1 Introdução
O respeito às diferenças e à diversidade na escola remete-se à busca por uma sociedade que conviva uns com os outros, independentemente de suas características físicas ou individuais, onde a inclusão, nesse viés, passa a ser propulsora como princípio na educação. Nesse contexto, segundo Matos (2013), estamos inseridos em uma sociedade que busca uma relação de pertencimento, em que possamos nos sentir integrantes dela. Baseada no princípio de igualdade, a referida autora acrescenta:
há algo que nos aproxima que nos identifica como pessoas. Estamos incluídos nessa sociedade humana pelo princípio da identidade, mas podemos ser excluídos pelo princípio da diversidade sempre que a diversidade resulte em discriminação. Aí reside a nossa contradição. Temos que discutir a inclusão, porque há uma sociedade excludente, que dicotomiza identidade e diversidade (Matos, 2013, p. 56).
Diante disso, a aceitação das diferenças precisa estar presente no processo educativo, por meio da qual escola passe a disseminar novas formas de acolher a todos os alunos, com ou sem deficiência.
As políticas públicas voltadas à inclusão escolar perpassam pela criação de medidas, que contemplem o respeito às diferenças de forma a viabilizar, além do acesso, a permanência e o desenvolvimento da aprendizagem, pois “os alunos com necessidades educativas especiais precisam ter acesso à escola e a mesma precisa voltar-se para um ensino centrado no aluno, possibilitando o desenvolvimento de suas capacidades e necessidades de aprendizagem” (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 1994).
O foco nesse processo passa a ser o aluno, sujeito da aprendizagem capaz de aprender desde que se possibilitem meios e condições para se desenvolver, exigindo uma nova postura da escola, diante do histórico de exclusão que esses alunos passaram no decorrer dos anos, em que eram vistos como incapazes e excluídos pela sociedade e escola.
O desafio da escola para que se torne inclusiva concentra-se em ações que norteiem o universo escolar, suscitando o entendimento a respeito da inclusão, da autonomia e da independência desses alunos e das práticas pedagógicas inclusivas. No entanto, os obstáculos existentes no sistema educacional relacionados à educação das pessoas com deficiência são latentes e envolvem uma série de situações, que perpassam pela ausência de condições estruturais, formação de professores, organização curricular, exclusão e segregação das pessoas com deficiência, dificuldade de aprendizagem ou aquelas que, por condições econômicas e sociais, estão fora da escola.
Os documentos que norteiam a educação inclusiva no Brasil trazem um novo olhar para a educação, tanto no âmbito internacional - como a Declaração Mundial Educação para Todos em Jomtien (UNESCO, 1990), a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a Conferência Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Organização das Nações Unidas [ONU], 2006) -, quanto no âmbito nacional, com destaque para a Lei de diretrizes e Bases - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva (PNEEPEI, 2008) e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015). Esses documentos articulam medidas e norteiam a Educação Especial na perspectiva de uma escola inclusiva, no que se refere à inclusão de alunos público-alvo da Educação Especial no ensino regular.
Para Glat e Pletsch (2010), as dificuldades encontradas no sistema educacional brasileiro concernente à educação das pessoas com deficiência estão além do acesso à matrícula, pois muitos se encontram excluídos da escola, e estes recebem uma educação inadequada seja pela ausência de recursos, de profissionais qualificados e, também, pelo descaso do poder público com relação à educação deles.
Nesse sentido, Glat (2011) enfatiza que o Brasil tem passado por momentos polêmicos que separam o viés psicopedagógico e envereda para questões políticas e ideológicas, dificultando seu principal enfoque, pois o sistema educacional inclusivo apresenta problemas e desafios que, no entanto, precisam ser superados, como as desigualdades sociais firmadas por políticas educacionais e relações escolares. Desse modo, ao identificarmos no sistema educacional sua vulnerabilidade e suas dificuldades, urge a necessidade de confrontarmos as práticas de segregação e buscarmos alternativas que visem aproximar a escola de um ensino inclusivo, a articulação entre os poderes públicos fomentando ações, assegurando, assim, condições para que essas dificuldades sejam superadas.
