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Ciência & Educação

versão impressa ISSN 1516-7313versão On-line ISSN 1980-850X

Ciência educ. vol.29  Bauru  2023  Epub 03-Abr-2023

https://doi.org/10.1590/1516-731320230012 

Artigo Original

Proposições acerca da experimentação formativa para Educação Química

Propositions related to the formative experimentation for Chemical Education

Rosivânia da Silva Andrade1 
http://orcid.org/0000-0002-3384-2269

Vânia Gomes Zuin Zeidler2 
http://orcid.org/0000-0003-4452-4570

1Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Centro de Educação e Ciências Humanas, São Carlos, SP, Brasil.

2Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, Departamento de Química, São Carlos, SP, Brasil.


Resumo:

Este artigo tem o objetivo de apresentar um desenho metodológico para atividades experimentais, que busca o desenvolvimento de uma formação crítica, por meio da transformação do pensamento, para uma consciência crítica sobre a ciência e suas relações sobre a realidade social, econômica e ambiental. Para tanto, os principais referenciais teóricos que configuram essa metodologia derivam da Teoria Crítica, a partir do conceito de formação crítica, das características que orientam o trabalho experimental investigativo e sobre as concepções e princípios da Química Verde e Sustentável. Baseada nessas perspectivas teórico-metodológicas emerge a Abordagem Experimental Formativa que, organizada em cinco fases, se propõe a contribuir na superação das visões simplistas que comprometem a compreensão sobre o papel da Experimentação e a construção de caminhos teóricos e metodológicos que viabilizem uma formação mais crítica para o Desenvolvimento Sustentável.

Palavras-chave: Ensino de química; Experimentação; Desenvolvimento sustentável; Formação crítica; Teoria crítica

Abstract:

This article aims to present a methodological design for experimental activities that seeks to develop a critical, reflexive education, through the change of mind and critical awareness of science and its relations to social, economic, and environmental realities. Therefore, the primary theoretical references that configure this methodology derive from Critical Theory, from the characteristics that guide investigative experimental work, and the concepts and principles of Green and Sustainable Chemistry. Based on these theoretical-methodological perspectives, the Formative Experimental Approach emerges, organized into five phases. The study aims to contribute to overcoming simplistic visions that compromise the understanding of the role of Experimentation and the construction of theoretical and methodological paths that enable a more critical approach to sustainable development.

Keywords: Chemistry teaching; Experimentation; Sustainable development; Critical training; Critical theory

Introdução

A experimentação desenvolvida nos laboratórios de ensino tem papel fundamental para a construção do conhecimento científico e suas implicações ambientais. No entanto, em geral, as práticas experimentais desenvolvidas têm se estabelecido como transitórias e pontuais, além de apresentarem poucos conceitos sobre a prevenção da geração de subprodutos indesejáveis e tóxicos ao ambiente (PRADO, 2003; ZUIN; ZUIN, 2017).

Esse cenário também tem causado aumento significativo de problemas ambientais, uma vez que as práticas desenvolvidas no processo de formação estão estreitamente ligadas à atividade profissional (RIBEIRO; COSTA; MACHADO, 2010). Nesse sentido, Jacobi (2007) propõe que o caminho para uma sociedade sustentável se estabelece à medida que se desenvolvem práticas pedagógicas orientadas por uma atitude reflexiva em torno da problemática ambiental.

O interesse em desenvolver materiais e métodos considerados, ambientalmente, mais corretos, como forma de superar os problemas ambientais ocasionados pelas práticas laboratoriais da química, dita como tradicional, faz emergir discussões acerca da Química Verde (ANASTAS; WARNER, 1998) e da Química Sustentável (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2019), as quais têm, em comum, projeto, fabricação e uso benigno de produtos e serviços químicos eficientes, efetivos, seguros e inofensivos às pessoas e ao ambiente.

Para que ocorra a inserção e desenvolvimento da Química Verde e Sustentável, é necessário que as práticas experimentais oportunizem a tomada de decisão consciente sobre problemas socioambientais em um viés reflexivo. Essa necessidade também é apresentada por Adorno (2010), quando afirma que a produção da ciência deve possibilitar a tomada de consciência sobre seus benefícios e consequências.

