1 Introdução
Diversas transformações na educação superior ocorreram desde o surgimento das primeiras universidades. Destacam-se as mudanças relacionadas às responsabilidades dessas instituições que foram denominadas, por Christopher Jencks e David Riesman (1968), “Revolução Acadêmica”. A primeira delas ocorreu ainda no século XIX, quando as universidades receberam a nova missão de realizar pesquisas, além de continuar responsáveis pela proteção, manutenção do conhecimento e atividades de ensino. A segunda ocorreu por volta da década de 1970, quando as universidades receberam mais uma missão: a de participar ativamente do desenvolvimento econômico e social (Etzkowitz, 1983).
No Brasil, as universidades passaram por uma importante reforma em 1968, quando ocorreu a integração das atividades de ensino e pesquisa, tendo como referência a organização das universidades de pesquisa dos Estados Unidos, com seus departamentos e institutos de pesquisa, sistemas de crédito, professores com dedicação exclusiva e alunos em tempo integral. É neste período que ocorre a formalização da carreira docente, que passa a exigir a titulação de mestres e doutores para a contratação e para a promoção interna dos professores universitários (Balbachevsky, 2011).
Algumas instituições de fomento foram essenciais para a manutenção e crescimento das atividades de ensino e de pesquisa no Brasil. No âmbito federal, destacam-se a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambas criadas em 1951 e, desde então, desempenham um papel fundamental no fomento à pesquisa e à formação de recursos humanos qualificados, por meio da oferta de bolsas, incentivo à criação de programas de pós-graduação em diversas áreas do conhecimento, financiamento à pesquisa científica e tecnológica, além de apoio à infraestrutura de instituições de pesquisa e universidades.
Especialmente sobre os esforços de inovação no país, destaca-se a criação, em 1967, da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública e secretaria executiva do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT). Desde sua criação, a FINEP tem sido responsável por dar apoio financeiro e promover programas e projetos prioritários para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, oferecendo financiamento para diferentes atores da ampla rede de ciência e tecnologia: desde instituições de pesquisa e universidades até órgãos governamentais, ONGs, empresas repassadoras de recursos, públicos e privados, em âmbito nacional, estadual e municipal (Silva, 2011).
Mas foi principalmente em meados de 2000 que se observou um aumento das políticas públicas, programas, leis e outros instrumentos voltados para apoio à inovação no país. Dentre outros aspectos, essas iniciativas visavam encorajar as universidades a assumir, além das atividades de docência e de pesquisa, um papel mais ativo na aproximação com o setor produtivo (Maculan; Mello, 2009).
Apesar dos esforços, não tem sido tarefa fácil desenvolver nesses ambientes o fomento à inovação, com instituições mais abertas e flexíveis, que foquem em atividades empreendedoras e que permitam e busquem a efetiva colaboração academia-indústria (Dalmarco; Hulsink; Blois, 2018). O alcance deste novo cenário exige novas formas de estruturas organizacionais, uma vez que mexe com os objetivos, os valores e as práticas dominantes nessas instituições.
A despeito das iniciativas governamentais para criar um país com um ambiente propício à Inovação, o Brasil ainda enfrenta uma série de desafios para se tornar uma nação inovadora. Independentemente de já possuirmos uma infraestrutura de ciência, tecnologia e inovação favorável à inovação e já contarmos com alguns casos de sucesso em inovações tecnológicas no Brasil (Suzigan; Albuquerque, 2011), as empresas nacionais apresentam um desempenho competitivo fraco em todos os segmentos com alto valor agregado e de alto conteúdo tecnológico. Com raras exceções, a competitividade brasileira é forte somente em atividades ligadas a commodities com larga escala de produção e baixo valor agregado, que, além de intensivas em energia e dependentes de recursos naturais, não têm peso significativo na geração de empregos e inovações (Cassiolato; Szapiro, 2015; Morceiro; Guilhoto, 2023).
Neste contexto, destaca-se a importância de se promover políticas e iniciativas relacionadas à inovação no âmbito da educação superior, alinhadas às políticas públicas de fomento à inovação no país, o que já vem se tornando realidade. O último Plano Nacional de Educação (PNE) (Brasil, 2014) incluiu metas e estratégias relacionadas ao incentivo à formação de recursos humanos para a inovação, em nível de graduação e pós-graduação, no âmbito das instituições de ensino superior (IES) e instituições de ciência e tecnologia (ICT). O último Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG, parte integrante do PNE) ressaltou a importância da articulação entre a academia e o mundo empresarial, onde a pós-graduação deve buscar “estimular uma agenda de formação de talentos para apoiar os processos de inovação no parque industrial do País [...] de maneira a fortalecer as habilidades e competências dinamizadoras da competitividade global” (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, 2010, p. 193).
Atenta-se, portanto, para a necessidade de qualificar recursos humanos para atuar com desenvolvimento tecnológico e ampliar as oportunidades relacionadas à inovação em território nacional. Sendo assim, algumas perguntas são pertinentes: será que os profissionais brasileiros que possuem potencial de desenvolver novas tecnologias estão cientes das legislações, instrumentos e ambientes que estão sendo criados? Será que conhecem caminhos que possibilitam a aplicação de seus resultados de pesquisa? Será que se interessam ou buscam se relacionar com outras instituições que também atuam com tecnologias, mas sem finalidades prioritariamente acadêmicas, como, por exemplo, indústrias ou hospitais?