Considerando os direitos assegurados pelos dispositivos legais, como o acesso à matrícula e à permanência do aluno na escola, o município de Manaus, Amazonas, por meio da Secretaria Municipal de Educação de Manaus (SEMED), tem ampliado o acesso à matrícula desses alunos no ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE) em salas de recursos multifuncionais (SRM). No próximo item, iremos apresentar a sequência metodológica do levantamento, a análise e a síntese do presente estudo, que foi conhecer as ações da política educacional e pedagógica da SEMED com relação ao alunos público-alvo da Educação Especial, à luz da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
2 Método
Para atender aos objetivos propostos, optamos pela abordagem qualitativa e descritiva, por apresentar ênfase no processo e não somente nos resultados. Dessa forma, os dados descritivos foram analisados detalhadamente para a compreensão do objeto de estudo (Bogdan & Biklen, 1994; Sampieri, Collado, & Lucio, 2013).
Para o delineamento da pesquisa, utilizamo-nos, também, da pesquisa documental, por constituir-se de uma técnica importante, para complementar as informações e proporcionar a consulta de documentos legais ou internos com dados e informações fundamentais para a análise do problema investigado (Lüdke & André, 1996; Sá-Silva, Almeida, & Guindani, 2009; Gil, 2010).
Para reunirmos os documentos oficiais municipais da SEMED, Gerência de Educação Especial, bem como os documentos das escolas selecionadas, como o Projeto Político Pedagógico (PPP), foi realizado um levantamento de campo. Apesar da Rede Educacional Municipal estar inserida em sete Zonas Distritais, devido ao tempo disponível para a pesquisa, foi selecionada apenas uma Zona. O recorte da pesquisa deu-se, assim, na Zona Oeste de Manaus por esta concentrar o maior número de unidades educacionais da rede, com 82 escolas, e por conter o maior número de Salas de Recursos Multifuncionais implantadas, com o total de 13 SRM.
Os participantes da pesquisa foram 13 gestores das escolas da Secretaria Municipal de Educação de Manaus. O instrumento utilizado na pesquisa para a coleta de dados foi um questionário semiestruturado produzido no Software Sphinx Lexica4.
Pelo fato de a pesquisa envolver diretamente seres humanos, o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa por meio da Plataforma Brasil e foi aprovado pelo Parecer nº 1.982.537 e contempla a Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que assegura o direito dos colaboradores da pesquisa, apresentando os princípios éticos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
3 Resultados e discussões
3.1 Perfil e percepção dos gestores quanto à Educação Especial
Nossa amostra, no presente estudo, foi de 13 escolas da SEMED que possuem Salas de Recursos Multifuncionais, com 13 gestores participantes na pesquisa. O perfil dessa amostra foi composto por 61,5% do sexo feminino e 38,5% do sexo masculino, com faixa etária de 41 a 50 anos. Cerca de 61,5% destes atuam na gestão das escolas entre quatro e dez anos, tendo 53,8 % dos gestores formação inicial em Pedagogia. Essa formação dos gestores predominante em Pedagogia deve-se ao fato da SEMED considerar, para o exercício da gestão5, nas escolas da rede de ensino, professores ou pedagogos habilitados em administração escolar, inspeção escolar, orientação educacional ou gestão escolar.
Quanto à formação continuada, 100% dos gestores sinalizaram que possuem Pós-Graduação (latu sensu), alguns com mais de uma especialização, mas nenhum com Mestrado ou Doutorado. Entre as áreas de especialização, destaca-se a Gestão Educacional (47,7%), entre os 11 cursos mais citados, tendo sido realizado por 76,92% dos gestores. Apenas um gestor tem formação continuada na área da Educação Especial, que foi uma especialização em pessoas com autismo.
Com esse perfil, observa-se que a formação dos gestores apresentam conhecimentos relativos à gestão escolar que precisam estar imbricados com ações descentralizadas, compartilhadas e participativas. Lück (2009), ao descrever a função do gestor pedagógico incorporado ao contexto escolar, analisa que:
A gestão pedagógica é, de todas as dimensões da gestão escolar, a mais importante, pois está mais diretamente envolvida com o foco da escola que é o de promover aprendizagem e formação dos alunos [...]. Constitui-se como a dimensão para a qual todas as demais convergem, uma vez que esta se refere ao foco principal do ensino que é a atuação sistemática e intencional de promover a formação e a aprendizagem dos alunos (Lück, 2009, p. 95).