Os processos educacionais, nessa perspectiva, são entendidos como um processo reflexivo em que o indivíduo estabelece uma postura crítica em relação à cultura e à sociedade existente (BIESTA, 2012a, 2012b). Portanto, a formação crítica implica numa transformação do sujeito e exige tempo de reflexão e continuidade, em contraste com o imediatismo e a fragmentação de racionalidade formal (ZUIN, 2012).

Uma prática experimental que se estrutura a partir de uma abordagem investigativa e pelos pressupostos da Química Verde e Sustentável, pressupõe o rompimento dessa reprodução irrefletida do conhecimento, possibilitando aos estudantes a ressignificação, ou construção, de novos conhecimentos químicos que deem preferência a utilização de reagentes de fontes renováveis e de fácil degradação, evitando a geração e uso de materiais perigosos e, ressignificando, a prevenção e minimização da geração de resíduos.

Dentre as várias possibilidades de investigação, proporcionadas pelo contexto, delimitamos a questão de pesquisa como: de que maneira os fundamentos da teoria crítica, os aspectos da experimentação investigativa e as orientações da Química Verde e Sustentável viabilizam a estruturação de uma abordagem experimental que atenda as demandas formativas emergentes?

Diante dessa questão, a pesquisa tem como objetivo geral investigar os aspectos teóricos e metodológicos que viabilizam a construção de práticas experimentais que atendam as demandas formativas emergentes. Para o alcance desse objetivo, pretendemos: (i) identificar as relações teóricas entre a experimentação investigativa e a Química Verde e Sustentável, necessárias à elaboração de experiências formativas na prática experimental e (ii) analisar os elementos teóricos emergentes com as condições e variáveis necessárias à experimentação para a Educação Química.

Portanto, consideramos que os aspectos teóricos e metodológicos, que orientam as práticas experimentais na Educação Química, precisam ser revistos (ANDRADE; ZUIN, 2021a) como forma de refletirmos sobre modos mais efetivos para a construção do conhecimento sociocientífico e da consciência das consequências dessa construção, de forma a levar os estudantes a construírem experiências, em um processo formativo e coerente, com as necessidades para esse século, pois é através da educação que a ciência pode obter resultados favoráveis quanto às atitudes na preservação e construção de um ambiente mais saudável a todos.

Os fundamentos da formação crítica1 como um guia teórico

O conceito educacional da formação crítica vem sendo reconhecido em discussões atuais sobre questões educacionais e, com isso, tem influenciado ações teóricas e curriculares no desenvolvimento das ciências da educação em todo o mundo. Desse modo, entende-se que argumentar a favor da Educação Química crítica é algo necessário para desenvolver cidadãos autônomos e responsáveis.

O sentido desse conceito, portanto, deve ser pensado a partir de um diagnóstico de nosso próprio tempo (BIESTA, 2013; KOSELLECK, 1997). Sob essa concepção, a formação crítica pode ser compreendida em duas faces centrais: continuidade e temporalidade, as quais devem se afirmar, mutuamente, no processo formativo. “A continuidade refere-se à importância de que os conteúdos culturais permaneçam presentes no decorrer desse processo” (PUCCI; ZUIN; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 2012, p. 117), ainda que modificados. Desse modo, as novas situações devem ser colocadas em relação aos saberes existentes em um movimento de reflexão que transforma as relações em conteúdos significativos.

A continuidade, como eixo importante no processo de aprendizagem, exige do indivíduo o estabelecimento de relações entre conceitos das mais variadas áreas do conhecimento. Trata-se de colocar em prática uma leitura do que se sabe para construir o conhecimento presente a partir de uma imagem dialética e descontínua entre o presente e o passado (BENJAMIN, 1991, 1994). Portanto, é a partir da continuidade que as novas situações são colocadas em relação aos estados existentes, permitindo a continuidade dos saberes pela racionalidade consciente do conhecimento, esse que é considerado válido.

Nesses termos, o processo de continuidade da consciência tem como par dialético a dimensão temporal. A ideia de tempo, tal como é entendida aqui, é qualitativa/social e rege múltiplas temporalidades. Essas, por sua vez, são próprias e intrínsecas a cada indivíduo e lhes permite definir sequências, durações e intensidades em relação ao conhecimento (BENJAMIN, 2006).

A temporalidade “[...] relaciona-se à necessidade de que sejam considerados os vínculos temporais entre os objetos de estudo” (PUCCI; ZUIN; RAMOS-DE-OLIVEIRA, 2012, p. 117). Aqui, rompe-se com o tempo linear e mecânico e abre-se a possibilidade de uma experiência, pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente temporal e contínua, a relação entre os objetos de estudo é dialética (BENJAMIN, 2006).