Essas e outras questões impulsionaram o desenvolvimento do presente estudo, que buscou entender se egressos de programas de pós-graduação (PPGs) brasileiros receberam uma formação profissional que os estimulasse a atuar em ambientes inovadores ou até mesmo em ambientes acadêmicos mais tradicionais, mas que conhecessem – e buscassem – os caminhos para aplicar seus resultados de pesquisa, indo ao encontro do perfil do cientista inovador proposto por Etzkowitz (1998).
Para buscar evidências que respondam as questões motivadoras, o presente estudo se debruça sobre a formação de cientistas nas pós-graduações a partir de duas fontes: os currículos oferecidos e a percepção de egressos de programas da grande área Ciências Biológicas ativos na CAPES em 2019. Importante destacar que os PPGs desta grande área se distribuem em quatro áreas de avaliação: Ciências Biológicas I, Ciências Biológicas II, Ciências Biológicas III e Biodiversidade.
A escolha da grande área Ciências Biológicas como campo de estudo justifica-se por vários aspectos: (a) é uma das áreas mais tradicionais do Sistema Nacional de Pós-Graduação, com programas em atividade desde o início da estruturação do sistema; (b) é a área responsável por formar os mestres e doutores mais jovens do país; e (c) que levam mais tempo para ingressarem em um emprego formal, quando comparado às demais áreas (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos – CGEE, 2016). Esses egressos apresentam potencial de desenvolver tecnologias relevantes e de grande impacto em diversos temas relacionados a setores significativos para o bemestar da sociedade e para a construção de bases do desenvolvimento sustentável no país, como, por exemplo, educação, meio ambiente, bioeconomia, saúde e defesa (CAPES, 2017; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações – MCTIC, 2016).
2 Metodologia
Este estudo está organizado em dois grupos de análises. O primeiro apresenta informações sobre as disciplinas ofertadas nos currículos de todos os programas PPGs das Ciências Biológicas acadêmicos e profissionais; já o segundo apresenta informações sobre a percepção de mestres e doutores egressos destes PPGs acerca da formação de cientistas no Brasil.
A partir da Plataforma de Dados Abertos da CAPES foram identificados 312 PPGs da grande área Ciências Biológicas (subdividida nas áreas Ciências Biológicas I; II; III e Biodiversidade) ativos e reconhecidos pela CAPES no ano de 2019. Neste ano, 67 programas ofereciam apenas cursos de mestrados acadêmicos (MA), 17, de mestrados profissionais (MP) e 228 ofereciam cursos de mestrados e doutorados acadêmicos (M/DA). Os detalhes sobre as disciplinas ativas destes programas foram coletados manualmente na Plataforma Sucupira (Coleta CAPES), no campo “Disciplinas”, e organizados em um arquivo de Excel.
Com base no método de análise de conteúdo apresentado por Bardin (2011), as ementas das disciplinas foram analisadas e classificadas em três categorias temáticas principais: (i) Ciências da Natureza e da Saúde, (ii) Ciências Humanas e Sociais e (iii) Ciências Exatas e da Terra. Detalhes desta classificação estão disponíveis em Medeiros e Leta (2020) e Medeiros (2020). Para o presente estudo, interessam somente as disciplinas situadas dentro da categoria “Ciências Humanas e Sociais”, especificamente as relacionadas à subcategoria “Gestão, Política e Economia”.
Essas disciplinas foram classificadas em três novos grupos temáticos de acordo com os tópicos abordados em suas ementas, são eles:
a) Empreendedorismo e Inovação: abordavam especificamente estes tópicos, por exemplo: “Tópicos em propriedade intelectual e inovação em saúde” e “Relação universidade-empresa na inovação”;
b) Gestão e Dinâmica da Ciência e Tecnologia (C&T): abordavam aspectos da dinâmica da atividade científica, sem se referir especificamente aos tópicos abordados no grupo anterior, por exemplo: “Dinâmica da produção e da avaliação científica” e “Administração Pública e o papel do gestor”; e
c) Aspectos Sociais, Legislação e Políticas Públicas: abordavam tópicos específicos sobre aspectos socioambientais e/ou socioeconômicos, e/ou sobre leis e políticas públicas vigentes ou com um viés histórico, por exemplo: “Política Ambiental brasileira” e “Legislação brasileira aplicada à fauna, manejo de população e microbiológicos”.
O segundo grupo de resultados apresenta informações sobre a percepção dos egressos. Os dados foram coletados em 2019 por meio de questionário on-line estruturado, organizado em 3 blocos com 12 questões fechadas e 1 questão aberta.
O questionário, enviado por meio da plataforma SurveyMonkey, apresentava questões sobre a percepção dos discentes em relação a diversos aspectos da formação de cientistas nas pós-graduações em Ciências Biológicas brasileiras. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi enviado junto ao questionário e estava incluído no projeto encaminhado e aprovado em 12 de maio de 2017 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, conforme o número de processo CAAE 67792917.8.0000.5257.