Com o objetivo de identificar os níveis de conhecimentos dos gestores com relação a conhecimentos específicos da Educação Especial, foram elencados alguns itens que tratam da temática. Foi identificado que 100% dos participantes relataram ter lido o documento da PNEEPEI. Destes, 84,6% de forma completa; e 15,4%, apenas parcialmente. Isso demosntra que os dispositivos legais e informações sobre essa área estão sendo disseminados.
Com relação à institucionalização do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no PPP da escola, 100% dos gestores assinalaram que o AEE está contemplado no PPP, mas, quando questionados sobre como está organizado no PPP de sua escola, 46,7% não souberam informar. Os que souberam informar relataram as características do AEE, como a sua organização no contraturno (20,0%), sua parceria com o professor do ensino regular (6,7%), sua organização em horário específico de acordo com as necessidades do aluno (13,3%) e seu embasamento em documentos legais (13,3%). Dessa forma, evidenciamos que os gestores desconhecem a proposta do AEE. Consequentemente, essa ausência de informação pode limitar a construção de uma escola inclusiva, na medida em que sua institucionalização perpassa por informações contidas nos documentos legais, bem como formação da equipe escolar, cujas ações precisam estar articuladas ao Sistema de Ensino Municipal.
Quando os gestores foram questionados sobre a proposta de formação continuada no PPP da escola, 61,5% sinalizaram que a escola não possui essa proposta. Esse fato foi observado na análise dos PPPs das escolas e, quando mencionada, estava vinculada à SEMED por meio do Complexo Municipal de Educação Especial (CMEE); no entanto, sem muita clareza de como se daria essa formação.
Diante desse contexto, há necessidade de uma nova visão a respeito da organização da escola e da capacitação dos profissionais que nela atuam. Nesse sentido, Silva (2015) afirma que há urgência de a escola pública e seus atores reconhecerem as mudanças do sistema educacional inclusivo, posto que as implementações de ações pedagógicas não se limitam apenas aos documentos legais, mas também à mudança de atitudes e práticas pedagógicas.
Com isso, para Vieira, Effgen, Nogueira, & Almeida (2011), mesmo com a amplitude das pesquisas e dos conhecimentos construídos, há necessidade de investimentos na formação de gestores, concebida como política de governo na perspectiva da inclusão. Assim, essa formação possibilitará práticas que possam concretizar a escola como uma instituição escolar inclusiva.
3.2 Política educacional e pedagógica da SEMED quanto ao atendimento educacional especializado
A política educacional e pedagógica das escolas públicas do município de Manaus está articulada à Resolução nº 038/2015, que trata do Regimento geral das unidades de ensino da Rede Pública Municipal de Manaus no que se refere à organização das escolas quanto ao atendimento dos alunos da Educação Especial, bem como à Resolução nº 011/2016, que define a Educação Especial, seu público-alvo, a matrícula e o atendimento educacional especializado por meio das SRM e da formação de professores.
A Resolução nº 038/2015 trata do Regimento Geral das unidades de ensino da Rede Pública Municipal de Manaus, sendo promulgada em 18 de março de 2016. Constitui-se como documento que estabelece normas reguladoras de organização administrativa e pedagógica, servindo de parâmetro para a elaboração dos Regimentos Escolares das Unidades de Ensino da SEMED. O Quadro 1 contém uma síntese dessa Resolução em relação a Subseção II da Educação Especial, que se encontra no Capítulo I.