Portanto, a consciência do presente que capta a relevância do passado na sua composição (temporalidade), em um processo de exercício e a associação do conhecimento (continuidade), se tornam elementos centrais. Em uma sociedade globalizada, a formação crítica tem sido pensada para incentivar a democracia e dar condições aos cidadãos de levar vidas autodeterminadas e responsáveis (HORLACHER, 2016).

No entanto, as condições sob as quais a formação crítica pode florescer estão sendo minadas, quase que sistematicamente, tanto na Educação Básica, como no Ensino Superior (GRUSCHKA, 2014). Esse cenário é decorrente do desenvolvimento da educação como instrumentalização do ensino e não como formação.

O laboratório de Química tem retratado esse contexto em muitas ocasiões, principalmente quando prevalece a noção de que os ensaios laboratoriais são autossuficientes e sua produção é descontextualizada em relação às determinações socioculturais que as geraram (ZUIN; ZUIN, 2017).

Em contraponto a esse cenário, é importante que a abordagem experimental impulsione os estudantes à busca de conhecimento para desenvolver técnicas, de modo a conscientizar sua relação com o ambiente e suas implicações com a saúde humana. Esse modelo permite aos estudantes experiências e autonomia, quanto ao seu processo de aprendizagem, pois são eles quem desenvolvem o procedimento que investigará o problema sociocientífico, decidem quais dados colocar, como interpretar e quais as soluções são mais viáveis. Nesse processo de subjetivação, os indivíduos se tornam “autônomos – sujeitos de ação e responsabilidade” (BIESTA, 2012c, p. 7).

No processo formativo crítico, o papel do indivíduo deve ser entendido como um processo reflexivo (BIESTA, 2012b). Dessa forma, o experimento para a Educação Química, além do seu caráter técnico, deve possuir uma forte visão socioambiental que permite aos estudantes repensar valores e ações a partir de questões autênticas e controversas.

As práticas experimentais devem estar alinhadas a questões sociocientíficas que tenham relevância ou significado pessoal para o aluno, no presente ou no futuro, como tendo potencial para aumentar a sua capacidade de autodeterminação, participação na sociedade e solidariedade com os outros (ANDRADE; ZUIN, 2021b; CHASSOT, 2018; ZUIN; KÜMMERER, 2021).

Diante desse cenário, o conhecimento derivado da experiência vivenciada, a partir de questões sociocientíficas, é aprofundado e permanece, ainda que transformado, permitindo condições para que o sujeito possa estabelecer, criticamente, os julgamentos necessários às suas intervenções no mundo material (BENJAMIN, 1991; ZUIN; ZUIN, 2016).

Nessa perspectiva, a inserção da problematização no experimento se torna aspecto importante no processo de formação crítica, pois à medida que propõe questões socialmente relevantes para a vida dos estudantes na sociedade atual, oportuniza, a partir dos conhecimentos adquiridos, a tomar decisões informadas, tanto em sua vida pessoal, quanto como cidadãos engajados em processos democráticos. A formação crítica, como prática (SUAREZ, 2005), possibilita ao sujeito se tornar propulsor na melhoria das relações sociais, científicas, tecnológicas e ambientais.

Os fundamentos da experimentação investigativa como um guia metodológico

A importância acerca da realização de atividades práticas investigativas para o processo de ensino-aprendizagem das ciências da natureza tem ganhado espaço no campo da didática das ciências (CHINELLI; AGUIAR, 2008; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; GOMES; BORGES; JUSTI, 2008; PRAIA; GIL-PÉREZ; VILCHES; 2007; TRÓPIA, 2011).

Diferente de outras atividades experimentais, as práticas investigativas possibilitam o aprimoramento do raciocínio e das habilidades cognitivas dos estudantes, bem como possibilita a compreensão da natureza do conhecimento científico (ZOMPERO; LABURU, 2011), além de abordar o conhecimento em situações reais e dentro de seu contexto (CAPECCHI, 2013; VANNUCCHI, 2016).