Os dados dos egressos, que participaram do questionário, foram obtidos em planilhas disponíveis na Plataforma de Dados Abertos da CAPES (2018), onde constavam os e-mails dos discentes que defenderam teses ou dissertações entre 2013 e 2017. Após a limpeza e padronização dos dados, restaram 25.385 registros de egressos com seus respectivos contatos. A mensagem com o link para o acesso ao questionário foi enviada para cada um dos egressos, sendo que 13.326 efetivamente receberam a mensagem (52,4% do total) e 5.186 abriram o link e responderam ao questionário (38,9% do total). Dos 5.186 egressos respondentes, 373 responderam parcialmente o questionário, e estas respostas foram registradas e consideradas nas análises.
Para a análise das questões objetivas utilizou-se estatística descritiva, especialmente as frequências absolutas e relativas (percentuais). Essas análises foram realizadas no software Tableau 2022.4, que também foi usado para elaborar as figuras.
Os relatos espontâneos dos egressos foram submetidos à análise de conteúdo, do tipo temática (Bardin, 2011), e foram selecionadas para este estudo os que abordavam tópicos relacionados a inovação, empreendedorismo e temas correlatos. Para manter a confidencialidade, a autoria dos relatos está representada pela abreviatura da área (CBI; CBII; CBIII ou BDV), do grau acadêmico dos egressos respondentes (Mestrado = M ou Doutorado = D) e da região do Brasil onde concluiu a pós-graduação (N = Norte; Sul=S; Nordeste = NE; Sudeste = SE; Centro-Oeste=CO).
3 Resultados e discussões
Nesta seção, apresenta-se o perfil das disciplinas relacionadas à temática Inovação ofertadas pelos PPGs da grande área Ciências Biológicas em 2019, e, em seguida, as percepções de mestres e doutores, egressos desses PPGs, sobre a formação de cientistas nas pós-graduações brasileiras e suas opiniões acerca de suas próprias experiências nestes ambientes.
3.1 As disciplinas ofertadas nos currículos dos PPGs
Em estudos anteriores, Medeiros e Leta (2020) e Medeiros (2020) organizaram as 13.407 disciplinas ofertadas pelos PPGs das Ciências Biológicas em três macrocategorias, sendo uma delas “Ciências Humanas e Sociais”, com 1.633 disciplinas (12% do total). Nesta macrocategoria, as autoras incluíram um grupo com 260 disciplinas nomeado de “Gestão, Política e Economia”, ofertadas por apenas 72 PPGs (23% do total de PPGs).
Esta seção, portanto, foca nessas disciplinas que abordam tópicos considerados relevantes para a formação de profissionais qualificados para atuar com processos de empreendedorismo e inovação (Faix; Mergenthaler, 2015; Henrique; Cunha, 2008; Kisgen, 2017). Para representar com mais clareza e detalhamento o tipo de conteúdo oferecido nesse grupo de disciplinas, as ementas foram organizadas em três grupos temáticos, conforme descrito na Metodologia. O Quadro 1 apresenta a distribuição dessas disciplinas nesses grupos, indicando também se elas são eletivas ou obrigatórias, além das áreas e níveis dos PPGs analisados. A saturação de cores nas células indica a concentração de disciplinas, quanto maior o número, maior a saturação.
Quadro 1 Número de disciplinas em “Gestão, Política e Economia” oferecidas pelos PPGs da grande área Ciências Biológicas, segundo o grupo temático, a obrigatoriedade, a área e o nível acadêmico do programa. 2019.
| Grupos temáticos | Área CAPES / Nível | ||||||||||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
| BDV | CBI | CBII | CBIII | Tota | gera | | |||||||||
| M/DA | MA | MP | M/DA | MA | MP | M/DA | MP | M/D A | MP | ||||
| Obrigatórias | Não | Aspectos sociais, legislação e políticas públicas | 60 | 9 | 11 | 1 | 1 | 3 | 2 | 87 | |||
| Gestão e dinâmica da C&T | 40 | 15 | 11 | 1 | 5 | 6 | 4 | 79 | |||||
| Empreendedorismo e inovação | 3 | 1 | 19 | 1 | 1 | 35 | 15 | 4 | 79 | ||||
| Sim | Aspectos sociais, legislação e políticas públicas | 2 | 1 | 1 | 4 | ||||||||
| Gestão e dinâmica da C&T | 1 | 1 | 1 | 1 | 4 | ||||||||
| Empreendedorismo e inovação | 1 | 2 | 1 | 4 | |||||||||
Fonte: Elaboração própria com dados da Plataforma Sucupira (2023).Nota: MA - Mestrado acadêmico; M/D – Mestrado e Doutorado Acadêmico; MP – Mestrado Profissional.
Um primeiro aspecto que chama atenção é que 248 disciplinas (95,3% do total) são não obrigatórias, ou seja, não fazem parte do corpo mínimo de disciplinas que os discentes devem realizar para obter seus diplomas. Também chama atenção a concentração destas disciplinas nos PPGs da área Biodiversidade, que contam com 155 disciplinas (59,6% do total), e nos PPGs com Mestrado e Doutorado (M/D), que têm 180 disciplinas (69,2% do total).