Conceito | O que diz a Resolução n° 038/2016 |
---|---|
Educação Especial | Concebe à Educação Especial como princípio da Educação Inclusiva, adotando a mesma definição tanto para definição de Educação Especial quanto ao público atendido por essa modalidade de ensino, segundo explicitado em seus Art. 47 e 48. Esta resolução também comunga dos mesmos espaços para o AEE segundo a PNEEPEI de 2008, porém acrescenta que este atendimento também poderá ser realizado em Salas de Recursos e com suporte do CMEE. |
SRM/SR | Esta resolução também assegura, no Art. 50, que os espaços para esse atendimento sejam adequados e organizados de forma a atender as necessidades educacionais dos alunos, como forma de prover o acesso e a participação no ensino regular, bem como o detalhamento no regimento interno das escolas sobre o atendimento ofertado a esses alunos. |
Matrícula | O seu Art. 51 enfatiza o acesso à matrícula dos alunos e orienta quanto ao número de alunos da Educação Especial a serem matriculados nas salas de ensino regular no sentido de prover condições e respeito a suas singularidades e especificidades no processo de ensino e aprendizagem e sinaliza que o laudo médico não é obrigatório no ato da matrícula; contudo, sinaliza que o laudo pode ser apresentado posteriormente para complementar o plano do AEE. |
Encaminhamentos e avaliação dos alunos | O seu Art. 56 trata sobre os encaminhamentos que se fazem necessários para identificação dos alunos público-alvo da Educação Especial, deverão ser realizados pelas escolas, com orientação dos profissionais do setor competente da SEMED, os quais efetivarão a avaliação desse aluno no processo de ensino e aprendizagem. |
Escola Especial | O Art. 54 versa sobre o funcionamento da escola especial André Vidal de Araújo que é mantida pela SEMED e, segundo a referida Secretaria, é considerada inclusiva por basear-se na reconstrução e no reconhecimento das diferenças e das práticas pedagógicas pautadas em novas estratégias educacionais, oferecendo oficinas pedagógicas centradas na formação do aluno (atuação no mundo produtivo e capacitação no desenvolvimento de atividades econômicas e laborais cotidianas). |
Avaliação da aprendizagem nas escolas | Quanto à avaliação desses alunos, o Art. 56 aponta que deve ser realizada pelos professores e pela escola, como parte integrante da Proposta Pedagógica e da implementação do currículo, e ser redimensionada a ação pedagógica, tendo caráter processual, formativo e participativo, ser contínua, cumulativa e diagnóstica para que os alunos consigam expressar adequadamente sua aprendizagem. |
Formação do professor | O Art. 57 pauta-se na formação do profissional para atuar em SRM, SR no AEE, o qual precisa ter formação adequada e a rede municipal de ensino deve garantir a formação continuada para professores que atuam no AEE, bem como para todos que formam a equipe escolar. |
Fonte: Resolução nº 038-CME/2015. Adaptação nossa.
Verifica-se que a Resolução nº 038/2015 traz consigo medidas para a organização da Educação Especial nas escolas da rede, assim pauta-se na construção de sistemas educacionais inclusivos, considerando a Educação Especial como apoio e disponibilização de recursos para a promoção da aprendizagem do aluno. Quanto ao acesso nas escolas e no AEE, não sinaliza a obrigatoriedade do laudo médico no ato da matrícula, para atender à Nota Técnica nº 4, de 23 de janeiro de 2014, do Ministério da Educação & Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Contudo, a escola aponta a sua necessidade para complementar o planejamento do AEE.
Posteriormente à aprovação da Resolução nº 038/2015, o Conselho de Educação do Município de Manaus (CME) aprovou a Resolução nº 011/CME, de 2 de junho de 2016, na qual estão relacionados as orientações e os procedimentos para a Educação Especial na perspectiva de Educação Inclusiva no Sistema Municipal de Ensino de Manaus.
Essa nova Resolução é composta por 31 artigos. No capítulo IV, consta a Seção I - Do Atendimento Educacional Especializado. Em decorrência de sua aprovação recente, incorporou-se nela os princípios tratados na Lei Brasileira de Inclusão de 2015 (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), assim como o PNE de 2014/2024 (Lei nº 13.005, de 5 de junho de 2014). Quanto à definição de Educação Especial, corrobora com a PNEEPEI, na qual é transversal e perpassa todas as etapas e modalidades de ensino.
Considerando que essa a Resolução nº 011/CME se pauta no documento da PNEEPEI, surge a necessidade de as escolas se adequarem para receber esses alunos, pois, para Baptista (2013, p. 47), “os desafios do sistema de ensino são inúmeros e a busca de qualificá-los para oferecer ensino de qualidade com diferentes planos de ação pedagógica assegurando o processo de inclusão”. Observa-se que a Resolução introduz o princípio de inclusão com reconhecimento das diferenças e das potencialidades do educando e de igualdade de condições para permanência e sucesso na escola. Contudo, para que o princípio de inclusão possa ser efetivado e a escola se torne inclusiva, é necessário que se ofereçam condições para o pleno desenvolvimento dos alunos.