Em complementariedade, Domin (1999a, 1999b, 2009) apresenta em seus estudos que essa abordagem experimental favorece uma melhor aprendizagem e atitude dos alunos, em relação à pesquisa científica. Além disso, permite que eles associem conceitos teóricos, mais claramente, a dados empíricos, pois exige que formulem o problema; relacionem a investigação com o trabalho anterior; declarem o objetivo da investigação; prevejam o resultado e estabeleçam suas próprias conclusões; identifiquem o procedimento e realizem a investigação.

Essas descrições também caracterizam a respectiva abordagem em nível de abertura de uma atividade prática muito aberta (JIMÉNEZ VALVERDE; LLOBERA JIMÉNEZ; LLITJÓS VIZA, 2006). Em termos de níveis de abertura, a abordagem investigativa pode, ainda, ser subdividida em investigativa-aberta e investigativa-guiada (PAVELICH; ABRAHAM, 1979; SILVA; MACHADO; TUNES, 2011). Na primeira, nenhum procedimento ou instrução é fornecido aos estudantes e, na segunda, alguns procedimentos ou instruções lhes são fornecidos.

Independentemente de serem abertas ou guiadas, as práticas experimentais, do tipo, investigativa possibilitam que os estudantes sejam mais ativos no processo de aprendizagem, pois requer deles muito mais atenção e esforço, são menos direcionadas e conferem, aos alunos, uma responsabilidade muito maior ao decidirem sobre o procedimento apropriado. Essa abordagem tem como objetivo possibilitar aos estudantes o direcionamento da sua própria aprendizagem, isso enquanto exploram os conceitos científicos envolvidos em situações complexas.

Apoiadas em um contexto do ensino por investigação as atividades práticas investigativas adotam a problematização como propulsora do seu estabelecimento, pois cada conceito científico oferece um meio de interpretação de nossa experiência no mundo (CAPECCHI, 2013). Problematizar o trabalho experimental proporciona ao estudante um diálogo entre o teórico (o idealizado) e o prático (o realizado), ou seja, a teoria intervém, ativamente, nas explicações que os resultados da prática sugerem (PRAIA; CACHAPUZ; GIL-PÉREZ, 2002).

Nesse contexto, as práticas experimentais, em uma abordagem investigativa, tomam o ensinar e o aprender como processos indissociáveis, permitindo a abordagem contextual e interdisciplinar do conceito, além da inserção dos aspectos socioambientais como decorrentes dos contextos escolhidos (CARVALHO, 2013; SILVA; MACHADO; TUNES, 2011; ZUIN et al., 2019). Portanto, esse tipo de abordagem possibilita a formação dos estudantes para uma atuação profissional futura questionadora e reflexiva, concebida por um tratamento científico, autodirigido e realimentado, coletivamente, dos problemas sociocientíficos que se enfrenta.

A química verde e sustentável como um conhecimento necessário

Nos anos 1990, um número de substâncias tóxicas, carcinogênicas e corrosivas foi rotineiramente usado em laboratórios de ensino, muitas vezes, sem aplicações práticas para os estudantes. Essa configuração levou os laboratórios de ensino a serem vistos como perigosos e irrelevantes (HAACK et al., 2013).

Esse crescimento desenfreado e desmedido, na utilização de produtos químicos, sem se importar com as consequências decorrentes a curto e longo prazo, tem causado prejuízos tanto à saúde, quanto ao meio ambiente, que se faz sentir até os dias atuais (PIMENTEL et al., 2006).

Nesse contexto, é importante direcionar o trabalho experimental desenvolvido nos laboratórios de ensino a partir de métodos criativos e inovadores de reduzir impactos, descobrir substituições de substâncias perigosas e diminuir a geração de resíduos, por exemplo; é pensar e agir sob a perspectiva da Química Verde e da Química Sustentável.

O termo Química Verde foi estabelecido em 1998, com a publicação do livro Green chemistry: theory and practice, de Paul Anastas e John C. Warner. A Química Verde pode ser tratada como uma filosofia, um campo emergente (ANASTAS; EGHBALI, 2010; LOGAR, 2011), um movimento (WOODHOUSE; BREYMAN, 2005) ou uma abordagem alternativa, ambientalmente correta, em resposta às práticas tradicionais na área de Química, principalmente, àquelas consideradas não sustentáveis (EPICOCO; OLTRA; SAINT JEAN, 2014; ZUIN, 2012).