Em relação aos três grupos temáticos, o grupo “Aspectos sociais, Legislação e Políticas públicas” é o que tem o maior número de disciplinas (ofertadas em 36 programas), em seguida, o grupo “Gestão e Dinâmica da C&T” com 86 disciplinas (ofertadas por 46 programas) e, por fim, o grupo “Empreendedorismo e Inovação” com 83 disciplinas (ofertadas por 33 programas).
As disciplinas do grupo “Aspectos sociais, Legislação e Políticas públicas” tratam de temas que auxiliam estudantes e egressos na participação de iniciativas e tomadas de decisões associadas a temas sociais impactados por atividades de ciência e tecnologia, indo ao encontro da missão da universidade de formar pessoal comprometido com questões sociais (Dias; Serafim, 2009). A despeito da relevância social dessas disciplinas, a oferta delas se concentra fortemente em programas da área de Biodiversidade, com apenas dois casos em que a disciplina é obrigatória.
As disciplinas do grupo “Gestão e Dinâmica da C&T” também estão fortemente concentradas nos programas da área de Biodiversidade, que oferecem 68 disciplinas, das quais 66 são disciplinas obrigatórias. Sete programas das Ciências Biológicas II, 3 das Ciências Biológicas III e 1 das Ciências Biológicas I também ofereceram pelo menos 1 disciplina eletiva deste tópico, e apenas 1 programa da Ciências Biológicas II e 1 da Ciências Biológicas III ofereceu uma obrigatória. Este resultado foi surpreendente porque os egressos terão que lidar com atividades de gestão (de pessoas, de projetos, financeira, de laboratório etc.), mas poucos programas ofertaram disciplinas que podem auxiliá-los nestas tarefas.
Ainda sobre esse grupo de disciplinas, é importante destacar que, embora a maior parte delas tenha sido ofertada pelos programas de Biodiversidade, foi observada pouca variedade no conteúdo das disciplinas, onde a maior parte tratava de temas relativos à gestão ambiental. Outras disciplinas também relacionadas à gestão, tão importantes para a formação profissional de cientistas e professores de nível superior (Botomé; Kubo, 2002), foram raramente ofertadas.
Por fim, as disciplinas do grupo “Empreendedorismo e Inovação” mostram outro perfil de distribuição, sendo ofertadas principalmente pelos programas das Ciências Biológicas II (16 PPGs), com 53 disciplinas, e das Ciências Biológicas I (12 PPGs), com 21 disciplinas. Dois programas específicos foram os responsáveis pela maior oferta de disciplinas nesta temática dentro do grupo CBII: o programa de Mestrado e Doutorado em Inovação Tecnológica e Biofarmacêutica e o programa de Mestrado Profissional em Inovação Tecnológica e Propriedade Intelectual, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais. A baixa oferta deste grupo de disciplinas nos demais PPGs indica um desalinhamento entre o planejamento dos currículos dos programas com as políticas públicas de apoio à inovação, em especial o próprio PNE e o PNPG, que abordam esta temática com foco no sistema de educação superior.
A despeito desse desalinhamento, é relevante mencionar que a oferta de disciplinas é apenas um dos aspectos estruturantes que caracterizam o ambiente da pós-graduação e por onde os alunos buscam ampliar e consolidar seus conhecimentos ao longo de sua formação (Botomé; Kubo, 2002; Trzesniak, 2004). Atividades extracurriculares, como palestras e seminários, bem como outros aspectos formais e também interpessoais do ambiente das pós-graduações, que é mediado pelos relacionamentos, pelas pressões vivenciadas no decorrer do curso, pela vivência e participação em outras atividades, também são fatores determinantes na formação dos cientistas (Botomé; Zanelli, 2011).
Assim, para melhor compreender o ambiente da pós-graduação e o aspecto empreendedor na formação dos cientistas, um questionário foi enviado aos egressos das pós-graduações em Ciências Biológicas, com o objetivo de analisar a percepção deles em relação ao treinamento que receberam no percurso de suas formações e ao ambiente dos programas. A próxima seção apresenta os resultados e discussões dessas análises.
3.2 Percepção dos egressos sobre a sua formação profissional nas pós-graduações
Para entender a percepção dos 5.186 egressos, que responderam parcial ou integralmente o questionário, incluímos a sentença “Enquanto cursava a sua pós-graduação você recebeu estímulo para” e apresentamos algumas atividades, incluindo atividades relacionadas à pesquisa básica (como a elaboração de artigos científicos e a busca de parcerias com outras instituições acadêmicas) e outras atividades relacionadas a pesquisa aplicada e inovação tecnológica (como a busca por soluções para problemas da sociedade, a elaboração e o depósito de patentes, busca por parcerias com empresas e vínculo com núcleos de inovação tecnológica).
A percepção (positiva ou negativa) dos egressos em torno do estímulo que receberam em cada uma destas atividades é estimada pelo nível de concordância que eles indicaram: maior a concordância, percepção mais positiva. A Figura 1 apresenta a síntese dos resultados dessa questão com a distribuição percentual das respostas, de acordo com o nível de titulação dos programas dos respondentes.