Acerca do público-alvo da Educação Especial, a Resolução nº 011/CME define os alunos segundo a PNEEPEI; no entanto, modifica o termo alunos com transtorno global do desenvolvimento (TGD) para Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e justifica essa mudança pautada nas legislações vigentes. Assim a Resolução explicita, em seu Art. 8º, sobre o TEA:
VII - Transtorno do Espectro Autista (TEA) - é considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica com as seguintes características:
a) deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;
b) padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos (Resolução nº 011/CME, de 2 de junho de 2016).
No que tange à matrícula, a Resolução nº 011 estabelece a chamada antecipada para os estudantes da Educação Especial. De acordo com informações obtidas com a gerência de Educação Especial da SEMED, a chamada antecipada dessa modalidade de ensino ocorre para que as escolas possam se organizar quanto à formação de turmas, quadro de professores, acessibilidade, recursos pedagógicos, bem como ao AEE e sua estrutura física. Entretanto, consideramos que isso deve ser esclarecido perante toda a comunidade escolar para que não se instaure um espaço para dúvidas quanto à sua efetividade e intenção.
Quanto ao objetivo do AEE, a análise do documento mostra a mesma definição que a PNEEPEI ao definir como complementar e suplementar, não substitutivo à escolarização, de modo que ele precise ser parte do PPP da escola, articulado com o setor da saúde e com o envolvimento da família. Sobre o lócus desse atendimento, sinaliza que é realizado em Sala de Recurso (SR) e/ou Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) das próprias escolas da rede, bem como no Centro Municipal de Educação Especial André Vidal de Araújo. Contudo, sua operacionalização configura-se semelhante ao da Política de Educação Especial de 1994, já revogada, não ficando claro qual política de fato é realmente adotada pela referida rede ensino.
Ao procurarmos conhecer os PPPs das escolas pesquisadas, em busca de identificar a sua interface com o AEE, observamos que isso acontece de forma incipiente. No seu Art. 6º, a Resolução nº 011 diz que o Sistema Municipal de Ensino deve garantir aos alunos da Educação Especial condições de acesso, permanência, assegurando que se institucionalize, no PPP, o AEE, bem como os serviços e as adaptações necessárias para atender às especificidades dos alunos. No Art. 20, o AEE é igualmente sinalizado, sua integração no PPP, o que corrobora com a Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, a qual diz que o projeto pedagógico da escola deve institucionalizar o AEE, bem como a sua organização. Nesse sentido, a Resolução nº 011 está de acordo com os dispositivos legais apresentados, porém, como foi citado anteriormente, as escolas não apresentam planejamento das ações voltadas a esse atendimento.
Quanto à formação de professores para o AEE, a Resolução nº 011, no item III do Art. 6º, diz que estes precisam de uma formação adequada para atuar nesse atendimento, assim como professores do ensino regular capacitados para a inclusão dos alunos da Educação Especial no ensino regular. Complementa, no Art. 23, que a formação mínima para atuar no ensino regular e SRM segue o que está disposto no Art. 62 da LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996)6, complementando que deve ser oferecido pelo Sistema Municipal de Ensino oportunidade de formação continuada de professores para o AEE na perspectiva inclusiva, bem como formação de gestores e demais profissionais da escola.
Conforme constatamos no PPP das escolas, no que tange aos professores que atuam nas SRM e SR, não foi identificada a formação deles para essa atuação e, segundo consta nesses PPPs, a sua formação dá-se pela SEMED de Manaus, por intermédio do CMEE André Vidal de Araújo. Isso aponta para a necessidade de a SEMED precisar desenvolver ações que orientem as instituições de ensino no processo de estruturação do AEE desde sua concepção, bem como formação continuada para o docente assumir tal função.