Introduzir a Química Verde nas práticas laboratoriais significa empregar “[...] o uso de uma série de princípios que reduzem ou eliminam a utilização e a geração de substâncias nocivas em seu desenho, manufatura e aplicação” (ANASTAS; WARNER, 1998, p. 11, tradução nossa) e objetiva a redução de riscos diversos, através da eliminação do perigo associado às substâncias químicas tóxicas ao invés da restrição de exposição às mesmas.

Com base em seu primeiro princípio, o da prevenção, a Química Verde busca evitar a produção de resíduos sólidos e líquidos antes mesmo de serem produzidos, configurando-se em uma maneira mais eficiente de minimizar o impacto ambiental das atividades laboratoriais, seja de pesquisa ou de ensino.

A noção de Química Sustentável também foi desenvolvida nos anos 1990, com a Organisation for Economic Co-operation and Development (2012) focada, principalmente, no desenvolvimento de orientações para o estabelecimento de programas de pesquisa e desenvolvimento em Química Sustentável, desempenhando um papel importante no avanço desse conceito.

Embora as definições aceitas em todo o mundo ainda estejam em desenvolvimento, a OECD caracteriza a Química Sustentável como “[...] um conceito científico que busca melhorar a eficiência com a qual os recursos naturais são usados para atender às necessidades humanas de produtos e serviços químicos” (ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, 2019, tradução nossa).

Em 2015, quando a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável foi adotada, a Química Sustentável passou a ser uma fonte importante de contribuições sustentáveis. No âmbito educacional, pesquisas já têm sido desenvolvidas (ANDRADE; ZUIN, 2021b, 2022) tendo em vista processos educativos que viabilizem a formação dos indivíduos que contribuam para alcançar os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Levando em consideração a mudança na química em direção a uma visão holística de práticas verdes e sustentáveis, há uma crescente discussão no contexto internacional sobre a Química Verde e Sustentável (GSC) (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME, 2019). Elas têm em comum um projeto, fabricação e uso benignos de produtos e serviços químicos eficientes, efetivos, seguros e inofensivos ao ambiente. No entanto, enquanto a Química Verde se dedica, principalmente, a questões técnicas e de engenharia, como síntese, economia de átomos e uso de solventes, e, portanto, deriva de uma perspectiva de design e produção, a Química Sustentável abrange todas as etapas do ciclo de vida, bem como implicações diretas e indiretas nas áreas circundantes e aborda diferentes perspectivas, além de aspectos ambientais como economia e sociedade. Essa abordagem holística distingue a Química Sustentável da Química Verde ao mesmo tempo em que as integram, estabelecendo uma relação de complementariedade igualmente importantes (BLUM et al., 2017).

Hoje, as transições são fluidas, de modo que as inovações em Química Verde e Sustentável adotam abordagens comuns ao gerenciamento de produtos químicos que podem reduzir os riscos para a saúde humana, ecossistemas e economias (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME, 2019).

Diante do contexto até aqui descrito, consideramos que a incorporação da Química Verde e Sustentável em práticas experimentais oportuniza aos estudantes uma interrelação mais inteligente com a natureza e promove um espiral de aprendizagem mais eficaz, viabilizando uma avaliação crítica da aplicação do conhecimento em Química, tendo em vista o diagnóstico e o equacionamento de questões ambientais, além das competências necessárias para um profissional em Química, requisitadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Química (BRASIL, 2001).

A experimentação formativa: uma nova possibilidade para o ensinar química

A importância acerca da realização de atividades práticas que oportunizem o desenvolvimento de experiências formativas para o processo de ensino e aprendizagem em química tem sido amplamente discutida (ANDRADE; ZUIN, 2023; GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; LÔBO, 2012; ZUIN; ZUIN, 2017; ZUIN et al., 2019). Essas discussões seguem em contraposição à tendência histórica, essa que insiste em considerar a Química uma ciência puramente prática e a ideia de que os experimentos são absolutos e autossuficientes, ou seja, seus conteúdos são regidos por uma lógica própria e sem relação alguma com as estruturas sociais que, na verdade, os originaram (ZUIN, 2012).

Portanto, não há possibilidade alguma de apartar as práticas laboratoriais da sociedade, na qual este tipo de prática didática se insere, afinal, a experimentação é uma forma de representar o mundo e um mecanismo para a construção de uma consciência crítica sobre a realidade cultural, econômica, social, histórica e ambiental (CHASSOT, 2004; SILVA; MACHADO; TUNES, 2011).