Fonte: Elaboração própria (2023).
Figura 1 Distribuição de respostas à questão “Enquanto cursava a sua pós-graduação você recebeu estímulo para” por egressos das pós-graduações em Ciências Biológicas. 2019.
Os resultados indicam que os egressos percebem que foram especialmente estimulados a executar atividades relacionadas à pesquisa básica, em especial a “elaborar e publicar artigos científicos”, onde, em média, 72% concordava totalmente com a afirmativa. Curiosamente, 79,6% dos egressos do mestrado profissional concordaram totalmente ou tendiam a concordar que receberam estímulos para elaborar e publicar artigos científicos. Este fato é, de certa forma, contraditório, pois os PPGs profissionais foram criados com o propósito de capacitar pessoas para aplicar conhecimentos, tecnologias e resultados científicos à solução de problemas (Silva; Del Pino, 2017), enquanto a divulgação de resultados em periódicos científicos é característica das atividades de pesquisa básica (Meadows, 1974), que é tradicionalmente atribuída à formação de pessoal nos programas acadêmicos brasileiros (Cavalcanti; Pereira Neto, 2014).
Em relação às atividades de pesquisa aplicada e inovação tecnológica, a percepção dos egressos é negativa, uma vez que, em média, 43% discordaram totalmente que receberam estímulo para elaborar e depositar patentes, para buscar parcerias com empresas e para conhecer núcleos ou agências de inovação tecnológica. Tais atividades são indispensáveis para o ensino superior contemporâneo, onde as IES são consideradas fonte de empreendedorismo, tecnologia e inovação, dedicadas à pesquisa crítica, educação, preservação e renovação do patrimônio cultural (Assad; Martins, 2008; Etzkowitz, 2013).
Por outro lado, os respondentes informaram que foram estimulados a buscar “soluções para problemas da sociedade”. Este fato é curioso e aparentemente contraditório, pois a efetiva aplicação do conhecimento produzido para a sociedade, pelo menos nas “ciências experimentais”, é dependente das outras atividades relacionadas à inovação tecnológica, como a elaboração de patentes, a busca de parcerias entre empresas etc., para as quais, por sua vez, informaram ter recebido pouco estímulo. É possível que, ao responder à questão, os egressos tenham considerado apenas um potencial de aplicação futuro de suas pesquisas, no entanto, o despreparo para aplicar, no momento da resposta ao questionário, os resultados de suas pesquisas representa uma lacuna na formação, pois teriam que buscar por iniciativa própria conhecer os caminhos para aplicação de seus achados.
Outra questão, “A formação que você recebeu na sua pós-graduação o (a) preparou para”, buscava entender a percepção dos egressos em relação ao preparo que receberam durante os cursos de pós-graduação para executar determinadas atividades, que tinham relação direta com atividades de pesquisa (planejar e executar uma pesquisa científica, e gerenciar um laboratório de pesquisa), com atividades de docência (atuar como docente) e com atividades de empreendedorismo (idealizar e criar seu próprio negócio). Essas opções foram selecionadas de acordo com as principais atividades exercidas pelos cientistas no Brasil, principalmente com foco na pesquisa e docência (Botomé; Kubo, 2002; Moreira; Velho, 2012) e com a abordagem mais recente do “cientista inovador” (Etzkowitz, 2013; Faix; Mergenthaler, 2015).
A Figura 2 apresenta a distribuição percentual das respostas de acordo com o maior nível de titulação dos respondentes. Observa-se que a maioria dos egressos tem uma percepção positiva de que foram preparados para “planejar e executar uma pesquisa cientifica”, o que é provavelmente reflexo da própria área, que demanda atividades práticas, cuja rotina exige muito treinamento e experiência de trabalho empírico. Por outro lado, os egressos são menos enfáticos e positivos quanto ao preparo que tiveram para a atividade de gerenciar um laboratório, que também é atribuição de grande parte dos cientistas que atuam na área experimental. Essa percepção fica clara quando olhamos o percentual menor de respondentes concordando totalmente, o que aponta para uma lacuna na formação, já que, na prática, quando o egresso estiver atuando profissionalmente, é provável que tenha, entre outras atividades, que lidar com atividades relacionadas à gestão (Ramos; Velho, 2013).

Fonte: Elaboração própria (2023).
Figura 2 Respostas à questão: “A formação que você recebeu na sua pós-graduação o (a) preparou para”:
Sobre o treinamento para atuação com docência, os dados mostram que uma fração significativa de egressos expressa concordância total em relação ao preparo para atuar. Essa análise sinaliza que boa parte dos egressos tem uma percepção positiva, ou seja, que eles tiveram treinamento e se sentem preparados para se envolver em atividades de ensino, o que vai ao encontro da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional do Brasil (Brasil, 1996), que indica que a capacitação para a docência de futuros docentes universitários deve ocorrer prioritariamente nos programas de mestrado e doutorado.
