas que emergiam no Brasil dos meados do século XIX, e que demonstraram as marcas da urbanidade que se conformava no país. Não obstante, são também ambientes prescritores de noções, posições, comportamentos e instruções variadas, sendo um profícuo tópico para inquirições históricas, principalmente as de cunho educacional.
Ainda, nesses espaços, configuraram-se novas sociabilidades, bem como inéditos hábitos e padrões de comportamentos que podem estar atrelados às mais variadas dinâmicas. No Curitibano, as experiências letradas ocuparam lugar e papel central. Em outras agremiações a natureza das ações pode ser diferente, mas, ainda assim, talvez possam indicar certos traços educativos.
De um lado, o cultivo de experiências letradas denotava a vinculação com comportamentos julgados hodiernos; de outro, permitia para aqueles que vivenciavam tais experiências aprender e interiorizar acontecimentos e assuntos voltados ao progresso material e cultural experimentado em Curitiba. Nessa ambiência, o Clube Curitibano assumia um esforço em "civilizar" seus associados: ampliava o universo de leitores, criava bases institucionais para a leitura, promovia aulas conteudistas para os filhos dos associados e possibilitava a sociabilidade de pessoas que já pertenciam ao mundo letrado.
Consideramos que, junto de membros de certo renome — que por vezes ditavam os valores e considerações mais atualizadas na cidade — e aliada a uma conjuntura social que visava a um intenso remodelamento social e cultural, a agremiação se fortaleceu. De fato, as experiências letradas foram as principais vias de sustentação das relações da entidade, pois explanavam as movimentações da agremiação, incluindo aquelas que sinalizavam preocupações com os princípios educacionais — tidos pelo Clube como um dos pilares principais para a transformação da humanidade.
Por fim, é importante ressaltar a necessidade de explorar outras fontes e clubes em distintas cidades do Brasil e do mundo. Ainda, é relevante destacar que a própria capital paranaense abriga inúmeras agremiações que se constituíram em torno de diversas dinâmicas, as quais certamente podem fornecer um olhar inédito e ampliado desses espaços e momentos aparentemente fortuitos, mas intimamente articulados com as transformações sociais, culturais e educacionais do seu tempo. A ampliação desses estudos, portanto, pode nos permitir lançar mais detalhes sobre a história das cidades, desses espaços e do seu papel educativo nos mais diversificados momentos e locais.