Diferente de outras atividades experimentais, o modelo experimental emergente dos estudos teóricos foi pensado para a formação crítica. Para isso, foi estruturada a possibilitar o aprimoramento do raciocínio e das habilidades cognitivas dos estudantes, bem como a compreensão da natureza do conhecimento científico, além de abordar o conhecimento, em situações reais, dentro de seu contexto social, histórico e ambiental, promover a interdisciplinaridade e permitir a inserção de práticas verdes e sustentáveis.

Introduzir a Química Verde e Sustentável, por meio da sua filosofia e princípios, constitui um dos pilares centrais para a construção de uma abordagem experimental mais ampla na contemporaneidade e, portanto, adequada para se enfrentar as complexas relações quando pensamos em ambiente, sociedade e educação.

Nesse contexto, as diretrizes científicas da Química Verde e Sustentável contribuem no estabelecimento da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS), através da experimentação. Esse termo consiste na evolução socioeconômica da humanidade, de forma a não comprometer os recursos e necessidades das gerações futuras através do reconhecimento da inter-relação entre seres humanos e o ambiente. Em concordância com Rauch (2015), a educação para tal é vista como chave e deve focar em conteúdos que encorajem os estudantes a participarem e refletirem as suas próprias ações quanto ao desenvolvimento sustentável.

A Experimentação, tomando o conceito de formação crítica, vai além das boas práticas de laboratório, requer a incorporação de saberes e práticas laboratoriais que permitam o questionamento, a revisão e o desenvolvimento de abordagens mais adequadas à formação de profissionais com competências e habilidades técnicas e pessoais direcionadas à sustentabilidade.

Essa visão tem reflexo direto no alcance dos objetivos centrais para o desenvolvimento de práticas laboratoriais mais críticas (HODSON, 1992, 1993, 1994): aprendizagem das ciências como a aquisição e o desenvolvimento de conhecimentos teóricos; aprendizagem sobre a natureza das ciências em que o desenvolvimento da natureza e dos métodos da ciência tomam consciência das interações complexas entre ciências e sociedade e a prática da ciência em que há o desenvolvimento técnico, ético, entre outros, sobre a investigação científica e a resolução de problemas.

Diante dessas perspectivas, a Experimentação Formativa pode se estabelecer em cinco fases, a partir da fase zero, evidenciando a ciência como resultado de uma construção humana e social.

Fase zero: apresentação do problema experimental

A fase zero caracteriza a proposição do problema aos estudantes. Nesse momento, eles são organizados em pequenos grupos e é proposto o problema. É recomendado que o problema viabilize o desenvolvimento do conceito desejado e que adote questões sociocientíficas.

A natureza do problema deve estar contida na cultura social do estudante, ou seja, ser um problema local, mas também que possua escala global. Essa característica permite que o problema possa ser percebido e compreendido dentro dos contextos sociais, tecnológicos e culturais da construção e produção científica. A problematização mnemonicamente viabiliza, sob uma perspectiva de aprendizagem para o saber-ação, a aproximação dos conhecimentos que os estudantes já têm, provocando, de acordo com Benjamin (1991), que os elementos/conhecimentos passados que os estudantes já possuam sejam aprofundados e permaneçam, ainda que transformados.

Primeira fase: exploração das ideias e inserção dos conceitos fundamentais

Após a exposição do problema, o estudante é convidado a explorar suas ideias. Nesse momento, eles precisam restaurar os conhecimentos já construídos para a compreensão de um novo fenômeno/conceito. E esse rememorar, de acordo com Benjamin (1994), implica em um gesto ativo do sujeito.

Esse momento levará à geração de hipóteses para solucioná-las. Deve-se considerar a hipótese do experimento uma elaboração de caráter social, pois, de acordo com Horkheimer (1991), a relação de hipóteses e fatos não surge de forma separada da sociedade e de suas implicações práticas.

Nessa etapa, as hipóteses devem ser discutidas e analisadas coletivamente, juntamente com o professor, verificando a base química do conhecimento e a reflexão social sobre sua aplicação prática. É importante destacar que as hipóteses, quando testadas, experimentalmente, forneceram substratos necessários para que o conhecimento se desenvolva e permaneça.

Nesse ponto, é importante destacarmos o papel do erro no processo de elaboração e testagem das hipóteses, o qual, de acordo com Bachelard (2005), não possui conotação negativa, mas é importante na construção do conhecimento, pois é a partir do erro que o estudante observa o que não deu certo e elimina variáveis que possam interferir na resolução do problema.