Por fim, o preparo para desenvolver atividades relacionadas à idealização ou criação de um negócio próprio foi a tarefa em que os egressos mostraram a percepção mais negativa, com 57,2%, em média, sinalizando discordância de terem sido preparados para ela. Esse fato vai totalmente de encontro às necessidades para a formação de profissionais inovadores (Faix; Mergenthaler, 2015) e corrobora o ambiente ainda pouco estruturado das PPGs em Ciências Biológicas para o empreendedorismo e a inovação, verificado pela baixa oferta de disciplinas relacionadas a estes temas, conforme apontado na primeira seção dos resultados.
3.3 Opinião dos egressos sobre a formação profissional de cientistas no Brasil
Além das percepções acerca de suas próprias formações em seus cursos de mestrado e/ou doutorado, os egressos foram convidados a opinar sobre a formação profissional de cientistas no Brasil. A exploração deste tema foi realizada a partir de uma questão aberta - “Deixe aqui algum comentário sobre a formação profissional nas pós-graduações em Ciências Biológicas no Brasil (opcional)” – na qual os respondentes poderiam deixar qualquer opinião acerca da formação profissional de cientistas no país. Os resultados são apresentados a seguir.
3.3.1 Relatos espontâneos
Dos 5.186 respondentes, 1.609 deixaram relatos espontâneos, sendo que 257 deles faziam alguma menção a temas analisados neste trabalho. Destacamos a seguir alguns destes temas, como: disciplinas e atividades relacionadas à inovação, preocupação e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho, e ilustramos com trechos originais dos relatos.
A inserção de disciplinas e outras atividades relacionadas à inovação tecnológica e empreendedorismo no âmbito da pós-graduação é primordial para a formação de profissionais aptos a atuarem em processos de inovação (Etzkowitz, 2013). Este tema foi alvo frequente de percepções e críticas negativas nos relatos espontâneos dos egressos, onde se ressaltava, além da baixa oferta de disciplinas, uma carência de atividades que estimulassem ou favorecessem o empreendedorismo ou o preparo profissional para atuar em ambientes inovadores, seja na academia ou em outros âmbitos.
Acredito que faltam disciplinas voltadas ao preparo de cientistas empreendedores, as quais poderiam ensinar e incentivar os pós-graduandos a utilizar os conhecimentos obtidos durante a pós-graduação para o desenvolvimento de seu próprio negócio (CBIII. D. SE.).
Acredito que a pós-graduação deveria começar a abrir mais o leque de opções além da academia. Focamos tanto em ser cientistas que não temos nenhuma disciplina relacionada a empreendedorismo, divulgação científica, gestão e consultorias ambientais, só pra dar alguns exemplos. (BDV. D. N.).
A formação profissional nas pós-graduações em ciências biológicas no brasil, ainda tem perfil de formação de docente. a falta de ensinamentos sobre gestão de negócios próprio é praticamente unânime, tendo em vista que os docentes das pós visam publicações e não se fala em possibilidades de garantir algo mais que a docência. (CBIII. MA.NE.).[sic]
Por outro lado, houve também relatos positivos que traziam informações acerca de experiências oferecidas e estimuladas nas universidades em relação ao tema, algumas vezes com comentários relacionados à presença de ambientes de inovação organizados dentro das universidades e, por outras vezes, em iniciativas pontuais de professores que, embora não atuassem diretamente com empreendedorismo ou inovação, reconheciam a importância da temática e tentavam apresentá-la aos alunos, por conta própria ou por meio de convites a palestrantes. Como nos seguintes relatos:
[...] Inovação e empreendedorismo é uma disciplina nova e dada por professoras que não trabalham com o assunto, entretanto elas acreditam na importância do assunto e se esforçam para oferecer 50 vagas por anos para todos os alunos de todos os ppgs da universidade [...] (BDV. MA. S.).
O departamento vinculado ao programa de pós-graduação onde fui pós-graduada possui uma incubadora de empresas de biotecnologia, além de promover palestras sobre empreendedorismo e patentes. (CBII. D. S.).
Dentro do aspecto de formação,a pós graduação ainda deixa muito a desejar em relação a áreas da indústria, principalmente de pesquisa clínica. Dentre os incentivos de inovação, todos foram recomendados por núcleos da universidade e não diretamente do programa de pós-graduação. (CBIII. D. SE.).
Um estudo realizado pela CAPES, com dados dos egressos das pós-graduações em áreas estratégicas, indicava que “áreas com maior vocação para pesquisa”, como as Ciências Biológicas, tendiam a apresentar uma menor participação dos titulados em empregos formais (Capes, 2017). Estes dados também podem ser justificados pela falta de complementação das políticas públicas de expansão de formação de pessoal altamente qualificado com políticas de promoção da absorção desse contingente pelo mercado de trabalho local, capazes de propiciar oportunidades profissionais e pessoais compatíveis com a qualificação dos egressos (Pádua et al., 2018; Ramos; Velho, 2011).