3.3 Estrutura de funcionamento da rede educacional municipal de Manaus para alunos da Educação Especial
A SEMED organiza-se em sete zonas distritais (Tabela 1), incluindo escolas municipais, creches, Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) e Centro Municipal de Educação de Jovens Adultos (CEMEJA). Os dados da Tabela 1 foram disponibilizados pela Gerência de Educação Especial e da Divisão de Informação e Estatística da SEMED em 2017.
Zonas | Unidades Educacionais | Creche | CMEI | Escola Municipal | CEMEJA |
---|---|---|---|---|---|
DDZ Zona Sul | 68 | 4 | 21 | 46 | - |
DDZ Zona Oeste | 83 | 4 | 27 | 52 | - |
DDZ Zona Norte | 59 | - | 18 | 41 | - |
DDZ Zona Centro-Sul | 54 | 2 | 16 | 36 | - |
DDD Zona Leste I | 72 | 1 | 18 | 52 | 1 |
DDD Zona Leste II | 70 | 3 | 11 | 56 | - |
DDD Zona Rural | 85 | - | 1 | 84 | - |
TOTAL | 491 | 14 | 112 | 364 | 1 |
Fonte: Elaboração própria com base nas informações obtidas na Semed/Deplan/Sigeam em 2016.
Das 491 escolas, foram identificadas que 409 escolas possuem matrículas de alunos da Educação Especial, em um total de 4.384 alunos. Destes, 1.129 estão matriculados em Classe Especial. Do total das escolas, 304 atendem ao Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos (EJA), 100 são os Centros de Educação Infantil e existem cinco creches (Tabela 2).
Escolas | Modalidades e etapas | Quantidade |
---|---|---|
Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos - EJA | 1º ao 9º anos do Ensino Fundamental, 1º segmento EJA (1º ao 5º ano) e 2º segmento EJA (6º ao 9º) | 304 |
Centro Municipal de Educação Infantil | Maternal, 1º e 2º períodos | 100 |
Creches | Maternal 1º, 2º e 3º períodos | 5 |
TOTAL | 409 |
Fonte: Elaboração própria com base nas informações obtidas na Semed/Deplan/Sigeam em 2016.
Também foi criado, na Rede Municipal, o Bloco Pedagógico, que é uma Proposta Curricular dos anos iniciais que faz parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), firmado pela SEMED e pelo MEC, em 2012, cujo objetivo é organizar os três primeiros anos do Ensino Fundamental (1º, 2º e 3º) a fim de garantir a alfabetização e o letramento dos alunos com no máximo oito anos de idade. Dessa forma, o Bloco Pedagógico compreende alunos no 1º ano (6 e 7 anos completos até 31 de março); no 2º ano (7 e 8 anos completos até 31 de março); no 3º ano (8 e 9 anos completos até 31 de março com vida escolar comprovada).
Um fato que foi observado nos dados disponibilizados pela Gerência de Educação Especial e da Divisão de Informação e Estatística da SEMED, é que, além de existirem alunos com algum tipo de necessidade educacional especial nas salas regulares do Ensino Fundamental e do EJA, existem salas específicas separadas para os alunos da Educação Especial. Essas informações podem ser observadas na Gráfico 1 a seguir.
No que se refere ao EJA Fundamental 1º Segmento Especial, a Resolução nº 011/2016 explicita que essas turmas serão compostas no máximo com 15 estudantes, no período diurno, para propiciar a inclusão de estudantes público-alvo da Educação Especial com idade acima de 15 anos. No entanto, não há, na referida Resolução, o delineamento do trabalho pedagógico e as perspectivas de avanço acadêmico para esses alunos.
Os alunos da Classe Especial são aqueles encaminhados pelo professor da classe regular ao observar no aluno alguma necessidade educacional especial, sendo, portanto, encaminhado ao CMEE para matrícula em classe especial. Foi-nos informado, pela Gerência de Educação Especial, que sua permanência nessa classe é temporária - até o desenvolvimento das habilidades necessárias para retornar a classe regular. Nesse sentido, não são explicitados pelo CMEE se esses alunos são encaminhados à Classe Especial em decorrência de uma dificuldade de aprendizagem ou apresentam alguma necessidade educacional especial por causa de uma deficiência ou transtorno.