É necessária, de forma integrada, a inserção dos conceitos científicos fundamentais na resolução do problema, por considerarmos que nenhum desses pode ser resolvido sem os conhecimentos teóricos e práticos necessários e suficientes para orientar a sua resolução.

Essa ação permite continuidade à consciência, à medida que o estudante terá conhecimento teórico e prático para exercitar suas ideias sobre o problema, elaborar seu plano de ação e desenvolver um design experimental adequado à experimentação para o Desenvolvimento Sustentável. Esse momento caminha para o rompimento do estado informativo pontual e desconectado do conhecimento que Adorno (2010) apresenta como alguns dos problemas para o estabelecimento da experiência.

Segunda fase: desenvolvendo design experimental

Nessa fase, os estudantes são convidados a pensar, desenhar ou redesenhar um experimento que possa testar as hipóteses selecionadas na etapa anterior e responder o problema proposto. Para tanto, é necessário que o experimento esteja voltado à simplicidade (FIKSEL, 1996) e que incorpore os princípios da Química Verde e Sustentável.

Esse movimento direciona-se para o desenvolvimento de um design experimental que tenha as substâncias e materiais envolvidos renováveis, ou que possam ser reutilizados e que não apresentem riscos de acidentes à saúde e ao meio ambiente; que todo resíduo formado seja recuperado, ou reutilizado; que estabeleçam as medidas e os cuidados no manuseio dos reagentes, produtos, equipamentos e resíduos e que inclua a base química do conhecimento, assim como a reflexão social, ambiental e econômica, sobre sua aplicação prática.

O design pensado para um processo formativo se configura como um guia para a própria investigação, pois possibilita ao estudante um maior controle sobre a sua própria aprendizagem, sobre as suas dificuldades e de refletir sobre o porquê delas, para as ultrapassar. Além de inserir os aspectos sociais, econômicos e ambientais, esses que integram a elaboração e resultado do experimento.

É importante que esse guia possua, além da descrição do experimento e suas relações sociocientíficas, os riscos, porventura, existentes, e os cuidados a serem tomados para a condução da prática. Como também evidenciar os possíveis resíduos gerados e como irá tratá-los e descartá-los. Sendo assim, essa fase requer, dos estudantes, habilidade de conhecimento, seleção de conteúdo e esquema de atuação para resolução da situação problema.

Terceira fase: experimentação

De posse dos conceitos fundamentais e do design do experimento, os estudantes são inseridos na fase experimental, na qual as hipóteses estabelecidas são testadas e observadas. Como já mencionamos, é importante destacar o papel do erro (BACHELARD, 2005), considerando que não confirmar uma dada hipótese faz parte do processo de construção da ciência, assim como do processo formativo de aprendizagem.

Essa fase requer, dos estudantes, habilidades técnicas quanto à manipulação das vidrarias, reagentes e descarte dos resíduos, assim como habilidades de liderança, a partir do pensamento crítico sobre a prática, comunicação e trabalho em equipe. Essas habilidades são necessárias para que essa fase se dirija a uma autorreflexão crítica (ADORNO, 1995) sobre as hipóteses geradas e plano de ação desenvolvido.

Após a ação manipulativa, é realizada a fase de análise dos dados, a qual deve ser sustentada por uma base teórica orientadora da análise dos resultados. Os dados devem ser coletados e organizados, considerando uma resolução flexível e estratégica da resposta diante à situação-problema apresentada. De acordo com as observações no desenvolvimento das práticas experimentais dos licenciandos na Educação Básica, podemos considerar esse momento o mais difícil para os estudantes, tendo uma necessidade da mediação do professor para o estabelecimento da relação teoria-experimento.

O professor, nesse processo, rompe com os aspectos da autoridade pedagógica (HORKHEIMER, 1991), à medida que participa estimulando os estudantes a refletirem e opinarem sobre os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais que estão desenvolvendo, para, assim, orientar autorreflexões críticas e colocar o estudante como participante ativo na construção do seu saber.

Inicialmente, os resultados devem ser discutidos, internamente, entre os grupos e deve ser proposta uma solução inicial. Após a verificação de que todos os grupos apresentaram uma solução para o problema, o professor deve organizar a classe para um debate entre todos os grupos sob sua mediação. Essa organização requer a participação individual e social do estudante, viabilizando a construção de uma aprendizagem na mediação da continuidade e temporalidade.