Estes fatos parecem ser bem conhecidos pelos egressos das Ciências Biológicas, que relataram a preocupação e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho após a conclusão dos cursos de mestrado e doutorado. Nestes casos, destacava-se: (1) a importância atribuída a conhecimentos relacionados ao empreendedorismo, que, embora seja polissêmico (Almeida et al., 2013), foi bastante abordado no sentido de criar seu próprio negócio e (2) a importância da colaboração entre universidades e empresas, como nos exemplos a seguir:
A minha formação foi extremamente focada no meu projeto de pesquisa e em publicar artigos. Somente no doutorado, quando tive uma coorientação de um prof da Universidade X1 (me formei no interior do RS), é que comecei a mudar minha visão de aluna para uma profissional. Acredito que os alunos de pós-graduação devem ser estimulados a serem profissionais e não apenas estudantes. Devem ser estimulados a criar patentes e até abrir o próprio negócio, afinal, o mercado de trabalho não tem lugar para todos e nem todo mundo tem habilidades ou oportunidades para seguir a carreira acadêmica. (D. BDV.S.).
Estou na metade do meu doutorado, vinculado a uma Universidade Publica Federal. No entanto, desenvolvo meus experimentos em uma empresa publico/privada, Embrapa. Penso que essa parceria fez todo o diferencial para meu aprendizado em relação à projetos, colaborações com outras empresas nacionais/internacionais, desenvolvimento de patentes, etc. Portanto, acho muito interessante termos mais políticas publicas que estimulem essas parcerias [...] (CBI. M. SE.).
Neste estudo, 36% dos respondentes (1.872) afirmaram que tiveram algum tipo de experiência no exterior ao longo de sua formação nas pós-graduações. Alguns relatos espontâneos traziam justamente informações sobre este tipo de experiência, vivida durante ou após a conclusão dos cursos. Os comentários apresentavam um tom de comparação do ambiente estrangeiro com o ambiente dos programas brasileiros, mas nem sempre era indicado o local fora do Brasil. Em geral, os relatos destacavam experiências positivas no exterior, relacionadas a temas como empreendedorismo, aplicação dos resultados das pesquisas, preparo para mercados de trabalho não acadêmicos entre outros. Como, por exemplo, nos seguintes relatos:
[...] como vivo outra realidade no exterior, tendo a comparar com a formação que estou recebendo aqui. Por fim, hoje entendo a diferença de uma universidade que prepara o aluno de pós-graduação para o mercado e uma universidade que não prepara. Estou em um local com um alto índice de empregabilidade de pós-graduando e eu diria que a principal diferença é que aqui a universidade estimula o aluno a montar um plano de carreira desde a primeira aula na pós-graduação. O aluno também conta com diversos recursos ao longo da sua formação para mandar o plano de carreira em andamento como feiras negócios onde as empresas montam estandes na universidade e explicam para o aluno os possibilidades de carreira e até recrutam estagiários ou fazem contratações [... ] (BDV. MA. CO.).
A formação de Ciências Biológicas no Brasil é precária no sentido de formar o aluno para o mercado de trabalho. Estou trabalhando em uma Universidade no Exterior e aqui eles tem todo um departamento para encaminhar o aluno de doutorado para o mercado de trabalho desde cursos até networking com ex-alunos que hoje estão trabalhando em empresas ou na academia. (D. BDV.NE.).
Apesar dos muitos desafios e dificuldades atinentes aos tópicos relacionados a empreendedorismo e inovação apresentados nos relatos anteriores, alguns respondentes traziam declarações sobre como atuaram ou vêm atuando diretamente com essa temática, como nos exemplos abaixo:
Eu acredito que tive a oportunidade de ter uma boa formação na pós graduação (mestrado e doutorado) e tive a oportunidade de um estagio pós-doutoral por 7 meses na Alemanha. Mas não consegui me inserir no mercado de trabalho atuando na minha área de formação do doutorado, entretanto, trabalho como bióloga em outra área: produção de micélio de cogumelos em laboratório e produção urbana de cogumelos comestíveis e medicinais. É um negócio próprio ainda em fase de desenvolvimento (CBII. D. NE.).
[...] as pós-graduações deveriam também focar na docência e na inovação, embasando os recém doutores, inclusive, a desenvolverem seu próprio negócio de consultoria e inovação, com retorno mais objetivo à sociedade e seus problemas. Esse tem sido meu enfoque atual. Abri uma empresa de consultoria ambiental que está em processo de incubação na UFPR que busca resolver problemas ambientais, trazendo retorno do investimento que a sociedade faz à universidade, e possibilitando o desenvolvimento de projetos paralelos com alunos e egressos dos programas de pós-graduação [...] (D. BDV.S.).
O conjunto de relatos indica que, apesar da baixa presença de disciplinas de empreendedorismo e inovação nos currículos dos PPGs das Ciências Biológicas, existem iniciativas para promover estes temas nestes ambientes e há egressos que empreendem e participam de atividades relacionadas à Inovação Tecnológica. Além disso, os núcleos e agências de inovação nos espaços universitários se mostram muito relevantes, pois, mesmo que não exista um trabalho planejado por parte dos PPGs para ensinar e sensibilizar os alunos acerca destes assuntos, estes ambientes são citados como promotores de iniciativas neste sentido, além de um local de busca de treinamentos e informação, por parte dos alunos que se interessem pelo tema.