Com base nas informações apresentadas, observamos que está sendo negado o direito assegurado a esses alunos, como da matrícula no ensino regular e serem acompanhados pelo AEE em Sala de Recursos Multifuncionais. O que evidencia sua divergência com a PNEEPEI, que busca romper com o modelo paralelo de ensino e que, historicamente, segregava os alunos, com foco na deficiência. Isso contribui para o processo de exclusão dos alunos e, pelas informações apresentadas, a rede de ensino ainda contempla a Política de Educação Especial de 1994 com modelo de integração e não o de inclusão, conforme asseguram os documentos legais, como a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), PNEEPEI (2008) e Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015).
3.4 Ações da Gerência de Educação Especial para formação continuada dos professores
A Gerência de Educação Especial (GEE) é um setor da rede de ensino público de Manaus que funciona no Complexo Municipal de Educação Especial (CMEE) André Vidal de Araújo, órgão ligado à SEMED. Essa gerência tem como finalidade o planejamento para a formação continuada dos professores, sendo realizada por meio do CMEE, cujos responsáveis por essa formação são profissionais com formação acadêmica strictu sensu, com Mestrado ou Doutorado; no entanto, não foi detalhada a área de formação desses profissionais.
Essa formação continuada disponibilizada aos professores pela GEE faz parte do programa “Sensibilizar para Incluir”, sendo oferecida em três dias. Esse processo de formação continuada é organizado no início do ano letivo e são realizadas três formações no ano. Os assessores pedagógicos são professores da referida rede de ensino e são responsáveis por articular ações do CMEE com as escolas, assim como assessorar os professores da SRM, acompanhar os alunos do AEE e realizar levantamento com os professores da SRM sobre as temáticas a serem trabalhadas nessas formações. Esses profissionais também atuam ministrando cursos, palestras ou oficinas pedagógicas nas áreas de deficiência visual, autismo, Língua Brasileira de Sinais e produção de material pedagógico adaptado.
Assim, evidenciamos que, apesar da referida rede de ensino dispor de profissionais para realizar os cursos de capacitação nas escolas, buscando valorizar a escola como parte importante nesse contexto de formação, eles não apresentam (aparentemente) aprofundamento na formação dos docentes que atuam em SRM.
A formação de professores para o AEE e o apoio ao professor do ensino regular precisam estar articulados aos referenciais teóricos preconizados para essa formação, os quais compreendem múltiplos saberes, como desenvolvimento pessoal, profissional, saber pedagógico e científico, escola como espaço de produção de conhecimento, o saber da experiência e prática (Nóvoa, 1997; Freire, 1996).
Esses saberes são necessários tanto na formação do professor do ensino regular quanto na formação do professor que atua no AEE, sempre em uma perspectiva crítico-reflexiva. Esses saberes incluem o aprofundamento do processo inclusão escolar dos alunos nas suas necessidades e especificidades, bem como em metodologias didático-pedagógicas, sendo sistematizadas e estruturadas por ações que envolvam toda a equipe escolar e gestores do sistema educacional.
3.5 Salas de Recursos Multifuncionais/Sala de Recursos: contexto da rede de ensino público de Manaus
No que tange ao AEE, em Salas de Recursos (SR) e Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), verificamos que a SEMED apresenta 31 SR, implantadas pelo município e 46 SRM que receberam equipamentos do MEC. As SR e SRM estão disponibilizadas nas Zonas Distritais, como mostra o Gráfico 2.
Segundo as informações obtidas na Gerência de Educação Especial, essas SR são consideradas básicas (com o mínimo necessário) por não disporem de todos os recursos necessários para o atendimento do público-alvo da Educação Especial e funcionam com poucos equipamentos e materiais. As SR implantadas pelo município concentram-se no Ensino Fundamental em decorrência da maior demanda desses alunos para esse tipo de ensino.
Conforme apresentado no Gráfico 2, evidenciamos, na Zona Distrital Norte, uma maior concentração de Salas de Recursos, possuindo essa Zona também o maior número de habitantes em Manaus. A Zona Distrital Leste encontra-se em expansão e, na última década, apresentou aumento de 20,8% do total de habitantes, segundo os dados do IBGE7 de 2010. Apesar desse fato, a Zona Distrital Leste não possui nenhuma SR.