Quarta fase: construindo experiências formativas

Nessa fase, os estudantes realizam uma reflexão crítica sobre os elementos que integram o processo teórico e empírico que envolve a prática experimental. Esse processo requer do estudante saber conceitual, procedimental e atitudinal para apresentação da resolução do problema na forma escrita.

A escrita é considerada, nesse processo, como um instrumento de aprendizagem que realça a construção do conhecimento em um processo de exercício e associação das informações vivenciadas e assimiladas. Aliada à oralidade, desenvolvida na fase anterior, perpassa os âmbitos individuais e coletivos na constituição da memória (BENJAMIM, 1994), fornecendo substratos necessários para a continuidade da consciência sobre o conhecimento e suas relações.

Esse movimento permite, de acordo com Adorno (2010), que os elementos constituintes de cada fase sejam exercitados e penetrem na consciência, se fundindo em sua continuidade.

Considerações finais

No decorrer dessa construção teórica, buscamos contribuir para as discussões e desenvolvimento de práticas experimentais inovadoras, no campo da Educação Química, tendo em vista a necessidade de uma renovação constante nessa área.

Os aspectos e as relações existentes entre a abordagem experimental investigativa, a formação crítica e a Química Verde e Sustentável foram identificadas como uma via para o favorecimento de práticas experimentais mais emergentes, que situa o sujeito na construção do seu próprio saber.

Assim, os caminhos metodológicos, aqui desenhados, para a organização do trabalho experimental, proporcionam um modelo de aprendizagem que inclui o conhecimento químico para uma reflexão social sobre sua aplicação prática. As fases que compreendem a Experimentação Formativa possibilitam um processo de aprendizagem em que o estudante aprende a formar-se (SUAREZ, 2005), pois possui um caráter prático e dinâmico, permitindo ao sujeito a formação de si, pela formação das coisas; remete à experiência como substrato necessário para que o conhecimento seja aprofundado e permaneça e tem uma natureza circular, cíclica e alternante que permite o processo ser, ao mesmo tempo, progressão e retorno.

Essa estrutura, inevitavelmente, carrega consigo uma conjuntura que viabiliza, de acordo com Adorno (1995), uma educação que dirige para uma autorreflexão crítica; que tem a técnica como um meio para a construção do conhecimento e não como fim em si mesma; requer uma aprendizagem que ultrapasse a apropriação técnico instrumental e se dirija para relações sociais, históricas e ambientais que envolvem o conceito.

A abordagem que emerge desse estudo é desenhada para uma mudança de um ensino algorítmico e transmissivo para processos que privilegiem o desenvolvimento de habilidades cognitivas de elevada ordem, ou seja, que caminhem de uma perspectiva educativa reduzida, ligada apenas aos aspectos analíticos, ecotoxicológicos ou tecnocientíficos ambientais restritos, para uma abordagem interdisciplinar, proporcionando uma experimentação crítica que coloca à disposição de alunos e professores, subsídios para desenvolver a capacidade de agir e pensar criticamente, considerando o potencial formador que a experimentação, sob esses moldes, podem trazer à Educação Química.

Situar o trabalho experimental desenvolvido no laboratório em um contexto sócio-histórico contemporâneo é se contrapor, assim como colocado pela Teoria Crítica, à descrição neutra da realidade e das relações humanas para a construção do conhecimento científico.

Portanto, o desenho de uma proposta de Abordagem Experimental Formativa se apresenta como uma contribuição para a melhoria de dois aspectos da Educação Química: a superação das visões simplistas que comprometem a compreensão sobre o papel da Experimentação e a construção de caminhos teóricos e metodológicos que viabilizem uma formação mais reflexiva e crítica para o Desenvolvimento Sustentável.

1A formação crítica é apresentada nesse estudo fundamentada no conceito de Bildung amplamente discutido pelos estudiosos da Teoria Crítica.

Agradecimentos

As autoras agradecem o fomento à pesquisa proporcionado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes 88882.426363/2019-01 e 001) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 311000/2014-2, 421096/2016-0, 310149/2017-7).

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Recebido: 24 de Agosto de 2022; Aceito: 13 de Dezembro de 2022

Autora correspondente: rosivania.andrade@ufscar.br

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