4 Considerações finais
Este estudo buscou evidências relacionadas à formação de profissionais no mais alto nível de educação superior no Brasil (mestrados e doutorados) na grande área Ciências Biológicas, considerada estratégica para o desenvolvimento nacional. Buscou-se responder a seguinte questão de pesquisa: os PPGs em Ciências Biológicas brasileiros formam profissionais qualificados para atuar no ambiente propício à inovação que o governo vem se empenhando para criar? Para respondê-la, foram analisadas uma parte das disciplinas oferecidas nos PPGs e respostas a um questionário sobre a percepção de egressos relacionadas a esta temática.
Em relação às disciplinas, observou-se uma baixa oferta – e por vezes até ausência de oferta – quase sempre de disciplinas não obrigatórias, consideradas relevantes para a formação de um profissional qualificado para atuar com inovação, com conteúdos relacionados a gestão, economia, políticas públicas e legislação. Como as disciplinas são elementos essenciais para a construção do conhecimento, de habilidades e de competências profissionais (Faix; Mergenthaler, 2015; Santos et al., 2009), esperava-se uma maior oferta de conteúdos relacionados à Inovação, já que os principais instrumentos direcionadores da educação de nível superior nacionais (PNE e o PNPG) expõem a importância de se formar profissionais para atuar nesta temática.
Além das disciplinas, para compreender melhor o ambiente onde os mestres e doutores estavam sendo formados, buscou-se explorar, por meio das respostas ao questionário, se outras atividades ou formas de estímulo eram praticadas nas pós-graduações. Observou-se uma percepção positiva dos egressos quanto ao estímulo e preparo que tiveram para atividades relacionadas à pesquisa básica e docência e uma menos positiva quando o foco eram as atividades relacionadas à pesquisa aplicada e atuação em ambientes não acadêmicos. Assim, para a maior parte destes egressos, aparentemente, a formação na pós-graduação deixou uma lacuna de outras atividades relevantes, até mesmo para uma execução eficiente da própria pesquisa no meio acadêmico, como a gestão de projetos, por exemplo, e a formação de profissionais capazes de direcionar suas ações para o desenvolvimento tecnológico e a inovação.
Por fim, os relatos espontâneos destacaram ainda mais a falta de contato dos estudantes com iniciativas para prepará-los para atuar com processos ou ambientes de inovação. O fato de os respondentes emitirem críticas sobre a ausência de disciplinas, atividades, estímulo e preparo para atuar com empreendedorismo e inovação reforça que há uma lacuna neste sentido, mas também pode ser considerado um bom sinal de que os próprios alunos estão atentos a estes temas, mesmo que não estejam sendo abordados pelos PPGs. Além disso, os exemplos de experiências no exterior, aparentemente com um ambiente mais moldado para envolver os alunos nessas questões, são bastante enriquecedores, pois os egressos relatam preocupação com a distância do preparo para inovação nestes países em comparação com o Brasil, o que serve de alerta, e talvez até de inspiração, para a rede de contatos que permanece no país, podendo estimular iniciativas a fim de melhorar o cenário atual.
Neste contexto, destacamos dois pontos que fundamentam a necessidade de se repensar atividades e estímulos relacionados à inovação no contexto das pós-graduações, em especial, as que formam profissionais em setores estratégicos e que se encontrem em cenários semelhantes ao que retratamos nas Ciências Biológicas. O primeiro é a necessidade de ampliar a formação de pessoal qualificado participando ativamente do desenvolvimento tecnológico e processos de inovação, especialmente com base no conhecimento de fronteira que está sendo produzido nas universidades brasileiras. E o segundo é que, se, por um lado, o setor acadêmico é incapaz (e nem deve) de absorver todos os mestres e doutores brasileiros e o desemprego e a dificuldade de inserção em outros mercados de trabalho já são uma realidade incômoda, por outro, a ampliação do número de doutores no país ainda é considerada uma meta estratégica para o desenvolvimento econômico e social brasileiro.
Aparentemente não há solução fácil para este cenário, mas ela passa por um esforço coletivo com ações que envolvam agentes do governo, do setor privado e das universidades. Sobre este último segmento, faz-se necessário que docentes, gestores e coordenadores de pós-graduação unam esforços no sentido de criar uma cultura que encoraje a atuação dos estudantes e egressos em outros ambientes que também operam com ciência e inovação, além dos acadêmicos. Isso porque a demanda de novos profissionais nesses espaços já está incompatível com a oferta de oportunidades, impulsionando problemas que vão desde a saúde mental de estudantes e egressos (Pinzón et al., 2020) até a fuga de cérebros (Azevedo; Dutra, 2021).
Nos debates relacionados à inovação nos ambientes acadêmicos, em especial, nos ambientes universitários é muito comum o aparecimento de conflitos relacionados à construção e ao uso do conhecimento. O principal argumento é que universidades deveriam sempre atuar na expansão do conhecimento de fronteira – por meio da ciência básica – e que, com o discurso do empreendedorismo acadêmico, os interesses das empresas possivelmente influenciarão e direcionarão as atividades de acordo com seus próprios interesses. Este trabalho não pretende defender que a formação na pós-graduação deve direcionar para um tipo específico de qualificação, mas sustentar que os conhecimentos necessários para desenvolver pesquisas básicas e pesquisas aplicadas devem ser promovidos nos ambientes das pós-graduações brasileiras.










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