As SRM implantadas pelo MEC recebem os equipamentos e os recursos voltados ao público-alvo da Educação Especial, segundo o Manual de Orientação do Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (2010). Essas salas apresentam materiais e equipamentos específicos para o AEE voltado aos alunos público-alvo da Educação Especial.
Todavia, são os gestores de ensino que precisam indicar a escola que precisa da sua implantação e, posteriormente, informar a SEMED sobre a necessidade da implantação das SRM. Nesse caso, a escola deve indicar o número de matrículas dos alunos público-alvo da Educação Especial no ensino comum para receber a SRM Tipo 1 e, se a escola possuir matrículas de aluno cego, será implantada a SRM Tipo 28.
As SRM não estão implantadas em todas as sete zonas que compõem a rede de ensino, conforme mostra o Gráfico 2; assim, há poucas SRM para Educação Infantil. Esse atendimento deveria perpassar pelo atendimento precoce possibilitando acesso, participação e desenvolvimento da aprendizagem desses educandos. A Zona Oeste apresenta o maior número de Salas de Recursos Multifuncionais, a qual se destaca, também, por concentrar o maior número de escolas da rede de ensino com 83 (oitenta e três), de acordo com a Tabela 1.
No entanto, se comparado com o quantitativo de alunos público-alvo da Educação Especial matriculados em classe comum (Gráfico 1), as SRM são insuficientes para atender à demanda. Com base nesses dados, há necessidade de seguirem-se as ações desenvolvidas pelos profissionais que acompanham diretamente o trabalho realizado na rede de ensino público de Manaus; assim, o trabalho desenvolvido por coordenadores, gestores e professores são importantes e constituem o elo para construção de um sistema educacional inclusivo.
Dessa forma, apresentamos a necessidade do planejamento, do acompanhamento e do assessoramento das políticas de inclusão no município de Manaus, posto que a demanda dos alunos para o AEE é crescente em decorrência da ampliação de matrículas, e as SRM implantadas pelo município não são suficientes para atender a eles. Com isso, os investimentos do Governo Federal nos municípios e nos estados são imprescindíveis, bem como o monitoramento e a ampliação desses serviços com objetivo de atender a todos os alunos.
4 Conclusões
A política educacional e pedagógica da SEMED para o atendimento aos alunos da Educação Especial, segundo os documentos legais de âmbito municipal, pauta-se na perspectiva de educação inclusiva. No entanto, há discordância com a perspectiva de educação inclusiva proposta pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), posto que, na referida rede de ensino, há matrículas de alunos em classes especiais e escola especial, o que contradiz a política de inclusão, na qual todos têm direito de aprender juntos sem nenhum tipo de discriminação. Outro fator interessante é a permanência das SR, que fazia parte da Política de Educação Especial de 1994 já revogada.
Contatamos que a rede de ensino tem ampliado a matrícula dos alunos público-alvo da Educação Especial nas escolas regulares e de atendimento educacional especializado; no entanto, as Salas de Recursos Multifuncionais não contemplam todos os alunos, em decorrência da ampliação das matrículas, bem como também não são apresentadas informações de como os estudantes são atendidos nessas salas de recursos multifuncionais.
Evidenciamos, na gestão das escolas, o descompasso das ações dos gestores escolares quanto ao AEE, na medida em que este não estão claros, no Projeto Político Pedagógico, o seu funcionamento e sua organização para os alunos em salas de recursos multifuncionais. A manutenção da Escola Especial indica que ainda não se estabeleceu uma política de educação inclusiva, pois os estudantes permanecem excluídos do ensino regular. Assim, percebemos a necessidade de ações que possibilitem a inclusão desses alunos nas instituições de ensino, com apoio necessário para o desenvolvimento de suas habilidades e potencialidades. Dessa forma, a construção de uma escola inclusiva passa pela capacitação específica na temática em pauta por toda a equipe técnica.
Apesar dos descompassos entre o que está estabelecido da PNEEPEI e a realidade local, não se pode negar que existe um processo de educação inclusiva em andamento. A construção de uma escola inclusiva requer acompanhamento e discussão envolvendo toda a comunidade escolar, bem como pais ou responsáveis pelos alunos.